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0415/2024 - Plano de amostragem e vigilância de agrotóxicos em água tratada no estado de São Paulo
Sampling and monitoring plan for pesticide residues in drinking water in the state of São Paulo

Autor:

• Denise Piccirillo Barbosa da Veiga - Veiga, D.P.B - <denisepiccirillo@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0317-245X

Coautor(es):

• Viviane Emi Nakano - Nakano, V.E - <viviane.fukasawa@ial.sp.gov.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0726-9291

• Cibele Nicolaski Pedron - Pedron, C.N - <cibelenpedron@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4188-3589

• Janete Alaburda - Alaburda, J. - <janete.alaburda@ial.sp.gov.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0156-9293

• Iracema de Albuquerque Kimura - Kimura, I.A - <iracema.kimura@ial.sp.gov.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0213-6369

• Adriana Bugno - Bugno, A. - <adriana.bugno@ial.sp.gov.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7361-405X

• Jose Oscar William Vega Bustillos - Bustillos, J.O.W.V - <ovega@ipen.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4712-4057

• Rubens José Mario Junior - Mario Junior, R.J - <rjunior@cvs.saude.gov.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1074-5482

• Cristiane Maria Tranquillini Rezende - Rezende, C.M.T - <ctrezende@saude.sp.gov.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6352-3576

• Geyse Aparecida Cardoso dos Santos - Santos, G.A.C - <geyse.cardoso@usp.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8251-5937

• Luís Sérgio Ozório Valentim - Valentim, L.S.O - <lvalentim@cvs.saude.sp.gov.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4296-206X



Resumo:

Introdução: O Brasil é líder mundial no consumo de agrotóxicos, conforme o relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). O controle e vigilância da água para consumo humano desses contaminantes envolvem responsabilidades dos prestadores de serviços de saneamento e dos órgãos de Vigilância do Sistema Único de Saúde (SUS). Objetivo: Descrever o plano de amostragem de vigilância e os resultados do monitoramento de agrotóxicos em água para consumo humano no estado de São Paulo. Metodologia: De 2020 a 2023, foram selecionados 137 municípios para análise de 91 agrotóxicos, utilizando a técnica de cromatografia líquida associada à espectrometria de massas. A seleção considerou: atividade agrícola no entorno das captações dos Sistemas de Abastecimento de Água, população abastecida, histórico de resíduos em água e alimentos, maior área agrícola, estabelecimentos agrícolas que utilizam agrotóxicos e número de intoxicações exógenas. Resultados: Todas as amostras apresentaram resultados abaixo dos estabelecidos na Portaria GM/MS 888/2021. Foram detectados com maior frequência no período chuvoso 2,4-D, Diuron, Tebuconazol, Bentazona e Atrazina. Conclusão: Importância do monitoramento de vigilância considerar a caracterização do território para definição de período oportuno de coleta.

Palavras-chave:

Agrotóxicos, água para consumo humano, vigilância em saúde

Abstract:

Introduction: Brazil is the world leader in pesticides consumption, according to the report from the Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO). The control and surveillance of drinking water against these contaminants involves the responsibilities of sanitation service providers and the Surveillance bodies of the Unified Health System (SUS). Objective: To describe the surveillance sampling plan and the results of pesticides monitoring in drinking water in the state of São Paulo. Methodology: From 2020 to 2023, 137 municipalities were selected for analysis of 91 pesticides, using the liquid chromatography technique associated with mass spectrometry. The selection considered: agricultural activity around the Water Supply Systems catchments, population supplied, history of residues in water and food, largest agricultural area, agricultural establishments that use pesticides and number of exogenous poisonings. Results: All samples presented results below those established in Ordinance GM/MS 888/2021. 2,4-D, Diuron, Tebuconazole, Bentazone and Atrazine were detected more frequently during the rainy season. Conclusion: It is important for surveillance monitoring to consider the characterization of the territory to define an opportune collection period.

Keywords:

Pesticides, drinking water, health surveillance

Conteúdo:

INTRODUÇÃO
Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO)1, o consumo global de agrotóxicos em 2021 foi de 3,54 milhões de toneladas de ingredientes ativos. O Brasil alcançou a primeira posição no ranking com 720 mil toneladas comercializadas, 60% superior ao dos Estados Unidos, o segundo maior consumidor, seguido da Indonésia, China, e Argentina1. De acordo com os dados do IBAMA2, os maiores volumes de venda no território nacional concentram-se nos estados de Mato Grosso (176 mil toneladas), São Paulo (99 mil toneladas) e Paraná (76 mil toneladas).
O uso excessivo e indiscriminado de agrotóxicos na agricultura é uma das principais fontes de contaminação ambiental do solo, ar e água3–5. A depender das características ambientais das substâncias, estas podem alcançar mananciais de abastecimento público tanto de captação superficial quanto subterrânea6. O consumo de água contaminada por agrotóxicos é uma importante via de exposição humana e tem sido associado a desfechos de saúde como malformações congênitas, transtornos neurológicos e cognitivos, entre outros7–9.
No Brasil, o controle e a vigilância da água para consumo humano envolvem responsabilidades dos prestadores de serviços de saneamento e dos órgãos de Vigilância (municipal, estadual e federal) inscritos no Sistema Único de Saúde (SUS), nos termos definidos na Lei Orgânica da Saúde10, da Instrução Normativa 01/SVS de 200511 e da portaria nacional de potabilidade da água, GM/MS 888/202112.
O monitoramento de agrotóxicos na água para consumo humano no Brasil teve início na década de 1970, com a inclusão progressiva de novos parâmetros e Valores Máximos Permitidos (VMP) em cada atualização das normas de potabilidade13. Atualmente, a Portaria GM/MS 888/202112, que alterou o Anexo XX da Portaria de Consolidação GM/MS 5/201714, estabelece VMP para 54 ingredientes ativos de agrotóxicos, não prevendo limites para a combinação entre diferentes compostos.
Desde a implantação do Programa de Vigilância da Qualidade da Água (Proagua) em 1992, ocorreram avanços nas ações sanitárias, contudo, o desenvolvimento econômico, acompanhado da intensificação do uso e ocupação do solo, trouxe impactos significativos na qualidade dos mananciais de abastecimento público. Os contextos diferenciados de produção e consumo de água, e de risco à saúde deve refletir no modo como o poder público se organiza frente a esses desafios15.
Ainda que São Paulo tenha uma economia predominante do setor de serviços e indústria16, a atividade agropecuária possui relevante papel no desenvolvimento do estado, sendo o maior produtor de cana-de-açúcar e citros do país e o segundo maior consumidor de agrotóxicos2. É nesse contexto que os responsáveis pelos 14.343 pontos de captação de água para consumo humano no estado17, devem monitorar semestralmente resíduos de agrotóxicos na água considerando as características e a sazonalidade do plantio e os períodos de aplicação de agrotóxicos, conforme prevê a Diretriz Nacional do Plano de Amostragem da Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano12,18.
Como o Brasil não dispõe de sistema de informação sistematizado sobre o uso e aplicação de agrotóxicos, a definição de período de maior risco para esse tipo de contaminação é um dos principais desafios enfrentados pelos responsáveis pelo abastecimento de água e órgãos de vigilância. A partir de 2020, o Centro de Vigilância Sanitária (CVS) e o Instituto Adolfo Lutz (IAL), ambos da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, realizaram estudos para definir os critérios de amostragem e incluir as análises de resíduos de agrotóxicos no programa estadual de monitoramento de vigilância da qualidade da água de consumo humano.
Em vista disto, são apresentadas as metodologias utilizadas para elaboração do plano de amostragem de vigilância e os resultados das análises de resíduos de agrotóxicos em água para consumo humano de 137 municípios do estado de São Paulo entre 2020 a 2023.


MÉTODOS

Amostragem
De 2020 a 2023, a partir de diretrizes do CVS, foram coletadas pelas vigilâncias municipais 277 amostras de água tratada para consumo humano, procedentes de 137 municípios do estado de São Paulo.
Os municípios selecionados foram aqueles que apresentavam atividade agrícola no entorno dos pontos de captação de Sistemas de Abastecimento de Água (SAA), maior população abastecida, histórico de resíduos em água para consumo humano e em alimentos, maior área agrícola, volume aplicado, percentual de estabelecimentos agrícolas que utilizam agrotóxicos e número de intoxicações exógenas19.
A seleção dos municípios seguiu os requisitos do artigo 44 da Portaria GM/MS 115 888/2021, que define os requisitos para a amostragem. Os planos foram pactuados pelo 116 CVS com as instâncias regionais de vigilância sanitária (GVS), vigilâncias municipais 117 e o IAL.
As amostras foram todas analisadas pela unidade central do IAL, localizada na capital paulista. Dessas amostras, 197 eram provenientes de mananciais superficiais e 80 de captações subterrâneos.

Plano amostral

Período de 2020–2021

Inicialmente, foi elaborado um projeto piloto com os municípios selecionados a partir da avaliação da simulação hidrológica13 e dos resultados das análises de resíduos de agrotóxicos anteriormente obtidos dos SAA17. Foram realizadas coletas de amostras de água provenientes de SAA de municípios localizados na Bacia Hidrográfica Sorocaba e Médio Tietê, abrangendo os Grupos Estaduais de Vigilância Sanitária (GVS) de Sorocaba e de Botucatu.
O plano de amostragem foi dividido em dois períodos: seco (julho, agosto e setembro/2020) e chuvoso (dezembro, fevereiro e março/2020-2021). Foram selecionados nove municípios para as coletas, oito de captação superficial e um de subterrânea. As amostras de água foram coletadas na saída do tratamento das estações.
Ampliando o projeto piloto, em 2021 foram incluídos os municípios da regional de São João da Boa Vista, levando em conta o número de pontos de captação de água superficial de abastecimento com intensa atividade agrícola, irrigação à montante, histórico de uso de agrotóxicos, e resultados das análises das empresas responsáveis pelo abastecimento público no período de 2014 a 2020. Contemplando 10 municípios dessa região, foram previstas três coletas no período de chuva (meses de fevereiro e março) e três no de estiagem (julho, agosto e setembro).

Período 2022–2023

Em 2022, o projeto ganhou maior escala ao contemplar 50 municípios elencados como prioritários para a Vigilância em Saúde das Populações Expostas a Agrotóxicos (VSPEA). A priorização considerou as características do território paulista e na avaliação de cenários de risco de exposição aos agrotóxicos a partir de dados referentes à produção agrícola, pulverização aérea, resíduos de agrotóxicos em água para consumo humano e alimentos, bem como intoxicações exógenas19. Foram previstas duas coletas anuais, uma no período seco e outra no período chuvoso para cada município. As coletas contemplaram amostras de água tratada em SAA.
Para 2023, os GVS selecionaram 76 municípios prioritários, onde haviam evidências de maior vulnerabilidade dos pontos de captação de água para consumo humano à contaminação por agrotóxicos, eleitos a partir das seguintes variáveis: 1) pontos de captação dos SAA com ocupação agrícola no entorno; 2) manancial superficial ou sistema que abastece maior número de pessoas e 3) frequência de pulverização aérea. Destes municípios, 57 (75%) registraram práticas de pulverização aérea de agrotóxicos entre 2013-201820, com maior frequência no período de outubro a maio. De modo diverso das amostragens anteriores, as coletas anuais para cada município foram previstas para o período chuvoso. A Tabela 1 apresenta a distribuição dos municípios contemplados com coletas de água para análises de vigilância de resíduos de agrotóxicos.

Coletas
As coletas das amostras de água dos SAA foram realizadas em pontos localizados na saída do tratamento. Em alguns casos, a coleta ocorreu em cavaletes da rede de distribuição, contemplando mananciais de captação superficiais e subterrâneos. O kit para as coletas foi composto por caixa de isopor com dois frascos de vidro âmbar de 500 mL para análise em duplicata, gelo reciclável, preservante e orientações para o procedimento de coleta elaborado pelo CVS e IAL. A entrega foi realizada para os GVS, que distribuíram aos municípios participantes.
As amostras foram coletadas pelas vigilâncias municipais, armazenadas e transportadas à 4ºC com preservante, com prazos estabelecidos de 48 horas a partir do momento da coleta e a análise em laboratório, de forma a reduzir a atividade microbiana e a degradação dos resíduos de agrotóxicos.

Metodologia analítica
Para as análises, foram utilizados 91 padrões certificados de agrotóxicos. A escolha dos compostos baseou-se no seu histórico de uso e na frequência de aplicação nas culturas e incluíram fungicidas, inseticidas, herbicidas, entre outros. Para a identificação e quantificação dos agrotóxicos, foi utilizado sistema de cromatografia a líquido de ultra eficiência acoplado a analisador de massas de alta resolução (Exactive Plus Orbitrap™ Thermo Scientific) e a avaliação de desempenho e os critérios de aceitação foram baseados nos descritos do protocolo da SANTE 11312/202121 e na Portaria GM/MS 888/202112.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
O processo de priorização dos municípios para elaborar o Plano de Amostragem, conforme prevê o artigo 44 da Portaria GM/MS 888/2021, apresentou desafios, sobretudo devido à ausência de informação referente ao uso e aplicação de agrotóxicos no território. Após o processo de sistematização de informações disponíveis em bases como IBGE, Sisagua/MS, Sinan/MS, entre outras, foram selecionados 137 municípios de 20 regionais (GVS) do estado de São Paulo, totalizando 277 amostras de água tratada.
As análises foram realizadas no IAL pela técnica de cromatografia associada à espectrometria de massas. Na metodologia para o atendimento dos parâmetros do Anexo XX da Portaria GM/MS 5/2017, os Limites de Detecção (LD), definidos como as menores concentrações dos analitos que podem ser detectadas, mas não necessariamente quantificadas, e os de Quantificação (LQ), definidos como as menores concentrações dos analitos determinadas para quantificação com precisão e exatidão aceitáveis, variaram de 0,13 a 4,24 ?g L-1 e de 0,42 a 14 ?g L-1 respectivamente para 85 ingredientes ativos. Com a alteração para a Portaria GM/MS 888 que passou a vigorar em 04/05/2021, a metodologia de análise foi validada para a faixa do LD de 0,04 a 4,85 ?g L-1 e a do LQ de 0,13 a 16 ?g L-1 para 91 ingredientes ativos.
No período de 2020-2023, foram detectados resíduos de agrotóxicos em 12 (13%) dos 137 municípios amostrados e em 13 (4,7%) das 277 amostras de água para consumo humano coletadas de SAA. Todos os resultados estavam em conformidade com os padrões de potabilidade estabelecidos no Anexo XX da Portaria GM/MS 5/2017 e Portaria GM/MS 888/202112,14. (Tabela 2).
Não foram detectados mais de um ingrediente ativo na mesma amostra. No entanto, em um mesmo município, foi observada duas detecções. Das sete coletas e o composto Atrazina foi encontrado abaixo do LQ para uma amostra e, em outra, na concentração de 0,47 ?g L-1, abaixo do VMP de 2,0 ?g L-1. Este agrotóxico é registrado para uso na cana-de-açúcar22, que é a principal cultura do município, correspondente a 79,7% da sua produção agropecuária16. A Figura 1 apresenta a distribuição dos resultados detectados para o período 2020-2023.
A maior frequência de detecção ocorreu entre dezembro a abril. Esse período corresponde à época de aplicação dos agrotóxicos20 e coincide também com os maiores índices pluviométricos, podendo ocorrer, por consequência, lixiviação e escoamento superficial. Essa maior detecção em período chuvoso foi também observada em estudos realizados por De Armas et al.23, Delgado-Moreno et al.24, CETESB25, Halbach et al.26. A Figura 2 apresenta a distribuição mensal das coletas e seus respectivos resultados.
Das 13 detecções, duas foram de amostras de captação subterrânea, e em ambas, foi encontrado o composto Bentazona, com valores abaixo do LQ. Trata-se de um herbicida que teve 1,2 mil toneladas vendidas no estado de São Paulo em 20222, com uso indicado para diversas culturas, como a do amendoim22, cuja cultura representa 45,5% do setor agrícola de um dos municípios onde foi encontrado o composto16 (Tabela 2).
O composto Bentazona é altamente solúvel em água, muito resistente à hidrólise e tem baixos valores de coeficiente de adsorção27. Portanto, tem elevada mobilidade no solo e pode ser suscetível à lixiviação e permear no solo através de fissuras para o aquífero subjacente. Uma vez fora da zona de ação biológica, não existe qualquer mecanismo abiótico para a sua degradação. Nestas circunstâncias, pode ocorrer a contaminação das águas subterrâneas em alta prevalência27. Embora não conste na Portaria GM/MS 888/2021, o Guidelines da Organização Mundial da Saúde apresenta como valor de referência 0,5 mg L-1 para saúde28. O CONAMA 396/200929 define para águas subterrâneas o seu valor máximo de 30 µg L-1.
O herbicida Atrazina foi o mais encontrado, correspondendo a 62% das detecções. Das 8 amostras de água para consumo humano, seis estavam com valores abaixo do LQ e duas quantificadas abaixo do VMP. A Atrazina está registrada para formulação de 3.377 produtos30, parte deles amplamente utilizados no estado, com uma comercialização de 4,5 mil toneladas em 20222. Sua aplicação é autorizada, entre outras culturas, para abacaxi, cana-de-açúcar, milho, milheto, soja e sorgo22. Os resultados coincidem com as principais culturas dos respectivos municípios, tais como milho, soja e cana de açúcar, cujas produções chegam a representar 81,3% da produção agrícola16. Atrazina também é um dos agrotóxicos com maior frequência de detecção nas análises realizadas pelos SAA em todo o país31,32. A preocupação do setor saúde com esse ingrediente ativo resultou na obrigatoriedade de monitoramento também dos seus metabólitos a partir de 202112.
Outros compostos encontrados foram os herbicidas Diuron e 2,4-D, este o segundo mais comercializado no Brasil2, além do fungicida Tebuconazol, que é autorizado para 86 culturas22. Todos eles têm uso permitido para as cinco principais culturas do estado de São Paulo: cana-de-açúcar, soja, laranja, milho e café22,33 (Tabela 2). O 2,4-D foi encontrado em um município cuja produção de cana-de-açúcar representa 74,6% da sua produção agrícola e o Diuron, 94,2%, para essa mesma cultura16.
A Figura 3 apresenta as características ambientais e toxicológicas (Índice ToxPI) dos ingredientes ativos detectados. Todos apresentam toxicidade, carcinogenicidade e interferência endócrina como importantes características toxicológicas. O índice de prioridade toxicológica ToxPi GUI (Toxicological Priority Index Graphical User Interface), foi desenvolvido por Reif et al.34. É uma ferramenta que possibilita a integração de evidências de exposição e seus efeitos por múltiplas variáveis para a criação de um índice de priorização relativo ao conjunto específico de substâncias e permite uma visualização dos critérios que facilita a compreensão dos resultados pelo avaliador20.
Os compostos encontrados têm sido reportados em diversas pesquisas no Brasil e em outros países. A Atrazina foi um dos mais encontrados em águas subterrâneas por Grondona et al.35, que avaliaram trabalhos publicados entre 1998 e 2020. Em Woolf et al.36, análises de 1204 poços perfurados nos EUA, a Atrazina também se destacou. O mesmo foi reportado por Vera-Candioti et al.37, que avaliou a ocorrência de agrotóxicos em 103 amostras de águas superficiais e subterrâneas na região dos Pampas da Argentina e encontrou este composto em todas as 8 zonas agrícolas avaliadas, com maiores detecções em águas subterrâneas (26 amostras).
No Brasil, Dias et al.32 realizaram uma revisão bibliográfica do período de 2000-2017 para verificar a ocorrência da Atrazina em águas tratadas do país, e sua presença foi observada nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso. Os autores também realizaram levantamento de resultados em publicações científicas, entre 2012-2019, de águas superficiais em vários países e a Atrazina foi detectada como o herbicida mais frequente e, dos fungicidas, o Tebuconazol. Em outra revisão, conduzida por De Araújo et al.38, foram analisados 146 artigos científicos publicados entre 1976 a 2021, e a Atrazina, além de ser o agrotóxico com maior frequência de análises (56% dos trabalhos), foi a mais detectada entre os compostos com maiores concentrações, juntamente com a Bentazona, em amostras coletadas nos EUA, Turquia, Espanha e Brasil.
No estado de São Paulo, a CETESB realizou um diagnóstico da contaminação de 166 pontos em águas superficiais e subterrâneas25. Dos 42 agrotóxicos pesquisados, Atrazina e Diuron foram observados em diversos pontos do estado. O Diuron esteve presente em mais de 80% das amostras de águas superficiais e o 2,4-D foi detectado com a maior concentração, acima de critérios das referências nacionais e internacionais para proteção da vida aquática.
Em um monitoramento de águas superficiais na China, observou-se 83 dos 114 ativos analisados e a Bentazona foi detectada em todas as 208 amostras39. No Japão, Kamata et al.40 investigaram a ocorrência, entre 2012 e 2017, de 162 agrotóxicos em 14.076 amostras de água potável, tratada ou de nascentes, monitorados pelas 12 principais concessionárias de abastecimento, e a Bentazona foi o herbicida mais presente, em 52% das amostras de água de nascentes e 24% em água tratada.
Caldas et al.41 avaliaram por quatro anos a qualidade da água tratada no sul do Brasil. No estudo, a Atrazina foi detectada em mais de 50% das amostras, o Tebuconazol em mais de 80% e o Diuron em 35%. O Diuron foi um dos compostos com maior número de ocorrências em uma bacia hidrográfica para abastecimento público do Rio Grande do Sul42. Na Espanha, em estudo realizado por Rico et al.43, que analisaram 430 compostos, foram observadas concentrações de Diuron acima de 0,1 µg L-1.
Oltramare et al.44 reportaram que o 2,4-D excedeu o valor de 1 µg L-1 em dez pontos de uma bacia hidrográfica agrícola em Uganda. Halbach et al.26 avaliaram na Alemanha a contaminação por agrotóxicos em 103 cursos de água. Os autores investigaram 76 compostos de inseticidas, herbicidas e fungicidas e 32 metabólitos durante a estação mais seca (480 amostras) e mais chuvosa (335 amostras), observando que o Tebuconazol esteve entre os compostos com maiores medianas. O estudo indicou que o 2,4-D apresentou concentrações muito mais elevadas durante a estação chuvosa.
Os resultados encontrados neste estudo demonstram a importância do monitoramento de vigilância de forma complementar ao do controle, realizado pelas empresas de abastecimento de água. As análises de vigilância têm o potencial de produção de evidências para melhor direcionamento dos planos de amostragem das empresas de saneamento. Dessa forma, é fundamental que, tanto os órgãos governamentais quanto as empresas de saneamento, realizem a caracterização do território conforme previsto nas Diretrizes de Vigilância em Saúde das Populações Expostas a Agrotóxicos14 de modo a identificar os fatores de riscos e vulnerabilidades para esse tipo de contaminação.
A partir de diferentes estratégias de cronograma, foi possível concluir que o período mais adequado para coleta de amostras de água para análise de agrotóxicos corresponde aos meses de outubro a abril, período com histórico de maiores volumes de chuva e, por conseguinte, maior risco de escoamento de agrotóxicos para os mananciais. Contudo, o detalhamento de período de aplicação mais intensa de agrotóxicos na bacia hidrográfica pode orientar o calendário ideal para amostragem de agrotóxicos em água para consumo humano, conforme previsto na Portaria GM/MS 888/2021.
Nesse sentido, na ausência de dados disponíveis para as vigilâncias e para os prestadores de serviço de abastecimento de água, é fundamental o mapeamento da bacia de captação de água para consumo humano, bem como a articulação com a Defesa Agropecuária para a identificação dos ingredientes ativos mais utilizados e os períodos de aplicação para o planejamento de coleta em tempo oportuno.
A identificação de agrotóxicos em água para consumo humano, embora dentro dos valores de potabilidade estabelecidos pela legislação, evidencia que os produtos utilizados nas culturas agrícolas localizadas próximas aos mananciais podem atingir os pontos de captação de água para abastecimento público com riscos de interferências na potabilidade.
Nesse sentido, as intervenções necessárias para a proteção dos mananciais ultrapassam a governabilidade do setor saúde. Dessa forma, é fundamental a gestão integrada das bacias hidrográficas para garantir Boas Práticas Agrícolas; a recuperação e proteção das Áreas de Preservação Permanente, para redução dos riscos de contaminação dos mananciais; e a segurança da água de consumo humano.


CONCLUSÃO
O processo de elaboração do plano de amostragem, conforme previsto na Portaria GM/MS 888/2021, evidenciou os desafios desse planejamento quando não há informações de uso e aplicação de agrotóxicos disponíveis, sendo necessário que o setor saúde sistematize informações de diversos outros setores buscando compor a caracterização do território e a identificação de fatores de risco.
As análises de agrotóxicos do programa de monitoramento de vigilância da qualidade da água de consumo humano no estado de São Paulo foram significativas para aprimorar o conhecimento desses contaminantes nos principais mananciais de abastecimento público. Os resultados são importantes, para subsidiar as vigilâncias municipais e a estadual na aprovação dos planos de amostragem dos responsáveis de SAA para a condução de ações integradas com o meio ambiente e a agricultura, além da preservação dos mananciais de abastecimento público, adoção de boas práticas na agricultura, gerenciamento dos riscos e prevenção à saúde.

AGRADECIMENTOS:
À CGLAB/MS - Fiocruz, pelo auxílio do fornecimento de insumos, solventes e padrões
Ao Centro de Vigilância Sanitária pela aquisição dos insumos de coleta, sistematização dos dados e definição dos pontos de coleta. Aos GVS pela construção conjunta na elaboração do plano de amostragem e às Vigilâncias Municipais pelo cuidado e execução das coletas das amostras.
Ao Núcleo de Gerenciamento de Amostras do IAL pela recepção e controle das amostras. Ao Núcleo de Contaminantes Orgânicos do IAL pelo apoio laboratorial

REFERÊNCIAS

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Veiga, D.P.B, Nakano, V.E, Pedron, C.N, Alaburda, J., Kimura, I.A, Bugno, A., Bustillos, J.O.W.V, Mario Junior, R.J, Rezende, C.M.T, Santos, G.A.C, Valentim, L.S.O. Plano de amostragem e vigilância de agrotóxicos em água tratada no estado de São Paulo. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/dez). [Citado em 28/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/plano-de-amostragem-e-vigilancia-de-agrotoxicos-em-agua-tratada-no-estado-de-sao-paulo/19463?id=19463

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