0260/2006 - Os Desafios da ANS frente à Concentração dos Planos de Saúde
The consolidation of private health plans in Brazil: Challenges for the regulatory agency
Autor:
• Carlos Octávio Ocké-Reis - Carlos Octávio Ocké-Reis - Rio de Janeiro, RJ - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA - <octavio@ipea.gov.br>Área Temática:
Não CategorizadoResumo:
ResumoPretendemos abordar aqui os efeitos da concentração econômica do mercado de planos de saúde, pois tal movimento pode resultar no fortalecimento das grandes operadoras, com conseqüências sobre o financiamento do Sistema Único de Saúde. A partir da ótica da economia política do setor, além de refletir sobre as características dessa concentração, discutimos se o aumento do poder de mercado exige do Estado uma postura mais ativa, em especial caso se queira preservar os princípios normativos da Agência Nacional de Saúde Suplementar — em defesa do consumidor, da concorrência regulada e do interesse público.
Palavras-chave: Política governamental; Regulação; Análise do mercado de atenção médica; Saúde
Abstract:
AbstractThe effect of the financial consolidation of the private health plan market deserves investigation, since this trend could enhance the power of the large plans and have consequences affecting the financing of the Brazilian National Health System. We take the perspective of the health’s political economy and the features of this consolidation to discuss whether the State should take a more active role in view of this increased market power, especially if it intends to enforce the normative principles of the Agency of Supplementary Health to defend consumers, assure regulated competition and public interest.
Key words: Government policy; Regulation; Analysis of health care markets; Health
Conteúdo:
Introdução
No contexto do SUS (Sistema Único de Saúde), consideramos necessário discutir o papel do mercado de planos de saúde, seja para pensar o modo de regulação do Estado (Almeida1), seja para investigar a dimensão dos gastos das famílias com planos de saúde (Silveira et al.2), ou ainda para analisar o perfil de morbidade, acesso e uso de serviços de saúde da população, no contexto do mix público/privado (Pinheiro et al.3).
Para isso examinamos, em particular, os possíveis efeitos da concentração econômica desse mercado, pois tal movimento pode resultar no fortalecimento das grandes operadoras, com conseqüências imprevisíveis sobre a organização e financiamento do SUS. Tecemos, ainda, considerações gerais sobre o significado e características dessa concentração, observando se o aumento do poder de mercado exigiria do Estado uma postura mais ativa para preservar os princípios normativos da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) — em defesa do consumidor, da concorrência regulada e do interesse público. Conforme Mendes4 antecipou, “a existência de uma regulação estatal, com estabelecimento de regras mínimas, determinou modificações qualitativas e quantitativas no mercado, dentre elas, a concentração”.
Não existe consenso acerca dos possíveis efeitos colaterais desse fenômeno na saúde privada. Há quem analise que, dentro de certos ambientes regulatórios, a existência de um grande número de usuários na “carteira” dos planos de saúde garantiria melhor atendimento, cobertura e preço (Haas-Wilson5). Em sentido inverso, ao analisar o caso brasileiro, Ocké-Reis6 suspeita que a influência dos oligopólios comprometeria o custo e a qualidade da atenção médica prestada; o nível de gasto dos empregadores com salários indiretos; e a adoção de práticas gerenciais de ajustamento de risco — que visam atenuar as “falhas do mercado” relativas à cobertura de doentes crônicos e idosos.
Em que pese que a concentração seja um movimento inexorável do próprio capitalismo (Mazzucchelli7), nada garante que as grandes operadoras, se fortalecidas, atuem em sinergia com o SUS. Tais agentes econômicos são movidos por uma lógica economicista — acumulação de capital per se e radicalização da seleção de riscos —, e dados os instrumentos de coerção legitimada e persuasão à disposição da agência reguladora, ninguém sabe ao certo em que medida a ANS detém precondições para subordinar os oligopólios às diretrizes das políticas de saúde; em outras palavras, se a Agência convence as operadoras líderes que as atividades mercantis empreendidas no setor saúde, meritórias e vitais para a sociedade, devem atender a uma função social, orientada pelo nexo com o interesse público (Ocké-Reis8).
Considerando este quadro, discutiremos na primeira seção deste ensaio as características econômicas gerais do mercado de planos de saúde. A seguir, apontaremos os desafios da ANS perante o movimento de concentração, tendo como pano de fundo a economia política que preside esse processo. Na conclusão, apresentaremos as conclusões do trabalho, refletindo sobre as possibilidades da Agência afirmar seus preceitos normativos diante da concentração, cujos desdobramentos merecem maiores investigações no futuro.
O mercado de planos de saúde
O mercado de planos de saúde se distingue das demais atividades econômicas, pois segundo Cutler & Zeckhauser9 a demanda é inelástica, a oferta orienta a procura (supplier-induced demand) e a presença de externalidades não favorece o predomínio de mecanismos de mercado. Como parte integrante do setor serviços, Ocké-Reis et al.10 chamam atenção também ao fato desse mercado ser caracterizado pela sua sensibilidade à taxa de juros, à rigidez dos fatores de produção, à incorporação de tecnologia e ao câmbio (a dependência tecnológica obriga a importação de insumos e equipamentos médicos). Somadas aos custos de transação que penalizam o consumidor, essas peculiaridades configuram um traço marcante: os custos crescentes à moda de Baumol11, motivando, freqüentemente, uma variação do nível de preços da saúde e dos planos maior do que a taxa média de inflação da economia.
Além da presença desses ingredientes, desenvolve-se um padrão de competição concentrado e diferenciado na experiência brasileira, cujo perfil oligopolista facilita o aparecimento de um processo sistemático de barganha, em direção ao aumento dos preços dos prêmios. Sem o confronto da ANS ou dos empregadores, as grandes operadoras passam a reivindicar reajustes sistemáticos de preços (upstream), e além do mais, sua condição oligopsônica permite-as ajustar o sinistro barateando o custo dos médicos e dos procedimentos hospitalares (downstream), com impactos consideráveis sobre a qualidade do material dos insumos e dos serviços, dado o baixo poder de barganha dos prestadores (Duarte12). De uma parte, dependendo do modelo de gestão de risco da operadora, os prestadores médico-hospitalares estão espremidos entre os custos crescentes e o “mau pagador”, salvo aqueles que contam com estrutura empresarial própria, larga reputação, ou ainda, o monopólio da prestação — seja por motivos tecnológicos, seja pela localização geográfica. Nesse último caso, é provável que se observem abusos econômicos da parte dos próprios prestadores hospitalares, como vem ocorrendo, segundo Halvorson e Isham13, nos Estados Unidos. De outra parte, observa-se que as chances de um consumidor mudar de operadora (ou de plano) sem ter prejuízo — na tentativa de fugir dos altos preços, da cobertura precária e das carências — são muito remotas. Essa mudança poderia significar dispêndios adicionais, perda de qualidade na atenção médica e, em casos extremos, sérios danos à saúde. Isso ocorre com os usuários de planos individuais, mas se dá igualmente com os afiliados aos planos empresariais. Esses últimos, em geral, excetuando-se os executivos e as categorias de trabalhadores mais organizadas, abrangem uma soma de indivíduos não-organizados, sem poder de barganha sobre os contratos realizados pela patrocinadora (os empregadores).
A concentração e diferenciação
Grosso modo, o grau de concentração dos planos de saúde permite avaliar seu nível de competitividade, indicando o poder econômico e participação das operadoras dentro do mercado. O HHI (Herfindahl-Hirschman Index) é um método bastante utilizado para medir tal concentração, calculado a partir da soma do market share de cada plano, considerando todos aqueles inseridos no mercado relevante, onde
0 < HHI  10.000 (Santeree et al.14).
Quando um mercado é dominado por apenas uma empresa (monopólio), o HHI assume o valor máximo arbitrário de 10.000, caracterizando uma atividade econômica altamente concentrada. Suponhamos, assim, que existam cinco planos de saúde com 35, 30, 20, 10 e 5% do mercado. Usando uma equação simplificada, temos que HHI = 352+302+202+102+52, onde o HHI seria 2.650. Imaginemos, agora, que os dois planos menores se juntem; o HHI (352+302+202+152) seria igual a 2.750, de tal modo que essa última configuração do mercado é levemente mais concentrada do que a anterior.
Para dar sentido econômico à análise da concentração, essa tipologia deve ser aplicada estritamente ao mercado relevante, isto é, no “espaço econômico definido em termos geográficos e de produto no qual algum poder de mercado tenha a possibilidade a priori de ser exercido” (Possas15). Assim, quando o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) associa a concentração ao fato da empresa líder deter mais de 20% do mercado ou o grupo das quatro maiores superar 75% do market share (Desafios16), essa classificação somente é válida se delimitada ao setor oligopolista — por definição —, o mercado relevante à análise de efeitos anticompetitivos potenciais. Mesmo porque, no caso dos planos de saúde, as operadoras que atuam na faixa concorrencial, a princípio, não apresentam condições econômicas para alterar o padrão de competição do mercado, de modo a pressionar preços, intensificar barreiras à entrada, exigir a ampliação de subsídios fiscais, ou ainda, capturar a agência reguladora (Ocké-Reis17).
No Brasil, dentre 1.264 operadoras, apenas 8 (0,6%) das operadoras detinham 21% dos “usuários” dos planos de saúde em março de 2006, o equivalente a cerca de 7,6 milhões de planos de assistência médica (ANS18). Essa constatação é tão marcante que parece razoável imaginar que essas oito empresas, orbitando no setor oligopolista, tenham poder para pressionar aumento de preços, dados seus indicadores de faturamento, market share ou escala do número de consumidores. Sem dúvida, a partir de 2004, tal fato explica — após a decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) de agosto de 2003 — os aumentos diferenciados aplicados nos planos antigos da Amil, Golden Cross, Itaúseg, Bradesco, Sul América e Porto Seguro, no contexto dos Termos de Compromisso assinados com a Agência (ANS19). Em relação a esse setor, Derengowski e Fonseca20 demonstram, empiricamente, que ao menos as seguradoras especializadas apresentam “indícios de concentração e poder de mercado, em termos locais e nacionais”.
No que se refere às demais modalidades “supletivas”, desconhecemos por hora estudos que abordem essa questão. À primeira vista, houve uma elevação do custo médio de funcionamento das operadoras, provocada por um conjunto de ações administrativas decorrentes da implementação da Lei 9.656/98, o que tornou os “retornos crescentes de escala” em uma vantagem competitiva proeminente (Andreazzi21). Contudo, como o mercado consumidor não cresceu a ponto de corresponder a essa expectativa (Ocké-Reis22), em especial mediante a entrada de usuários jovens e saudáveis, uma elevação dos custos administrativos sem a contrapartida do aumento da escala de usuários tenderia a engendrar desequilíbrios de natureza atuarial, em particular na ausência de rede assistencial própria e/ou frente a uma gestão ineficiente dos recursos, acabando por reforçar a tendência à concentração.
Isso não quer dizer que ser dono de uma grande escala implica, necessariamente, vantagens competitivas e maiores lucros. Na verdade, inexiste um tamanho ótimo de usuários in abstracto porque isso varia de acordo com o porte econômico, a estrutura de oferta própria (por exemplo, a rede hospitalar das empresas de medicina de grupo, os profissionais de saúde organizados em cooperativas médicas) e a estratégia empresarial das operadoras de planos de saúde. Em tese, cada fatia do mercado espera receber determinada taxa média de lucro, levando em conta sua demanda potencial, o modelo de gestão de risco, o equilíbrio atuarial (sinistralidade) e a lógica de rentabilidade. À guisa de ilustração, a empresa Aetna fez, recentemente, um duríssimo rearranjo organizacional, diminuindo usuários, reduzindo custos e ampliando produtos, tornando-se mais lucrativa, depois de ter sido considerada a maior operadora de “managed care” dos Estados Unidos (Robinson23).
Aqui está em curso um difuso processo de downsizing, que não deve ser confundido com uma depuração pura e simples do mercado. O setor oligopolista detém condições econômicas para baratear eventuais ajustes organizacionais — na passagem para um novo ramo de negócios — impondo o rateio dos custos com aos consumidores. Sem dúvida, o caso emblemático em voga combina, de um lado, o aumento dos planos individuais antigos e, de outro, a remarcação preventiva do preço de entrada dos planos individuais novos; isto é, ao mesmo tempo em que as grandes operadoras procuram se desfazer do risco (seleção adversa) encontrada hoje nos planos individuais antigos, se antecipam preventivamente à regulação da ANS aplicada ao teto de reajuste dos planos individuais novos. No fundo, a nova estratégia dos oligopólios prioriza, agora, a expansão do seu market share no segmento dos planos empresariais, evitando, se possível, carregar uma “carteira podre”, para utilizar o jargão do mercado de seguros na área da “saúde suplementar”.
No que se refere ao setor concorrencial, as operadoras estão pulverizadas, apresentando uma quantidade menor de usuários, nas cidades pequenas. Em algumas experiências, pequenas operadoras associam-se às grandes, organizando a cobertura de sua clientela até determinado nível de complexidade tecnológica. Os doentes mais graves são, geralmente, encaminhados aos prestadores credenciados pelo sócio majoritário, permitindo a criação de vasos comunicantes (consórcios) entre modalidades “supletivas” de porte econômico e natureza jurídica distintas, fato pouco explorado pela literatura especializada.
Diz-se haver práticas monopolistas nesse segmento — a rigor — semi-concorrencial. No entanto, é questionável, de uma parte, atribuir aos planos de autogestão de empresas públicas e privadas a construção institucional de clientelas cativas, como fazem Costa e Castro24, considerando o caráter mutualista de alguns desses planos. De outra, não está superada a polêmica se a unimilitância das cooperativas médicas Unimed implica, de fato, o exercício de práticas anticompetitivas (Duarte25). Tal unimilitância pode ser entendida como a prestação exclusiva de serviços por parte dos médicos filiados à Unimed (monopsônio), principalmente nas cidades menores. As corporações profissionais e os órgãos governamentais discordam entre si, pois, em geral, tais órgãos entendem “haver afronta a garantias constitucionais no que se refere à liberdade do exercício profissional, à livre concorrência econômica e à defesa dos consumidores” (Wolf26).
No tocante à diferenciação, o setor oligopolista do mercado de planos de saúde apresenta, de certa forma, peculiaridades análogas à dinâmica industrial, admitindo que seu movimento de concentração produza barreiras à entrada, decorrentes das economias de escala de diferenciação. Resulta daí, em síntese, a competitividade das operadoras líderes para vender os produtos que levam a sua “marca” e estabelecer contratos favoráveis com os prestadores médico-hospitalares.
De acordo com Possas27, as economias de escala de diferenciação “estão ligadas à persistência de hábitos e marcas e conseqüentemente ao elevado e prolongado volume de gastos necessários para conquistar uma faixa de mercado mínima que as justifique”. Conseqüentemente, de um lado, “sua eficácia reside mais em inibir a entrada de concorrentes do que em exigir um tamanho mínimo da empresa”, e de outro, embora a competição em preços não esteja inteiramente descartada, “não é um recurso habitual, não só porque, como em qualquer oligopólio, ela poria em risco a estabilidade do mercado e a própria sobrevivência das empresas, mas também porque qualquer movimento irregular de preços teria uma incidência proporcionalmente grande sobre os custos indiretos unitários, que seriam muito altos devido às despesas de publicidade e comercialização, o que afetaria seriamente as vendas e/ou o nível de lucros”. Nessas condições econômicas, pode-se dizer que a diferenciação do produto seria a principal forma de concorrência, considerando um mercado pouco competitivo em preços, marcado por um processo contínuo de diferenciação e inovação de produtos substitutos próximos entre si — à luz do quadro conceitual acerca da competição imperfeita (Robinson28).
Essa digressão teórica, em um primeiro exame, se aplica a esse segmento dos planos de saúde cuja oferta de produtos heterogêneos circula em nichos diferenciados “segundo a ocupação, posição funcional e renda, dos diversos grupos sociais e indivíduos” (Teixeira et al.29). As grandes operadoras, em especial, apostam na diferenciação, dada a reputação de suas marcas, para consolidar vantagens competitivas, visando o crescimento do prêmio total e da escala do número de usuários, o que parece confirmar “o papel central que a busca do lucro extraordinário cumpre na introdução das inovações e novos produtos” (Possas30).
Com isso, pode-se dizer, adotando a conceituação de Porter31, que os oligopólios se orientam mais pela lógica da diferenciação do que pela liderança em custos. Sempre atravessada pela presença dos cartéis, a concorrência oligopolista consiste, assim, em disputar a “carteira” dos planos empresariais do rival, na área geográfica de atuação, onde a diferenciação, e não apenas o preço, poderia conduzir a uma posição vantajosa no processo de competição, a ponto, em poucos casos, de permitir a realização de lucros extraordinários, em curto prazo. Longe das amarras regulatórias, restrita aos planos individuais novos, essa concorrência dos planos empresariais não impede, entretanto, que o setor oligopolista barganhe a manutenção de seus preços em um limite superior. Ademais, como ficou difícil incorporar os consumidores de baixa renda por meio da oferta de produtos mais baratos e rede de menor qualidade, dada a proibição legal de se subsegmentar os produtos, tornou-se, possivelmente, pouco atrativa a perspectiva de liderar o mercado via achatamento dos custos. De qualquer forma, o gerenciamento dos custos e riscos continua sendo um imperativo para as operadoras líderes — considerando, entre outros, a tendência crescente dos custos dos serviços médicos — mas as novas oportunidades de negócios surgem nos segmentos empresarial e coletivo por adesão, onde predomina a lógica da diferenciação.
Em suma, um mercado concentrado e pouco competitivo em relação aos preços pode provocar efeitos negativos sobre a qualidade da atenção médica assistida aos consumidores. Mas, ora, não é exatamente essa idéia-força — a qualidade — que a agência reguladora pretende difundir como eixo organizador da sua política, para estabilizar o marco regulatório do mercado de planos de saúde?
O papel da agência reguladora
Essa configuração do mercado e as peculiaridades do setor saúde desafiam a capacidade de atuação da ANS e das instituições antitruste — diga-se, do Cade, da Seae (Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda), e da SDE (Secretaria de Direito Econômico) do Ministério da Justiça, que compõem o SBDC (Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência). Vale notar igualmente que, embora alguns autores já reconheçam o processo de concentração em curso no mercado de planos de saúde (Nitão32), é escassa a produção de estudos que investiguem os efeitos sistêmicos dessa concentração sobre o mix público/privado da saúde no Brasil, abordando possíveis caminhos e condutas a serem adotadas pela ANS em face desse movimento de concentração e do respectivo aumento do poder de mercado das operadoras líderes.
À primeira vista, o caso norte-americano parece municiar, mutatis mutandis, a ANS de elementos que podem contribuir para o enfrentamento de problemas oriundos da concentração. Observou-se lá que, se determinado tipo de regulação produziu preços mais baixos e maior cobertura, isso dependeu do número de operadoras e do nível de concentração do mercado (Chollet et al.33). Ademais, se constatou que foi difícil internalizar os supostos ganhos de eficiência, isto é, fazer com que os agentes regulados produzissem, de fato, preços competitivos, em especial na regulação dos public utility services (Kahn34). Portanto, tudo indica que não será simples solucionar os efeitos negativos de longo prazo das fusões das seguradoras de saúde sobre os pacientes e os médicos (AMA35).
No caso brasileiro, a dinâmica dos oligopólios repõe, continuamente, os desafios da Agência para estabilizar preços e garantir a qualidade da cobertura, apesar do desenvolvimento de uma política regulatória que procura convergir os interesses conflitantes entre operadoras, prestadores e consumidores. Em particular, o reajuste anual definido pela ANS para a remarcação dos preços não representa um tabelamento do valor nominal dos planos individuais novos; é tão-somente um percentual máximo de reajuste fixado a cada ano — um teto — que delimita a variação dos prêmios, ou seja, a margem de aumento possível dentro do marco legal dos contratos com mais de um ano de vigência, que hoje alcançam apenas 13% do mercado total de planos de saúde (Ocké-Reis & Cardoso36). Desse modo, não existe, estritamente falando, um controle dos preços dos planos individuais, e tampouco dos empresariais, mas sim a demarcação de um teto de reajuste dos preços dos planos individuais novos, a partir do ano 2000. Vale dizer, dada a estratégia de diferenciação, esses contratos podem até ser agrupados e demarcados por grandes segmentos (ambulatorial, hospitalar etc.), mas os planos são facilmente transformados em um novo produto, facilitando a remarcação de seus preços de entrada, dentro de certos limites do jogo do mercado.
Ora, nesse quadro, para tentar garantir uma regulação mínima sobre o nível e a evolução dos preços dos planos de saúde — em que pese a decisão liminar do STF —, a Agência poderia, ao menos, ter impedido que a ineficiência presente no desenho dos contratos dos planos individuais antigos fosse repassada aos consumidores, seja por meio do Programa de Incentivo à Adaptação de Contratos (Piac), seja por meio de reajustes abusivos de preço, no contexto dos termos de ajustamento de contratos assinados a partir de 2004, entre a ANS e as operadoras líderes.
Apesar de terem atuado dentro da legalidade à época e apesar de as “carteiras” terem sido montadas em outras condições de mercado, isso não isenta as operadoras de responsabilidade corporativa por não terem formado fundos financeiros de longo prazo nos contratos dos planos individuais antigos, que previssem o aumento da taxa de utilização e o conseqüente desequilíbrio da sinistralidade da “carteira”, por conta da elevação da idade média dos usuários; fundo esse, é bom lembrar, que as obrigaria a diminuir o percentual e o montante dos lucros retidos. Ademais, esses contratos foram concebidos no contexto de um contraditório padrão de competição, para o qual a promoção do uso da tecnologia médica como fator de garantia da resolubilidade dos serviços era a principal arma mercadológica para atrair a clientela da medicina privada, o que acabou favorecendo tanto a prática do moral harzard, quanto a contratação de serviços mais caros de hotelaria, aumentando os custos finais da prestação médica. Assim, as operadoras que detêm hoje essa “massa” forçam, muitas vezes — o que é pior — dentro da lei, a saída dos usuários crônicos e idosos por meio do estabelecimento de tetos de utilização, co-pagamentos e fixação de altos preços abusivos.
Pode-se discordar dessa interpretação em torno da ineficiência da carteira de planos antigos, alegando que a tensa repactuação em torno do reajuste de preços dos planos individuais antigos se origina e se explica, em parte, devido ao aparecimento de novos custos trazidos pela Lei 9.656. No entanto, gostaríamos de apontar um aspecto que parece surgir da controvérsia: a ANS não teve força para impedir que a ineficiência das operadoras líderes — verificada no desenho dos contratos dos planos individuais antigos — fosse repassada aos consumidores, seja em relação ao aumento dos prêmios, seja em relação à perda de qualidade da atenção médica.
Em outras palavras, apesar da ausência de dados fidedignos, é plausível levantar a hipótese de que as empresas líderes, com seu poder de mercado, beneficiadas por suas marcas e pelo tamanho da sua carteira de usuários, criaram um cerco à política regulatória da ANS, pressionando o reajuste de preços dos planos individuais antigos, favorecidas pela decisão do STF de não reconhecer a agência reguladora como instância responsável pela regulação dos contratos estabelecidos antes da Lei. Será que não teríamos alguma lição a aprender com o exame dessa proposição, no sentido de perceber que, depois da decisão do Supremo, os oligopólios mereceriam uma regulamentação mais rigorosa sob pena da captura da ANS, o que, por sua vez, poderia dificultar a integração dos sistemas público e privado, no contexto das diretrizes constitucionais na área da saúde?
Nesse panorama, faz sentido argumentar que, caso se pretenda incrementar o nível da qualidade da atenção médica privada, dever-se-ia acompanhar e monitorar os efeitos colaterais do movimento de concentração capitaneado pelas operadoras que detêm uma posição de liderança, com vistas à relativização do seu poder de mercado. Caso contrário, é possível imaginar que as ações regulatórias em busca da qualidade se convertam em medidas que acabem favorecendo os oligopólios privados, considerando-se que estes possuem claras vantagens competitivas para arcar com os custos de um programa dessa natureza, na “saúde suplementar”.
A agenda da qualidade: um olhar crítico
Há pouco tempo foi implementado pela ANS o Programa de Qualificação da Saúde Suplementar (ANS37). Trata-se de uma iniciativa inovadora, que busca o equilíbrio atuarial da “carteira” dos planos e a melhoria da qualidade, considerados todos os atores e dimensões de funcionamento do setor. E mais do que isso: acredita-se que esse programa terá condições de produzir impactos significativos sobre o perfil da oferta de serviços, ao desenhar um conjunto de incentivos — econômicos e assistenciais — voltado às operadoras e prestadores. Espera-se, assim, dotar o subsistema privado de maior eficiência, como é debatido por Donaldson et al.38.
Cumpre assinalar, entretanto, recorrendo mais uma vez ao caso norte-americano, que estudos acerca da qualidade da assistência à saúde, em ambientes de atenção gerenciada, evidenciaram o latente conflito entre níveis de qualidade e o controle dos custos, além de sugerirem que o managed care não conduziu à combinação desejada de “qualidade com menores custos” (Ugá et al.39). Não podemos asseverar se esse “déficit” ocorrerá no caso brasileiro, até porque aqui o managed care é ainda uma prática difusa, quando comparados com seus métodos, técnicas e arranjos mais usuais (Hacker et al.40). Contudo, esse quadro reforça as suspeitas de que as medidas oriundas do Programa de Qualificação, embora necessárias para emprestar maior eficiência ao subsistema privado, não serão suficientes para afiançar a concorrência regulada, levando-se em conta as características pouco competitivas do mercado de planos de saúde no Brasil.
Essa agenda foi escolhida pela ANS, porque, aparentemente, tal opção oferece menores resistências políticas na atual correlação de forças, além de conferir legitimidade à gestão da Agência a partir de um eixo — em um primeiro exame — consensual perante agentes econômicos com interesses tão díspares. Desse modo, as medidas e ações do Programa de Qualificação sedimentariam, de alguma forma, os preceitos normativos da ANS em defesa do consumidor, da concorrência regulada e do interesse público. Essa mediação nos parece ponderada e desejável, mas o processo de saneamento das operadoras não deve ser confundido, mecanicamente, com a melhoria da qualidade da atenção médica prestada na “saúde suplementar”. Em outras palavras, não se pode desconsiderar que os efeitos colaterais da concentração sobre os consumidores e prestadores podem resultar em uma perda de qualidade, embora esse movimento de concentração possa ser disciplinado pela Lei da regulamentação, o Cade e o próprio CDC (Código de Defesa do Consumidor).
Se o Programa de Qualificação fosse visto como um instrumento de ação no sentido de privilegiar “a redução do atrito e dos custos políticos e administrativos associados aos contratos e ao tipo de governança, no sentido de favorecer as melhores e mais fluidas relações contratuais, mesmo que à custa de um número mais reduzido de competidores” (Ribeiro41), ele atenderia às propostas da agência reguladora. No entanto, se fossem cobrados resultados e mecanismos para refrear o poder de mercado dos oligopólios, o Programa de Qualificação não teria condições de preencher essa lacuna. Além do mais, as operadoras líderes, fortalecidas pelo processo de concentração, teriam maiores chances de capturar a ANS nos termos apresentados por Viscusi et al.42 “promovendo, de forma deliberada ou não, a rentabilidade do mercado, em detrimento do bem-estar social”. Pode-se alegar, porém, que tal programa não foi desenhado com esse objetivo, obviamente. Contudo, mesmo supondo que, na margem, a qualidade dos serviços prestados pelo mercado melhore, sem a redução do poder de mercado dos grandes players, o objetivo central do referido programa (a qualificação) será objeto de permanentes conflitos, sem falar dos possíveis desdobramentos negativos sobre o SUS.
A implementação do Programa de Qualificação ensinará lições importantes sobre o desenho adequado acerca da regulamentação dos planos de saúde. No entanto, olhando os casos norte-americano e brasileiro (com um mercado concentrado e diferenciado, que pressiona por aumentos sistemáticos de preços), perguntamos se o Programa de Qualificação refreará o movimento de concentração, mesmo porque ele não foi planejado com essa finalidade; e tal quadro de aumento do poder de mercado das operadoras adicionará mais problemas para o cumprimento dos preceitos normativos da ANS. Desse modo, é ingenuidade crer que a “agenda da qualidade” aceite soluções de soma positiva, onde todos os grupos afetados pela política teriam a ganhar, permitindo-se soluções ótimas ou unânimes — tomando como base a tipologia descrita por Costa et al.43.
Em geral, a eficácia de uma política regulatória tende a ser inversamente proporcional ao grau de monopólio e/ou oligopólio do mercado, à medida que — em tese — essa assimetria poderia interditar uma regulação efetiva de preços, cobertura, acesso e qualidade dos planos privados de saúde (Robinson44). O Programa de Qualificação procura, corretamente, melhorar a qualidade dos serviços prestados na saúde suplementar, mas seria oportuno monitorar as operadoras que detêm posição de liderança, cuja lógica de rentabilidade pressiona preços, intensifica barreiras à entrada, exige a ampliação de subsídios fiscais, e assim configuram um quadro que ameaça a autonomia da Agência, no contexto da concentração de mercado de planos de saúde.
No contexto do SUS (Sistema Único de Saúde), consideramos necessário discutir o papel do mercado de planos de saúde, seja para pensar o modo de regulação do Estado (Almeida1), seja para investigar a dimensão dos gastos das famílias com planos de saúde (Silveira et al.2), ou ainda para analisar o perfil de morbidade, acesso e uso de serviços de saúde da população, no contexto do mix público/privado (Pinheiro et al.3).
Para isso examinamos, em particular, os possíveis efeitos da concentração econômica desse mercado, pois tal movimento pode resultar no fortalecimento das grandes operadoras, com conseqüências imprevisíveis sobre a organização e financiamento do SUS. Tecemos, ainda, considerações gerais sobre o significado e características dessa concentração, observando se o aumento do poder de mercado exigiria do Estado uma postura mais ativa para preservar os princípios normativos da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) — em defesa do consumidor, da concorrência regulada e do interesse público. Conforme Mendes4 antecipou, “a existência de uma regulação estatal, com estabelecimento de regras mínimas, determinou modificações qualitativas e quantitativas no mercado, dentre elas, a concentração”.
Não existe consenso acerca dos possíveis efeitos colaterais desse fenômeno na saúde privada. Há quem analise que, dentro de certos ambientes regulatórios, a existência de um grande número de usuários na “carteira” dos planos de saúde garantiria melhor atendimento, cobertura e preço (Haas-Wilson5). Em sentido inverso, ao analisar o caso brasileiro, Ocké-Reis6 suspeita que a influência dos oligopólios comprometeria o custo e a qualidade da atenção médica prestada; o nível de gasto dos empregadores com salários indiretos; e a adoção de práticas gerenciais de ajustamento de risco — que visam atenuar as “falhas do mercado” relativas à cobertura de doentes crônicos e idosos.
Em que pese que a concentração seja um movimento inexorável do próprio capitalismo (Mazzucchelli7), nada garante que as grandes operadoras, se fortalecidas, atuem em sinergia com o SUS. Tais agentes econômicos são movidos por uma lógica economicista — acumulação de capital per se e radicalização da seleção de riscos —, e dados os instrumentos de coerção legitimada e persuasão à disposição da agência reguladora, ninguém sabe ao certo em que medida a ANS detém precondições para subordinar os oligopólios às diretrizes das políticas de saúde; em outras palavras, se a Agência convence as operadoras líderes que as atividades mercantis empreendidas no setor saúde, meritórias e vitais para a sociedade, devem atender a uma função social, orientada pelo nexo com o interesse público (Ocké-Reis8).
Considerando este quadro, discutiremos na primeira seção deste ensaio as características econômicas gerais do mercado de planos de saúde. A seguir, apontaremos os desafios da ANS perante o movimento de concentração, tendo como pano de fundo a economia política que preside esse processo. Na conclusão, apresentaremos as conclusões do trabalho, refletindo sobre as possibilidades da Agência afirmar seus preceitos normativos diante da concentração, cujos desdobramentos merecem maiores investigações no futuro.
O mercado de planos de saúde
O mercado de planos de saúde se distingue das demais atividades econômicas, pois segundo Cutler & Zeckhauser9 a demanda é inelástica, a oferta orienta a procura (supplier-induced demand) e a presença de externalidades não favorece o predomínio de mecanismos de mercado. Como parte integrante do setor serviços, Ocké-Reis et al.10 chamam atenção também ao fato desse mercado ser caracterizado pela sua sensibilidade à taxa de juros, à rigidez dos fatores de produção, à incorporação de tecnologia e ao câmbio (a dependência tecnológica obriga a importação de insumos e equipamentos médicos). Somadas aos custos de transação que penalizam o consumidor, essas peculiaridades configuram um traço marcante: os custos crescentes à moda de Baumol11, motivando, freqüentemente, uma variação do nível de preços da saúde e dos planos maior do que a taxa média de inflação da economia.
Além da presença desses ingredientes, desenvolve-se um padrão de competição concentrado e diferenciado na experiência brasileira, cujo perfil oligopolista facilita o aparecimento de um processo sistemático de barganha, em direção ao aumento dos preços dos prêmios. Sem o confronto da ANS ou dos empregadores, as grandes operadoras passam a reivindicar reajustes sistemáticos de preços (upstream), e além do mais, sua condição oligopsônica permite-as ajustar o sinistro barateando o custo dos médicos e dos procedimentos hospitalares (downstream), com impactos consideráveis sobre a qualidade do material dos insumos e dos serviços, dado o baixo poder de barganha dos prestadores (Duarte12). De uma parte, dependendo do modelo de gestão de risco da operadora, os prestadores médico-hospitalares estão espremidos entre os custos crescentes e o “mau pagador”, salvo aqueles que contam com estrutura empresarial própria, larga reputação, ou ainda, o monopólio da prestação — seja por motivos tecnológicos, seja pela localização geográfica. Nesse último caso, é provável que se observem abusos econômicos da parte dos próprios prestadores hospitalares, como vem ocorrendo, segundo Halvorson e Isham13, nos Estados Unidos. De outra parte, observa-se que as chances de um consumidor mudar de operadora (ou de plano) sem ter prejuízo — na tentativa de fugir dos altos preços, da cobertura precária e das carências — são muito remotas. Essa mudança poderia significar dispêndios adicionais, perda de qualidade na atenção médica e, em casos extremos, sérios danos à saúde. Isso ocorre com os usuários de planos individuais, mas se dá igualmente com os afiliados aos planos empresariais. Esses últimos, em geral, excetuando-se os executivos e as categorias de trabalhadores mais organizadas, abrangem uma soma de indivíduos não-organizados, sem poder de barganha sobre os contratos realizados pela patrocinadora (os empregadores).
A concentração e diferenciação
Grosso modo, o grau de concentração dos planos de saúde permite avaliar seu nível de competitividade, indicando o poder econômico e participação das operadoras dentro do mercado. O HHI (Herfindahl-Hirschman Index) é um método bastante utilizado para medir tal concentração, calculado a partir da soma do market share de cada plano, considerando todos aqueles inseridos no mercado relevante, onde
0 < HHI  10.000 (Santeree et al.14).
Quando um mercado é dominado por apenas uma empresa (monopólio), o HHI assume o valor máximo arbitrário de 10.000, caracterizando uma atividade econômica altamente concentrada. Suponhamos, assim, que existam cinco planos de saúde com 35, 30, 20, 10 e 5% do mercado. Usando uma equação simplificada, temos que HHI = 352+302+202+102+52, onde o HHI seria 2.650. Imaginemos, agora, que os dois planos menores se juntem; o HHI (352+302+202+152) seria igual a 2.750, de tal modo que essa última configuração do mercado é levemente mais concentrada do que a anterior.
Para dar sentido econômico à análise da concentração, essa tipologia deve ser aplicada estritamente ao mercado relevante, isto é, no “espaço econômico definido em termos geográficos e de produto no qual algum poder de mercado tenha a possibilidade a priori de ser exercido” (Possas15). Assim, quando o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) associa a concentração ao fato da empresa líder deter mais de 20% do mercado ou o grupo das quatro maiores superar 75% do market share (Desafios16), essa classificação somente é válida se delimitada ao setor oligopolista — por definição —, o mercado relevante à análise de efeitos anticompetitivos potenciais. Mesmo porque, no caso dos planos de saúde, as operadoras que atuam na faixa concorrencial, a princípio, não apresentam condições econômicas para alterar o padrão de competição do mercado, de modo a pressionar preços, intensificar barreiras à entrada, exigir a ampliação de subsídios fiscais, ou ainda, capturar a agência reguladora (Ocké-Reis17).
No Brasil, dentre 1.264 operadoras, apenas 8 (0,6%) das operadoras detinham 21% dos “usuários” dos planos de saúde em março de 2006, o equivalente a cerca de 7,6 milhões de planos de assistência médica (ANS18). Essa constatação é tão marcante que parece razoável imaginar que essas oito empresas, orbitando no setor oligopolista, tenham poder para pressionar aumento de preços, dados seus indicadores de faturamento, market share ou escala do número de consumidores. Sem dúvida, a partir de 2004, tal fato explica — após a decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) de agosto de 2003 — os aumentos diferenciados aplicados nos planos antigos da Amil, Golden Cross, Itaúseg, Bradesco, Sul América e Porto Seguro, no contexto dos Termos de Compromisso assinados com a Agência (ANS19). Em relação a esse setor, Derengowski e Fonseca20 demonstram, empiricamente, que ao menos as seguradoras especializadas apresentam “indícios de concentração e poder de mercado, em termos locais e nacionais”.
No que se refere às demais modalidades “supletivas”, desconhecemos por hora estudos que abordem essa questão. À primeira vista, houve uma elevação do custo médio de funcionamento das operadoras, provocada por um conjunto de ações administrativas decorrentes da implementação da Lei 9.656/98, o que tornou os “retornos crescentes de escala” em uma vantagem competitiva proeminente (Andreazzi21). Contudo, como o mercado consumidor não cresceu a ponto de corresponder a essa expectativa (Ocké-Reis22), em especial mediante a entrada de usuários jovens e saudáveis, uma elevação dos custos administrativos sem a contrapartida do aumento da escala de usuários tenderia a engendrar desequilíbrios de natureza atuarial, em particular na ausência de rede assistencial própria e/ou frente a uma gestão ineficiente dos recursos, acabando por reforçar a tendência à concentração.
Isso não quer dizer que ser dono de uma grande escala implica, necessariamente, vantagens competitivas e maiores lucros. Na verdade, inexiste um tamanho ótimo de usuários in abstracto porque isso varia de acordo com o porte econômico, a estrutura de oferta própria (por exemplo, a rede hospitalar das empresas de medicina de grupo, os profissionais de saúde organizados em cooperativas médicas) e a estratégia empresarial das operadoras de planos de saúde. Em tese, cada fatia do mercado espera receber determinada taxa média de lucro, levando em conta sua demanda potencial, o modelo de gestão de risco, o equilíbrio atuarial (sinistralidade) e a lógica de rentabilidade. À guisa de ilustração, a empresa Aetna fez, recentemente, um duríssimo rearranjo organizacional, diminuindo usuários, reduzindo custos e ampliando produtos, tornando-se mais lucrativa, depois de ter sido considerada a maior operadora de “managed care” dos Estados Unidos (Robinson23).
Aqui está em curso um difuso processo de downsizing, que não deve ser confundido com uma depuração pura e simples do mercado. O setor oligopolista detém condições econômicas para baratear eventuais ajustes organizacionais — na passagem para um novo ramo de negócios — impondo o rateio dos custos com aos consumidores. Sem dúvida, o caso emblemático em voga combina, de um lado, o aumento dos planos individuais antigos e, de outro, a remarcação preventiva do preço de entrada dos planos individuais novos; isto é, ao mesmo tempo em que as grandes operadoras procuram se desfazer do risco (seleção adversa) encontrada hoje nos planos individuais antigos, se antecipam preventivamente à regulação da ANS aplicada ao teto de reajuste dos planos individuais novos. No fundo, a nova estratégia dos oligopólios prioriza, agora, a expansão do seu market share no segmento dos planos empresariais, evitando, se possível, carregar uma “carteira podre”, para utilizar o jargão do mercado de seguros na área da “saúde suplementar”.
No que se refere ao setor concorrencial, as operadoras estão pulverizadas, apresentando uma quantidade menor de usuários, nas cidades pequenas. Em algumas experiências, pequenas operadoras associam-se às grandes, organizando a cobertura de sua clientela até determinado nível de complexidade tecnológica. Os doentes mais graves são, geralmente, encaminhados aos prestadores credenciados pelo sócio majoritário, permitindo a criação de vasos comunicantes (consórcios) entre modalidades “supletivas” de porte econômico e natureza jurídica distintas, fato pouco explorado pela literatura especializada.
Diz-se haver práticas monopolistas nesse segmento — a rigor — semi-concorrencial. No entanto, é questionável, de uma parte, atribuir aos planos de autogestão de empresas públicas e privadas a construção institucional de clientelas cativas, como fazem Costa e Castro24, considerando o caráter mutualista de alguns desses planos. De outra, não está superada a polêmica se a unimilitância das cooperativas médicas Unimed implica, de fato, o exercício de práticas anticompetitivas (Duarte25). Tal unimilitância pode ser entendida como a prestação exclusiva de serviços por parte dos médicos filiados à Unimed (monopsônio), principalmente nas cidades menores. As corporações profissionais e os órgãos governamentais discordam entre si, pois, em geral, tais órgãos entendem “haver afronta a garantias constitucionais no que se refere à liberdade do exercício profissional, à livre concorrência econômica e à defesa dos consumidores” (Wolf26).
No tocante à diferenciação, o setor oligopolista do mercado de planos de saúde apresenta, de certa forma, peculiaridades análogas à dinâmica industrial, admitindo que seu movimento de concentração produza barreiras à entrada, decorrentes das economias de escala de diferenciação. Resulta daí, em síntese, a competitividade das operadoras líderes para vender os produtos que levam a sua “marca” e estabelecer contratos favoráveis com os prestadores médico-hospitalares.
De acordo com Possas27, as economias de escala de diferenciação “estão ligadas à persistência de hábitos e marcas e conseqüentemente ao elevado e prolongado volume de gastos necessários para conquistar uma faixa de mercado mínima que as justifique”. Conseqüentemente, de um lado, “sua eficácia reside mais em inibir a entrada de concorrentes do que em exigir um tamanho mínimo da empresa”, e de outro, embora a competição em preços não esteja inteiramente descartada, “não é um recurso habitual, não só porque, como em qualquer oligopólio, ela poria em risco a estabilidade do mercado e a própria sobrevivência das empresas, mas também porque qualquer movimento irregular de preços teria uma incidência proporcionalmente grande sobre os custos indiretos unitários, que seriam muito altos devido às despesas de publicidade e comercialização, o que afetaria seriamente as vendas e/ou o nível de lucros”. Nessas condições econômicas, pode-se dizer que a diferenciação do produto seria a principal forma de concorrência, considerando um mercado pouco competitivo em preços, marcado por um processo contínuo de diferenciação e inovação de produtos substitutos próximos entre si — à luz do quadro conceitual acerca da competição imperfeita (Robinson28).
Essa digressão teórica, em um primeiro exame, se aplica a esse segmento dos planos de saúde cuja oferta de produtos heterogêneos circula em nichos diferenciados “segundo a ocupação, posição funcional e renda, dos diversos grupos sociais e indivíduos” (Teixeira et al.29). As grandes operadoras, em especial, apostam na diferenciação, dada a reputação de suas marcas, para consolidar vantagens competitivas, visando o crescimento do prêmio total e da escala do número de usuários, o que parece confirmar “o papel central que a busca do lucro extraordinário cumpre na introdução das inovações e novos produtos” (Possas30).
Com isso, pode-se dizer, adotando a conceituação de Porter31, que os oligopólios se orientam mais pela lógica da diferenciação do que pela liderança em custos. Sempre atravessada pela presença dos cartéis, a concorrência oligopolista consiste, assim, em disputar a “carteira” dos planos empresariais do rival, na área geográfica de atuação, onde a diferenciação, e não apenas o preço, poderia conduzir a uma posição vantajosa no processo de competição, a ponto, em poucos casos, de permitir a realização de lucros extraordinários, em curto prazo. Longe das amarras regulatórias, restrita aos planos individuais novos, essa concorrência dos planos empresariais não impede, entretanto, que o setor oligopolista barganhe a manutenção de seus preços em um limite superior. Ademais, como ficou difícil incorporar os consumidores de baixa renda por meio da oferta de produtos mais baratos e rede de menor qualidade, dada a proibição legal de se subsegmentar os produtos, tornou-se, possivelmente, pouco atrativa a perspectiva de liderar o mercado via achatamento dos custos. De qualquer forma, o gerenciamento dos custos e riscos continua sendo um imperativo para as operadoras líderes — considerando, entre outros, a tendência crescente dos custos dos serviços médicos — mas as novas oportunidades de negócios surgem nos segmentos empresarial e coletivo por adesão, onde predomina a lógica da diferenciação.
Em suma, um mercado concentrado e pouco competitivo em relação aos preços pode provocar efeitos negativos sobre a qualidade da atenção médica assistida aos consumidores. Mas, ora, não é exatamente essa idéia-força — a qualidade — que a agência reguladora pretende difundir como eixo organizador da sua política, para estabilizar o marco regulatório do mercado de planos de saúde?
O papel da agência reguladora
Essa configuração do mercado e as peculiaridades do setor saúde desafiam a capacidade de atuação da ANS e das instituições antitruste — diga-se, do Cade, da Seae (Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda), e da SDE (Secretaria de Direito Econômico) do Ministério da Justiça, que compõem o SBDC (Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência). Vale notar igualmente que, embora alguns autores já reconheçam o processo de concentração em curso no mercado de planos de saúde (Nitão32), é escassa a produção de estudos que investiguem os efeitos sistêmicos dessa concentração sobre o mix público/privado da saúde no Brasil, abordando possíveis caminhos e condutas a serem adotadas pela ANS em face desse movimento de concentração e do respectivo aumento do poder de mercado das operadoras líderes.
À primeira vista, o caso norte-americano parece municiar, mutatis mutandis, a ANS de elementos que podem contribuir para o enfrentamento de problemas oriundos da concentração. Observou-se lá que, se determinado tipo de regulação produziu preços mais baixos e maior cobertura, isso dependeu do número de operadoras e do nível de concentração do mercado (Chollet et al.33). Ademais, se constatou que foi difícil internalizar os supostos ganhos de eficiência, isto é, fazer com que os agentes regulados produzissem, de fato, preços competitivos, em especial na regulação dos public utility services (Kahn34). Portanto, tudo indica que não será simples solucionar os efeitos negativos de longo prazo das fusões das seguradoras de saúde sobre os pacientes e os médicos (AMA35).
No caso brasileiro, a dinâmica dos oligopólios repõe, continuamente, os desafios da Agência para estabilizar preços e garantir a qualidade da cobertura, apesar do desenvolvimento de uma política regulatória que procura convergir os interesses conflitantes entre operadoras, prestadores e consumidores. Em particular, o reajuste anual definido pela ANS para a remarcação dos preços não representa um tabelamento do valor nominal dos planos individuais novos; é tão-somente um percentual máximo de reajuste fixado a cada ano — um teto — que delimita a variação dos prêmios, ou seja, a margem de aumento possível dentro do marco legal dos contratos com mais de um ano de vigência, que hoje alcançam apenas 13% do mercado total de planos de saúde (Ocké-Reis & Cardoso36). Desse modo, não existe, estritamente falando, um controle dos preços dos planos individuais, e tampouco dos empresariais, mas sim a demarcação de um teto de reajuste dos preços dos planos individuais novos, a partir do ano 2000. Vale dizer, dada a estratégia de diferenciação, esses contratos podem até ser agrupados e demarcados por grandes segmentos (ambulatorial, hospitalar etc.), mas os planos são facilmente transformados em um novo produto, facilitando a remarcação de seus preços de entrada, dentro de certos limites do jogo do mercado.
Ora, nesse quadro, para tentar garantir uma regulação mínima sobre o nível e a evolução dos preços dos planos de saúde — em que pese a decisão liminar do STF —, a Agência poderia, ao menos, ter impedido que a ineficiência presente no desenho dos contratos dos planos individuais antigos fosse repassada aos consumidores, seja por meio do Programa de Incentivo à Adaptação de Contratos (Piac), seja por meio de reajustes abusivos de preço, no contexto dos termos de ajustamento de contratos assinados a partir de 2004, entre a ANS e as operadoras líderes.
Apesar de terem atuado dentro da legalidade à época e apesar de as “carteiras” terem sido montadas em outras condições de mercado, isso não isenta as operadoras de responsabilidade corporativa por não terem formado fundos financeiros de longo prazo nos contratos dos planos individuais antigos, que previssem o aumento da taxa de utilização e o conseqüente desequilíbrio da sinistralidade da “carteira”, por conta da elevação da idade média dos usuários; fundo esse, é bom lembrar, que as obrigaria a diminuir o percentual e o montante dos lucros retidos. Ademais, esses contratos foram concebidos no contexto de um contraditório padrão de competição, para o qual a promoção do uso da tecnologia médica como fator de garantia da resolubilidade dos serviços era a principal arma mercadológica para atrair a clientela da medicina privada, o que acabou favorecendo tanto a prática do moral harzard, quanto a contratação de serviços mais caros de hotelaria, aumentando os custos finais da prestação médica. Assim, as operadoras que detêm hoje essa “massa” forçam, muitas vezes — o que é pior — dentro da lei, a saída dos usuários crônicos e idosos por meio do estabelecimento de tetos de utilização, co-pagamentos e fixação de altos preços abusivos.
Pode-se discordar dessa interpretação em torno da ineficiência da carteira de planos antigos, alegando que a tensa repactuação em torno do reajuste de preços dos planos individuais antigos se origina e se explica, em parte, devido ao aparecimento de novos custos trazidos pela Lei 9.656. No entanto, gostaríamos de apontar um aspecto que parece surgir da controvérsia: a ANS não teve força para impedir que a ineficiência das operadoras líderes — verificada no desenho dos contratos dos planos individuais antigos — fosse repassada aos consumidores, seja em relação ao aumento dos prêmios, seja em relação à perda de qualidade da atenção médica.
Em outras palavras, apesar da ausência de dados fidedignos, é plausível levantar a hipótese de que as empresas líderes, com seu poder de mercado, beneficiadas por suas marcas e pelo tamanho da sua carteira de usuários, criaram um cerco à política regulatória da ANS, pressionando o reajuste de preços dos planos individuais antigos, favorecidas pela decisão do STF de não reconhecer a agência reguladora como instância responsável pela regulação dos contratos estabelecidos antes da Lei. Será que não teríamos alguma lição a aprender com o exame dessa proposição, no sentido de perceber que, depois da decisão do Supremo, os oligopólios mereceriam uma regulamentação mais rigorosa sob pena da captura da ANS, o que, por sua vez, poderia dificultar a integração dos sistemas público e privado, no contexto das diretrizes constitucionais na área da saúde?
Nesse panorama, faz sentido argumentar que, caso se pretenda incrementar o nível da qualidade da atenção médica privada, dever-se-ia acompanhar e monitorar os efeitos colaterais do movimento de concentração capitaneado pelas operadoras que detêm uma posição de liderança, com vistas à relativização do seu poder de mercado. Caso contrário, é possível imaginar que as ações regulatórias em busca da qualidade se convertam em medidas que acabem favorecendo os oligopólios privados, considerando-se que estes possuem claras vantagens competitivas para arcar com os custos de um programa dessa natureza, na “saúde suplementar”.
A agenda da qualidade: um olhar crítico
Há pouco tempo foi implementado pela ANS o Programa de Qualificação da Saúde Suplementar (ANS37). Trata-se de uma iniciativa inovadora, que busca o equilíbrio atuarial da “carteira” dos planos e a melhoria da qualidade, considerados todos os atores e dimensões de funcionamento do setor. E mais do que isso: acredita-se que esse programa terá condições de produzir impactos significativos sobre o perfil da oferta de serviços, ao desenhar um conjunto de incentivos — econômicos e assistenciais — voltado às operadoras e prestadores. Espera-se, assim, dotar o subsistema privado de maior eficiência, como é debatido por Donaldson et al.38.
Cumpre assinalar, entretanto, recorrendo mais uma vez ao caso norte-americano, que estudos acerca da qualidade da assistência à saúde, em ambientes de atenção gerenciada, evidenciaram o latente conflito entre níveis de qualidade e o controle dos custos, além de sugerirem que o managed care não conduziu à combinação desejada de “qualidade com menores custos” (Ugá et al.39). Não podemos asseverar se esse “déficit” ocorrerá no caso brasileiro, até porque aqui o managed care é ainda uma prática difusa, quando comparados com seus métodos, técnicas e arranjos mais usuais (Hacker et al.40). Contudo, esse quadro reforça as suspeitas de que as medidas oriundas do Programa de Qualificação, embora necessárias para emprestar maior eficiência ao subsistema privado, não serão suficientes para afiançar a concorrência regulada, levando-se em conta as características pouco competitivas do mercado de planos de saúde no Brasil.
Essa agenda foi escolhida pela ANS, porque, aparentemente, tal opção oferece menores resistências políticas na atual correlação de forças, além de conferir legitimidade à gestão da Agência a partir de um eixo — em um primeiro exame — consensual perante agentes econômicos com interesses tão díspares. Desse modo, as medidas e ações do Programa de Qualificação sedimentariam, de alguma forma, os preceitos normativos da ANS em defesa do consumidor, da concorrência regulada e do interesse público. Essa mediação nos parece ponderada e desejável, mas o processo de saneamento das operadoras não deve ser confundido, mecanicamente, com a melhoria da qualidade da atenção médica prestada na “saúde suplementar”. Em outras palavras, não se pode desconsiderar que os efeitos colaterais da concentração sobre os consumidores e prestadores podem resultar em uma perda de qualidade, embora esse movimento de concentração possa ser disciplinado pela Lei da regulamentação, o Cade e o próprio CDC (Código de Defesa do Consumidor).
Se o Programa de Qualificação fosse visto como um instrumento de ação no sentido de privilegiar “a redução do atrito e dos custos políticos e administrativos associados aos contratos e ao tipo de governança, no sentido de favorecer as melhores e mais fluidas relações contratuais, mesmo que à custa de um número mais reduzido de competidores” (Ribeiro41), ele atenderia às propostas da agência reguladora. No entanto, se fossem cobrados resultados e mecanismos para refrear o poder de mercado dos oligopólios, o Programa de Qualificação não teria condições de preencher essa lacuna. Além do mais, as operadoras líderes, fortalecidas pelo processo de concentração, teriam maiores chances de capturar a ANS nos termos apresentados por Viscusi et al.42 “promovendo, de forma deliberada ou não, a rentabilidade do mercado, em detrimento do bem-estar social”. Pode-se alegar, porém, que tal programa não foi desenhado com esse objetivo, obviamente. Contudo, mesmo supondo que, na margem, a qualidade dos serviços prestados pelo mercado melhore, sem a redução do poder de mercado dos grandes players, o objetivo central do referido programa (a qualificação) será objeto de permanentes conflitos, sem falar dos possíveis desdobramentos negativos sobre o SUS.
A implementação do Programa de Qualificação ensinará lições importantes sobre o desenho adequado acerca da regulamentação dos planos de saúde. No entanto, olhando os casos norte-americano e brasileiro (com um mercado concentrado e diferenciado, que pressiona por aumentos sistemáticos de preços), perguntamos se o Programa de Qualificação refreará o movimento de concentração, mesmo porque ele não foi planejado com essa finalidade; e tal quadro de aumento do poder de mercado das operadoras adicionará mais problemas para o cumprimento dos preceitos normativos da ANS. Desse modo, é ingenuidade crer que a “agenda da qualidade” aceite soluções de soma positiva, onde todos os grupos afetados pela política teriam a ganhar, permitindo-se soluções ótimas ou unânimes — tomando como base a tipologia descrita por Costa et al.43.
Em geral, a eficácia de uma política regulatória tende a ser inversamente proporcional ao grau de monopólio e/ou oligopólio do mercado, à medida que — em tese — essa assimetria poderia interditar uma regulação efetiva de preços, cobertura, acesso e qualidade dos planos privados de saúde (Robinson44). O Programa de Qualificação procura, corretamente, melhorar a qualidade dos serviços prestados na saúde suplementar, mas seria oportuno monitorar as operadoras que detêm posição de liderança, cuja lógica de rentabilidade pressiona preços, intensifica barreiras à entrada, exige a ampliação de subsídios fiscais, e assim configuram um quadro que ameaça a autonomia da Agência, no contexto da concentração de mercado de planos de saúde.










