EN PT

Artigos

0332/2007 - Mídia e Drogas: Análise Documental da Mídia Escrita Brasileira Sobre o Tema Entre 1999 e 2003.
Media and Drugs: Documental Analysis of the Brazilian Writing Media about the Theme between 1999 and 2003.

Autor:

• Telmo Mota Ronzani - Ronzani, T.M. - Juiz de Fora, MG - Universidade Federal de Juiz de Fora - <tm.ronzani@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8927-5793


Área Temática:

Não Categorizado

Resumo:

OBJETIVO: analisar os conteúdos que a mídia escrita brasileira apresenta sobre drogas. METODOLOGIA: Foram pesquisados artigos sobre drogas em uma revista de circulação nacional, entre 1999 e 2003, através de Análise de Conteúdo. RESULTADOS: Foram encontrados 481 artigos. A subcategoria “consumo” foi a mais abordada; sendo as drogas mais citadas: cocaína (21%), maconha (19%), álcool (12%) e cigarro (12%).Quanto a categoria “saúde”, o cigarro apresentou 57% dos artigos relacionados aos “malefícios do uso”, enquanto o álcool foi caracterizado pela ambivalência (ocorrências iguais para benefícios e malefícios) e associado à dependência (23%), enquanto a cocaína mais ocorrências relacionaram-se ao tráfico (30%). De modo geral, a cocaína e a maconha receberam destaque da mídia, enquanto o álcool e solventes tiveram pouco destaque em comparação aos dados epidemiológicos de uso. CONCLUSÕES: percebe-se que existe uma incompatibilidade entre o enfoque da mídia e o consumo de drogas no Brasil, fato que pode influenciar as crenças das pessoas sobre determinadas substâncias e as políticas públicas sobre drogas no Brasil.
Palavras-Chave: Drogas, Mídia, Saúde Pública.

Abstract:

AIMS: to analyze the kind of information that the Brazilian “written media” has published about drugs. METHODOLOGY: it was researched articles about drugs in a national circulation magazine between 1999 and 2003, through a Analysis of Content. RESULTS: A total of 481 articles have been found. The “consumption” was the topic that most appeared. The most quoted drugs was: cocaine (21%), marijuana (19%), alcoholic beverages (12%) and cigarettes (12%). This research also showed that cigarettes had the 57% of the articles was related to its harmful efects whereas alcohol had the same amount of articles showing it as a good or a bad substance for the human being and considered the most addictive drug (23%) whereas cocaine had related to drug dealing (30%). In general cocaine and marijuana had been in focus in the media whereas alcohol and solvents had less prominence considering the epidemiologic data of use. CONCLUSIONS: We can notice that there is a incompatibility between the media’s hang and consumption’s profile of drug in Brazil, what can influence the person’s beliefs about determinates substances and the public politics about drugs in this country.
Key-words: Drugs, Media, Public Health

Conteúdo:

1- Introdução
O uso de substâncias psicoativas tem se tornado, nos últimos anos, um dos principais problemas de saúde pública em todo o mundo 1; 2, sendo associado não só a diversos problemas de ordem biológica, como também a problemas sociais, dentre os quais se encontram a violência e questões ligadas ao uso ou tráfico de drogas ilícitas 3; 4; 5; 6. Além da complexidade no tratamento da dependência de drogas, que envolve múltiplos fatores, existe entre a população geral — e entre os profissionais de saúde — uma confusão entre o usuário e o traficante, levando, muitas vezes a uma estigmatização social do usuário e conseqüentemente a uma dificuldade de acesso ao tratamento e políticas públicas inadequadas 2 . Portanto, a dependência de drogas se constituiria em um problema sem cura, com o dependente sendo visto como alguém com “deficiência de caráter”. Atualmente existe a preocupação de alguns profissionais de saúde em romper tais crenças e atitudes como um facilitador de ações de prevenção e implementação de políticas públicas em relação ao uso de álcool e outras substâncias 7.
As atitudes negativas sobre determinado comportamento social seriam formadas, segundo a Teoria da Aprendizagem Social 8, pelas normas sociais, que variam de acordo com o grupo em que os indivíduos estão inseridos e com o contexto sócio-histórico e cultual em que se situam 9; 10. De acordo com alguns autores, o que é considerado estranho em uma cultura pode perfeitamente ser encarado como normal e ajustado em outra. As normas sociais são aprendidas em casa, na escola, com colegas e através da mídia e das artes como fontes importantes de formação de opinião pública e crenças compartilhadas, através de um processo comunicação e mensagens complexas, nos instruindo aberta ou sutilmente sobre o que pensar e como agir no mundo. É desta forma que certos comportamentos e crenças persistem em um dado momento e em uma dada cultura. O consumo de drogas está presente em nossa sociedade desde os primórdios da humanidade. As crenças sobre esse consumo, assim como as demais crenças que permeiam a humanidade, variaram entre os usuários ao longo da história. A droga, por muitas vezes, perpassou o sagrado e o profano, a legalidade e a proibição, sendo hoje seu consumo um hábito amplamente aceito e praticado por grande parte da sociedade 6.
O uso de substâncias psicoativas está associado, tanto entre jovens quanto entre pessoas mais velhas 11; 12, a aspectos positivos da vida, socialmente utilizado em rituais tradicionais e celebrações familiares. O padrão de uso tende a se correlacionar com os diferentes estágios da vida do indivíduo, assim como com as normas sociais e as crenças vigentes que possui 13. Apesar do abuso de substâncias ser um problema entre adultos jovens, as crenças e os comportamentos a respeito das drogas são aprendidos desde muito cedo, podendo ser reforçados pelo grupo familiar, amigos, mensagens midiática, etc 14.



Ramos15 discute o papel da opinião pública nas sociedades como fonte de informação e determinante de crenças e atitudes sobre determinado assunto. Segundo este autor, ao longo da história, a opinião pública deixa de ser difundida pelo encontro direto entre pessoas ou grupos e a mídia de massa se torna o mediador e divulgador de idéias sobre determinados eventos. Tal mudança se deve principalmente à urbanização e modernização das sociedades. A imprensa, portanto, veio caracterizar-se definitivamente enquanto principal agente da opinião, tendo seu alcance e poder de influência aumentada.
Além de sua importância enquanto meio de propagação de idéias, a mídia se torna uma fonte de identificação fundamental para os sujeitos ou grupos como forma de localização social de uma opinião pessoal. É interessante ressaltar que a mídia, além de ser uma fonte de formação de crenças e atitudes, também pode representar um contexto específico podendo, portanto, refletir o pensamento coletivo em um determinado momento ou influenciar tal pensamento15. Portanto, os meios de comunicação de massa tornam-se um importante veículo de fortalecimento e difusão de ideologias específicas com grande poder de alcance 16.
Ao analisarmos a importância da mídia na formação das crenças e atitudes sobre o uso e usuários de drogas, sabe-se que esta desempenha um importante papel como fonte de identificação de normas sociais, produtor de determinadas crenças ou como divulgador e facilitador de políticas de prevenção ao uso de drogas 17; 18. Desta forma, mensagens veiculadas pela mídia podem facilitar uma produção de crenças inverídicas sobre as substâncias psicoativas 19. Por outro lado, a mídia pode ser uma importante ferramenta para estratégias de prevenção ou promoção de saúde da população, principalmente da população jovem 20; 21.
Mesmo existindo o mito da objetividade jornalística, segundo o qual a imprensa deveria ser neutra para que coubesse ao leitor a tarefa de interpretação livre dos fatos veiculados, é importante destacar que o objeto analisado e apresentado pela mídia não é a realidade ontológica, mas sim o discurso, o relato de acontecimentos. A mídia, portanto, exerce diariamente uma função mediadora (Goergem no prefácio de Costa, 2002; Forechi, 2005) entre o leitor e a realidade, sendo que esta última, antes de ser apresentada, foi lida e interpretada. Sendo assim, a essência do material que realmente chega até os leitores trata-se de uma certa obra de ficção, uma vez que seu conteúdo é produzido de acordo com os padrões que dão forma e corpo aos fatos, sendo “real”, antes de ser apresentado a seu “consumidor”, selecionado, lido e interpretado, ganhando novos sentidos e relevâncias, acrescentando-se a esta produção o valor da credibilidade. Assim, esta mídia exerce poder na formação de opiniões e sua interpretação constitui-se em um poderoso instrumento de manipulação da vida social, a ponto de ser qualificado como quarto poder (Reis, 2003).
Portanto, como um dos processos de análise e entendimento sobre como determinadas atitudes são formadas ou sobre como as políticas públicas são formuladas e implementadas sobre as drogas no país, torna-se importante avaliar como a mídia de massa apresenta as informações sobre o tema, tendo em vista sua importância como formadora de opinião pública e na influência da formação de crenças sobre esse uso entre jovens e adultos. Em estudo anterior, uma das principais referências de estudo na área19, houve uma importante contribuição para o entendimento sobre as mensagens apresentadas na mídia no ano de 1998, sendo um primeiro passo para uma discussão mais ampla, porém informações mais recentes e ao longo de um período de análise mais longo merecem ser investigadas.
O objetivo do presente estudo foi analisar quais os conteúdos veiculados pela mídia escrita brasileira sobre substâncias psicoativas entre os anos de 1999 e 2003.
2- Metodologia
Nesta pesquisa, foi realizada uma metodologia qualitativa, através do método de Análise de Conteúdo do tipo Temática e Estrutural25, por meio de análise documental26. Foram analisadas matérias ou artigos sobre substâncias psicotrópicas publicadas em uma revista de grande circulação destinada ao público geral, durante o período de cinco anos (de 1999 a 2003).
O acesso às matérias foi on-line, através do site da revista com a utilização da senha de assinatura. Inicialmente foi feita uma pesquisa detalhada, utilizando como palavras-chave as seguintes substâncias psicoativas: álcool, anabolizante(s), anfetamina(s), ansiolítico(s), barbitúrico(s), cigarro/tabaco, cocaína, crack, ecstasy, heroína, maconha, morfina, ópio, sedativo(s), solvente(s), e o termo droga(s). Este último foi incluído com o objetivo de analisar as matérias que não faziam referência direta a nenhuma substância psicoativa específica, mas que se referiam às “drogas” de uma forma geral. Após esta primeira fase de pesquisa, foram estabelecidos critérios de exclusão: matérias que faziam referência a alguma substância, sem que esta fosse o tema principal ou que citassem a palavra pesquisada sem a denotação de substância psicoativa — por exemplo, dentro da pesquisa sobre o termo álcool, foram encontrados vários textos sobre “álcool combustível”, e na pesquisa sobre heroína, esta apareceu com freqüência como o pronome feminino de herói.
2.1 - Análise dos Dados
A Análise de Conteúdo Temática passou por diversas etapas de organização e interpretação dos dados 27. Após a primeira seleção dos textos, a primeira etapa da análise foi a leitura flutuante para avaliação geral 21. Desta forma, foram selecionadas as matérias em que as substâncias psicoativas aparecessem como tema principal. Foi contada uma freqüência para cada droga citada. Assim, se nas matérias encontradas na busca pela palavra-chave fossem citadas outras substâncias, seria contada uma freqüência para cada uma delas.
Posteriormente à leitura flutuante, iniciou-se a análise vertical dos dados, estabelecendo as categorias e subcategorias, que foram sistematizadas e definidas da seguinte maneira:
Tabela 1
A análise vertical foi realizada por três pesquisadores e em casos de divergência quanto à categorização dos trechos dos artigos, foram estabelecidos dois juízes com experiência em Análise de Conteúdo para se chegar a um consenso final.
Como última etapa da análise, foi realizada a comparação e a horizontalização da categorização de cada artigo para a visualização geral dos dados. Esta fase consistiu na junção e soma de freqüência das categorias e subcategorias classificadas em cada artigo25. Os resultados foram apresentados em porcentagem das categorias definidas a partir do total de ocorrência em cada classe de droga.
3- Resultados
A partir dos critérios estabelecidos para o estudo, foram encontradas 3.072 matérias relacionadas às substâncias pesquisadas. A partir dos critérios de exclusão, foram eliminadas 2.591 matérias, e incluídas 481 matérias relacionadas às drogas pesquisadas. As substâncias com maior número de ocorrências foram respectivamente: cigarro (21,2%), cocaína (20,8%), álcool (15,2%), maconha (15,2%), droga (s) (6,9%), heroína (6%) e crack (5,4%) (figura 1).
Em relação às categorias definidas, os temas mais abordados nas matérias pesquisadas foram: Comportamento (49%), Saúde (14%), Tráfico (14%), Políticas Públicas (11%), Economia (8%) e Tratamento (4%) (sobre a freqüência de cada subcategoria, ver Figura 2).
3.1 - Avaliação de ocorrências por droga
Cigarro: As categorias “saúde” e “comportamento” foram as mais freqüentes para essa substância, apresentando a mesma porcentagem (33%). Em relação às subcategorias, verificou-se que 33% do total de matérias sobre cigarro tratavam dos “malefícios do uso”. Em contra-partida, na subcategoria “dependência”, encaixaram-se 7 % das ocorrências. Especificamente para a subcategoria “Custos Econômicos”, o cigarro foi a substância mais citada em relação a outras drogas, representando 67% do total de ocorrências nessa subcategoria.(Figura 3).
Cocaína: Grande parte das reportagens sobre cocaína foi classificada na categoria “comportamento” (49%), seguida pela categoria “tráfico” (28%); com relação às subcategorias, “consumo” apresentou a maior freqüência (18%), sucedida por “poder paralelo” (14%). Entretanto, as subcategorias “políticas de tratamento” e “estratégias pessoais de tratamento” foram muito pouco citadas (respectivamente nas porcentagens de 2% e 1%) (Figura 3).
Álcool: Enquanto 58% das matérias relacionadas a esta droga enquadraram-se na categoria “comportamento”, 14% relacionaram-se à “políticas públicas” e 4% à categoria “economia”. A subcategoria mais freqüente foi “consumo” (15%), seguida por “dependência” (12%) e implicações sociais (11%). Já as subcategorias menos freqüentes foram “custos econômicos” (1%) e “publicidade” (1%). É importante destacar que as subcategorias “malefícios do uso” e “benefícios do uso” apresentaram o mesmo número de ocorrências (10% cada uma) (Figura 4).
Maconha: 59% das matérias que citavam esta droga referiam-se à categoria “comportamento”. Em contrapartida, as matérias relacionadas ao “tráfico” (1%) foram as menos freqüentes. O “consumo” foi a subcategoria na qual classificaram-se 22% das matérias. Não houve ocorrência alguma sobre “benefícios do uso” e 4% das reportagens foram sobre os “malefícios do uso” desta droga. Em relação às outras drogas pesquisadas, a maconha foi a mais abordada na subcategoria “educação” (27%) (Figura 4).
Droga: na pesquisa realizada com esse termo, 75% das matérias foram registradas na categoria “comportamento”. A subcategoria mais recorrente foi “poder paralelo” (27%), seguido de “crenças” (18%). Não houve ocorrência alguma nas subcategorias: “apreensão”, “cultivo”, “estratégias pessoais de tratamento”, “políticas de tratamento”, “estímulo ao uso”, “benefícios do uso” e “publicidade”.
Heroína: 36% das ocorrências estavam relacionadas à categoria “comportamento”; em contrapartida, as categorias menos citadas foram “saúde” (3%) e “tratamento” (6%). As subcategorias mais freqüentes foram: “consumo” (17% das reportagens que citavam a droga em questão), “poder paralelo” (14%) e “cultivo” (14%). As subcategorias “dependência”, “crenças” e “medidas restritivas” também obtiveram destaque, apresentando a mesma porcentagem de ocorrências (10% cada uma).
Crack: 80% das matérias foram relacionadas à categoria “comportamento”, enquanto a categoria “saúde” não apresentou nenhuma ocorrência. As matérias cujo tema central era “consumo” representaram 23% do total de ocorrências sobre esta droga. Com uma freqüência importante, porém menos expressiva, as subcategorias “dependência” e “implicações sociais” apareceram em igual proporção (15%). Não houve, no período de tempo pesquisado, nenhuma reportagem acerca dos “malefícios do uso” desta droga para a saúde do usuário.
Ecstasy: a categoria que mais se destacou pelo número de ocorrências foi “comportamento” (79%), seguida pelas categorias “saúde” (14%) e “tráfico” (7%). Essas foram as únicas categorias em que houve ocorrências. A maior parte das matérias em relação a esta droga foram associadas à subcategoria “consumo” (47%).
Anabolizante: com relação a esta droga, foram registradas ocorrências somente nas categorias “comportamento” (60%) e “saúde” (40%). As subcategorias encontradas foram “consumo” (50%), “malefícios do uso” (40%) e “estimulo ao uso” (10%). Nenhuma ocorrência foi encontrada com relação às subcategorias “medidas restritivas” e “medidas permissivas”.
Anfetamina: 80% das matérias foram classificadas na categoria “comportamento”, enquanto os outros 20% dividiram-se igualmente entre “saúde” e “políticas públicas”. Nas subcategorias, 40% das matérias estavam vinculadas ao “consumo” e 20% relacionavam-se às “implicações sociais”; além disso, foi encontrada a mesma freqüência (10%) em cada uma das seguintes subcategorias: “malefícios do uso”, “dependência”, “medidas restritivas” e “estímulo ao uso”.
Ópio: a maior parte das ocorrências relacionadas a esta droga se enquadra na categoria “economia” (43%), seguida por “comportamento” (29%), “saúde” e “tráfico” na mesma porcentagem (14%). A subcategoria “cultivo” foi preponderante, com 43% das ocorrências; as demais reportagens foram classificadas nas subcategorias “poder paralelo”, “consumo”, “dependência” e “malefícios do uso” (14% de ocorrência em cada uma).
Sedativo: as categorias “comportamento”, “tráfico” e “tratamento” apareceram em igual proporção (33%). Somente uma subcategoria em cada uma destas apresentaram ocorrências: “consumo”, “poder paralelo” e “estratégias pessoais” de tratamento.
Ansiolítico, barbitúrico, morfina e solvente – nenhuma ocorrência foi encontrada para tais substâncias na pesquisa realizada.
4 - Discussão
Considerando que a mídia forma opiniões, modifica e reforça crenças16, o presente estudo teve por objetivo compreender como as notícias sobre as substâncias eram veiculadas. De uma forma geral, de acordo com os resultados encontrados, pôde-se observar que os temas e as principais drogas veiculadas, por diversas vezes, não condizem com dados epidemiológicos brasileiros ou mundiais3;11. A revista analisada publicou no período estudado, poucas matérias sobre algumas das drogas mais consumidas no país e, outras vezes, vinculou determinadas drogas a alguns temas específicos que não são necessariamente os aspectos mais relevantes.
De acordo com os resultados encontrados, destaca-se a baixa freqüência de ocorrências de substâncias como a anfetamina (2,1%) e os solventes (0%). Tais resultados são incompatíveis com os dados epidemiológicos do uso de substâncias psicotrópicas. De acordo com o Centro Brasileiro de Informação Sobre Drogas Psicotrópicas11 os solventes aparecem como a segunda droga ilícita com maior uso na vida no Brasil (uso na vida é definido como, pelo menos, um único episódio de uso da droga11). As anfetaminas, classificadas pelo CEBRID na classe dos estimulantes, somadas aos demais, apresentaram uma prevalência na população de 2,2 % de uso na vida entre a população feminina.
Os resultados encontrados corroboram os da pesquisa semelhante, realizada por Noto et al 19. Em ambas, as drogas com maior ocorrência foram respectivamente cigarro, cocaína, maconha e álcool. Houve divergência apenas em relação aos anabolizantes que, juntamente com a anfetamina, apareceram na pesquisa anterior19 como a quinta droga mais citada, e no presente estudo, como a nona droga, também dividindo a posição com a anfetamina.
Quanto à ocorrência das subcategorias, algumas diferenças entre os estudos foram observadas. No anterior, a subcategoria mais freqüente foi a dos “prejuízos decorrentes do uso”(80,3%), enquanto na presente pesquisa, a divisão das freqüências entre as subcategorias apresenta-se de forma mais homogênea, com destaque para a subcategoria “consumo”(17%), seguida pela subcategoria “malefícios do uso” (12,3%), por definição equivalente à citada no estudo anterior.
Uma possível explicação para essa constatação é o fato de que a pesquisa anterior analisou somente as informações que a imprensa escrita vem divulgando sobre a implicação do uso de drogas para a saúde, enquanto esta pesquisa realizou um estudo mais amplo, considerando também os aspectos comportamentais, políticos, econômicos e sociais. Ou seja, a diferença encontrada nos dois estudos pode ser referente a diferenças de critérios de classificação e da definição dos objetivos específicos para as análises realizadas.
Cabe ressaltar que 33% das ocorrências encontradas sobre o cigarro estavam associadas à subcategoria “malefícios do uso”. Além disso, na subcategoria “custos econômicos” o cigarro foi, dentre todas as drogas pesquisadas, a mais freqüentemente (67%) relacionada ao tema.
Pôde-se observar, ao longo dos anos que as políticas sobre o controle do uso do cigarro apresentaram um caráter cada vez mais restritivo ao uso, como proibição do uso em lugares públicos, fechados, programas de tratamento ao tabagismo em empresas e incentivo do Ministério da Saúde para a implantação de programas de tabagismo nos serviços de saúde. Além disso, houve uma divulgação ampla dos malefícios associados ao uso e uma maior conscientização da população e profissionais de saúde sobre a importância da prevenção. Talvez, essas políticas e ações ao longo dos anos tenham contribuído para a modificação no comportamento e nas opiniões em torno do cigarro, refletindo a ênfase dada pela revista aos malefícios do uso.
Em relação às reportagens sobre cocaína, destaca-se a alta freqüência com que foram publicadas, no período estudado, matérias relacionando esta droga à categoria “tráfico” (28%), ressaltando problemas decorrestes deste, como a violência, por exemplo. A análise do impacto do consumo de substâncias psicoativas, em especial as drogas ilícitas, relacionados a crimes e violência tem sido cada vez mais discutida em todo o mundo4;5;6. Pode-se dizer que existem dois tipos principais de violência relacionados às drogas4. O primeiro se refere à violência vinculada a grupos que estão diretamente envolvidos com o comércio de drogas ilícitas (como, por exemplo, o tráfico). O segundo grupo se refere a pessoas que são vítimas de violência proveniente de indivíduos que estejam sob o efeito destas drogas4 .
De modo geral, a categoria “tráfico” e, principalmente, a subcategoria “poder paralelo”, aparecem muito mais vinculados à cocaína que à maconha, apesar de ambas serem comercializadas no mesmo contexto. Tal diferença entre os temas vinculados às substâncias pode se justificar, dentre outros aspectos, pela atual discussão sobre a legalização do uso da maconha que tem gerado posicionamentos antagônicos28. Por um lado, é defendida a descriminalização como forma de redução dos danos associados ao uso e por outro, existe o argumento de que o uso de maconha pode trazer vários danos socais, psicológicos e orgânicos. Os dois argumentos podem gerar crenças errôneas e pouco críticas acerca desta problemática e conseqüentemente mudar. O foco da discussão para outros aspectos além do tráfico.
Já sobre o álcool, o destaque inicial foi para a baixa ocorrência da categoria economia (4%), compreendendo 1% na subcategoria “custos econômicos”, resultado longe de representar a realidade dos custos associados ao uso do álcool1. Além dos custos econômicos, existem os problemas pessoais e sociais decorrentes da intoxicação pelo álcool, como os acidentes de transito, violência/agressividade, os suicídios, as morbidades e mortalidades29. Problemas como estes foram classificados na subcategoria “implicações sociais” (11%), que se apresentou como a terceira subcategoria mais freqüente, antecedida pelas subcategorias “consumo”(15%) e “dependência”(12%). Desta forma, de acordo com Laranjeira e Romano29, o álcool deve ser encarado não como um produto qualquer, mas como uma substância capaz de causar sérios danos, tanto orgânicos quanto psíquicos e sociais, o que justificaria uma maior porcentagem de conteúdos a este respeito quando a droga fosse citada.
Os resultados encontrados no presente estudo indicam uma posição relativamente ambígua da mídia quanto à relação do álcool com a saúde, visto que o mesmo número de ocorrências para a subcategoria “malefícios do uso” foi apresentado na subcategoria “benefícios do uso” (10% para cada uma). O fato de o álcool ser a droga mais consumida pela população brasileira 11, ter custos econômicos altíssimos1 e os maiores índices de problemas decorrentes do uso25; 26;justificaria, talvez, seu primeiro lugar no ranking da imprensa19 .
Em relação aos resultados encontrados sobre heroína, em especial em relação à freqüência das subcategorias “consumo” (17%) e “poder paralelo” (14%), poderíamos fazer a extrapolação de que tais resultados que podem formar crenças de haja um suposto aumento do consumo, o que não se confirma pelos dados epidemiológicos do CEBRID11. Uso na vida de heroína no Brasil é de 0,1 % da população Brasileira de 12 a 65 anos, diversas drogas são mais consumidas que a heroína e não receberam o mesmo destaque na revista pesquisada.
No período estudado não foi encontrada ocorrência alguma que vinculasse crack e saúde. Ele foi a quinta droga mais citada, geralmente em matérias associadas aos temas consumo, dependência ou implicações sociais. No entanto, apesar de ser o crack uma das drogas com conseqüências mais graves para o organismo, não foi encontrada nenhuma matéria que apresentasse esse tema31.
Dentre os resultados associados ao crack, destaca-se a inexistência de ocorrência na categoria “saúde” e por conseqüência na subcategoria “malefícios do uso”. Tal fato, associado a freqüência de 5,4%, que coloca a substância como a quinta droga ilícita mais citada, evidencia o pouco destaque da mídia em relação aos problemas de saúde associados ao uso de crack, os quais são bastante significativos, principalmente em populações específicas como menores e meninos de rua32. As conseqüências biológicas causadas pelo uso do crack podem ser são tão ou mais graves que outras drogas que apareceram na subcategoria “malefícios do uso” com relevante ocorrência, como o cigarro(57%), álcool(12%) e anabolizantes(7%).
Quanto ao ecstasy pode ser verificada uma incoerência dos resultados com os dados epidemiológicos brasileiros, visto que se apresenta como a sexta droga ilícita mais citada (3,1%) indo de encontro a dados epidemiológicos irrisórios. Segundo estudo do CEBRID11, o uso na vida da população acima de 12 anos é de 0,6% junto com todos os outros alucinógenos. A pesquisa aglutinou todas as drogas dessa classe sob essa denominação devido à baixíssima prevalência de uso.
5 - Considerações finais
A mídia pode retratar tanto uma tendência em relação ao contexto no qual está inserida, quanto influenciar na formação de crenças e atitudes sobre determinados assuntos. No caso das drogas, conforme observado neste estudo, os dois aspectos estão presentes, na medida em que a revista pesquisada não apresentou um posicionamento único e claro em relação às diversas substâncias psicoativas. Um importante aspecto a ser considerado, de acordo com Thompson 16, e que merece um estudo específico e mais aprofundado, é em qual contexto as mensagens transmitidas pelos veículos de comunicação são divulgados e como muitas vezes os achados científicos são tratados e transmitidos para a população geral.
Constatou-se, em alguns momentos, um posicionamento coerente com as características da droga e seu consumo no país (ao enfatizar os malefícios do uso do cigarro, por exemplo) ao passo que, em muitos outros, aspectos fundamentais foram negligenciados (como ao tratar mais do consumo que dos problemas associados ao uso do crack).
Conclui-se, portanto, que há uma incompatibilidade entre o enfoque dado pela mídia e o perfil de consumo de drogas no Brasil, fato que pode influenciar não só as crenças que as pessoas têm sobre determinadas substâncias, mas também as políticas públicas sobre drogas no país, uma vez que a mídia pode ser também uma importante ferramenta às estratégias de prevenção ou promoção de saúde da população.
Agradecimentos:
Agradecemos à Pró-reitoria de Pesquisa (Propesq) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) pela concessão de Bolsa de Iniciação Científica (BIC).
Agradecemos ainda a colaboração dos alunos do curso de Psicologia da UFJF: Aline Lima Tavares e Felipe Barreto que participaram da fase de coleta de dados.
6 - Referências Bibliográficas
1 - Meloni JN, Laranjeira R. Custo Social e de Saúde do Consumo do Álcool. Rev Brás Psiq 2004; 26(supl. 1): 7-10.
2 - Ronzani TM. Avaliação de um Processo de Implementação de Estratégias de Prevenção ao Uso Excessivo de Álcool em Serviços de Atenção Primária à Saúde: entre o ideal e o possível. [Tese de Doutorado]. São Paulo: Escola Paulista de Medicina, Unifesp; 2005.
3 - Noto AR, Fonseca AM, Silva EA, Galduròz JCF. Violência Domiciliar Associada ao Consumo de Bebidas Alcoólicas e de Outras Drogas: Um Levantamento No Estado de São Paulo. J Bras Dep Quím 2004; 5(1)9-17.
4 - United Nations Organizaton (UNO). Drugs Crime and Violence: the microlevel impact. New York: UNO; 2004.
5 - World Health Organization (WHO). World report on violence and health. Geneve: WHO; 2002.
6 - World Health Organization (WHO). Handbook for the documentation of interpersonal violence prevention programmes. Geneve: WHO; 2004.
7 - Babor TF; Higgins-Biddle JC. Brief Intervention for Harzardous and Harmful Drinking. A manual for use in primary care. Geneve: WHO; 2001.
8 - Bandura A. Modificação do Comportamento. Rio de Janeiro: Editora Interamericana; 1979.
9 - Krüger HR. Psicologia das Crenças: Perspectivas Teóricas. [Tese de professor titular] Rio de Janeiro: Universidade Estadual do Rio de Janeiro, UERJ; 1995.
10 - Rodrigues A, Assmar EML, Jablonski B. Psicologia Social. Petrópolis: Editora Vozes; 2002.
11 - Carlini EA, Galduróz JCF, Noto AR, Nappo AS. I Levantamento domiciliar nacional sobre o uso de drogas psicotrópicas no ano de 2001. São Paulo: CEBRID; 2002.
12 - Galduróz JCF, Noto AR, Fonseca AM, Carlini EA. V Levantamento sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio da Rede Pública de Ensino nas 27 Capitais Brasileiras. São Paulo: CEBRID; 2004.
13 - Babor T, Caetano R, Casswell S, Edwards G, Giesbrecht N, Graham K. Alcohol: No ordinary, no commodity. Research and Public Policy. New York: WHO; 2003.
14 - Weintraub AE, Chen YJ. The relationship of parental reinforcement of media messages to college students’ alcohol -related behaviors. J Health Comm 2003; 8 (2):157-169.
15 - Ramos A. Introdução à Psicologia Social. São Paulo: Editora Casa do Psicólogo; 2003.
16 - Thompson JB. Ideologia e Cultura Moderna. Teoria social crítica dos meios de comunicação de massa. Petrópolis: Editora Vozes, 1995.
17 - Botvin GJ, Kantor LW. Preventing Alcohol and Tobacco Use Through Life Skills Training. Alc Res Health 2000; 24(4):250-257.
18 - Cape GS. Addiction, Stigma and Movies. Ac Psych 2003; 107:163-169.
19 - Noto AR, Baptista MC, Faria ST, Nappo SA, Galduròz JCE, Carlini EA. Drogas e saúde na imprensa brasileira: uma análise de artigos e jornais publicados em revistas. Cad Saúde Pública 2003; 19(1):69-79.
20 - Andrews AB, McLeese DG, Curran S. The Impact of a Media Campaign on Public Action to Help Maltreated Children in Addictive Families. Child Ab Neg 1995; 19(8):921-932.
21 - De Micheli D, Formigoni MLOS. Are reasons for the first use of drugs and family
circumstances predictors of future use patterns? Addic Behaviors 2003; 27: 87-100.
22 - Forechi, M (2005). A informação como troca na construção da realidade cotidiana. In: Anais do XXVII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação; 2005; Rio de Janeiro; p. 1-13.
23 - Costa, BCG. Estética da Violência: Jornalismo e produção de sentidos. Piracicaba: Editora Unimep; 2002.
24 - Reis, CE. Violência escolar: A perspectiva da Folha de São Paulo. Florianópolis: NUP/CED/UFSC; 2003.

25 - Bardin L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Editora Edições 70; 1977.
26 - Bauer, M.W., Gaskell, G. Pesquisa Qualitativa com Texto, Imagem e Som. Um manual prático. Petrópolis, Editora Vozes; 2003.
27 - Minayo MCS. O Desafio do Conhecimento. Pesquisa Qualitativa em Saúde. Rio de Janeiro: HUCITEC-ABRASCO; 2000.
28 - Carlini, EA, Rodrigues E, Galduróz JCF. Cannabis sativa L. e Substâncias canabinóides em medicina. São Paulo: CEBRID; 2005.
29 - Laranjeiras, R., Romano, M. Consenso Brasileiro sobre Políticas Públicas do álcool. Rev Bras Psiq 2004; 26( 4 Supl): 68-77.
30 - Room R, Babor T. Alcohol and public health. Lancet 2005; 365: 519-530.
31 – Laranjeira R, Oliveira RA, Nobre MRC, Marques BW. Usuários de Substâncias Psicoativas. Abordagem, Diagnóstico e Tratamento. São Paulo: Editora CREMESP - AMB, 2003.
32 - Noto AR, Gladuróz, JCF, Nappo AS, Fonseca AM, Carlini CMA, Moura YG, et al. Levantamento Nacional sobre o uso de Drogas entre Crianças e Adolescentes em situação de Rua nas 27 capitais brasileiras. São Paulo: CEBRID; 2003.

Colaboradores:
Ronzani TM foi o responsável pela concepção, definição e planejamento do projeto de pesquisa, treinamento e supervisão a coleta de dados, revisão bibliográfica, análise dos dados e redação do artigo, sendo o coordenador geral da pesquisa.Fernandes AGB, Gebara CFP, Oliveira AS e Scoralick NN participaram da fase de revisão bibliográfica, coleta e análise de dados e concepção final do artigo. Lourenço LM colaborou da fase planejamento do projeto, acompanhamento da coleta de dados e revisão final do artigo.


Outros idiomas:







Como

Citar

Ronzani, T.M.. Mídia e Drogas: Análise Documental da Mídia Escrita Brasileira Sobre o Tema Entre 1999 e 2003.. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2007/dez). [Citado em 08/12/2025]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/midia-e-drogas-analise-documental-da-midia-escrita-brasileira-sobre-o-tema-entre-1999-e-2003/1486

Últimos

Artigos



Realização



Patrocínio