0408/2006 - Produção bibliográfica sobre adesão/não-adesão de pessoas ao tratamento de saúde
Bibliographical production about the adherence/non-adherence to health treatments
Autor:
• ANNELITA ALMEIDA OLIVEIRA REINERS - Reiners, A. A. O. - CUIABÁ, MT - UFMT - <reiners17@hotmail.com>Área Temática:
Não CategorizadoResumo:
Análise crítica da produção bibliográfica latino-americana dos últimos 10 anos, acerca da adesão/não-adesão ao tratamento de pessoas portadoras de problemas crônicos de saúde: hanseníase, tuberculose, hipertensão, diabetes e AIDS. Foram analisados 36 artigos, identificando-se as variáveis: ano de publicação, área de publicação e tipo de estudo. A maior parte dos artigos (27) foi produzida por profissionais da área de Medicina em estudos epidemiológicos e da área de Enfermagem (7) em estudos qualitativos e quanti-qualitativos. A produção científica sobre o assunto cresceu até 2002, caindo a partir desse ano. Nas definições descritas pelos autores, a idéia recorrente foi a de que o papel do paciente é o de ser submisso às recomendações dos profissionais de saúde e que ele tem autonomia para seguir ou não o tratamento, mas o profissional exime-se da responsabilidade sobre as conseqüências dessa decisão. A maioria dos fatores apontados pelos autores como contribuintes para a não-adesão está relacionada ao paciente, mostrando que a maior carga de responsabilidade pela adesão/não-adesão é conferida a ele. As medidas assinaladas pelos autores para a resolução do problema permitem a identificação da responsabilidade dos profissionais, serviços de saúde, governos e instituições de ensino.Palavras-chave: adesão ao tratamento, não-adesão ao tratamento, doença crônica.
Abstract:
Critical analysis of the Latin American bibliographical production of the last 10 years, concerning the adherence / non-adherence to treatment of people with chronic health problems: leprosy, tuberculosis, hypertension, diabetes and AIDS. Thirty six articles were analyzed and the variables year of publication, publication area and type of study were identified. Most of articles (27) was produced by professionals of the areas of Medicine in epidemiological studies and of Nursing (7) in qualitative and quanti-qualitative studies. The scientific production on the subject grew up until 2002, falling from this year. In the described definitions by the authors, the recurrent idea was that the role of the patient is to be submissive to the recommendations of the health professionals and that he /she has autonomy to follow or not the treatment, but the professional exempts itself of the responsibility on the consequences of this decision. The major factors pointed as contributing with the non-adherence is related to the patient, showing that the biggest load of responsibility for the adherence / non-adherence to treatment is conferred to him / her. The measures pointed to the resolution of the problem show the responsibility of the professionals’, health services’, government’s and educational institutions’.Key words: adherence to treatment, non-adherence to treatment, chronic disea
Conteúdo:
As intensas transformações sociais, econômicas, políticas e culturais ocorridas no mundo, desde a metade do século passado modificaram as características das populações, incluindo seu perfil epidemiológico e o aumento das taxas de morbimortalidade por problemas crônicos de saúde, conferindo alterações na qualidade de vida e de saúde das pessoas.
Doenças crônicas não-transmissíveis são:
[...] um grupo de doenças com história natural prolongada, caracterizada por: multiplicidade de fatores de risco complexos; interação de fatores etiológicos desconhecidos; longo período de latência; longo curso assintomático; manifestações clínicas, em geral de curso crônico, com períodos de remissão e exacerbação e evolução para incapacidades 1:269-70.
Estão incluídas nesse grupo, as neoplasias, as doenças cardiovasculares, o diabetes, dentre outras doenças. A prevalência destas costuma aumentar com a idade e aqueles que sofrem com elas sempre têm co-morbidades2. Sua importância reside não somente na extensão dos danos físicos causados às pessoas acometidas por elas, mas também no impacto social e psicológico que provocam.
Os objetivos do tratamento dos problemas crônicos de saúde são reduzir a morbimortalidade e manter a qualidade de vida das pessoas enfermas. As crescentes evidências de várias partes do mundo sugerem que os pacientes melhoram ao receberem tratamento eficiente e apoio regular3.
Por ser invariavelmente longo, um dos problemas que os profissionais de saúde encontram, com freqüência, na atenção aos doentes é a dificuldade destes em seguir o tratamento de forma regular e sistemática. Embora seja necessária, a adesão ao tratamento não é um comportamento fácil de adquirir.
Muitos são os elementos que tornam a questão da adesão ao tratamento motivo de estudo entre os pesquisadores, desde sua definição até as formas de lidar com ela. Vários estudos focalizam-se em estratégias para melhorar a adesão aos medicamentos, em mudanças de comportamento de promoção à saúde e em teorias sobre os motivos apresentados por algumas pessoas para justificar certos tipos de comportamento4.
Na literatura latino-americana, nos últimos anos, a produção científica na qual há um levantamento sistematizado sobre adesão/não-adesão de pacientes ao tratamento é incipiente. O estudo de Sarquis et al5, sobre a produção acerca da adesão ao tratamento da hipertensão arterial, no período de 1991 a 1995, detectou apenas 2 artigos publicados na América do Sul (Brasil e Argentina).
Por essa razão, desenvolvemos uma pesquisa com o objetivo de analisar de forma crítica a produção bibliográfica latino-americana dos últimos 10 anos, acerca da adesão/não-adesão ao tratamento de pessoas portadoras de problemas crônicos de saúde.
METODOLOGIA
Foi desenvolvido um estudo bibliográfico utilizando uma abordagem quantitativa para identificar as seguintes variáveis: ano de publicação, área de publicação e tipo de estudo.
Na análise relativa ao tipo de estudo foi utilizada a seguinte classificação: (1) Ensaio – estudo que se baseia unicamente na experiência do autor; (2) Estudo de caso clínico – estudo de casuística; (3) Estudo descritivo – estudo que não envolve metodologia epidemiológica, embora trabalhe os dados quantitativamente; (4) Estudo epidemiológico – estudo de distribuição de determinado fenômeno de saúde/doença em determinado espaço, local e grupo populacional; (5) Pesquisa qualitativa - estudo de crenças, valores, percepções, representações e sentidos atribuídos; (6) Revisão bibliográfica – estudo baseado em consulta bibliográfica; (7) Estudo quanti-qualitativo – estudo que articula as duas abordagens6.
Também foi utilizada uma abordagem qualitativa para analisar o conteúdo dos textos produzidos, focalizando-se nas seguintes categorias: definições de adesão ao tratamento; fatores que contribuem e que não contribuem para a adesão ao tratamento citados pelos autores na bibliografia consultada; e abordagens utilizadas pelos profissionais e serviços de saúde para lidar com a questão da não-adesão.
Os dados foram coletados por meio de levantamento da bibliografia publicada em forma de periódicos na base de dados LILACS, no período de 1995 a 2005. Os descritores utilizados foram: abandono do tratamento, aderência/não-aderência ao tratamento, adesão/não-adesão ao tratamento, cooperação do paciente, interrupção do tratamento, compliance/noncompliance e doenças crônicas.
Dos textos encontrados, foram eleitos para a análise aqueles que tratavam do assunto adesão/não-adesão ao tratamento dos seguintes problemas crônicos de saúde: hanseníase, tuberculose, hipertensão, diabetes e AIDS. Ao todo, 36 artigos foram analisados.
Organizamos os dados nas seguintes categorias: definições, fatores que contribuem para a não-adesão e formas de lidar com a não-adesão. Depois disso, foi realizada uma análise crítica do conteúdo das categorias, tendo como base a literatura nacional e internacional sobre o assunto.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os 36 artigos analisados foram publicados em periódicos das áreas de saúde pública, Enfermagem, Medicina Clínica, Farmácia e Nutrição. Na Tabela 1, onde foram distribuídos os artigos por área de publicação e tipo de estudo, pode-se observar que a maior parte dos artigos (27) foi produzida por profissionais da Medicina, sendo a maioria deles (12) de estudos epidemiológicos.
Tabela 1 – Distribuição dos artigos por área de publicação e tipo de estudo levantados no período de 1995 a 2005.
A Enfermagem, assim como outras áreas da saúde, tem discutido sobre o assunto, porém em proporção menor que a Medicina, contribuindo com 7 artigos, nos últimos dez anos, resultado de pesquisas qualitativas e quanti-qualitativas. O enfoque nessas abordagens tem sido um aspecto constante nas pesquisas realizadas pela Enfermagem, face à instabilidade da corrente de pensamento positivista7.
Esses resultados apontam para a necessidade de investimento contínuo em pesquisas que abordam o fenômeno da adesão/não-adesão, principalmente sobre aspectos que vão além da sua epidemiologia. Grandes contribuições podem advir de estudos que discutem os modelos teóricos correntes de compreensão do fenômeno e as estratégias de intervenção nos problemas encontrados.
Da mesma forma, pesquisas que investigam a adesão/não-adesão sob a ótica dos sujeitos que a vivenciam (pacientes, família, profissionais) podem trazer subsídios para a compreensão mais abrangente dessa problemática.
No Gráfico 1, apresentamos a distribuição dos artigos por ano de publicação. Nele, pode-se observar que, nos últimos 10 anos, a produção científica sobre adesão/não adesão ao tratamento dos problemas crônicos elegidos por nós cresceu até 2002.
Gráfico 1 – Distribuição dos artigos por ano de publicação levantados no período de 1995 a 2005.
Uma provável explicação para esse crescimento é o interesse dos profissionais de saúde em entender o fenômeno da adesão/não-adesão que traz grande impacto na morbimortalidade de pessoas acometidas por problemas crônicos de saúde. Por outro lado, a partir de 2002, a quantidade de publicações tornou-se restrita. Será que o interesse dos pesquisadores pelo tema diminuiu?
Esse resultado mostra que na América Latina a produção científica sobre adesão/não-adesão necessita de incremento seja por parte da academia ou dos profissionais da assistência.
Nas definições descritas pelos autores a idéia recorrente é a de que o paciente deve cumprir, seguir, obedecer às recomendações dos profissionais de saúde e que seu comportamento deve coincidir com os conselhos e indicações médicas. O paciente tem autonomia para escolher seguir ou não o tratamento, mas o profissional não tem responsabilidade sobre as conseqüências dessa decisão (8, 9, 10, 11, 12, 13, 14).
Essa idéia sugere que o papel do paciente é ser submisso àquilo que o profissional de saúde determina. Na medida em que o paciente deixa de observar as recomendações, os conselhos, as indicações e as ações estabelecidas pelo profissional e/ou pelo serviço, é considerado como não-aderente ao tratamento.
Os profissionais tendem a abordar a questão da adesão/não-adesão somente sob suas perspectivas, ignorando as do paciente. Eles deixam de considerar a variabilidade e negam a legitimidade dos comportamentos que diferem das suas prescrições. Agindo assim, distanciam-se das ações e razões dos pacientes, julgando-os e rotulando-os, em vez de conhecê-las e entendê-las15.
A natureza, os sentidos e os determinantes do comportamento de não-adesão são complexos e difíceis de ser entendidos. Por isso, há que se considerar essa questão sob outra ótica, levando em conta a subjetividade do paciente, bem como suas necessidades e dificuldades, mais do que a precisão com que ele segue as recomendações.
A não-adesão ao tratamento foi abordada de diversas formas nos artigos e, nestes vários fatores relacionados ao tratamento, à doença, ao paciente, a problemas sociais, aos serviços e ao profissional de saúde foram apontados como determinantes do problema (Quadro 1).
Quadro 1 – Relação dos fatores que contribuem para a não-adesão ao tratamento levantados dos artigos publicados no período de 1995 a 2005.
Observa-se que a maioria dos fatores citados nos textos pelos autores e que contribuem para a não-adesão ao tratamento estão relacionados ao paciente, principalmente se juntados aos relacionados aos dados demográficos e ao uso de drogas.
Esse resultado revela que tem sido conferida ao paciente a maior carga de responsabilidade pela adesão/não-adesão ao tratamento. Muitos estudos dos últimos anos têm focalizado o sofrimento dos pacientes com problemas crônicos de saúde, e concluído que o sucesso do tratamento é fortemente dependente do comportamento deles32.
Pesquisas sobre adesão/não-adesão têm sido baseadas nas idéias dos profissionais de saúde que entendem ser dos pacientes a maior responsabilidade pelo problema e que os profissionais falham em promover uma compreensão mais profunda sobre a adesão/não-adesão33.
Culpar os outros pelas falhas faz parte da natureza humana e os profissionais de saúde, como seres humanos, não são diferentes. Na realidade, há que se considerar a co-responsabilidade que profissionais e serviços de saúde devem ter no processo de adesão do paciente ao tratamento, a fim de que possa ser efetivado, propiciando àquele meios para exercer o seu papel em igualdade de condições34 .
Na categoria formas de lidar com o problema da não-adesão constatou-se que para os autores, as medidas a serem adotadas na resolução do problema da não-adesão, devem ser desenvolvidas pelos profissionais, serviços de saúde, governos e instituições de ensino (Quadro 2).
Quadro 2 – Relação das formas de lidar com a não-adesão ao tratamento levantadas dos artigos publicados no período de 1995 a 2005.
Embora essas estratégias sejam apontadas, existe uma lacuna a ser preenchida pelo desenvolvimento de estudos que relatam essas estratégias e avaliam sua eficácia na melhora ou efetivação da adesão dos pacientes ao tratamento.
Esse resultado também reforça a necessidade de investimento dos profissionais, serviços de saúde e instituições governamentais, em programas de atenção aos portadores de problemas crônicos de saúde que privilegiam a educação e que atendam às diversas necessidades dos pacientes e suas famílias. É improvável que qualquer intervenção que ignore a multidimensionalidade dos problemas tenha sucesso nas mudanças de comportamento39:131.










