0225/2025 - Mortalidade por causas externas de intenção indeterminada nas regiões do Brasil, 2012 a 2021
Mortality due to external causes of undetermined intent in the regions of Brazil, 2012 to 2021
Autor:
• Ligia Regina de Oliveira - Oliveira, LR - <ligia.oliveira@ufmt.br>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7325-1391
Coautor(es):
• Francine Nesello Melanda - Melanda, FN - <francine.melanda@ufmt.br>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5692-0215
• Emanuelly Amandha Souza de Sá - Sá, EAS - <emanuellyamandhasds@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0009-0005-3917-5187
• Martiliane Borges de Jesus - Jesus, MB - <martilianeerick@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0009-0006-0944-0979
• Hudson Teixeira da Silva - Silva, HT - <hudson.ufmt@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4865-6204
Resumo:
O objetivo foi analisar a mortalidade por Causas Externas de Intenção Indeterminada (CEI) no Brasil e nas regiões brasileiras. Estudo descritivo que incluiu todos os óbitos por causas externas (CE) registrados no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) entre 2012 e 2021. Foram calculadas as proporções e a variação percentual de cada grupo de causa, e analisada a tendência das proporções de CEI pelo método de Prais-Winsten. No Brasil, entre 2012 e 2021, os óbitos por CEI representaram 7,8% das CE. Maiores proporções foram encontradas nas regiões Sudeste (12,9%) e Nordeste (7,2%), com elevação a partir de 2019 em todas as regiões do país. A maior variação do percentual de óbitos por CEI, no período, foi encontrada na região Centro-Oeste (124,4%) seguida pela Sudeste (69,4%). Assim como no Brasil, tais regiões apresentaram tendência crescente das proporções de mortes anuais por CEI enquanto que para as demais, a tendência foi estacionária. Considerando a importância da informação para empreender ações de prevenção de acidentes e violências, os resultados deste estudo apontam para a necessidade de aprimorar os dados do SIM referentes às mortes por causas externas e a implementação de estratégias mais eficazes em algumas regiões brasileiras.Palavras-chave:
Registros de Mortalidade. Causa Básica de Morte. Sistemas de Informação em Saúde. Estudo descritivo.Abstract:
The objective was to analyze mortality from External Causes of Undetermined Intent (ECUI) in Brazil and in the Brazilian regions. This descriptive study included all deaths from external causes recorded in the Mortality Information System between 2012 and 2021. The proportions and percentage variation of each group of causes were calculated, and the trend of the proportions of ECUI was analyzed using the Prais-Winsten method. In Brazil, between 2012 and 2021, deaths from ECUI accounted for 7.8% of external causes. The highest proportions were found in the Southeast (12.9%) and Northeast (7.2%) regions, with an increase from 2019 onwards in all regions of the country. The greatest variation in the percentage of deaths from ECUI in the period was found in the Midwest (124.4%), followed by the Southeast (69.4%). As in Brazil, these regions showed an increase in the proportions of annual deaths from ECUI, while in the other regions the trend was stable. Considering the importance of information for undertaking actions to prevent accidents and violence, the results of this study point to the need to improve Mortality Information System data on deaths from external causes and to implement more effective strategies in some Brazilian regions.Keywords:
Mortality Registries. Cause of Death. Underlying Cause of Death. Health Information Systems.Conteúdo:
O estabelecimento de políticas públicas, particularmente aquelas que buscam reduzir a morbimortalidade por acidentes e violências, depende de informações precisas sobre as causas de morte1-3.
As mortes por causas externas são registradas no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde do Brasil podendo ser classificadas como acidentes, lesões autoprovocadas (suicídios) e agressões (homicídios)4. Quando não é possível identificar a intencionalidade do evento, o óbito é classificado como eventos (fatos) cuja intenção é indeterminada, também nomeada de Causas Externas de Intenção Indeterminada (CEI), sendo considerado um dos indicadores tradicionais de qualidade da informação2,5. Na literatura, as agressões e lesões autoprovocadas também são referenciadas como mortes violentas6.
Elevadas proporções de causas externas de intenção indeterminada comprometem a qualidade dos indicadores de mortalidade por causas específicas levando a imprecisões nas análises sobre mortalidade por acidentes e violências e prejudicando a comparação com anos anteriores e a verificação da situação de cada localidade, como as regiões do Brasil, entre outras 1,3,6-8. Estudo que analisou taxas de homicídios em mulheres concomitantemente às causas externas indeterminadas revelou que, nas regiões Sul, Norte e Sudeste, a mortalidade por evento cuja intenção é indeterminada apresentou comportamento contrário ao daquela por homicídio: quando uma aumentava a outra reduzia, e vice-versa, o que não foi observado nas demais regiões9. Outros estudos, nesse sentido, também evidenciam a disparidade entre as regiões geográficas brasileiras no registro e na qualidade das informações sobre óbito10,11.
Alguns autores afirmam que, ao longo do tempo, houve perda da qualidade dos dados sobre mortes por causas externas no Brasil devido ao crescimento das CEI, resultando em análises não confiáveis sobre a mortalidade por causas externas no país e acarretando, portanto, uma importante limitação nas inferências feitas sobre os indicadores de saúde1,2,12. Tal crescimento das CEI também afeta os resultados de análises de outras variáveis como sexo, faixa etária e raça/cor2.
Estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa e Ensino Avançado2 revelou que, no Brasil, entre 2011 e 2021, houve registro de 126.382 CEI, representando 10% do total de mortes por causas externas, com significativo crescimento dessas a partir de 2019, quando essas representaram 12,4%.
No ano de 2021, o número de óbitos registrados no SIM no Brasil foi de 1.832.6493. Destes, 149.322 (8,1%) foram por causas externas, ocupando o quarto lugar na proporção de mortes por causas no país. Ao levar em conta a primeira informação do médico legista, o percentual de mortes no Brasil por causas externas de intenção indeterminada foi de 18,1%. No entanto, após extenso trabalho de atualização dos registros do SIM, pelas equipes técnicas das secretarias municipais de saúde, esse valor mudou para 9,3%3.
A razão pela qual o registro não estabelece a intenção se deve principalmente à falta dessa informação por parte do médico legista no preenchimento da Declaração de Óbito. Cabe destacar que a investigação das CEI tem como principal fonte de coleta as informações dos Institutos Médico Legais (IML), que são equipamentos da Segurança Pública e reconhecidos por dispor de dados técnicos detalhados3,5,13.
Uma das diretrizes da Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, criada em 2018, estabelece a sistematização e o compartilhamento das informações de segurança pública, prisionais e sobre drogas em âmbito nacional. Sendo, portanto, fundamental para o desenvolvimento da rede investigativa de mortes violentas intencionais3. Entretanto, há de se ressaltar a relevância da interação entre as áreas de Segurança e da Saúde para que as ações de investigação das causas externas alcancem melhores resultados.
Neste sentido, aspirando a melhoria do registro da circunstância das mortes por causas externas, o Ministério da Saúde e o Ministério da Justiça e Segurança Pública publicaram, em dezembro de 2023, uma nota técnica conjunta que dispõe sobre orientações acerca da cooperação técnica para o acesso das equipes da vigilância epidemiológica a dados selecionados dos IML3.
Em situações em que a intenção de óbito é altamente incerta, desconsiderar a ocorrência de CEI pode ter consequências negativas para o diagnóstico e o desenvolvimento de políticas públicas, além de dificultar a intervenção em áreas sensíveis2. O que significa que o número de óbitos por causas externas registrados no SIM reflete apenas um retrato parcial da realidade2,3.
Considerando a relevância das mortes por acidentes e violências no Brasil, dada pela sua magnitude, este estudo objetivou analisar a mortalidade por causas externas de intenção indeterminada nas regiões brasileiras.
MÉTODOS
Estudo de abordagem quantitativa, com delineamento descritivo e exploratório, que analisou os óbitos por causas externas registrados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) no período de 2012 a 2021, disponibilizados no site do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS).
Foram coletados os dados sobre óbitos por causas externas de residentes das cinco regiões do Brasil (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste) e na totalidade do país, para cada ano do período de análise (2012 a 2021), selecionados conforme a CID-10, sob os códigos V01 a Y98, desagregados em: 1) Acidentes de transporte (V01-V99); 2) Outras causas externas de traumatismos acidentais (W00-X59) nomeadas de Demais acidentes; 3) Lesões autoprovocadas intencionalmente (X60-X84); 4) Agressões (X85-Y09) que foram somados aos óbitos do subgrupo intervenções legais e operações de guerra (Y35-Y36), nominadas de Violências interpessoais; e 5) Eventos (fatos) cuja intenção é indeterminada (Y10-Y34), designadas de Causas Externas de Intenção Indeterminada4.
Foram calculadas as proporções de cada grupo de causas externas para cada ano (número de óbitos para cada grupo de causa, dividido pelo total de óbitos por causas externas*100). Para o período total (2012 a 2021) foram somados os óbitos registrados em todos os anos por cada grupo de causa, dividido pelo total de causas externas de todos os anos*100. Em seguida, a variação percentual da proporção de cada grupo entre os anos de 2012 e 2021 foi calculada por meio da fórmula: [(valor final/valor inicial) - 1] * 100.
As tendências das proporções dos óbitos por CEI foram estimadas pelo método de Prais-Winsten de regressão linear, adequado para dados que possam ser influenciados pela autocorrelação serial14 e que, portanto, não atendem a independência de resíduos, uma das premissas da regressão linear simples15. Por meio deste método, foi possível obter o valor do coeficiente de inclinação de regressão e depois calcular as estimativas da variação percentual anual (em inglês, Annual Percent Change – APC), e seus intervalos de confiança (IC 95%), conforme descrito abaixo:
APC% = (-1+10b)×100,
Onde: b é coeficiente de regressão.
Para o intervalo de confiança:
ICmínimo%=(-1+ 10bmínimo)×100
ICmáximo%=(-1+ 10bmáximo)×100
Onde: bmínimo e bmáximo correspondem ao intervalo de confiança de b, respectivamente.
Considerou-se o p-valor inferior a 0,05 (p<0,05) como estatisticamente significativo. Todas as estimativas APC com valor de p<0,05 apontam tendência crescente quando a APC é positiva e tendência decrescente quando a APC é negativa. Quando valor de p> 0,05, a série foi considerada estacionária. Os dados foram analisados com o auxílio dos programas Microsoft Excel 2016 e Stata, versão 16.0.
Este trabalho utiliza somente dados secundários sem identificação dos participantes, disponíveis publicamente, e, portanto, não requer submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa, em atenção à Resolução do Conselho Nacional de Saúde 466/201216.
RESULTADOS
Foram registrados 1.495.187 óbitos por causas externas no Brasil, entre os anos de 2012 e 2021, sendo o maior número em 2019 (156.431). As violências interpessoais foram a principal causa dos óbitos por causas externas no país (37,7%), sendo verificada maior proporção na região Nordeste (49,0%) e menor, na Sul (29,6%). Acidentes de transporte representaram aproximadamente um quinto desses óbitos, de maneira semelhante às regiões Norte, Nordeste e Sudeste. Nas regiões Sul e Centro-Oeste, esse grupo representou parcela ainda maior, de 30,0% e 30,7%, respectivamente. As lesões autoprovocadas variaram entre 5,9% a 8,6% dos óbitos por CE, exceto na região Sul, na qual essas equivaleram a 13,3% dos óbitos do período (Tabela 1).
No Brasil, 7,8% dos óbitos por causas externas foram registrados como causas externas de intenção indeterminada (116.029). Os valores mais altos foram encontrados em 2019 (11,9%), 2020 (9,8%) e 2021 (9,4%). A região Sudeste foi a região do país com maior proporção de mortes por CEI em todo o período (12,9%) e o maior valor da série (21,0%) foi registrado no ano de 2019. A região Nordeste apresentou a segunda maior proporção (7,2%), também com valor mais alto no ano de 2019 (9,5%). Por outro lado, verificaram-se menores proporções nas regiões Centro-Oeste e Norte (3,2% e 2,7%, respectivamente), tendo os maiores valores registrados em 2021, para a região Centro-Oeste (5,6%) e em 2020, a Norte (4,0%) (Tabela 1).
Ao se analisar as variações percentuais das proporções de óbitos de cada grupo de causas externas, considerando os anos de 2012 e 2021 (Tabela 2), observou-se que, embora tenha havido redução na proporção dos óbitos por acidentes de transporte e violências interpessoais no Brasil e em todas as regiões, as proporções de outros acidentes, lesões autoprovocadas e, especialmente, causas externas de intenção indeterminada apresentaram variação percentual positiva. As mortes por CEI exibiram variação de 124,4% na região Centro-Oeste, maior variação registrada, seguida da Sudeste, com variação de aproximadamente 69,4%, enquanto no Brasil a variação foi de 41,1%. Destaca-se a região Nordeste com a menor variação percentual (0,5%) no período.
A análise de tendência das proporções de CEI mostra que, no âmbito nacional, o Brasil mostrou uma tendência crescente na ordem de 5,70% ao ano ao longo do período estudado. Evidenciou-se que as regiões Centro-Oeste e Sudeste destacam-se com tendência crescente, com incremento anual na proporção de 9,34% e 8,30%, respectivamente. As demais regiões exibem tendência estacionária (Tabela 3).
DISCUSSÃO
O estudo revelou diferenças importantes entre as regiões do Brasil na magnitude e tendências na proporção de óbitos por causas externas de intenção indeterminada no período de 2012 a 2021. Evidenciou-se também o aumento das proporções de mortes por CEI ocorreu com maior intensidade a partir de 2019.
As regiões Norte e Sul apresentaram percentuais relativamente baixos de óbitos por CEI, e, embora com tendências estáveis, as variações percentuais, entre 2012 e 2021, se mostraram elevadas. Ainda que a região Centro-Oeste revelou baixo percentual de mortes por CEI, a variação, no período, foi a mais elevada, tendo em 2021 o dobro de mortes por CEI que em 2012. De outro modo, a região Sudeste, além de ter o maior percentual de mortes por CEI, quando comparada com as demais regiões, apresentou grande variação no período, indicando piora da qualidade da informação sobre mortalidade por CE. Além desses índices se apresentarem com má qualidade para ambas as regiões e para o Brasil, a tendência revelada foi crescente, assinalando a necessidade de buscar estratégias para mudanças desse cenário.
Estudo realizado no estado de São Paulo apontou que, entre 2000 e 2016, a redução das mortes por CEI foi 14,3%, entretanto, em 2020 houve o crescimento dessas causas passando a representar 16,8% dos óbitos por CE17. Outro estudo6 mostrou que o crescimento de mortes por CEI no estado do Rio de Janeiro, entre 2018 e 2019, foi de 232,0%, enquanto no país foi 35,2%. O fato dessas duas unidades federativas, localizadas na região Sudeste, serem bastante populosas e, consequentemente, deterem maior número absoluto de óbitos, pode ter influenciado nos resultados apontados neste estudo no que se refere aos altos percentuais de CEI nessa região.
Por outro lado, chama atenção os resultados da região Nordeste. Muito embora a variação no período tenha sido muito baixa e a tendência se mostrado estável, os percentuais de CEI foram elevados, indicando que é fundamental que se invista na redução dos percentuais dessas causas nesta região.
As desigualdades regionais observadas neste estudo corroboram com resultados descritos na literatura9,10. Ao analisar a mortalidade por causas externas entre as regiões do Brasil, Amador10 verificou diferentes percentuais de causas indeterminadas evidenciando que as regiões Norte, Sul e Centro-Oeste atingiram os menores percentuais nos anos 2000 e 2010, entre 2,5 e 7,0%. Uma das possíveis explicações para tal achado é que em algumas regiões, como a Sudeste, o número absoluto de óbitos, maior que as demais localidades, exija maior potencial de investigação, que inclui recursos e qualificação de profissionais, dificuldades estas que podem estar influindo na qualificação da informação, resultando em maiores proporções de CEI. Não obstante, nas regiões com menores percentuais (Norte e Centro-Oeste) pode haver subnotificação do óbito de maneira geral, o que permite identificar as causas específicas da maior parte dos óbitos, resultando em menores proporções de CEI, ainda que não signifique melhoria na qualidade da informação.
Um estudo a partir dos dados do SIM apontou que, em 2017, as mortes por CEI no Brasil representaram 21,7% dos óbitos por CE. Os autores verificaram que os óbitos de ocorrência hospitalar e certificados por institutos forenses foram associados ao registro de óbito por CEI8. Outros estudos também apontaram para essa associação18,19. Alguns autores afirmam que não é raro que o legista registre a morte com um código inespecífico para evitar prováveis imprecisões no exercício de sua função, fazendo com que desconsidere as informações dos registros hospitalares, quando não são confirmadas por laudos policiais5,19-21.
O crescimento das mortes violentas por causa indeterminada dificulta uma melhor compreensão da evolução da violência letal no Brasil2,3,6,22. Tais estudos afirmam que a extensão desse crescimento influenciou na análise da queda da taxa de homicídios no Brasil em 2019, fato constatado também neste estudo. Entretanto, os autores afirmam que se desconhece qual a magnitude dessa redução foi atribuída às mortes por CEI. Ainda é destaque na literatura que, a análise de outras variáveis, como sexo, faixa etária, raça/cor podem ser afetas pela não computação desses homicídios2,6.
De outra forma, cabe lembrar que alguns fatores contribuíram para a diminuição dos homicídios no país: a alteração do perfil demográfico com envelhecimento da população e consequente diminuição do número de jovens; a implementação de ações e programas qualificados de segurança pública em alguns município e estados; e o Estatuto do Desarmamento6,23.
Neste estudo, observou-se que o aumento percentual de óbitos por CEI ocorreu concomitante à redução de mortes por violência intencional e acidentes de transporte. Em estudo realizado com dados do SIM na Bahia, os autores encontraram que municípios e regiões com baixas taxas de homicídio apresentaram simultaneamente altas proporções de CEI e, ao contrário, nos locais com altas taxas, houve baixa proporção de CEI1. Outros estudos também referem resultados semelhantes2,6,9,10.
A Política Nacional de Redução de Morbimortalidade por Acidentes e Violências24, instituída no país em 2001, refere em seu texto, a melhoria das informações como uma das prioridades à qual deveria ser concedida atenção especial, ressaltando a adoção de diferentes estratégias para a qualificação dos registros de CE24. Sob este aspecto, mostra-se importante a atividade da busca ativa dos dados junto ao Instituto Médico Legal (IML), em publicações na imprensa, por meio de visita domiciliar, através de relacionamento de banco de dados entre outros3. Recentemente, o Ministério da Saúde publicou diversas notas técnicas para regulamentar essas atividades3.
Investimento na formação médica e na educação permanente dos médicos legistas, responsáveis pelo preenchimento das declarações de óbito por causas externas, é um passo fundamental para a melhoria da qualidade dessa informação. A capacitação de técnicos, codificadores e equipes de investigação das causas externas também influenciam na redução das CEI e consequente na produção de informações mais fidedignas. Nessa perspectiva, é fundamental fortalecer a articulação intersetorial, prevista na Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências, entre a Saúde e as instituições ligadas ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, visando o compartilhamento de informações e integração de dados.
Tem-se ainda buscado contribuir para a melhoria da qualidade da informação das causas de óbito, o uso de metodologias de relacionamentos de bancos de dados3,21. Estudo realizado a partir das mortes registradas em diferentes bancos de dados públicos no estado do Rio de Janeiro em 2014, revelou que o percentual de CEI no total de CE, após a aplicação da metodologia, reduziu de 41,9% para 6,9%. Consequentemente, houve crescimento das demais CE: os acidentes de transporte passaram de 11,1% para 21,0%; as violências de 22,9% para 40,0%; outros acidentes de 22,3% para 28,3%; e lesões autoprovocadas de 1,8% para 3,7%21. Os autores ainda destacaram que 11,2% dos registros de CE só se encontravam no SIM não tendo sido registrados nas demais bases de dados (Instituto Médico Legal, Polícia Civil, Serviço de Atendimento Móvel de Urgência e imprensa).
Uma das técnicas que visam corrigir as distorções causadas pelos óbitos mal definidos, pressupõe a redistribuição proporcional das causas mal definidas de óbito, considerando-se a mesma distribuição das causas naturais conhecidas25,26,27. Usualmente se utilizam dois métodos de redistribuição dessas: a) redistribuição Total - baseada na distribuição proporcional de todas as causas definidas notificadas; b) redistribuição Não externas - similar ao anterior, com exclusão das causas externas28. No Brasil usa-se esse procedimento especialmente para correção das distorções relacionadas à mortalidade por doenças crônicas não transmissíveis25,28-32.
Alguns autores27,33,34 afirmam que tal técnica não permite identificar a real causa da morte e pode inflar as taxas de mortalidade, especialmente onde há mais óbitos não definidos. Entretanto, outros autores26,28 alegam que a redistribuição das causas mal definidas remanescentes, com base nas investigações realizadas pelos serviços de saúde, permite estimativas mais adequadas do risco de mortalidade por causas específicas além de valorizar os esforços dos serviços de saúde na investigação dos óbitos sem definição da causa básica.
É certo que houve melhoria da qualidade das estatísticas de causas externas, sobretudo como resultado de ações das equipes das secretarias de saúde que instituíram políticas de investigação e reclassificação das causas de óbito originais emitidas pelos médicos legistas, com base na busca ativa de registros nos institutos médico legais3,21. Por outro lado, vale destacar os gastos despendidos, pelas secretarias de saúde, para operacionalizar as ações de investigação de óbitos por CEI6,21.
Embora seja reconhecida a melhor qualificação dos óbitos por causas externas após reclassificação das declarações de óbito, o percentual de causas mal preenchidas continua alto, como verificado neste estudo, especialmente nas regiões Sudeste e Nordeste, e corroborado por outros autores1,2,5,21.
Conquanto este estudo seja relevante assinalando a importância das mortes por CEI no total de CE, seria necessário investigar a magnitude das taxas de mortalidade pelos tipos específicos de causas externa e verificar o quanto as mortes por CEI influenciam no risco de mortalidade por acidentes e violências e por cada causa externa específica. Ademais, análises desagregadas pelas unidades federativas e municípios podem apontar consideráveis desigualdades contribuindo para a identificação de locais que necessitam aprimorar a qualidade da informação sobre óbitos por causas externas e direcionar, mais efetivamente, estratégias para a redução das mortes por CEI.
Conclui-se, portanto, que ainda é ruim a qualidade da informação sobre óbitos por acidentes e violências no país, representada pelos altos índices de causas externas por intenção indeterminada revelados neste estudo. Pode-se ainda afirmar que essa qualidade se mostra de forma distinta entre as regiões brasileiras e, portanto, é fundamental o uso de estratégias diversificadas para se obter indicadores que reflitam os diferentes cenários. Da mesma forma que este estudo revelou resultados distintos entre as regiões do Brasil, assinala para existência de diferenças na qualidade da informação por causas externas nos municípios que compõem cada região, fato que merece ser investigado.
É crucial, portanto, que a informação sobre a mortalidade por acidentes e violências seja completa, correta e oportuna para oferecer um panorama epidemiológico que se aproxime da realidade e possam, por conseguinte, contribuir para a elaboração de políticas públicas aspirando a prevenção dos acidentes e violências no Brasil.
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