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0835/2008 - Reflexões sobre a educação de profissionais da área de saúde
Reflections concerning to the professionals‘ health education

Autor:

• Fátima Maria Namen - Namen, F.M. - Niterói, RJ - Universidade Veiga de Almeida - <fnamen@terra.com.br>


Área Temática:

Não Categorizado

Resumo:

O objetivo do presente ensaio é o levantamento de polemicas sobre a educação como um todo e o conhecimento científico como alicerces importantes na formação acadêmica. Acreditando que a busca incessante dos cursos de pós-graduação não se deveria restringir às teses como mera formalização. Questiona-se a dinâmica metodológica do conhecimento, bem como verdade e saber. A condição humana é introduzida como um tema que faz um viés com a era dita pós-moderna, discutindo a liquidez e efemeridades humanas. A complexidade e interdisciplinaridade foram questionadas como um novo formato de trabalho. A abordagem da pesquisa qualitativa correlaciona-se com a questão humana e existencial.
Além de outros tópicos a respeito de educação e pesquisa tais como bioética, viabilidade da pesquisa desinteressada, produção massificante e teses bem direcionadas, quisemos mostrar o quanto o processo de educação e conhecimento podem formar eventos para que o aluno se torne sujeito, um indivíduo com autocrítica e com postura dialética.

Palavras chave: Educação, saúde, conhecimento


Abstract:

The objective of the present is primordialmente the rising of controversies about the education as a whole and the scientific knowledge as important foundations in the academic formation. Believing that the incessant search of the masters degree courses should not limit to the theories as mere formalização. The methodological dynamics of the knowledge is questioned, as well as truth and knowledge. The human condition is introduced as a theme that makes an inclination with it was her dictated post-modern, discussing the liquidity and human efemeridades. The complexity and interdisciplinaridade were questioned. The approach of the qualitative research was correlated to the human and existential subject.
Besides other topics regarding education and such research as bioetic, viability of the disinterested research, production massificante and theories well addressed, as the education process and knowledge can form events so that the student becomes subject, an individual with self-criticism and with posture dialectics.

Key words: Education, health, knowledge


Conteúdo:

“A ciência não é nem pecado, nem fatalidade. Nem nossa filha, mas nossa invenção; a ciência como disciplina nunca crescerá a ponto de pensar por si mesma e assumir sua responsabilidade. Somente os indivíduos podem fazer tais coisas”.
Shattuck



Introdução
A educação e a metodologia científica são alicerces para um curso de pós-graduação. No entanto parece existir um débito em toda pós-graduação brasileira em relação a esses dois pilares. Segundo Demo1 “o conhecimento cientifico, que foi inventado para dizermos o que é objetivamente certo, anda muito incerto diante das discussões ditas pós-modernas”.
Para realizar qualquer argumentação, apelamos para afirmações ainda não argumentadas, porque é impraticável partir de fundo sem achar o alicerce. Muitas das argumentações disponíveis são incorporadas em nosso discurso sem questionamento. Evidentemente se fossemos questionar tudo, não sairíamos da primeira sentença, mas pode ter a vantagem, questionando os conceitos básicos, de perceber criticamente o que ainda não foi questionado. Nesse sentido que muitos diriam hoje, sobretudo, que o caráter científico do discurso está menos nas pretensas comprovações do que na convivência criativa e crítica com a dúvida 1.
Isso nos leva a desconstruir dois temas: Educação e Metodologia Científica e todos os seus desdobramentos dentro de um microcosmo, muito particular, quando se trata de cursos na área de saúde e interdisciplinar. Talvez não se trate de aventar propriamente de crise do conhecimento, porque esse tipo de crise – a capacidade de questionar e, sobretudo de se questionar – é a razão de ser mais profunda da ciência 1. Que as teorias se tornem obsoletas é o que há de mais natural, dentro do processo dinâmico intrinsecamente dialético. Nesse sentido, o advento do pós -modernismo é menos crise, do que vitalidade. Deveria preocupar-nos muito mais a calmaria, como sucede em muitos ambientes acadêmicos onde ninguém questiona ninguém, ficando tudo sempre como está. É sinal de que o conhecimento não está sendo reconstruído pela via do questionamento sistemático. Se olharmos bem a dialética questionadora do conhecimento, temos de aceitar que conhecimento crítico é sempre, pelo menos em algum sentido, novo; já que o questionamento acrescenta-lhe alguma dimensão, algum olhar, alguma preocupação que antes não existia ainda 1.
Estamos buscando discutir a dinâmica metodológica do conhecimento científico, e não só ensinando Metodologia Científica para fins puramente “técnico-científicos”. Interessa talvez ventilar modos de entender e fazer ciência e educação do que apenas realçar polêmicas modistas, que alguns especialistas, dizem, já estão “saindo de moda”. O pós-modernismo, como não poderia deixar de ser, produziu resultados disparatados nesses dois alicerces que estamos introduzindo como tema-problema, e que provocaram reações diversificadas, o que talvez de mais negativo tenha sido no sentido da crise de identidade; não aquela que é saber duvidar de si mesmo, aliás, uma das habilidades mais próximas do conhecimento científico. Somente em ambientes questionadores e civilizados, o aluno de qualquer área (seja na graduação ou na pós) pode sentir confiança e absorver a teoria do sujeito, ganhando em parte a cidadania, que segundo Paulo Freire 2, é uma das principais funções da Universidade. Em parte, essa iniciativa é acreditando que adotando uma postura de estilo dialético, naturalmente o tom do discurso será crítico, sempre como referência à coerência e a autocrítica 1.

O conhecimento na contemporaneidade
O objetivo principal de qualquer plano de ensino é introduzir um trabalho na pós-graduação onde o questionamento crítico seja o critério central da cientificidade, segundo Habermas, quando ele propõe que somente o questionável pode ser o científico. E também por coerência metodológica, podemos evitar uma certa “filiação” pois um dos objetivos é construir conhecimento por mão própria, não apenas imitar. Outro aspecto é que desejamos relacionar metodologia científica com “o saber pensar”, significando, sobretudo a formação da capacidade de se fazer sujeito com história própria 1.
As relações de saber e a cultura contemporânea foram mudadas pela subversão da relação com o saber e a verdade através da relação da teoria do sujeito 3. A omissão desses conhecimentos produz efeitos inevitáveis na formação de alunos que futuramente irão intervir na própria formação do sujeito, ou que no mínimo estarão se relacionando com o ser humano. Com relação ao “sujeito”, há necessidade de condições complexas, e particularmente eventos que para alguns indivíduos não passem de fruto do acaso. Nem sempre há sujeitado ou sujeito, nem sempre o sujeito não é invariante ou necessário. Ele não é uma consciência, uma experiência, não é a fonte do sentido, mas ele é constituído por uma verdade e não a fonte da verdade. Badiou 4 define que o sujeito não é tampouco um vazio, um nada, um intervalo. Ele tem consistência, podem-se determinar seus componentes. O sujeito não é uma substância, um ser, uma alma, nem uma coisa pensante, porque ele depende de um processo que começa e acaba, tantas vezes decorrente do ensino, por isso o sujeito não é uma origem. Em particular, não é por haver sujeito que há verdade, mas pelo contrario, porque há verdade, há sujeito. Segundo Badiou 4 o sujeito é raro, tão raro quanto a verdade. Tanto em Badiou quanto em Foucault 3, para falar do sujeito é preciso partir de uma teoria da verdade, pois um sujeito não é outra coisa senão um ponto da verdade; ou a dimensão plural local do processo de uma verdade. Nesse sentido o processo educacional entra como ponto de partida para verdade porque é o que transmite, o que repete, chama-se saber. A atual educação na área de saúde e o seu cientificismo não têm se preocupado com um certo saber filosófico. Ora! Se a verdade é um problema filosófico essencial, e se sua aparição e seu devir não é um juízo, mas um processo real, podemos deduzir, ou melhor, questionar se a interdisciplinaridade com a filosofia não está sendo omitida do ensino 5. A filosofia é o estudo do real. Podemos inferir que a ciência e a educação estão intimamente ligadas a ela e que podem tornar esses futuros profissionais em sujeitos. O sujeito é necessário na pós-graduação e não podemos deixar alguns raros alunos se tornarem sujeito ao acaso. Para que uma verdade afirme e forme um sujeito, deve haver um suplemento, é o que se chama de “evento” 4, que podem ser o processo educacional, o professor ou a ciência como um axioma.
Rumando para aspectos mais abrangentes, a dificuldade de articular a colaboração entre áreas como Filosofia, Biologia, Patologia, Literatura, ou seja, a interdisciplinaridade; palavra já tão banalizada no mundo acadêmico e nas diferentes especializações cientificas a interdisciplinaridade acabou tornando-se o (des)interesse polido, entre estudiosos de campos diferentes, pelo trabalho uns dos outros, que foi analisado por Kehlnr da conclusão de vários estudiosos internacionais de áreas diferentes realizado em agosto de 2002 na Universidade de Stanford (Congresso sobre Interdisciplinaridade). Desconfiamos que a interdisciplinaridade na pós-graduação está sendo “virtual” (polidez para compensar por um breve período, a convicção de todos no sentido de que nada que os “outros” possam ter a dizer tem importância real para o trabalho que cada pessoa realiza) e torna-se necessário nossa atuação para que a interdisciplinaridade resulte em projetos de trabalho conjuntos de potencial inovador. Nesse sentido as formas dominantes de interdisciplinaridade existentes hoje produzirão, segundo documento do Congresso supracitado, na melhor das hipóteses, “conhecimentos novos“ que não surpreendem nenhum profissional – e menos ainda patrocinadores e doadores para a pesquisa. O que desejamos entre professores e alunos é um estilo de colaboração intelectual que cumpra as promessas que a palavra interdisciplinaridade implica com um trabalho abarcando diversas disciplinas acadêmicas, cujos efeitos ninguém possa prever e cujos resultados potenciais não poderiam ter sido produzidos isoladamente 6.
Os cientistas desse encontro, de dezenas de áreas diferentes, trabalhando 24 h por dia, discutiram o tópico como um conceito de “emergência”, mas na verdade era invenção de um novo formato de trabalho interdisciplinar, não mais conduzido por polidez acadêmica e curiosidade aleatória. Talvez lendo o documento que deu origem a essa discussão, possamos afirmar, para nossa comunidade acadêmica, que existe um grau excessivo (prático-teórico) de fixação em objetivos que gera a estagnação de qualquer trabalho intelectual. Ao passo que a capacidade de liberar o controle e permitir o crescente fluxo de pesquisa em curso determina se cada pesquisador será o mais poderoso catalisador da produtividade intelectual6 .
O que é o conhecimento e como desejamos organizá-lo? O conhecimento deve ocorrer como se fosse uma grande fábrica, e nessa organização há lugar para diferentes papéis intelectuais. Com certeza, é preciso haver uma variedade considerável de tais papéis, tanto para administradores, intelectuais e outros membros da pesquisa. No século XIX a palavra “especialista”, “cientista”, “perito”, “profissional”, foi um sinal de que a divisão do trabalho intelectual havia se expandido muito. Em épocas anteriores, o curso universitário básico para todos era constituído de sete artes liberais, que ia de retórica à astronomia. A especialização acabou triunfando também no século XX e surge um abismo entre Ciências Naturais e as Humanas “as famosas duas culturas” seguidas pela separação entre a química e a física, a sociologia e a psicologia, assim por diante 7. Esses super especialistas, sem intenção, acabaram por causar um desastre que com certeza foi avassalador na dita Área Biomédica, onde a fragmentação é absolutamente clara.
Todo conhecimento científico se desfigura, ou melhor, se redefine logo que se dissemina na cultura e isso é a essência das representações sociais. Há pelo menos duas causas básicas de existência, ambas de ordem emocional: o amor pelo conhecimento e “o medo instintivo do homem de poderes que ele não pode controlar e sua tentativa de poder compensar essa impotência imaginativamente” 8. Daí vemos a importância da representação social na introdução do resultado científico disseminado na coletividade e na cultura. Tanto que quando a medicina social deseja conhecer uma coletividade para introduzir uma inovação, um dos recursos é a representação social . Uma questão central que tem sido bastante esquecida é a de que o conhecimento científico-tecnológico passou a desempenhar um papel decisivo na sociedade, incluindo na economia. Foi Francis Bacon no séc XVII, que formulou a tese da relação fundamental entre saber e poder 9. Mas o advento dos tempos modernos não precisou esperar para pôr o conhecimento a serviço do poder. Fala-se muito hoje em dia em sociedade do conhecimento, tema que foi consagrado em um simpósio da UNESCO em dezembro de 2001 em Nápoles. Mas a indagação principal é se a sociedade do conhecimento é um fato? É uma ideologia? Ou uma utopia? Segundo Rouanet 10, é um pouco dessas três coisas. Podemos também redefinir se informação e conhecimento são sinônimos, o que implica redefinir a sociedade de conhecimento como sociedade de informação. Efetivamente vivemos numa sociedade em que somos bombardeados por meras informações que funcionam como sinais, diante dos quais reagimos de modo compatível com o programa que nos condiciona; a informação pura e simplesmente dispensa o trabalho reflexivo que transformaria os conteúdos, devidamente processados pelo nosso aparelho psíquico em verdadeiro conhecimento 11. Devemos estar atentos, com relação a fato, ideologia, utopia, se nos cursos de pós-graduação o conhecimento está travestido, bloqueando os alunos para caminhos de uma ação questionadora eficaz, e se de fato esses alunos têm uma ação reflexiva sobre as idéias que lhe são ensinadas 10.

Condição humana e aprendizado
Outro aspecto bastante implicante em debates de pós-graduação deveria incluir os diferentes “perigos”, os riscos que envolvem a educação e a própria condição humana no mundo das dependências globais, já que o amor pelo conhecimento é uma das causas básicas da existência 8. Para isso Bauman 12 sugere a metáfora da liquidez para caracterizar o estado da sociedade pós-moderna. Ele questiona a relação de alunos e professores, como indicava Sartre a seus discípulos a terem um projeto, ou seja, uma identidade fixa; mas adverte que nesse mundo fluido esse tipo de projeto é quase suicida. Richard Sennet mostra que o tempo médio de emprego o jovem americano em empresas de tecnologia, por exemplo, é de 8 meses; quem pode pensar num projeto de vida nessas circunstâncias? Logo, não seria válido questionar a educação, os projetos de pesquisa, os conhecimentos científicos, baseados nessa liquidez, nessa efemeridade? O autor argumenta ainda que esses estudantes se movem rapidamente no sentido de urgência, somente pela necessidade de completar dissertações a tempo e assegurar uma próxima promoção . Perguntamos qual a contribuição, nesse mundo globalizado, numa pós-graduação onde uma das condições é formar mestres, e que futuro terá a Universidade Brasileira e o ensino nos próximos anos? O sistema em que vivemos, é de “uma política social de amansamento” e portanto, devemos estar atento ao papel que o ensino desempenha na sociedade do conhecimento, já que a figura do professor é uma peça chave nas mudanças e “a educação precisa de polêmicos para mudar a sociedade” 1. Talvez, em nossas indagações caibam alguns questionamentos com relação à educação: o magistério é a mais importante das profissões? E o que temos feito para resgatá-lo? Os cursos de pós-graduação estão formando professores ou repetidores?
O processo de ensino-aprendizagem implica profundas mudanças, então os profissionais se assustam. Por que os profissionais da mudança não mudam nada? Exatamente os transformadores não transformam as coisas, são resistentes. Por que a educação, como ferramenta da mudança e transformações, que a pedagogia aborda, encontramos educadores tão resistentes às mudanças? Ocorre que há grandes projetos de mudança nas Universidades, desde que elas fiquem de fora 1. Há uma discussão filosófica, epistemológica muito interessante, sobre o que se chama de contradição performática em lógica, ou seja, um discurso que nega o próprio discurso. É o caso do avaliador que não quer ser avaliado, o questionador que não quer ser questionado; há também a ambigüidade do poder. O poder também parece não estar interessado em mudar, o sistema prefere uma política social de domesticação 1.
Uma maneira de domesticar o professor é o maltratando-o, por exemplo, pagando mal, formando-o mal. Fala-se também, por um outro lado de um sistema pedagógico pouco móvel, muito auto-defensivo, talvez corporativo 1. A importância da educação está em levar o indivíduo a saber pensar, e não tem nada a ver com pessoa politiqueira, mas com propósito de formar um sujeito capaz de formar a própria história 2.
O instrucionismo, uma proposta que vem de fora para dentro e de cima para baixo e que conserva o aluno como objeto, não chegando a ser sujeito de seu conhecimento, é algo muito preocupante para os educadores. De um lado, há o mundo da educação, emancipação, e da autonomia. De outro o mundo do ensino, que tem intrinsecamente um efeito imbecilizante de reproduzir a ignorância 1. Isto vem a corroborar com o que foi dito, em outras palavras, que o centro da aprendizagem é saber reconstruir, elaborar e questionar. Talvez a aula não seja o centro, mas um instrumento importante. O centro da aprendizagem é o professor e o aluno. Podemos ainda acrescentar que, segundo grandes educadores, ao invés do construtivismo, o re-construtivismo seria uma nova construção do conhecimento, que na verdade nós reconstruímos a partir do que já existe e já se sabe. O construtivismo é um paradigma. Precisamos pensar também que a habilidade de renovar os conteúdos, renovando os métodos, ou seja, é o equilíbrio das duas coisas: saber pensar e saber intervir. Há uma dissonância entre saber pensar e intervir. Pedro Demo (2000) insiste em dizer que grande parte desse trabalho tem de ser focado no professor. Nessa linha, se você não resgata o professor, não resgata a educação. Se o professor não é um incluído, como ele pode ajudar a promover a inclusão? Na prática, o questionamento pedagógico é o seguinte: não é possível só ministrar aula. Deve-se orientar, avaliar, levar a elaborar. Ainda segundo Demo (2000), “uma sociedade onde o professor é mal tratado, obviamente é uma sociedade indigna, que não quer se desenvolver”. Nós ainda acrescentaríamos, nos dizeres de Paulo Freire 2, que a escola é o lugar para o professor ser feliz. A educação pública de qualidade numa Universidade ainda é uma política para levar o país a um projeto de uma sociedade própria. Muitos consideram que a década de 90 foi perdida na educação. Para Gadotti 13, apenas em alguns países democráticos onde criou-se uma concepção concreta de educação para a cidadania é que constitui um exemplo de sucesso na educação. Essa teoria ainda é fundada nos princípios de Paulo Freire e atualmente Gadotti ainda dirige o Instituto Paulo Freire na USP. Gadotti 13 insiste que o sistema educacional no Brasil tem uma avaliação que pode ser válida, mas onde as causas não são avaliadas. Embora banalizada, a palavra cidadania caracteriza-se pela democratização da educação em termos de acesso e permanência e pela participação na gestão e escolha democrática dos dirigentes educacionais. Um movimento nesse sentido foi iniciado só na década de 80 e precisa ser reavaliado agora. Uma definição de cidadania para Paulo Freire é que a formação da escola cidadã é aquela que se assume como um centro de direitos e deveres, que viabiliza a cidadania de quem está nela e de quem vai a ela, ele acrescenta que ela é cidadã na medida em que exercita na construção de cidadania de quem usa o seu espaço. É uma escola coerente com seu discurso formador e libertador.
Outro aspecto da educação e pedagogia é que se deve reformular questões, como por exemplo se a avaliação desampara o professor, por se tirar dele recursos como prova e reprovação, nos quais ele sempre se apoiou? Essa pergunta tem muitas vertentes, ela é de cunho mais disciplinar do que educativo. A questão está na formação do educador, não só acadêmica, mas a formação ao longo da vida, como sinaliza o relatório da UNESCO para a educação do século XXI. A avaliação é a prática subsidiária da construção de resultados satisfatórios: notas e/ou conceitos são modos sintéticos de registrar a qualidade desses resultados. Historicamente esses elementos se confundem na mente de educadores e educandos, assim como de administradores educacionais 13. Interessante que Luckesi, como historiador da avaliação da aprendizagem desde 1968, e professor da pós-graduação da Universidade Federal da Bahia, relata que flagrou nas práticas dos jesuítas do séc. XVI características parecidas com as que os professores atualmente imprimem em suas relações com os alunos 13. O novo paradigma denota uma evolução e uma incorporação de uma utopia e acrescenta que a pedagogia também precisa ser resgatada. Tudo isso num certo sentido se perdeu num local amargo que a escola se tornou. Na verdade a pedagogia une todas as ciências e os educadores têm que resgatar esse seu grande sentido de formar, de conduzir pessoas e de encantar, pois a Universidade hoje vive em meio a muita desesperança 13. A felicidade na escola não é uma questão de opção metodológica ou ideológica. É uma obrigação essencial dela.

Pesquisa
O significado da palavra “pesquisa” não parece ser muito claro ou, pelo menos, não é unívoco, já que, desde o presidente da General Motors até os membros da Phi Delta Kappa Fraternity, tentaram definí-la. Anos atrás (em 1929), foram propostas quatro definições da palavra “pesquisa” para que vários estudiosos escolhessem uma delas. O resultado foi que as quatro definições tiveram votos, e, inclusive, houve quem considerasse o conceito de pesquisa como indefinível 14.
O que leva o homem a investigar? Einstein disse , certa vez, que a ciência consiste em criar teorias: “Ideamos uma teoria após outra”, -disse- “e o fazemos porque nos deleitamos compreendendo”. A compreensão, para Einstein, se alcança, quando reduzimos “os fenômenos, por um processo lógico, a algo já conhecido ou (na aparência) evidente” 14. O valor essencial da investigação científica reside no fato de que satisfaz nossa curiosidade, ao realizar nosso desejo de conhecer, e recorda que já Aristóteles havia escrito: “... Aprender é o maior dos prazeres, não só para o filósofo, mas também para o resto da humanidade, por pequena que seja sua capacidade para isso...”14.
Rodolfo Mondolfo afirma que a pesquisa surge quando se tem consciência de um problema e nos sentimos impelidos a buscar sua solução. A indagação realizada para alcançar essa solução constitui, precisamente a pesquisa 14. O ponto de partida da pesquisa é, pois, a existência de um problema que se deverá definir, examinar, avaliar e analisar criticamente para, em seguida, ser tentada sua solução. O primeiro passo será, então, delimitar o objeto da investigação – o problema – dentro dos temas possíveis. Platão, em seu diálogo Menon, estabeleceu-o com meridiana claridade: “E como buscarás, ó Sócrates, aquilo que ignoras totalmente? E das coisas que ignoras, qual te proporás a investigar? E se porventura chegares a encontrá-la, como te advertirás que essa é a que conheces?” – “Entendo o que queres dizer, Menon... Queres dizer que ninguém pode indagar aquilo que sabe, nem o que não sabe; porque não investigaria o que sabe, pois já o sabe; nem o que não sabe, pois nem ao menos saberia o que deve investigar” 14.
Precisamos aumentar o espaço para o aluno, para eles avançarem em 6 itens básicos para os critérios formais da demarcação científica. Esses critérios devem ser muito bem debatido pelo corpo docente para que o aluno aprenda a ter um discurso reconhecidamente científico, para tal precisa ter Coerência, Sistematicidade, Consistência, Originalidade , Objetivação, Discutibilidade para chegar à formalização 1.
Para que uma teoria seja considerada válida, não basta a lógica, a sistematização. Precisa ainda ser “aceita”. Começando o caso mais ostensivo pela própria relação do papel orientado/orientador nas teses. Para discutirmos esse importante e delicado assunto, uma proposta de um tema seria debater o que os autores hoje denominam intersubjetividade, lembrando que a própria expressão “defesa de tese” trai seu fundo de pano político, insinuando que pode não só ser contestada por questões formais, mas igualmente políticas 1. É necessário introduzir na pós–graduação a dinâmica do questionamento desconstrutivo, reconhecendo um aluno com autocrítica. E possibilitando a este um ambiente favorável ao desenvolvimento de elaboração própria, de modo que ele consiga efetivamente sua emancipação.
Não podemos deixar de pensar profundamente sobre a pesquisa qualitativa em saúde, tal como define Minayo 15, especialista em pesquisa qualitativa na área de saúde: “A saúde enquanto questão humana e existencial é uma problemática compartilhada indistintamente por todos os segmentos sociais. Porém, as condições de trabalho qualificam de forma diferenciada a maneira pela qual as classes e seus segmentos pensam, sentem e agem a respeito dela. Isso implica que, para todos os grupos, ainda que de forma específica e peculiar, a saúde e a doença envolvem uma complexa interação entre os aspectos físicos, psicológicos, sociais e ambientais da condição humana e de atribuição de significados. Pois a saúde e a doença exprimem agora e sempre uma relação que perpassa o corpo individual e social, confrontando com as turbulências do ser humano enquanto ser total. Nesse sentido a pesquisa qualitativa entra como objeto principal de discussão, e entendida como aquelas capazes de incorporar a questão do significado e da Intencionalidade como inerentes aos atos , às relações e às estruturas sociais, sendo essas últimas tomadas tanto no seu advento quanto na sua transformação, como construções humanas significativas”.

Educação na área da saúde
Questões como políticas de saúde, devem ser exaustivamente debatidas tanto quanto políticas de ensino, e dentro destes o perfil dos profissionais na área de saúde. Além da vocação (que é imprescindível), é necessário instituir políticas de recursos humanos e principalmente os responsáveis pela educação médica, que estão inseridos numa complexidade e têm que estar dispostos a investir em grandes mudanças, incluindo a questão curricular. Esse questionamento deve ser feito perguntando: primeiramente como tornar realidade esse tipo de educação médica que tem um direcionamento à atenção primária, buscando uma linha de pesquisa voltada para prevenção e com ensinamentos metodológicos perfeitamente qualificados para a chamada pesquisa qualitativa. Segundo, que há uma série de outros atributos em relação ao perfil discente, onde esses tenham sensibilidade, um compromisso ético e político com a cidadania. Dentre tantos debates sobre política de saúde, perguntamos: há possibilidade de diminuir a restrição dos profissionais da área de saúde desinteressados em política de saúde e a verdadeira práxis dela pela inclusão de disciplinas didáticas nos cursos de pós-graduação e pela sistematização das atividades didáticas empreendidas durante os treinamentos? Ou esse êxito depende de um investimento na mudança da educação médica durante o período da graduação?
A ética aprendida na Universidade é outro ponto nevrálgico para e educação médica. Podemos contar hoje com uma bioética? Seria o que os alemães chamam de ética com hífen (bio-ética). Zizek 16 fala que o problema não é que a ética universal seja dissolvida numa miríade de temas particulares (bioética, ética comercial, ética médica.....) , mas muito pelo contrário, que determinados avanços científicos se confrontam com valores humanista, ameaçando nosso senso de dignidade e autonomia. Autores como Heidegger já via como um ‘perigo’ inerente à tecnologia moderna a biogenética: “ A natureza humana, é assim “desubstancializada”, privada de sua impenetrável densidade, daquilo que ele chamou de “terra”. Francis Fukuyama diz : “a própria humanidade depende de certa noção de uma natureza humana herdada, da dimensão impenetrável em/de nós mesmos na qual nascemos/somos atirados: o homem só existe na medida em que existe a impenetrável natureza inumana”. Slavoj comenta que o “preço que pagamos por essa solução é a separação fetichista entre ciência e ética” 16.
Zizek 17 afirma que o contrário da idéia de que a curiosidade é inata aos seres humanos, de que no fundo de cada pessoa existe um desejo de conhecer, citando Jacques Lacan, ele, afirma que a atitude espontânea dos ser humano é a de “não quero saber disso, o desejo fundamental é o do não saber muito”. Todo verdadeiro progresso no conhecimento deve ser adquirido por meio de uma dolorosa luta contra nossas propensões espontâneas. Esse modo de ver sobre a cultura e o conhecimento, em Lakan e Zizek, dão um formato ao avesso do ser humano, e bem paradoxal do que se tem dito sobre o desejo de conhecer.
Presenciamos que o vínculo de financiamento distorce o trabalho de pesquisa. Na medida em que foi aumentando os vínculos entre interesses comerciais e atividade acadêmica, a chamada pesquisa desinteressada diminuiu em toda gama de atividade científica. Apesar disso, os cientistas de um modo geral continuam não levando muito a serio a idéia de que vínculos de financiamento podem distorcer seu trabalho. John Ziman , membro da Royal Society (Reino Unido), um grande estudioso de sistemas sociais da ciência, escreveu recentemente que na Universidade moderna a pesquisa desinteressada deixou de ser viável ou necessária para proteger a objetividade científica 18. Podemos discutir: “a pesquisa desinteressada deixou de ser viável?”. Alguns periódicos científicos se recusam a publicar artigos de revisão escritos por autores que possuem vínculos financeiros com seu tema. O papel daqueles que produzem conhecimento científico deve ser separado daqueles que podem se beneficiar financeiramente desse conhecimento. Qualquer coisa aquém disso, com o tempo, há o declínio irreparável da confiança que o público deposita na ciência e na medicina 18. Pensando nesse sentido, devemos debater com toda Academia se ‘o financiamento de todas as pesquisas é um dever do Estado”? E mais, qual a situação dos fomentos de pesquisa do governo que muitas vezes deixam de cumprir com seus deveres, e ainda, qual a responsabilidade dos dirigentes da universidade . Alguns são a favor que o trabalho da ciência dependa do apoio público sim, pois há muito tempo passamos do ponto em que experimentos científicos podiam ser financiados por alguns cientistas ricos e hoje dependemos muito do apoio do governo 18.
Poderíamos ponderar também quanto ao destino final das pesquisas em relação à publicação. Essa política no Brasil modificou-se radicalmente para os cursos de pós –graduação. Do ponto de vista Internacional essa política foge ao nosso controle, com uma enorme tendência dessas grandes revistas internacionais privilegiarem alguns centros de pesquisa de alta confiabilidade. Esse critério de seleção para publicação tornou-se angustiante para o pesquisador, ou seja, as pesquisas brasileiras, no caminhar dessa estrada deverão ser muito melhor que os outros (internacionais) para serem aceitas? É evidente que somente com pesquisas de qualidade teremos acesso às pesquisas internacionais, porém não se trata só disso. Qual o caminho do “mercado” de publicação para as pesquisas de qualidade? Quais os critérios adotados para classificar essa qualidade? Outro fato angustiante para o pesquisador é a produção científica massificante, então um questionamento importante é o que queremos na pós –graduação no sentido de que na ciência enquanto criação poderá o pesquisador produzir sem inspiração, sem a paixão do artista, sem apoio técnico e financeiro, sem o reconhecimento da universidade, sem motivação.
Finalmente devemos levantar discussões técnicas propriamente dita da elaboração de uma tese de pós-graduação. Lembrando que as teses são, sobretudo ritos de passagem, geralmente predominando o lado ritualista sobre a criatividade. O orientador tem um papel fundamental no andamento desse trabalho. Um ponto que pode ser trabalhado é que se o orientador pertence a instituição, ele também zela pelo paradigma vigente? Isso interfere na aprovação final para o seu orientado 1?
Após todas as discussões, o aluno passa a delimitar o objeto de sua pesquisa, então poderíamos desenhar bem na pós-graduação o problema e o tema para que o aluno tenha clareza, desenvoltura, evitar modismos. A boa medida do tema e relevância X problema é do tamanho do próprio candidato e do seu entusiasmo 1.

Considerações finais
Os alunos devem ser bem direcionados na pós-graduação brasileira, a inovar, explorar, e enfrentar a futura conclusão do trabalho elaborando bem as hipóteses, delimitando bem estas dentro das linhas de pesquisa estabelecidas.
Essa pós-graduação deve saber construir chão, manejando conceitos-chave para desenvoltura do aluno em relação à teoria, não só se tratando de percorrer autores 1.
Com relação às variáveis, a lógica da análise do levantamento de dados apresenta uma exaustiva descrição dos significados diferentes que , em sentido formal a relação entre duas variáveis podem assumir indicando as formas de relação simétrica, relação recíproca e relação assimétrica. Os conceitos e diferenciação de variável estão bem circunstanciados, bem como os fatores determinantes? Tem sido uma normativa o teste de controle? Perguntamos; o significado das relações entre variáveis tem sido bem discutido? A amostragem tem sido bem ponderada e analisada?
Tantos outros tópicos poderíamos questionar se conhecêssemos melhor a pós –graduação a qual estamos inseridos, ou a que nós deveríamos verdadeiramente nos sentir inseridos. Provisoriamente interrompemos esses questionamentos com uma frase de Demo (2000): “ Ao mesmo tempo , com relação à Universidade, qualquer olhar mais crítico reconhece que somos “ricos” e sabidos mas igualmente mais infelizes. Primeiro, porque somos mais ricos e sabido apenas no topo da pirâmide social da Instituição. Segundo, porque o conhecimento tem tomado o rumo exclusivo da competitividade. Não é possível ser feliz , nem sendo colonizado, nem colonizando os outros. Com isso estamos apenas preparando o confronto, isso também deve ser lembrado na reclamação de Brecht : Se o conhecimento não nos torna mais felizes, não pode ser científico.”






Referência Bibliográfica

1. Demo P. A metodologia do conhecimento científico. São Paulo: Atlas; 2000.

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12. Bauman Z. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Zahar; 1999.

13. Escola cidadã, uma utopia virando realidade. Jornal do Brasil (Caderno Educação & Trabaho) 2000 Jun 4; p. 1-2.

14. Asti Vera A. A metodologia da pesquisa científica. Porto Alegre: Globo; 1983.

15. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 7 edn. Rio de Janeiro: Abrasco; 2000.

16. A falha da bio-ética. Folha de São Paulo (Caderno Mais) 2003 Jun 22; p. 4-8.

17. O melodrama do conhecimento. Folha de São Paulo (Caderno Mais) 2002 p. 13.

18. Confito de interesses na universidade pós-acadêmica. Folha de São Paulo (Caderno Mais) 2003 Set 28; p. 16-7.





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