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0216/2025 - MORTE MATERNA POR ABORTO NOS ESTADOS DA REGIÃO NORTE: UMA ANÁLISE DE 2012 A 2022
MATERNAL DEATH DUE TO ABORTION IN THE STATES OF THE NORTHERN REGION:AN ANALYSIS FROM 2012 TO 2022

Autor:

• Gabriela de Oliveira Góes - Góes, GO - <oliveiragoesgabriela@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7878-5336

Coautor(es):

• Luis Carlos Torres Guillen - Guillen, LCT - <lctguillen@gmail.com>
ORCID: orcid.org/0000-0001-5246-733X

• Carla Lourenço Tavares de Andrade - Andrade, CLT - <carla.andrade@fiocruz.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3232-0917

• Marcos Augusto Bastos Dias - Dias, MAB - <marcos.bastos@fiocruz.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1386-7001



Resumo:

O estudo analisou a razão de mortalidade materna por aborto na região norte do país, com método retrospectivo seccional com análise de dados do Sistema de Informação de mortalidade, Sistema de Nascidos Vivos e Sistema de Informação Hospitalar. De 2012 a 2022 houve 174 óbitos maternos por aborto na região, em 106(61%) casos foi registrado como causa básica e em 68(39%) foi registrado como uma causa associada ao óbito. Os códigos da CID 10 mais prevalentes como causa básica do óbito materno foram de aborto não especificado (54,7%) seguidos pelos CID do Aborto espontâneo (18%) e falha de tentativa de aborto (14,1%). Menos de 2% dos casos faziam parte de aborto por razões médicas e legais. O perfil socioeconômico era de mulheres na faixa etária de 20 a 29 anos (45,3%), negras (68,8%) e a escolaridade era entre 8 e 11 anos de estudo (40,6). Na pandemia de covid19 a RMMA aumentou em 4,27%. A Região Norte é aquela com a maior de RMM no país e o aborto continua sendo uma das principais causas de óbito. As mulheres que mais morrem são jovens, negras, com baixa escolaridade e sem companheiro, confirmando as características preditoras do óbito por aborto. A redução da morte materna na Região Norte e no Brasil continua a ser um desafio para a saúde pública e uma dívida da sociedade com as mulheres.

Palavras-chave:

morte materna, aborto, razão morte materna, causa básica.

Abstract:

The study analyzed the ratio of maternal mortality due to abortion in the northern region of the country, using a retrospective sectional method with analysis of data from the Mortality Information System, Live Birth System and Hospital Information System. From 2012 to 2022 there were 174 maternal deaths due to abortion in the region, in 106 (61%) cases it was registered as the principal cause and in 68 (39%) it was registered as a cause associated with death. The most prevalent ICD 10 codes as the principal cause of maternal death were unspecified abortion (54.7%) followed by the ICD codes for Spontaneous abortion (18%) and failed abortion attempt (14.1%). Less than 2% of cases were abortions for medical and legal reasons. The socioeconomic profile was women aged 20 to 29 years (45.3%), black (68.8%) and education was between 8 and 11 years of study (40.6). In the covid19 pandemic, RMMA increased by 4.27%. The North Region is the one with the highest MMR in the country and abortion continues to be one of the main causes of death. The women who die most are young, black, with low education and without a partner, confirming the characteristics that predict death from abortion. The reduction in maternal deaths in the North Region and in Brazil continues to be a challenge for public health and a debt society owes to women.

Keywords:

maternal death, abortion, reason for maternal death, basic cause.

Conteúdo:

Introdução
A melhoria da qualidade de vida de uma população, em especial a feminina, pode ser avaliada pela razão da mortalidade materna (RMM) e pelos recursos lançados para sua redução (1).
Segundo a Organização mundial de saúde (OMS), a mortalidade materna ocorre em maior prevalência nos países em desenvolvimento. É uma das mais graves violações dos direitos humanos das mulheres e, 9 em cada 10 óbitos maternos seriam evitáveis se a assistência obstétrica adequada fosse prestada à mulher (2).
A razão de mortalidade materna é influenciada por vários determinantes sociais e pela qualidade da assistência ao pré-natal e ao parto, além da presença de comorbidades maternas. Para reduzir a RMM é necessária a adoção de um conjunto de políticas relacionadas à saúde da mulher que incluam planejamento reprodutivo de qualidade, melhoria do acesso a cuidados pré-natais de qualidade, qualificação dos profissionais de saúde, fortalecimento das redes de atenção obstétrica e neonatal, educação e empoderamento de mulheres, prevenção e tratamento de comorbidades maternas, redução das desigualdades socioeconômicas, monitoramento e avaliação contínua; aliada a compromisso político e financiamento adequados (3).
No período de 2010 a 2014 estimou-se que 55,7 milhões de abortos ocorreram anualmente em todo o mundo, dos quais 30,6 milhões eram seguros, sendo a maioria em países desenvolvidos. Deste total cerca de 17,1 milhões de abortos em todo o mundo foram classificados como menos seguros e 8,0 milhões abortos como inseguros. Assim, combinando as categorias menos seguro e inseguro, mais de 25 milhões de abortos a cada ano foram feitos em circunstâncias inseguras, sendo que a maioria ocorreu na África e América Latina (2).
Mesmo com problemas relacionados à subnotificação, o aborto classificado como uma causa de morte direta está entre as quatro principais causas de morte materna no Brasil ao lado da hipertensão arterial, das hemorragias e das infecções (2). Intervenções seguras para a interrupção da gestação que poderiam contribuir para a redução de danos infelizmente não são adotadas por fatores políticos, morais e religiosos. Esta situação, de restrição dos direitos ao aborto seguro, leva as mulheres a adotarem métodos inseguros para interromper a gestação o que aumenta o risco de complicações médicas, internações hospitalares e mesmo de mortes (2,3).
No Brasil, a interrupção da gestação só é permitida para mulheres vítimas de estupro, em caso de anencefalia nos fetos e quando há risco de vida à mulher (4).
Desde a criação do Sistema Único de Saúde houve muitas modificações na gestão e atenção à saúde, em especial na atenção obstétrica. Nesse processo as construções regionais de assistência reduziram as desigualdades de acesso (5).
Entretanto, existem ainda importantes disparidades regionais que revelam diferenças socioeconômicas e desigualdades no acesso à atenção de saúde que ocorrem entre as regiões Norte e Nordeste e as áreas mais ricas do Sul e Sudeste (6, 7, 8). Dentre as regiões brasileiras a Região Norte apresenta a maior RMM.
Em 2022 a RMM do Brasil foi de 57,7 óbitos por 100.000 nascidos vivos- nv e na Região Norte essa razão foi de 82 óbitos por 100.000 nv. Em relação à morte materna por aborto a Região Norte apresentou uma razão de 7,2 por 100.000 nv cerca de 20% acima da média nacional (7, 8, 9).
Essas desigualdades se refletem na busca por atenção das mulheres em situação de abortamento, as quais percorrem caminhos afetados por barreiras individuais, sociais e estruturais, expondo-as a situações de vulnerabilidades. A capacidade de acessar o cuidado adequado previsto na política de planejamento reprodutivo se coloca como ponto de discussão para a vulnerabilidade de gravidez não desejada e planejada, sobretudo para mulheres negras (9).
Do ponto de vista geográfico, essa região apresenta barreiras ainda maiores relacionadas a transporte, tempo de acessos e custo. A baixa disponibilidade de serviços de saúde, a baixa densidade populacional associadas às dificuldades de acesso e as distâncias tornam a assistência à mulher em caso de abortamento ainda mais complexas.
Compreender os dados da RMM (razão de mortalidade materna) que tiveram como causa o aborto na região norte, analisar o perfil das mulheres e as causas básicas declaradas são os objetivos a que este trabalho se propõe.

Método

Estudo seccional retrospectivo, de série temporal, de base populacional, da região Norte do Brasil, para o período de 2012 a 2022. Para o cálculo da razão de morte materna por aborto foram usados os seguintes dados secundários disponíveis nos sistemas de informações oficiais do Ministério da Saúde: Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC).
Os dados do estudo são da região Norte, que possui a maior extensão territorial e responsável por 45,0% do território brasileiro, com densidade demográfica de 4,1 habitantes por km², e apresenta a média de 56,0% de cobertura da atenção básica (10).
Os dados foram organizados utilizando as variáveis sociodemográficas codificadas provenientes do SIM: raça/cor (branca, parda, preta, amarela, indígena e ignorado), escolaridade (menos de 8 anos, 8 a 11 anos, 12 ou mais, e ignorado), situação conjugal (com companheiro, sem companheiro e ignorado) e faixa etária em anos (10 a 19, 20 a 29, 30 a 39 e 40 mais). Para a análise de causa básica de óbito materno foi utilizada a classificação do CID10 incluindo os códigos O03 (aborto espontâneo), O04 (aborto por razões médicas e legais), O05 (outros tipos de aborto), O06 (aborto não especificado), O07 (falha de tentativa de aborto) e O08 (óbito relacionado ao aborto) categorizado conjuntamente com as causas nas linhas A, B, C e na parte II do atestado de óbito como causa associada.
A realização dessa análise está baseada no método de Santos (11) que conceituou causas múltiplas como junção das causas básicas e causas associadas, sendo a causa associada a consequência e contribuição para o óbito. Santos (11) define que a parte I da declaração de óbito como causas consequências e na parte II estão as causas contribuintes. Logo o conjunto das duas linhas Santos (11) denominou de causas múltiplas, definição está utilizada para análise do estudo dos dados de óbitos materno com causa básica e/ou associada ao aborto nas CID do agrupamento O03 a O08.
A base de cálculo de razão de morte materna por aborto-RMMA foi especificada pelo número de óbitos materno por aborto obedecendo aos critérios de seleção e período e o denominador, pelo número de nascidos vivos do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) do período, e multiplicado por 100 mil. Para correção da razão de mortalidade materna dos dados e qualificação da estimativa de óbitos por aborto foi utilizado o fator de correção de 1,6 da macrorregião Norte. Este fator que foi calculado a partir de número de morte materna declarada somado ao número de morte materna confirmadas dividido pela número de morte materna declaradas (12).
Os dados da RMMA foram avaliados em dois períodos separados, o primeiro de 2012 a 2019 antes da pandemia de COVID-19 e de 2020 a 2022 período em que ocorreu a pandemia de COVID-19.
Para categorização das variáveis foi utilizado o sistema operacional Rstudio e para análise estatística foi utilizado o software IBM SPSS Statistics Versão 24.
Como os dados são públicos e de acesso irrestrito, disponíveis on-line, sem identificação pessoal ou institucional, não houve necessidade de aprovação do estudo em Comitê de Ética de Pesquisa, de acordo com a Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde.

Resultados
No período de 2012 a 2022 houve 2753 óbitos maternos na região Norte, sendo 174 (6,3%) relacionados com o aborto. Destes 174 óbitos maternos, 106 (61%) tiveram como causa básica o aborto e 68 (39%) o aborto como causa associada.
Na região Norte do Brasil a prevalência de óbitos maternos por aborto está na faixa etária de 20 e 29 anos (43,7%), seguido da faixa etária entre 10 e 19 anos (21,8%), tabela 1.
Em relação à situação conjugal foi observado que em 51,7% as mulheres não tinham companheiro. Os estados com a maior proporção de mulheres sem companheiro, foram o estado do Amapá (64,7%), seguido do estado do Amazonas com (61,4%), tabela 1.
Embora a escolaridade de 8 a 11 anos estudados na região norte atinja 43,7%, observa-se que em mais de um terço das mulheres (37,4%) o nível de escolaridade era de menos de 8 anos de estudo, tabela 1.
A RMMA na região Norte apresentou diferentes comportamentos ao longo do período de 2012 a 2022, como um todo a razão oscilou entre 2,5 e 7,0 por 100 mil. Observa-se redução de 21,3% no período anterior a pandemia e o período da pandemia de COVID-19 apresenta um aumento de 4,3%, tabela 2.
O estado de Roraima não apresentou alteração da RMMA no período anterior a pandemia, mas no ano de 2018 atingiu razão de 48,1 e no período da pandemia de Covid-19 apresentou aumento de 5,2%, tabela 2.
O estado do Amapá apresenta os dados mais expressivos, embora no período de 2012 a 2019 ocorreu uma redução em 100% da razão de óbito, no contraponto no período pandêmico aponta aumento de 112,3%. É um dos estados que não possui serviço habilitado no CNES (cadastro nacional dos estabelecimentos de saúde) para aborto legal, mas que apresenta a maior aumento da razão de morte materna por aborto da região, tabela 2.
Os estados do Amazonas e Pará que apresentam maior razão de morte materna da região, se diferem na RMMA, pois oscilam entre 2,3 e 10,23. O estado do Pará teve uma redução de 33,2% no período de 2012-2019, enquanto o Amazonas um aumento de 99%. Entretanto no período da pandemia de COVID-19 houve aumento da RMMA em ambos os estados essa elevação foi de 4,2 % no Amazonas, enquanto o Pará apresentou 38,5% de aumento. Esses dois estados concentram o maior número de hospitais da região que realizam aborto legal em serviços habilitados pelo SUS, no total de três, sendo um no estado do Pará e dois no Amazonas, tabela 2.
Os códigos da CID 10 mais prevalente como causa básica do óbito materno foram aqueles pertencentes ao grupo O06 aborto não especificado (54,7%) seguidos pelos CIDs do grupo O03 Aborto espontâneo (18%), grupo O07 falha de tentativa de aborto falha de tentativa de aborto (14,1%) e do grupo O05 outros tipos de aborto (10,3%). Menos de 2% dos casos faziam parte do grupo O04 aborto por razões médicas e legais. As mulheres cujo óbito teve como causa básica qualquer um dos grupos de O03 a O08 tinham como característica estarem na faixa etária de 20 a 29 anos (45,3%), serem pardas (61,3%) ou pretas (7,5%) e terem entre 8 e 11 anos de estudo, sendo que mais de um terço das mulheres tinham menos de 8 anos de estudo (36,8%).
Na análise da causa básica o número de óbitos com maior proporção de óbitos por código são aborto espontâneo O03, aborto não especificado O06, e falha de tentativa de aborto O07 e o perfil são de mulheres de 20 a 29 anos (45,3%), pardas (61,3%), com escolaridade entre 8 e 11 anos (40,6%), tabela 3.
Quanto à causa associada da morte materna por aborto as causas apontam para O08 óbito relacionado a aborto, O06 aborto não especificado, e O03 aborto espontâneo respectivamente, e são mulheres na faixa etária de 20 a 29 anos (39,7%), pardas (66,2%) e com escolaridade de 8 a 11 anos (48,5%), tabela 4.
No panorama regional a morte de mulheres em decorrência do aborto nos últimos anos se manteve igual, mas no período de 2019 até 2022 aumentou em 4,3%. Os dados encontrados quando da análise do aborto como causa básica do óbito ou como causa associada levantam a hipótese de subregistro nas declarações de óbito que são causadas por aborto.

Discussão

O debate global quanto à assistência as mulheres com quadro de abortamento ressaltam o papel das desigualdades no acesso ao atendimento como um fator de risco para a morte materna. Cerca de sete milhões de mulheres de países em desenvolvimento são tratadas em unidades de saúde por complicações resultantes de abortamento inseguro (13,14).
Estudos na África Subsaariana e na América Latina e Caribe apresentam que aproximadamente metade das mulheres que fazem abortamento inseguro sofrem pelos menos uma complicação moderada, o que resulta em 5 milhões de anos de perda de vida produtiva (15,16).
O aborto no Brasil é frequente em mulheres negras, bem como a probabilidade ter feito um aborto é maior em mulheres negras (11,03%) comparado as mulheres brancas (7,55%), ou seja, uma probabilidade 46% maior das mulheres negras abortarem (1).
Quando analisado o óbito por aborto na questão da raça/cor, os dados nacionais apontam que é maior a RMMA nas mulheres pardas seguidas de mulheres pretas, ou seja, mulheres negras morrem mais por complicações do aborto quando comparadas com as mulheres brancas (16). Contudo, em nosso estudo os óbitos por aborto na Região Norte do país foram mais prevalentes nas mulheres pardas, seguidas das mulheres brancas e mulheres pretas no período estudado. Essa diferença pode ser explicada pelas características raciais da população desta região.
A média de idade nacional de óbito por aborto está entre 20 e 29 anos, seguido da faixa etária de 30 a 49 anos. Os dados encontrados na região Norte corroboram com faixa etária nacional mais prevalente, porém a segunda faixa etária com maior proporção no norte do país é de 10 a 19 anos, demonstrando que são mulheres adolescentes e jovens o segundo grupo etário que mais morre por aborto no norte do país (17).
Em relação a situação conjugal das mulheres que foram a óbito por aborto nossos achados são compatíveis com aqueles identificados por (16) que também identificaram que no período de 2010 a 2015 que 70% dos casos eram mulheres “não vivendo em união” (solteira, separada, viúva), 30% da categoria “vivendo em união” (casada e união estável) e, excluindo registros sem informação (média de 8,2%) (17).
Um dado importante em nossos achados é a proporção elevada de mulheres com escolaridade abaixo de 8 anos, percentual alto quando comparado com o restante da amostra e considerado um fator preditor para o óbito por aborto na região Norte.
Um aspecto relevante foi o período da pandemia de covid19, quando ocorreu um aumento de 94% da razão de mortalidade materna por todas as causas. Em 2019 a RMM era de 55,3 por 100 mil nascidos vivos e em 2021 atingiu a razão de 107,5 por 100 nascidos vivos (15). Um dos fatores para esse aumento pode ter sido a inoperância de políticas públicas na pandemia no Brasil a exemplo do atraso na compra de vacinas, e redução ou até mesmo interrupção de atendimento da atenção básica.
O aumento da RMM no período da pandemia refletiu na RMMA na região Norte, pois no primeiro período do estudo apontavam uma redução em 21,3% e no período posterior entre 2020 e 2022 aumentaram em 4,2%, com destaque para o Estado do Amapá que é o estado com maior aumento da região (112,4%).
Na análise das estatísticas vitais, monitoramento de políticas públicas e implementação de ações de gestão, é importante considerar diferentes níveis de subnotificação levando em conta a classificação dos óbitos em agrupamentos de causas específicas. Por exemplo, os aspectos legais, culturais e religiosos que influenciam na subnotificação de mortes de mulheres relacionadas ao aborto (2,18).
As declarações de óbito apontam para diferentes causas de óbitos por abortamento, mas no preenchimento da causa básica a região norte tem maior número de casos de abortos espontâneos, abortos não especificados e óbitos relacionados ao aborto, levantando a hipótese que as mulheres têm menos assistência disponível por debilidade da rede de atenção à saúde e são afetadas pelos aspectos culturais e religiosos regionais (18).
Os dados encontrados quando da análise do aborto como causa básica do óbito ou como causa associada levantam a hipótese de subregistro nas declarações de óbito que são causadas por aborto.
Outra análise de discussão dos dados está no percentual de óbitos pelas causas associadas (39,1%). Prevalecendo a causas da classificação O08 abortos que terminaram em óbitos e a caracterização de mulheres jovens de 20 a 29 anos, com baixa escolaridade e pardas.
O que levanta a hipótese de que a mulher foi assistida por abortamento e seu óbito ocorreu como uma das consequências dessa assistência seja segura, pouco segura ou insegura não é possível classificar. E de sub registro na região e sobretudo da análise mais detalhada na investigação e construção e condução das políticas de saúde da mulher.
A escassez de serviços habilitados para interrupção legal da gravidez sobretudo no norte do país, onde três estados não possuem serviços habilitados, constituem uma barreira importante de acesso a realização do procedimento. A distância se coloca como uma barreira de logística de tempo e custo comprometendo o sigilo e expondo a mulher que acessaria o serviço (1).
Embora a legislação magna do país garanta a universalidade na atenção à saúde, na prática o acesso à assistência aponta lacunas para determinadas populações, já que pessoas com maiores desigualdades de escolaridade e renda têm piores condições de vida e de saúde, vivendo num ciclo de doença e pobreza (6,8).

Conclusão

A Região Norte é aquela com a maior de RMM no país e o aborto continua sendo uma das principais causas de óbito. As mulheres que mais morrem são jovens, pretas pardas e indígenas, com baixa escolaridade e sem companheiro, confirmando as características preditoras do óbito por aborto.
As iniquidades sociais da Região Norte e questões como déficit da oferta de assistência à saúde, dificuldade de acesso aos serviços existentes e desconhecimento das mulheres quanto aos seus corpos e seu protagonismo, dentre outras, precisam ser enfrentadas com políticas públicas intersetoriais que garantam os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres desta região. A redução da morte materna na Região Norte e no Brasil continua a ser um desafio para a saúde pública e é uma dívida da sociedade com as mulheres.
É necessária a realização de pesquisas que possam aprofundar o conhecimento sobre as causas de óbitos materno e de mulheres em idade fértil considerando o acesso aos métodos de planejamento reprodutivo, o contexto de restrição da realização do aborto de forma legal, e da oferta de equipamentos de saúde que atendem mulheres em situação de abortamento.








REFERÊNCIAS
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Góes, GO, Guillen, LCT, Andrade, CLT, Dias, MAB. MORTE MATERNA POR ABORTO NOS ESTADOS DA REGIÃO NORTE: UMA ANÁLISE DE 2012 A 2022. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2025/jun). [Citado em 24/07/2025]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/morte-materna-por-aborto-nos-estados-da-regiao-norte-uma-analise-de-2012-a-2022/19692?id=19692

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