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0031/2007 - O ENVELHECIMENTO CORTICAL E A REORGANIZAÇÃO NEURAL APÓS O ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO (AVE): IMPLICAÇÕES PARA A REABILITAÇÃO
Cortical aging and neural reorganization following the cerebral vascular accident (CVA): implications for rehabilitation

Autor:

• ILKA NICÉIA D’AQUINO OLIVEIRA TEIXEIRA - Teixeira, I.N. - Curitiba, PR - Universidade Federal do Paraná - <ilkateixeira@netscape.net>


Área Temática:

Não Categorizado

Resumo:

Este artigo apresenta uma síntese sobre o envelhecimento do córtex cerebral humano e uma revisão das abordagens para a reabilitação do controle motor após o acidente vascular encefálico (AVE). Na discussão sobre as implicações clínicas na compensação das perdas é enfatizado que os profissionais de reabilitação devem incentivar os pacientes idosos a usarem os dois membros superiores para a realização das atividades da vida diária (AVDs) ao invés de reforçarem o uso do membro superior não afetado.

Palavras-chave: saúde do idoso, sistema nervoso, acidente vascular cerebral, reabilitação, plasticidade neuronal.

Abstract:

This article presents a synthesis on aging of the human cerebral cortex, and a review of the approaches to motor control rehabilitation following a cerebral vascular accident (CVA). Throughout the discussion on clinical implications of the compensation for losses it is emphasized that the rehabilitation professionals should encourage older patients to use both upper extremities for performing the activities of daily living (ADL) rather than reinforcing the use of the unaffected upper extremity.

Keywords: aging health, nervous system, cerebral vascular accident, rehabilitation, neuronal plasticity.

Conteúdo:

Introdução
A incidência do acidente vascular encefálico (AVE) duplica a cada década de vida a partir dos 55 anos, sendo a hemiparesia um déficit importante decorrente da lesão1. Há várias abordagens de reabilitação para a recuperação do controle motor e a reorganização neural é o princípio básico que sustenta a maioria delas2. Segundo Mudie e Matyas3, as particularidades da conexão neurofisiológica no sistema nervoso central (SNC) possibilitam que a prática de movimentos bimanuais, alternados ou em sincronia, possa resultar em efeitos de facilitação do membro superior hígido para o membro parético. Entretanto, as observações clínicas sugerem que alguns profissionais de reabilitação têm optado pela troca de lateralidade através de técnicas compensatórias nos programas de reabilitação de idosos com paresia do membro superior.
As estratégias compensatórias tornam-se hábitos que reforçam o não uso do membro parético, podendo resultar em perdas irreversíveis para a capacidade funcional5. A realização das atividades de vida diária (AVDs) com apenas um membro superior pode ser uma maneira limitada de desempenho das atividades, resultando em síndromes do uso excessivo, quadros álgicos e frustrações6. A nível central, estudos clínicos indicam que as modificações nas redes neurais seriam uso-dependentes, sugerindo que algumas técnicas direcionadas às compensações poderiam inibir o processo de recuperação2. Portanto, parece não haver base científica para a troca de lateralidade exclusivamente pelo critério de idade do paciente, conduta adotada em alguns programas de reabilitação.
O equívoco de que a plasticidade neural seria uma propriedade exclusiva dos cérebros jovens distancia-se da afirmação de Pascual-Leone e seus colaboradores4. Para esses pesquisadores, a reorganização neural é uma propriedade do SNC que está presente no curso de vida e ocorre independentemente de lesão.
Esse artigo indica as possibilidades de aplicação dos conhecimentos de neurobiologia e de neurofisiologia nas práticas de reabilitação do controle motor após lesão cortical decorrente de AVE em idosos e enfatiza que a idade não deve ser o único critério para a troca de lateralidade nos pacientes com paresia do membro superior.

Modificações estruturais associadas ao envelhecimento do córtex cerebral
Em 1955, Brody7, citado por Wong8, concluiu que 50% dos neurônios são perdidos em decorrência do envelhecimento e desde então, essa perda tem sido apontada como o principal fator relacionado à idade para explicar a diminuição do córtex cerebral. Em 1987, no entanto, Terry et al.9 sugeriram que a perda neuronal, relatada em estudos anteriores, poderia ser atribuída à não distinção de cérebros de idosos considerados normais e cérebros de indivíduos com doença de Alzheimer que não haviam sido diagnosticados. Em 1991, Haug e Eggers10 explicaram que a acentuada perda de neurônios corticais deveria ser atribuída aos problemas no processo de fixação para a análise histológica e não ao envelhecimento. Segundo esses autores, o cérebro do jovem “encolheria” mais nas secções já fixadas do tecido cortical, apresentando uma densidade de neurônios mais alta que o cérebro do idoso, pois esse último consistiria de maior quantidade de mielina. Após correção desse “encolhimento” diferencial, Haug e Eggers10 concluíram que a idade não acarretaria uma perda significativa de neurônios no córtex cerebral humano.
Embora a característica mais relevante do cérebro que está envelhecendo seja a diminuição11, as descobertas recentes de que não ocorre perda extensiva de neurônios corticais em decorrência da idade em humanos enfraqueceram a premissa da perda neuronal no envelhecimento12. Intrigados com essa questão, alguns pesquisadores têm buscado encontrar explicação alternativa para a diminuição do córtex cerebral examinando outros componentes do sistema nervoso central (SNC). Seguindo essa perspectiva, as pesquisas de Guttmann et al.13 indicaram que uma das principais causas da diminuição do cérebro humano velho é a perda da substância branca das fibras mielinizadas localizadas nos hemisférios cerebrais. As mudanças decorrentes do envelhecimento nos corpos celulares dos oligodendróctios, tais como a agregação com outros oligodendrócitos, o edema e a inclusão de pigmentos, poderiam estar relacionadas à perda de fibras mielinizadas nos cérebros velhos14.
Os estudos de Adams15 demonstraram que as perdas de sinapses durante o envelhecimento humano são específicas por região e que as alterações poderiam variar nos diferentes tipos de sinapses. Esse autor sugere a existência de um fenômeno compensatório para manter a função sináptica cortical normal, pois a perda de sinapses e as mudanças nas estruturas pré-sinápticas parecem ser acompanhadas por um aumento na extensão média da zona pós-sináptica ativa. Observando-se que muitas sinapses contendo neurotransmissores excitatórios (glutamato, por exemplo) estabelecem contatos sobre as espinhas dendríticas, a perda significativa de estruturas dendríticas pode limitar a disponibilidade de substrato pós-sináptico para conexões sinápticas nos cérebros velhos16. Segundo Anderson e Rutledge17, as modificações dendríticas relacionadas à idade incluem o encurtamento e a diminuição das ramificações dos dendritos18. Considerando-se, no entanto, que o número de neurônios permanece praticamente estável no córtex cerebral velho, a redução significativa de conexões interneuronais no cérebro seria resultante da perda de estruturas pré e pós-sinápticas.

Reorganização neural nos adultos
Segundo Pascual-Leone et al.4, a plasticidade é uma propriedade intrínseca do SNC durante todo o curso da vida. Para esses pesquisadores, “não deveríamos pensar no cérebro como uma estrutura estática que seria capaz de ativar uma cascata de mudanças que chamamos de plasticidade, nem como uma seqüência ordenada de eventos decorrentes da plasticidade” (p.379). O sistema nervoso modifica-se continuamente, sendo a plasticidade uma conseqüência obrigatória de cada input sensorial e de cada atividade motora.
Estudos de estimulação magnética transcraniana em indivíduos saudáveis indicam que as alterações transitórias das áreas de representação cortical são comuns no dia a dia durante a aprendizagem de tarefas. O desempenho freqüente de uma atividade motora que requer habilidade aumenta a representação cortical para os músculos envolvidos na atividade específica, princípio demonstrado pela representação cortical aumentada dos dedos da mão esquerda de músicos que executam instrumentos de corda19. Em indivíduos com deficiência visual, a representação sensório-motora cortical dos dedos usados para leitura em Braille é aumentada, variando a ampliação dessas áreas conforme o padrão de atividade de leitura4.
Não há, entretanto, um mapeamento de correspondência exata entre a plasticidade neural e as modificações comportamentais. Para Pascual-Leone et al.4, comportamento é a manifestação motora das atividades coordenadas do sistema nervoso como um todo e, desde que uma via eferente esteja preservada para manifestar o comportamento motor, as mudanças nas atividades ao longo de uma rede neural distribuída podem estabelecer novos padrões de ativação cerebral e sustentar a função. Dependendo das circunstâncias, a reorganização neural pode provocar mudanças cujas manifestações poderiam ser classificadas de três formas: (1) não percebidas no output comportamental; (2) demonstradas somente em condições especiais de avaliações; (3) identificadas como comportamento motor patológico. A nível neural, a plasticidade não implicaria necessariamente recuperação, pois uma lesão pode provocar uma reorganização neural não funcional 4.


Hemiparesia
O controle motor encontra-se particularmente afetado após o AVE e a hemiparesia é o déficit motor mais freqüente com modificações no tônus muscular e dispraxias20. O estudo de Shelton e Reding21, envolvendo pacientes com o membro superior parético duas semanas após o AVE, demonstrou que a recuperação dos movimentos isolados pode ser predita com base na localização da lesão: (1) 75% para lesões restritas ao córtex; (2) 38,5% para lesões corticais ou mistas (corticais e subcorticais) não afetando a cápsula interna; (3) 3,6% para lesões com envolvimento da cápsula interna e a coroa radiada adjacente, gânglio basal ou tálamo. Esses resultados indicam que a reabilitação da hemiparesia tem melhor prognóstico nos casos de lesões corticais “puras”, diminuindo progressivamente com o envolvimento da coroa radiada ou da cápsula interna.
O padrão de recuperação do controle motor está relacionado às estruturas mais afetadas do sistema nervoso. O controle dos movimentos do corpo no lado contralateral à lesão atravessa estágios de recuperação das funções motoras e sensoriais que podem ser eficientes ou não. Após um período de hipotonia, a recuperação do membro superior parético poderá incluir sinergia patológica de flexão ou de extensão observada durante as tentativas de realização das atividades funcionais22. Conforme pressupostos do modelo hierárquico de controle motor, os padrões sinérgicos fragmentados restritos à elevação da escápula são os primeiros movimentos que retornam. Progressivamente, as sinergias conjuntas de flexão e extensão do ombro, cotovelo e punho tornam-se mais aparentes. Á medida que o processo evolui, poderá haver a recuperação de movimentos não sinérgicos, tais como flexão do ombro, extensão do cotovelo e pronação-supinação do antebraço. O controle da extensão do punho e dos músculos extensores e flexores dos dedos é considerado essencialmente desafiador na recuperação da funcionalidade do membro superior parético após o AVE.
Cauraugh et al.23 explicam que a hemiparesia permanece por períodos longos, havendo um platô em termos de ganho em aproximadamente 12 meses. Além disso, 60% dos indivíduos que sofrem AVE ficam com disfunção motora que se torna um déficit “permanente” um ano após a lesão. Esses problemas resultam em dificuldades para a execução dos movimentos funcionais, prejudicando a qualidade de vida individual, principalmente a independência relativa à realização das AVDs e ao desempenho ocupacional.

Reorganização neural após lesão decorrente de AVE
Jones e Pons24 explicam que após a lesão, ocorrem modificações em diferentes regiões do SNC que podem ser decorrentes dos seguintes fatores: interrupção da aferência aos neurônios, modificações sinápticas atividade-dependente, mudanças na excitabilidade das membranas, formação de novas conexões e liberação de conexões já existentes. Para minimizar os danos, os circuitos motores paralelos poderão ser ativados, estabelecendo uma via de input alternativa para os motoneurônios espinhais. Esses circuitos paralelos podem ter origem na área motora primária contralateral não lesada, nas áreas bilaterais pré-motoras, nas áreas motoras suplementares bilaterais, nas áreas somato-sensorias bilaterais, no cerebelo, no gânglio basal e em outras regiões4.
Segundo Levy e seus colaboradores25, estudos usando tomografia por emissão de pósitrons (Positron Emission Tomography - PET) e imagem por ressonância magnética funcional (functional Magnetic Resonance Imaging - fMRI) sustentam o princípio da reorganização funcional do SNC após o AVE. Os autores investigaram a correlação entre a recuperação do tecido neural e os resultados do fRMI após um programa de reabilitação em dois pacientes e concluiram que ocorreram ganhos funcionais significativos decorrentes da plasticidade. Em outro estudo, os mesmos pesquisadores analisaram, com o uso do PET, a distribuição da circulação sanguínea cortical durante a execução de movimentos em uma mão parética. Os resultados demonstraram padrões complexos de ativação com variações individuais acentuadas.
Carr e Shepherd26 descrevem algumas teorias e alguns mecanismos propostos no processo de reorganização neural após a lesão do SNC:
§ Teoria da diásquise de von Monakow. Ocorreria uma interrupção temporária da integração neural como se fosse um “choque funcional” e os efeitos de processos como edema por exemplo, provocariam uma supressão da atividade em áreas distantes do local da lesão. Ocorreriam alterações reversíveis em sinapses íntegras que resultariam em disfunção temporária do processamento neural seguida da recuperação de algumas funções nos estágios iniciais após a lesão.
§ Hiper-sensitividade de denervação. Os axônios e os terminais sinápticos degeneram-se após a lesão. As regiões denervadas das células-alvo desenvolveriam uma responsividade pós-sináptica aumentada às substâncias neurotransmissoras e se tornariam excessivamente sensíveis aos impulsos aferentes.
§ Teoria da redundância. Algumas regiões do SNC poderiam desempenhar a mesma função motora, de forma que uma região do sistema poderia mediar adequadamente a função comprometida. Essa premissa assemelha-se ao eqüipotencialismo, proposta de que uma função específica poderia ser mediada por todos os tecidos de uma determinada região. Ocorrendo lesão em parte da região, o tecido íntegro remanescente continuaria a mediar a mesma função e o efeito da lesão seria mais dependente da quantidade de tecido poupado do que da recuperação da lesão.
§ Função vicariante. As regiões íntegras do SNC estariam latentes em um estado de prontidão para serem “ativadas” e assumirem as funções comprometidas.
§ Reorganização funcional. O sistema neural poderia mudar qualitativamente suas funções, pois haveria uma via neural que assumiria o controle motor de funções que em situações normais não fariam parte de seu repertório.
§ Brotamento neural. Duas formas de brotamento neural são propostas: (1) regeneração dos axônios dos neurônios lesados que fariam o processo de reinervação das áreas denervadas; (2) brotamento colateral ou de neurônios íntegros adjacentes ao tecido neural lesado, resultando em aumento da efetividade sináptica e substituição das sinapses não efetivas. A emergência de novas conexões sinápticas poderia estar associada à sinaptogênese dinâmica que ocorreria continuamente sob circunstâncias normais, capacitando o organismo a ajustar-se às necessidades ambientais.
§ Alteração da estratégia comportamental. Seria a substituição da estratégia utilizada para o alcance da meta motora, podendo envolver o uso de informações sensoriais diferentes para orientação do movimento ou ainda, substituições funcionais nas quais os movimentos recuperados teriam sido realizados de maneira diferente dos movimentos comprometidos. O problema na pesquisa desse mecanismo seria a dificuldade para a identificação da origem da recuperação: alterações anatômicas e fisiológicas ou uso de estratégias alternativas individuais.
O efeito da plasticidade decorrente da lesão no SNC pode depender da natureza dos circuitos neuronais individuais e dos níveis de especificidade desses circuitos. As respostas “plásticas” representam tentativas de reorganização neural que podem resultar na recuperação da função específica ou desencadear resultados indesejados como a formação de conexões inadequadas para a execução das atividades funcionais, incluindo complicações como as sinergias patológicas e a espasticidade. Quanto mais precisa for a reorganização das conexões restauradas, mais eficiente será a recuperação da função2.
Segundo Johansson27, há escassez de estudos comparativos sobre o grau e o padrão de ativação sináptica decorrentes de intervenções terapêuticas específicas nos indivíduos em recuperação após o AVE. Considerando-se que as respostas individuais variam consideravelmente, há necessidade de estudos longitudinais criteriosos de pacientes com lesões e déficits motores específicos para que pressupostos decorrentes de estudos com animais possam ser demonstrados ou não em humanos. Além disso, as estratégias compensatórias podem ser diferentes nos períodos antes e após as intervenções, sendo que o padrão de ativação individual pode mudar também com o tempo. Algumas pesquisas têm indicado que as mudanças no padrão de ativação podem ser induzidas através do treino de movimentação ativa da mão parética em períodos de quatro e mesmo 15 anos após o AVE28.

Abordagens neurodesenvolvimentais de reabilitação motora
Segundo Mathiowetz e Haugen29, as abordagens de reabilitação motora foram fundamentadas no modelo hierárquico de controle motor. O modelo hierárquico estabelece que os movimentos são controlados a nível central em uma hierarquia das estruturas superiores para as inferiores29. Seguindo essa direção de tratamento, esses autores explicam que os profissionais de reabilitação ampliaram o uso de abordagens neurodesenvolvimentais, adotando métodos propostos por Rood (1954), Knott e Voss (1968), Brunnstrom (1970) e Bobath (1978). Essas abordagens têm cinco premissas em comum: (1) o SNC é organizado hierarquicamente e os centros mais altos exercem controle sobre os centros mais baixos; (2) as lesões no SNC resultam em alterações no tônus muscular e na emergência de reflexos inapropriados ou padrões de movimentos estereotipados controlados pelos centros mais baixos; (3) estímulos sensoriais periféricos podem ser usados pelo terapeuta para inibir reflexos inapropriados e facilitar padrões de movimentos adequados; (4) a repetição de movimentos elicitados por estímulos sensoriais resulta em mudanças positivas permanentes no SNC; (5) a recuperação da lesão no SNC tem a seqüência: céfalo-caudal, proximal-distal, ulnar-radial.
Abordagem sensório-motora: Rood
Essa abordagem utiliza estimulação cutânea do tipo mecânica (escovação) ou térmica (crioterapia) para potencializar a atividade receptora de alongamento. A redução da espasticidade baseia-se no princípio de que o sistema gama-eferente apresenta inervação recíproca de forma que a estimulação dos músculos antagonistas aos músculos espásticos resultará em aumento do tônus dos músculos estimulados e diminuição do tônus da musculatura espástica. A estimulação proprioceptiva também é utilizada, envolvendo a percussão no ventre muscular com as pontas dos dedos e a compressão das articulações para facilitar a co-contração de músculos específicos.
Facilitação neuromuscular proprioceptiva: Knott e Voss
Os princípios sensório-motores definem a aprendizagem motora, estabelecendo um equilíbrio entre músculos agonistas e antagonistas através da inervação recíproca. A abordagem aplica princípios de orientação de exercícios que valorizam o uso das mãos do terapeuta através de técnicas específicas de facilitação e inibição sem a utilização de dispositivos como escovas ou vibradores.
Terapia do movimento: Brunnstrom
A lesão no SNC provoca um “retrocesso” na dinâmica neuromotora que resulta em uma série de estágios com movimentos estereotipados durante a recuperação. As sinergias dos membros observadas em indivíduos com hemiparesia são consideradas padrões medulares primitivos de flexão e extensão, reminiscências de padrões motores que foram “retidos” durante a evolução. Sob essa premissa, o tratamento baseia-se na “recapitulação” do desenvolvimento ontogenético na seqüência espinhal, subcortical e cortical. Inicialmente há ênfase na assistência aos movimentos através da seleção de estímulos aferentes cutâneos e proprioceptivos (posicionamento e alongamento) para que o indivíduo possa adquirir controle das sinergias do membro afetado. O controle voluntário das sinergias, adquirido em um estágio posterior, indicaria que há possibilidade de modificá-las e de combinar movimentos simples com complexidade crescente que se afastam dos padrões estereotipados.
Tratamento neurodesenvolvimental: Bobath
As técnicas Bobath incentivam o uso dos dois lados do corpo e a meta seria a inibição dos padrões motores patológicos e reaprendizagem dos movimentos apropriados. A recuperação do controle motor iniciaria pela identificação da estabilidade postural reflexa sobre a qual o movimento específico estaria fundamentado e então, seria possível readquirir o controle dos movimentos isolados “quebrando” as sinergias. Para impedir o input sensorial dos padrões anormais, os padrões de inibição reflexa aplicados através de técnicas de facilitação para as reações de equilíbrio e endireitamento são opostos aos padrões inadequados de tônus postural que predomina no indivíduo. Trabalha-se nas articulações proximais segurando-se pontos-chave em padrões opostos aos inadequados para que o indivíduo possa experimentar sensações que serão “redirecionadas” resultando na emergência de padrões motores adequados.
Programa de Reaprendizagem Motora (PRM): Carr e Shepherd (1987)26
O Programa de Reaprendizagem Motora (PRM), específico para a reabilitação após o AVE, fundamenta-se em cinco fatores considerados essenciais para a aprendizagem motora sob o pressuposto de que esses seriam também essenciais no processo de reaprendizagem: (1) eliminação da atividade muscular desnecessária; (2) uso de feedback visual e verbal para reforço; (3) prática do controle motor com recrutamento do número correto de unidades motoras para a atividade específica que está sendo praticada; (4) observação da interação entre ajustes posturais e movimento; (5) ênfase nas funções cognitivas nos estágios iniciais da reaprendizagem progredindo em direção à aquisição da habilidade.

Abordagem orientada à tarefa
Essa abordagem foi proposta por Mathiowetz e Haugen29 sob a premissa de que o SNC é organizado de maneira heterárquica, ou seja, não há centros superiores ou inferiores, mas estruturas organizadas que funcionam em “paralelo”. Após uma lesão, o comportamento motor do indivíduo seria direcionado para a compensação dos déficits com a finalidade de alcançar um desempenho funcional satisfatório. A recuperação da lesão envolveria um processo de “redescoberta” das funções remanescentes com características específicas devido às particularidades individuais e contextuais. A prática variada oferecida pelo terapeuta possibilitaria ao indivíduo o encontro de suas próprias estratégias para vencer os desafios em direção ao desempenho funcional ótimo.
Os proponentes apresentam três limitações relacionadas à abordagem: (1) as estratégias de avaliação e intervenção encontram-se ainda em desenvolvimento; (2) em muitos settings clínicos, a dificuldade para a simulação de contextos naturais indica a necessidade de atendimentos domiciliares e em ambientes de trabalho; (3) o tipo de intervenção não seria indicado para indivíduos com distúrbios cognitivos porque requer habilidade acentuada de solução de problemas.


Constraint-induced movement therapy (CIMT)
A proposta da constraint-induced movement therapy (CIMT) é a superação do não-uso aprendido através da reintrodução do membro parético na realização das atividades relacionadas ao desempenho ocupacional do indivíduo30. Diferente da “síndrome de desatenção unilateral” ou heminegligência, o “não uso aprendido” teria um componente voluntário em sua etiologia. Observando parâmetros, tais como a amplitude de movimento, força, equilíbrio e sinergias, a intervenção busca potencializar, de maneira efetiva, a reorganização cortical uso-dependente para alcançar ganhos motores e funcionais31. O fator terapêutico seria a concentração da prática na medida certa, requerendo-se o controle motor dentro da possibilidade de alcance da meta. O indivíduo reaprenderia a realizar movimentos voluntários com seu membro superior parético ao ter o uso do membro contralateral limitado por uma luva sem a divisão dos dedos20.

Implicações para a prática clínica
Segundo Trombly e Ma32, 33, não há evidências clínicas sobre a abordagem mais efetiva para o retorno do controle motor após o AVE. Alguns protocolos tradicionais de reabilitação direcionam o tratamento para o membro parético; porém, a teoria dos sistemas dinâmicos reforça a integração bilateral com base na relação inter-hemisférica. O estudo de Whithall et al.34 demonstrou que quando movimentos bimanuais são iniciados simultâneamente, os membros superiores agem como uma unidade que supera a ação de um único membro, indicando uma interação coordenada no SNC. Quando a mão ou o braço é ativado com força moderada, essa ação gera um overflow contralateral e ocorrem contrações musculares nos dois membros em diferentes níveis de força.
As particularidades da conexão neurofisiológica no SNC possibilitam que a prática de movimentos bimanuais, alternados ou em sincronia, possa resultar em efeitos de facilitação do membro superior hígido para o membro parético. Dois estudos demonstraram ganhos de movimentos ativos no membro superior parético em pacientes que participaram de programas de reabilitação com ênfase na coordenação bimanual. Mudie e Matyas3 pesquisaram os efeitos da aplicação da teoria dos sistemas dinâmicos na reabilitação de indivíduos com hemiparesia decorrente de AVE e os resultados demonstraram retorno de controle motor com treino bimanual de movimentos específicos dos membros superiores. Os autores afirmam que as atividades bilaterias desencadeiam uma relação de desinibição inter-hemisférica que pode estabelecer o recrutamento de três trajetos alternativos para suplementar os movimentos originalmente controlados pelo hemisfério lesado: (1) um pool de neurônios motores “reserva” ipsilateral ao hemisfério lesado; (2) trajetos córtico-espinhais a partir do hemisfério não lesado; (3) trajetos córtico-espinhais ipsilaterais indiretos.
Ao enfrentar as dificuldades decorrentes da hemiparesia, alguns idosos buscam compensar os déficits motores ou mesmo a ausência de movimentos realizando as AVDs com o membro superior contralateral ao parético. Essas estratégias compensatórias tornam-se hábitos que reforçam o não uso do membro parético e persistem mesmo quando as condições neuro-motoras indicam a possibilidade de realização de muitas atividades, ou seja, nos estágios mais avançados de retorno de controle motor5. Sob essa perspectiva, as práticas implementadas no programa de reabilitação devem incentivar a realização das atividades bimanuais mesmo para idosos, exceto nos casos com contra-indicações específicas e que envolvem riscos para o paciente.


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Teixeira, I.N.. O ENVELHECIMENTO CORTICAL E A REORGANIZAÇÃO NEURAL APÓS O ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO (AVE): IMPLICAÇÕES PARA A REABILITAÇÃO. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2007/jan). [Citado em 31/05/2025]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/o-envelhecimento-cortical-e-a-reorganizacao-neural-apos-o-acidente-vascular-encefalico-ave-implicacoes-para-a-reabilitacao/457?id=457

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