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0480/2007 - Percepção sobre qualidade de vida de mulheres participantes de oficinas educativas para dor na coluna
Women attending workshops on back pain’s perception on quality of life

Autor:

• Giselle Notini Arcanjo - Giselle Notini Arcanjo - Fortaleza, CE - UNIFOR - <gnotini@hotmail.com>


Área Temática:

Não Categorizado

Resumo:

O objetivo deste estudo foi analisar a percepção da qualidade de vida de mulheres com dor nas costas, após terem participado de oficinas educativas para o autocuidado e prevenção desta sintomatologia. A pesquisa do tipo qualitativa foi realizada em uma Instituição de Ensino Superior situada em Fortaleza, Ceará, Brasil, nos meses de abril e maio de 2005, com a participação de nove mulheres que haviam concluído oito oficinas. Para coleta de dados, usamos o grupo focal, o qual foi gravado e filmado. Os dados foram agrupados por categoria e analisados de forma seqüencial. Todas acharam que tinham boa qualidade de vida, mesmo apresentando pouca saúde, pouco dinheiro, e sem emprego, mas isto era superado pela fé em Deus. Referiram que, antes das oficinas, a dor interferia nas atividades da vida diária e social, e que, depois da intervenção, a dor havia diminuído ou desaparecido em todas as mulheres. A conscientização sobre o autocuidado proporcionou bem-estar físico, emocional, intelectual, potencializou a mobilidade e a tomada de decisões, o retorno às atividades, além de eliminar ou diminuir a medicação para dor. Percebemos a importância de avaliar a qualidade de vida para guiar-nos quanto às atitudes e terapêuticas mais eficazes.
Palavras-chave: qualidade de vida; dor nas costas; mulher; estudo qualitativo.

Abstract:

The aim of this study was to be acquainted with the quality of life of women who have backache after they attended instructional workshops on back pain to self-care and prevention of such symptomatology. The qualitative research was carried through in a situated Institution of Superior Education in Fortaleza, Ceará, Brazil,in the months of April and May of 2005 with nine women who had concluded of eight workshops. The group technique was selected to collect data, and it was filmed and recorded. Data were grouped in categories and sequentially analyzed. All of the women thought they had a good quality of life, even without good health, money, jobs, but they relate that difficulties were overcame through faith in God. They reported that, before workshops, pain interfered in their daily and social lives and, after the intervention, pain had been reduced or had disappeared in all the women. The awareness on self-care provided physical, intellectual and emotional well-being, improving mobility and decision making, the return to their activities, and, besides, it helped to eliminate or decrease pain medication. We realized the importance of evaluating the quality of life in order to guide us through the most effective attitudes and therapeutics.
Key-words: quality of life; back pain; woman; qualitative study.

Conteúdo:

A Organização Mundial da Saúde (OMS) designou o período de 2001 a 2010 como a "Década do Osso e da Articulação". O objetivo da OMS é aumentar a consciência sobre o crescimento das desordens articulares e ósseas que causam dores crônicas e afetam milhões de pessoas em todo o mundo, levando à incapacidade física e ao estresse, a ocasionar uma queda da qualidade de vida. Além disso, essas desordens acarretam problemas de ordem socioeconômica, ou seja, gastos que trazem e trarão graves conseqüências para as economias e para os sistemas de saúde dos países, inviabilizando os atendimentos básicos da Saúde 1.
Schmidt e Kohlmann 2 referem que cerca de 80% da população, em algum momento da vida, já experimentaram queixas de dores na coluna, e a incidência e a prevalência deste sintoma são tão freqüentes que deve ser estudado como uma desordem epidêmica, social. Causa grandes prejuízos econômicos, pois é a queixa mais freqüente nos serviços de saúde, a principal causa de afastamento do trabalho e de benefícios requeridos pela deficiência causada.
Os problemas da coluna podem advir de patologias músculo-esqueléticas que podem ter origem de trauma, lesão mecânica, lesão da medula espinhal, por infecção ou tumor, ou processos inflamatórios como a artrite reumatóide, espondilite anquilosante, entre outros. Também podem ter procedência dos males que afetam os músculos, nervos, discos intervertebrais, juntas, cartilagem, tendões e ligamentos. As anormalidades congênitas de que fazem parte a espondilolistese, espinha bífida, escoliose ou outras malformações também podem ocasionar dores na coluna, bem como podem surgir em virtude de patologias metabólicas como osteoartrite, osteoporose, osteomalácia e osteíte deformante 3.
A etiologia da dor nas costas também pode estar relacionada a variáveis psicossociais e ambientais, assim como as precárias condições de vida e saúde, estilo de vida, acesso às informações e uso incorreto da mecânica corporal no trabalho e no lar, ou seja, em razão da má postura ocorre sobrecargas e disfunções do tecido mole e articulações da coluna 4,5,6,7,8,9,10.
Sabe-se que estes problemas variam entre países de acordo com o nível sócio-econômico e a ocupação, sendo maior nos estados mais industrializados, o que causa maior impacto sobre os custos e a morbidade, não constituindo impacto para a mortalidade 3.
Além disso, Vogt et al 11 destacam a prevalência da dor lombar em mulheres pós-menopausa e relacionam este sintoma com a diminuição da saúde física e aumento de limitações funcionais.
Silva et al 12 também relatam que as características sócio-demográficas como viver com companheiro e ter escolaridade baixa podem estar relacionadas a maiores exposições a cargas ergonômicas tanto no domicílio quanto no trabalho. O tabagismo, o índice de massa corporal elevado, o fato de conduzir peso e realizar movimentos repetitivos podem ser considerados fatores de risco 12.
As dores podem ser classificadas como agudas e crônicas. A dor aguda tem uma duração menor que sete dias e a dor é considerada crônica quando ocorre por um período maior que seis semanas ou acontece em episódios de mais de um ano. No caso da cronicidade, podem surgir problemas psicológicos, disfunção cognitiva, mudança de comportamento, redução da capacidade física, diminuindo a produtividade nas tarefas de casa e do trabalho e, com efeito, provocando um impacto econômico, que diminui a qualidade de vida. Estas conseqüências podem apresentar-se de formas diferentes para cada pessoa, sendo influenciadas pelo social, econômico, genético e variáveis ambientais 3. Além disso, quando se torna crônica, a dor compromete o lazer, o sono, o apetite e as atividades sexual e profissional, resultando no estresse, na diminuição da resposta imunológica, o que pode causar depressão e, conseqüentemente, redução de boa parte da qualidade de vida.
Segundo Lira et al 13, a sintomatologia crônica traz uma desordem do cotidiano das pessoas, porquanto acontece perda da esperança de melhora, a invalidez, uma imagem corporal alterada e uma queda da auto-estima.
Diante disso, numerosos métodos de tratamento para dores na coluna e problemas posturais são relatados na literatura científica. Revel 10 e Almeida et al 4 revisaram vários tratamentos na reabilitação desta sintomatologia, os quais buscam o controle do quadro e o aprimoramento da qualidade de vida.
Em seu estudo Knoplich 8 observou que fatores demográficos e sócio-psicológicos, assim como condições adequadas da estrutura médico-sanitarista, podem alterar a percepção do indivíduo em relação a sua saúde, influenciando no comportamento das pessoas. Um grupo de pesquisadores da Organização Mundial de Saúde 3 destaca que estudos sobre qualidade de vida de pessoas com dor na coluna mostraram os resultados positivos associados ao acesso a consultas médicas, Fisioterapia, medicina alternativa, hospitalização, bem como ao uso de medicamentos.
Assim, se estamos pensando em oferecer estratégias para melhorar a qualidade de vida da população, precisamos conceituar qualidade de vida e realizar mensurações específicas, para que possamos traçar melhor os objetivos para esmerá-la.
Segundo a Organização Mundial de Saúde 1, qualidade de vida é a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. Segundo Alonso et al.14, para pessoas com doenças crônicas, este conceito pode abranger a aceitação do convívio com as limitações que lhes são impostas a capacidade de superação, a descoberta de energias, capacidades e potencialidades de acordo com sua doença.
Tulsky e Rosenthal 15 relatam que somente após 1976 é que surgiram diversas publicações de conceitos sobre qualidade de vida e desenvolveram-se escalas de medição. Para Schalock16 , o conceito de qualidade de vida é subjetivo, baseado na percepção da pessoa e nas suas experiências de vida, e a mesma opinião é corroborada por Brown e Gordon 17 e Djikers 18. Reflete as condições de vida desejadas por uma pessoa e a sua relação com o lugar e na comunidade, no trabalho, com sua saúde e bem-estar. Para medir a qualidade de vida, Schalock16 acentua que é necessário utilizar dois enfoques: o objetivo, que envolve indicadores sociais externos - tais como níveis de vida, saúde, educação, seguridade e ambiente; e o enfoque subjetivo - baseado na percepção e avaliação da pessoa sobre suas experiências de vida, bem-estar físico e material, relações com outras pessoas, atividades na comunidade, desenvolvimento pessoal e ociosidade16.
Gómez e Sabeh 19 e Seidl e Zannon 20 referem à expressão Qualidade de Vida Relacionada à Saúde (HRQOL) a percepção do paciente sobre os efeitos da enfermidade e da aplicação de um tratamento em diversos âmbitos de sua vida, especialmente nas conseqüências que provoca no seu bem-estar físico, emocional e social. Estes autores consideram o melhor critério para avaliar a atenção em saúde, não só para a eliminação da enfermidade, mas, fundamentalmente, para melhorar a qualidade de vida dos indivíduos.
Segundo Schalock16, nos programas e serviços baseados na melhoria da qualidade de vida, é necessário ter em vista procedimentos que promovam estilos de vida saudáveis, proporcionar o bem-estar físico e a tomada de decisões, potencializar a mobilidade, a comunicação e o autocuidado, manter a saúde com um mínimo possível de medicação, permitir as atividades funcionais da vida diária, a relação familiar e social, adaptações no ambiente e no posto de trabalho, oportunidades para a mobilidade e exercícios.
Cella e Nowinski 21 propõem que instrumentos generalistas e específicos devem ser usados para avaliar estados de saúde e se diferenciam quando abrangem domínios gerais (generalistas) ou quando focalizam um domínio, condição ou tratamento (específicos). A avaliação generalista oferece ampla aplicabilidade para a saúde geral e presença de co-morbidades, além de permitir comparar doenças, sintomas e intervenções. O Sickness Impact Profile (SIP) e o Medical Outcomes Studies 36-Item Short-Form (SF-36) são instrumentos que avaliam o estado de saúde global e permitem uma comparação dos níveis de saúde de todas as condições musculoesqueléticas 21.
O SF-36 é amplamente utilizado nas pesquisas que avaliam indivíduos com desordens da coluna, sendo ele validado em diversos países, em particular, no Brasil 22,23,24,25. No entanto, Walsh et al 26 e Davidson e Keating 27 aplicaram diferentes questionários específicos - como Oswestry Disability Questionnaire, Quebec Back Pain Disability Scale, Roland-Morris Disability Questionnaire, Waddell Disability Index - para medir a percepção da dor e o estado funcional, físico e psicológico dos indivíduos com dor lombar e os compararam com o SF-36 e, concluíram que o SF- 36 era suficiente para avaliar a qualidade de vida em pessoas com dor na coluna.
Nordin et al 28 alertam sobre a necessidade de desenvolver instrumentos para serem utilizados na realidade brasileira e fazem referência à necessidade de avaliar todas as dimensões da dor na coluna, o que pode servir também para medir a eficácia de seu tratamento, o impacto da dor e do tratamento na vida do indivíduo. Referem também outros questionários específicos para mensurar a qualidade de vida em pessoas com dor na coluna como o Spitzer Quality of Life, que engloba domínios sobre as atividades da vida diária, capacidade de autocuidado, saúde geral, perspectiva de vida e suporte da família e amigos; e o Oswestry Disability Index (ODI), que avalia a disfunção física que a dor lombar pode provocar, por meio de dez itens, englobando domínios sobre intensidade da dor, interferência da dor em pé, nas atividades da vida diária, ao levantar, ao caminhar, sentar, dormir, na vida social, ao viajar e mudanças da intensidade da dor 29,30.
Neste estudo, optamos por utilizar questões subjetivas para uma análise qualitativa, baseando-nos numa tendência mais atual, pois, segundo Brown e Gordon17, mensurar e avaliar as relações vivenciadas pelas pessoas de forma subjetiva produz melhores resultados porque abrange maiores focos na área da vida que podem ser considerados de pequena relevância se avaliados objetivamente.
Para avaliar subjetivamente, é preciso considerar a percepção individual da pessoa sobre o seu estado de saúde e seu contexto de vida 20. Segundo Klübber et al.31, avaliações seguindo parâmetros mais objetivos falham em considerar o impacto que a doença e o respectivo tratamento causam sob o ponto de vista do paciente. Desta forma, Dijkers 18 adverte que mensurações de qualidade de vida são mais bem refletidas quando conceituam individualmente, mostrando inúmeras vantagens desta abordagem, pois potencializam qualidade e quantidade dos resultados.
O objetivo deste estudo foi analisar a percepção sobre qualidade de vida de mulheres que participaram de oficinas educativas para o autocuidado e prevenção de dores nas costas, visando diminuir ou eliminar essa sintomatologia, com ênfase na orientação, exercícios e experiências individuais e grupais.



MÉTODOS
Estudo com abordagem qualitativa, pela necessidade de compreender a subjetividade do grupo de mulheres, valorizando as experiências de vida, as relações interpessoais e as atividades da vida diária, além de considerar aspectos culturais e sociais do grupo 32.
Foi desenvolvido com um grupo de nove mulheres que participaram de oito oficinas sobre autocuidado para dor nas costas, realizadas semanalmente, em uma Instituição de Ensino Superior (IES) situada em Fortaleza-Ceará, Brasil, durante os meses de abril e maio de 2005.
As participantes destas oficinas foram selecionadas em um grupo de apoio para mulheres no climatério, com cinqüenta integrantes, que funcionava na IES, as quais foram convidadas a preencher uma Escala Visual Analógica (E.V.A.) para quantificar de 0 a 10 o grau de dor nas costas que percebiam. Foram selecionadas aquelas que apresentaram um grau de dor igual ou superior a quatro, ou seja, o grau quatro representava um nível de dor suportável, e o dez, a pior dor imaginável 33. Desta forma, as mulheres selecionadas para participar das oficinas informaram dor entre graus quatro e oito, sendo importante referir que estas não estavam submetidas à reposição hormonal e foram orientadas para a diminuição ou não uso de analgésicos.
Nas oficinas educativas, as mulheres receberam orientações teóricas e práticas sobre o cuidado com a coluna, a forma correta para a execução de atividades domésticas, visando ampliar o nível da aprendizagem quanto à aquisição de habilidades e o empoderamento para o desenvolvimento da saúde física e mental. Desta forma, durante as oficinas eram apresentados e discutidos, através de recursos audiovisuais, aspectos inerentes à anatomia e fisiologia da coluna, aspectos ergonômicos, explicações sobre as lesões musculares e articulares da coluna, e diferentes situações de dor nas costas, além de assuntos emergentes sobre o autocuidado e prevenção. Utilizou-se linguagem fácil e compreensível, além de resgatar experiências da vida diária das participantes.
Com duração mínima de uma hora, de freqüência semanal, estas ações educativas enfatizavam também exercícios de alongamento, autoposturas, automassagens, sensopercepção corporal, treinamento ergonômico, auxiliando para o autogerenciamento dos hábitos de prevenção e de promoção da saúde.
Estas ações eram realizadas em grupo, o que favorecia maior interação, troca de experiências, reflexão nas descobertas e socialização de saberes sobre a dor e suas implicações no contexto familiar e social. Além disto, foi entregue um manual de autocuidado, com explicações e demonstrações dos exercícios e cuidados, que deveriam ter sido aprendidos nos encontros, servindo de guia de orientação e de estímulo para dar continuidade dos mesmos nas atividades domiciliares, no exercício profissional, no lazer, e em quaisquer outros espaços.
Assim, após a oitava oficina educativa, realizamos um grupo focal 34 com as nove mulheres para discutir sobre os resultados das orientações, a realização dos exercícios e suas repercussões na qualidade de vida. Desenvolvemos a discussão utilizando questões com base nos questionários de Oswestry Disability Index, Spitzer Quality of Life, Quebec Back Pain Disability Scale e o SF-36. Foram utilizadas quatro questões: “o que é uma boa vida para você?”, “você tem essa vida?”, “como era sua vida em relação à dor na coluna antes de participar das oficinas?” e “como está sua vida após as oficinas?” Estes questionamentos tinham o objetivo de mostrar o entendimento das participantes sobre o assunto e a percepção geral de qualidade de vida. O encontro grupal teve duração de uma hora e meia, foi filmado e gravado em fita cassete, captando todas as respostas e imagens. Posteriormente, as imagens e os sons foram observados e transcritos para codificação e análise dos dados.
Na organização dos dados, usamos a técnica de análise categorial segundo Bardin35 e, na análise, buscamos compreender a percepção dessas mulheres sobre qualidade de vida antes e depois das oficinas educativas. Pela leitura do material, agrupamos as falas em categorias dando seqüência às questões “o que é uma boa vida?” e “como se apresenta a dor nas costas e sua repercussão na qualidade de vida antes e após participar das oficinas?”, que serão expostas nos resultados do artigo.
A pesquisa considerou os preceitos éticos de confidencialidade, sigilo e anonimato e foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade de Fortaleza – UNIFOR segundo a resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
As nove mulheres tinham idades entre 45 e 58 anos e referiam queixas de dores nas costas há mais de dois anos. Destas, cinco (5) estudaram até o ensino fundamental, três eram analfabetas e uma estudou até o ensino médio. Todas eram donas-de-casa e, destas, três tinham outro emprego. A renda familiar média entre as mulheres era de um salário mínimo e, portanto, vivia situação financeira desfavorável.
Acreditamos que esta condição de vida facilita a existência de ambientes inadequados, estilos de vida insatisfatórios, alimentação incorreta e dificuldades de acesso na assistência à saúde, e, assim, podem ser considerados elementos significativos no agravo da dor.
Segundo Cade36, os problemas vivenciados no cotidiano podem dificultar as práticas educativas, pois enseja insatisfação, estresse e desviam a atenção dos sujeitos no que diz respeito à realização de comportamentos voltados para a saúde. Esses aspectos devem ser considerados com o objetivo de oferecer condições ao paciente de rearranjar sua condição de vida para melhor enfrentamento dos estímulos internos e externos.
Desta forma, começamos perguntando para as mulheres o que era para elas ter uma boa vida, para que pudéssemos captar a sua compreensão sobre qualidade de vida e saber se o que elas entendiam por isso correspondia ao modo como viviam. Todas responderam que ter fé em Deus era o primeiro passo para que as pessoas pudessem viver bem, como podemos identificar no depoimento:
“Para eu ter uma boa vida é a pessoa estar em paz consigo mesma, e todo dia agradecer a Deus, por tudo o que ele faz e o que nós temos, por ainda estar viva mesmo se arrastando e gemendo.
O grupo de qualidade de vida da Organização Mundial de Saúde inclui a espiritualidade, religiosidade e crenças pessoais como um dos domínios a serem avaliados neste constructo37. Pessoas que têm uma prática religiosa, seja qual for, tendem a lidar melhor com as adversidades e encontram formas mais adequadas de se controlar, o que se reverte em maior qualidade de vida, mais saúde e, por conseqüência, mais felicidade.
O papel da fé nas falas incorpora uma espécie de conformidade, podendo resultar na minimização da dor e no alcance de uma boa vida. Na perspectiva de Rabelo38, a fé transforma uma situação insuportável em uma experiência aceitável e com a qual é mais fácil lidar, no sentido de que o doente redireciona sua atenção a novos aspectos ou percepção de sua doença segundo nova óptica. A crença e a religião podem prevenir doenças, promover saúde e bem-estar no momento em que influenciam em comportamentos saudáveis e apoio mútuo, propiciando o otimismo e a esperança dos que professam a fé, ao estimular reações curativas do corpo, como podemos perceber no seguinte depoimento:
“Eu sou feliz graças a Deus! Eu acho boa a minha vida, pois confio muito em Deus, por maior que seja a atribulação, coloco Deus na frente. Tenho muitas dificuldades de roupa, de dinheiro, sem emprego. Sou filha de Deus, tenho que andar certo, não faço nada de errado, tudo dá certo assim! Quando estou com muitas dificuldades eu digo que não vou nem me preocupar porque Deus está comigo e fico feliz. [...] sou feliz mesmo com tantas dificuldades, com dor, ou com uma doença, tento resolver! Não fico me mal dizendo, sempre confio em Deus e nem me preocupo”.
Em pesquisa realizada e publicada pelo jornal O Povo39 com 621 fortalezenses de ambos os sexos e diferentes idades e escolaridade, Deus e Jesus foram apontados por somente 5,6% dos entrevistados como responsáveis pela felicidade, enquanto a maioria considerou que a responsabilidade para isso cabe unicamente a si mesmo. A pesquisa revela que grupos com menor renda e menor escolaridade tendem a atribuir a felicidade a fatores externos, como a Deus, família, enquanto que, na classe alta, nenhum atribuiu a felicidade a Deus.
O segundo fato que o grupo classificou como muito importante para se ter uma vida melhor é estar bem, tanto no prisma familiar quanto social, bem como ter saúde. Segundo Schalock16, os domínios constitutivos de uma concepção da qualidade de vida incluem a vida no lar e na comunidade, emprego, propriedades e integração social. Assim, ele se reporta os três domínios principais que devem ser relacionados: a vida na comunidade, o trabalho e a saúde. Sobre este aspecto, observamos nas falas das mulheres a consideração de que suas vidas ficaram mais complicadas depois dos sintomas, porque precisavam dos outros para os afazeres de casa, sendo a seguinte concepção social bem definida por elas:
“Ter uma vida boa não é só conforto, vaidade, primeiramente temos que ter Deus em nossa vida, pois sem Deus nós não somos nada. Segundo, é ter paz com a nossa família, filhos, marido, a união com os amigos, os vizinhos, porque se você não tem paz, união e amor como é que vai ser?”
“Vida boa é ter minha saúde e ter um emprego pra trabalhar”.
Desta mesma forma, 47,5% dos fortalezenses dizem que o elemento principal para se ter felicidade é ter saúde, em segundo lugar é ter família, e em terceiro é ter dinheiro. Explicam que quanto mais idade tende-se a associar qualidade de vida com saúde 39.
Ao perguntarmos se achavam à vida delas boa e se era de acordo com o que responderam sobre o que é qualidade de vida, todas elas responderam que estavam muito satisfeitas com sua vida, mesmo com todos os problemas com os quais viviam. Apenas faltava um pouco mais de saúde, dinheiro, emprego, mas que superavam tudo isso pela fé, pelo apoio da família e amigos, e se achavam felizes:
“Acho minha vida boa, só está faltando um pouquinho mais de saúde”.
“Falta mais saúde, mais paz e um emprego pra mim, pro meu filho e para meu marido, para ter dinheiro e pagar as dívidas”.
“Eu acho a minha vida boa, apesar de todos os meus problemas e não tenho que reclamar. Meu filho bebe, meu marido bebe e às vezes eu tenho problema de depressão, mas amo meus filhos, gosto do meu marido apesar de tudo. O dinheiro não traz felicidade pra ninguém e fazer amizade é muito bom, poder ajudar... eu sou feliz!”
Observamos assim uma controvérsia de sentimentos, que pode ter como característica o conformismo ou uma acomodação com a vida, o que também foi visto na pesquisa realizada com os fortalezenses 39 revelando que 63,6% afirmam serem felizes mesmo com um trabalho estressante, dificuldades financeiras, questões afetivas a serem resolvidas, violência urbana e deficiências no acesso aos serviços públicos.
Já em pesquisa feita por Galvão et al 40 em mulheres com infecção pelo HIV, houve comprometimento da qualidade de vida e uma satisfação prejudicada com a vida em razão da precariedade econômica em que viviam além da infecção, não tinham apoio social e dificuldade de trabalho.
Durante a entrevista, uma delas disse que ser mais nova é ter uma vida melhor, pois os problemas são menores e, à medida que se vai envelhecendo, os problemas e as responsabilidades vão aumentando:
“Tem hora que eu acho boa, outra eu acho ruim. Eu achava a vida boa quando eu tinha 15 anos! Quando se é nova tudo é bom, agora começam aparecer filhos, netos e é tanta coisa!”
Desta mesma forma, 35,3% dos fortalezenses consideram terem sido mais felizes quando tinham de 12 a 21 anos, 25,1% de 22 aos 60 anos, 20,1% na infância e 2,6% na fase idosa 39.
Xavier et al 41, em pesquisa realizada sobre qualidade de vida em idosos, mostraram que 57% referiram que achavam sua vida atual boa e que os insatisfeitos tinham mais problemas de saúde e mais sintomas depressivos, enquanto os satisfeitos relacionavam sua boa qualidade de vida à capacidade de atividades, rendas, vida social e relação com a família.
De acordo com Saupe e Broca42, a qualidade de vida anterior à doença pode estar relacionada com a capacidade de trabalhar, viajar e se divertir, e a perda dessas atividades, principalmente do trabalho, é a causa de maior insatisfação no presente. A relação de estar doente e com dor pode piorar a qualidade de vida, o que foi descrito por uma das depoentes da investigação:
“Só que quando estou doente, com dor na coluna a minha vida piora muito, pois não posso nem me levantar, não quero falar com ninguém, fico triste, deprimida e passo o dia deitada”.
Assim, ao serem perguntadas sobre como era a vida antes de participar das oficinas educativas e como era naquele momento presente, todas responderam que a qualidade de vida melhorou, pois as dores que tinham antes eram fortes e limitavam muito a mobilidade e prejudicava a postura e, após as oficinas, as dores eram de menor intensidade ou já nem mais existiam. Disseram que antes a dor interferia nas atividades da vida diária, ao levantar, ao caminhar, sentar, dormir, na vida social e que, depois das oficinas, haviam melhorado bastante:
“Antes era cheia de dor, tudo entrevada. Agora melhorou 100%”.
“Mudou um pouco, mudou pra melhor! Antes andava torta, agora ando direitinho, dormia torta e agora aprendi a dormir direito e descobri que esse era o motivo de sentir doído. Descobri que era a má posição que eu dormia que me fazia sentir dor”.
“Quando cheguei ao grupo era caindo aos pedaços, era dor pra todo lado, tinha muita dor no pescoço, vivia na fisioterapia, esse ano faz 4 anos e só vim sentir melhora agora. Agora estou maravilhosa, estou nova! Eu tenho fé em Deus que não vou mais precisar de fisioterapia”.
Desta mesma forma, Saupe e Broca42 também avaliaram pacientes depois de um programa de hemodiálise e perceberam que a maioria das pessoas mencionou uma significativa melhora, pois antes estavam muito mal e após as oficinas se sentiam mais ativas, dispostas, com a diminuição dos sintomas de dor, cansaço, edema e diminuição das internações hospitalares.
Nos depoimentos percebemos que o termo “sofrimento” foi relatado entre elas antes e depois da ação educativa. Percebemos o quanto essa queixa diminuiu, pois sua vida melhorou em relação às suas atividades, à dor, às suas habilidades e às suas condições físicas:
“Antes eu fazia fisioterapia, sentia muita dor, traumatizada, sofrendo. Hoje já lavo roupa sem sentir dor. Ontem andei muito a pé e não senti nada, antes eu morria de dor ficava cansada com dor no peito (...) De primeiro quando eu sentava no chão eu não conseguia me levantar, era me arrastando no chão, apoiando nas coisas. Antes se eu ia me sentar no chão era cheia de dor, agora sento no chão e me levanto sem dor!”
Portanto, no aspecto funcional, a qualidade de vida percebida pelas mulheres teve uma significativa melhora relacionada ao sentar, à realização de tarefas, ao levantar, o que pode ser explicado pela melhora da flexibilidade, a maneira correta de realizar as atividades e a conscientização sobre como prevenir a dor e evitá-la:
“Depois das oficinas eu estou conseguindo fazer isto (mostra que fica sentada dobrando e cruzando as pernas, sem dor e sem dificuldade). Eu não conseguia fazer isto de jeito nenhum, porque minha perna doía muito e agora estou conseguindo sentar em cima das pernas, que antes não conseguia .”
“Com os exercícios que fiz nas oficinas consegui sentar e levantar, antes só me levantava de empurrão!”
Semelhantemente, a melhora de outras sintomatologias associadas à dor na coluna também foi relatada pelas mulheres, e pode ter decorrido da melhoria da flexibilidade proporcionada pelos exercícios:
“Eu tinha câimbra nas pernas e quando eu fiz os exercícios e esticou bem os nervos eu nunca mais senti nada. Hoje antes de levantar estou sempre alongando minha perna, estico bem e eu acho que deixei de sentir por causa destes exercícios”.
Portanto, com estes depoimentos observamos a importância dos exercícios físicos, principalmente os de alongamento, da conscientização postural e ergonômica no alívio da dor. Valim 43 afirma que o exercício é uma intervenção de baixo custo que pode promover saúde em vários aspectos e é capaz de reduzir a dor e outros sintomas do corpo, resultados estes semelhantes aos estudos realizados por Khalil et al 44 e Martins et al 45 nos quais verificaram que as manobras de alongamento, com o objetivo de redução da dor lombar, proporcionaram aumento da força muscular, da amplitude de movimento articular, da condutividade nervosa e diminuição na intensidade da dor.
O retorno ao trabalho e às atividades de casa, sem se queixar de dor também foram relatados e, assim, podemos dizer que houve a melhora de sua qualidade de vida, que tinha sido perdida quando estava com dor, e pode ser vista pela maioria das mulheres nos relatos apresentados na entrevista:
“Agora eu faço tapetes, passo muito tempo sentada e não sinto mais nada não. Hoje eu ando bem melhor, antes eu topava muito e agora não.”
“Hoje eu costuro bem, sem sentir dor! A minha coluna parece que está tão sarada que eu sinto coçar.”
“Hoje eu faço tudo”.
“Antes, não podia varrer a casa que sentia dor e acho que é porque eu não fazia direito”.
“No começo eu pegava o menino no colo e sentia dor aqui no pescoço, mas depois que aprendi as coisas não senti mais a dor nas costas”.
No aspecto avaliativo da intervenção, em relação à melhoria da qualidade de vida, houve, além da redução da dor na coluna, uma conscientização sobre o autocuidado e acerca da causa das dores, e isso poderá ajudar sobremaneira preventivamente. Além do mais, a ação educativa proporcionada pelas oficinas proporcionaram a melhoria do bem-estar físico, mais condições para a tomada de decisões, potencializando a mobilidade e o retorno das atividades funcionais da vida diária, além de manter a saúde com um mínimo de medicação. Percebemos que a prática educativa influenciou nas atividades do cotidiano das mulheres no que se refere às mudanças na forma de realizar as atividades rotineiras, como pegar peso e lavar roupa, e isto pode ser considerado um fator determinante para a melhora da dor, como pode ser visto na transcrição das falas:
“A gente aprendeu a fazer os exercícios, a se cuidar em casa e no trabalho sem estar fazendo fisioterapia e quando está sentindo dor vai lá e faz os exercícios. Quer dizer melhorou bastante! Antes só se conhecia o médico que dizia - faça isso, faça aquilo - agora não! Se estiver sentindo a dor já sei o remédio, vou lá faço os exercícios e pronto! Até o jeito de fazer as coisas em casa, como se agachar, dormir, lavar roupa, levantar... mudou tudo agora!”.
“Antes era dor aqui e acolá e agora melhorou. Quando comecei a aprender o certo e o errado de como deitar, levantar, varrer uma casa, lavar uma roupa e melhorei bastante”.
“Eu aprendi a fazer as coisas direito, mas às vezes ainda sinto dor quando lavo roupa, mas é porque eu me esqueço e levanto a bacia de forma errada”.
Outro ponto de discussão no grupo esteve relacionado à comparação entre a classificação que fizeram sobre o que é boa vida no aspecto geral, e a relação com a qualidade de vida antes e depois da intervenção.
Sob o prisma global, a vida melhorou além de serem maximizados os aspectos físico, emocional e intelectual. A dor impedia-as de se relacionarem com as pessoas em razão do mal-estar que provocava, de modo que, estando sem dor, os relacionamentos e tudo o que mencionaram a respeito da qualidade de vida ficou mais fácil de alcançar:
“Eu sei que tudo que nós colocamos de ter uma boa vida, antes era assim e agora é do mesmo jeito, eu já fazia as amizades, só que agora está melhor, pois estou sem dor”.
“A minha saúde e a minha vida melhoraram, pois agora estou sem dor. Antes a dor que eu tinha me irritava, incomodava, dava impaciência e ficava inquieta”.
Schalock 16 salienta que a pessoa pode ser mais independente, produtiva, integrada na comunidade e sentir-se mais satisfeita, quando os serviços de reabilitação se baseiam na melhora da qualidade de vida, o que pôde ser observado nas afirmações:
“Os encontros foram tão bons, porque a gente se divertia, se distraia, conversava com as amigas, aprendia tantas coisas, fazia exercícios (...)”.
Com efeito, observamos que, apesar das oficinas portarem características essencialmente educativas, a aprendizagem alcançada favoreceu promoção de saúde de si mesmo.


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Citar

Giselle Notini Arcanjo. Percepção sobre qualidade de vida de mulheres participantes de oficinas educativas para dor na coluna. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2007/ago). [Citado em 08/12/2025]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/percepcao-sobre-qualidade-de-vida-de-mulheres-participantes-de-oficinas-educativas-para-dor-na-coluna/1009

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