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0304/2006 - Resiliência: nova perspectiva na Promoção da Saúde da Família?
Resilience: as a new outlook in the furtherance of the families’ health?

Autor:

• Maria Glícia Rocha da Costa e Silva de Noronha - Noronha, Maria Glícia Rocha da Costa e Silva - Curitiba, Parana - Prefeitura Municipal de Curitiba - Universidade Federal Tecnológica do Paraná - <mglicia@gmail.com>


Área Temática:

Não Categorizado

Resumo:

O estudo é descritivo a respeito de alguns conceitos sobre resiliência, buscando um entendimento considerando os pressupostos da promoção da saúde no contexto do Programa Saúde da Família (PSF). A resiliência apresenta-se na área das ciências humanas e da saúde como um tema novo. Nas Ciências Humanas, a resiliência representa a capacidade de um indivíduo construir-se positivamente frente às adversidades, procura abranger outras dimensões mais atentas às condições sociais. Observou-se que não há consenso sobre o tema, mas que este apresenta aspectos concernentes com a Promoção da Saúde. Destacou-se o entendimento moderno de Promoção da Saúde de modo a ilustrar aspectos que se relacionam à resiliência, como a ampliação da capacidade dos indivíduos de apropriarem-se dos determinantes das condições de saúde. Considerando que a Promoção da Saúde é uma das atribuições do PSF, contextualizou-se esse programa, enfatizando a atuação dos profissionais dessa área e sua relação com o tema, buscando a promoção da saúde e trabalhando com a resiliência. A equipe multiprofissional de Saúde da Família é fator de proteção junto as família, identificando possíveis fatores de risco e, ao mesmo tempo, se mostrando como uma rede de apoio e de proteção. A ênfase na promoção da resiliência não deve substituir as políticas de combate à desigualdade social e condições de vida precárias de alguns sujeitos.
Palavras Chaves: Resiliência; Promoção da Saúde; Saúde da Família.


Abstract:

This descriptive study is about the concepts about resilience, searching for an understanding considering the conjectures of health promotion in the context of the Family Health Program (PSF). The resilience is presented in human and health scientific areas as a new subject. In human sciences, the resilience represents the positive capacity of someone to build himself facing the adversities, trying to comprehend some more alerted dimensions face the social conditions. It has been observed that does not have an agreement about the subject, but it shows some related aspects with the Health Promotion. Then, it has been searched in order to emphasize the modern understanding about Health Promotion in order to illustrate some aspects that were associated to resilience, like the amplification of human capacity to appropriate himself of the determinants of health conditions. Before that, considering that the Health Program is one attribution of PSF, it has been realized the contextualization of the creation of the program, emphasizing the professional actuation of this area and it’s relationship with the subject, looking for the Health Promotion and working with resilience. The health multi professional family’s group can turn into a protection factor together with the families, identifying possible risk factors and, at the same time, showing itself as a support net , as well as a protection factor. The emphasis in resilience promotion should not substitute the combat politics to the social inequality and precarious life conditions of some people.
Key words: Resilience; Health Promotion; Family Health Program.


Conteúdo:

Introdução
A resiliência apresenta-se na área das ciências humanas e da saúde como um tema novo. Por essa razão, buscou-se inicialmente elucidar alguns conceitos a respeito desse tema que fossem pertinentes no contexto da Saúde Coletiva. A resiliência caracteriza-se pela capacidade do ser humano responder às demandas da vida cotidiana de forma positiva, apesar das adversidades que enfrenta ao longo de seu ciclo vital de desenvolvimento, resultando na combinação entre os atributos do indivíduo e de seu ambiente familiar, social e cultural. Trata-se de um conceito que comporta um potencial valioso em termos de prevenção e promoção da saúde das populações; mas, ainda permeado de incertezas e controvérsias. O estudo é descritivo sobre a resiliência, o tema da promoção da saúde e o PSF, pretendendo refletir e analisar a resiliência como nova perspectiva na assistência às famílias no cotidiano da equipe multiprofissional de Saúde da Família.
Buscou-se na extensa bibliografia sobre o tema da resiliência extrair subsídios que pudesse instrumentalizar os profissionais da equipe multiprofissional da Saúde da Família na utilização correta da resiliência como nova perspectiva na promoção da saúde junto às famílias. Entretanto, observou-se que não há consenso sobre o tema, mas que este apresenta aspectos concernentes com a Promoção da Saúde.
O presente estudo apresenta o conceito de resiliência como uma nova perspectiva para a promoção da saúde da família. Buscou-se destacar o entendimento moderno de Promoção da Saúde de modo a ilustrar aspectos que se relacionavam à resiliência. A seguir, considerando que a Promoção da Saúde é uma das atribuições do PSF, realizou-se a contextualização da criação desse programa, enfatizando a atuação dos profissionais dessa área e sua relação com o tema, buscando a promoção da saúde e trabalhando com a resiliência.

Resiliência
A palavra resiliência origina-se do latim, resílio, re + salio, que significa ‘ser elástico’. Em 1807, surgiu no cenário científico moderno compondo o vocabulário da Física e da Engenharia, sendo um de seus precursores o cientista inglês Thomas Young.1 A resiliência de um material é a energia de deformação máxima que ele é capaz de armazenar sem sofrer deformações permanentes. Isto é, a resiliência refere-se à capacidade de um material absorver energia sem sofrer deformação plástica ou permanente2.
Nas Ciências Humanas a resiliência representa a capacidade de um indivíduo construir-se positivamente face as adversidades. O dicionário de língua inglesa Longman Dictionary of Contemporary English apresenta como definição de resiliência: “(...) habilidade de voltar rapidamente para o seu usual estado de saúde ou de espírito depois de passar por doenças e dificuldade” 3:341. A partir daí, observa-se que vários conceitos teóricos sobre resiliência surgem fundamentados numa variedade de disciplinas como a psicologia, biologia, sociologia, psiquiatria, na educação dentre outras.
A Resiliência como foco da temática do desenvolvimento humano em situações de risco vem sendo estudada por vários autores em diversas partes do mundo desde a década de 1970, dos quais destacamos as pesquisas(4-9) que buscam identificar os fatores de risco e de proteção que contribuem para a adaptação dos indivíduos, subsidiando programas de intervenção e políticas públicas no âmbito da saúde mental, onde a principal preocupação desses pesquisadores reside em identificar fatores que auxiliam as pessoas a manterem um desenvolvimento saudável na presença das adversidades.
Percebe-se que a utilização do conceito de resiliência nos espaços médico-psico-social é recente. Esta transposição, inicialmente, aconteceu de forma mecânica, desconsiderando a complexidade intrínseca ao desenvolvimento humano. Os indivíduos resilientes eram aqueles que, como uma bola de borracha ou uma verga de aço, seriam capazes de sobreviver a prolongadas situações de estresse sem apresentar qualquer tipo de dano definitivo em sua saúde emocional ou competência cognitiva10. Atualmente, embora esta concepção ainda seja freqüente nos estudos sobre o tema, o conceito procura abranger outras dimensões, menos deterministas e mais atentas às condições sociais que propiciaram emergir o fenômeno3; 10.
Inicialmente pensava-se existir condições inatas para resistir e ter imunidade a adversidades estressantes e não se tornar vítima. A partir da década de 90, ampliando os conhecimentos sobre o tema da resiliência, diversos estudiosos (10-12), reconhecem a resiliência como um fenômeno comum e presente no desenvolvimento de qualquer ser humano, e outros enfatizam a necessidade de cautela no uso naturalizado do termo, sendo freqüentemente referida por processos que explicam a ‘superação’ de crises e adversidades em indivíduos, grupos e organizações. A partir de uma revisão crítica das publicações sobre resiliência no final dos anos 1990, verifica-se que o conceito não apresenta uma definição consensual, sendo caracterizado em termos mais operacionais do que descritivo.
Autores (10-12) consideram a resiliência como a capacidade do sujeito, em determinados momentos e de acordo com as circunstâncias, lidar com a adversidade não sucumbindo a ela, alertando para a necessidade de relativizar, em função do indivíduo e do contexto, o aspecto de superação de eventos potencialmente estressores apontado em algumas definições de resiliência. Defendendo que o termo resiliência traduz conceitualmente a possibilidade de superação num sentido dialético, representando não uma eliminação, mas uma re-significação do problema13.
A resiliência surge, então, como estratégia, habilidade válida e competência para se enfrentar as adversidades da vida, e assim, ser capaz de superá-las, adaptar-se, recuperar-se, inclusive sendo transformado por elas, participando de uma vida ativa e participativa 14.
A resiliência15 seria resultante da interação entre fatores genéticos e ambientais, os quais, também, oscilam em sua função, podendo atuar como proteção em certos momentos e, em outros, como fator de risco. O autor trata a resiliência como uma relativa ‘resistência’ manifestada por algumas pessoas diante de situações consideradas potencialmente de risco psicossocial para seu funcionamento e desenvolvimento. Para o autor, é justamente esse caráter relativo que faz com que o fenômeno seja observado em algumas circunstâncias, mas em outras não, dependendo da etapa do ciclo vital na qual o sujeito se encontra quando enfrenta a adversidade e do domínio examinado no estudo. Pela mesma razão, fica excluída a possibilidade de se pensar a resiliência como um constructo universal aplicável a todas as áreas do funcionamento humano, pois se as circunstâncias mudam, a resposta da pessoa também pode ser modificada. Ressalta, ainda, que esta ‘capacidade’ para superar as adversidades inclui desde a habilidade da pessoa para lidar com as mudanças que acontecem em sua vida, sua confiança na própria auto-eficácia, até o repertório de estratégias e habilidades de que dispõe para enfrentar os problemas com os quais se depara15.
A concepção da resiliência como a capacidade de recuperar o padrão de funcionamento após experienciar uma situação adversa, sem que, no entanto, deixe de ser atingido por ela, é feita por Garmezy16. Em seus estudos a ênfase na capacidade do sujeito para retomar os padrões de comportamento habituais que possuía antes de vivenciar a adversidade pressupõe que ela funcionava relativamente bem ao se deparar com a situação negativa e somente a partir deste momento passa a ter dificuldades, mas que algo se produz, levando-a a recuperar sua forma.
Estudos na área de psicologia social junto ao Centro de Estudos e Pesquisas CEPRUA – UFRS17, detalha em suas pesquisas sobre fenômenos ligados ao sofrimento emocional de indivíduos e famílias que vivenciam de maneira intensa os processos de exclusão social. Estes estudos17:9 define resiliência como fenômeno caracterizado por resultados positivos na presença de serias ameaças ao desenvolvimento da pessoa. Segundo essa autora, a resiliência pode ser observada quando há união familiar, qualidade no relacionamento de pais e filhos, em práticas educativas envolvendo afetos, reciprocidade e equilíbrio de poder. Refere ainda que nas pesquisas sobre resiliência, a exclusão social e a pobreza têm sido destacadas como adversidades crônicas que podem comprometer o potencial de desenvolvimento dos sujeitos.
Após estas abordagens sobre resiliência e tendo em vista às características do trabalho em saúde no qual os profissionais preservam um certo grau de autonomia no cotidiano dos serviços, autonomias que são expressas nas definições de prioridades decorrentes dos arranjos institucionais e que representam oportunidades para uma atuação transformadora como produto do saber acumulado, num dado momento histórico servindo a uma determinada lógica de organização das práticas, entende-se que a resiliência possa constituir-se numa possibilidade de intervenção na práxis cotidiana do agir da equipe multiprofissional de Saúde da Família(17; 18; 19) .
Chiesa18:23 refere a resiliência conceituada como categoria práxica, entendida como patrimônio relacional e circunstancial capaz de fortalecer indivíduos que vivenciam situações adversas de sofrimento emocional e exclusão social. Segundo essa autora, como categoria práxica do agir profissional implica em:
“instrumentalizar as famílias a se reconhecerem como importantes no cotidiano de seus integrantes valorizar o patrimônio (conjunto de recursos materiais e relacionais potenciais disponíveis) de que dispõem, resgatar seus direitos sociais, compreender as diferentes fases do ciclo de vida e valorizar o diálogo como ferramenta para exercitar a tolerância e respeitar as diferenças existentes entre seus integrantes (2005, p.25).
Neste sentido, dentro da proposta de reorganização das práticas de assistência que orienta o PSF, novos e antigos instrumentos de trabalho podem ser incorporados para proporcionar melhor execução das atividades e facilitar o alcance dos objetivos de promoção da saúde junto às famílias. Além da consulta médica e de enfermagem individual, como também na realização de visitas domiciliares e atendimentos coletivos, em educação em saúde, a resiliência possa estar sendo utilizada por estes profissionais como mais uma ferramenta na atuação junto às famílias.
Reforçando nossa colocação, importante colaboração nos aponta o estudo dessa autora18 ao se referir sobre a valorização do sujeito profissional quando diz ser de crucial importância: “re-significação da contribuição da sabedoria, da atitude, dos compromissos e da responsabilidade do profissional como tecnologias necessárias para a construção de práticas transformadoras na superação do modelo biomédico”.18:15
Entretanto, os estudos(17; 18; 19) mostram que devemos estar atentos ao viés negativo e reducionista da atenção a saúde que responsabiliza os indivíduos na superação das adversidades os quais buscam a sobrevivência numa sociedade desigual como a nossa, desresponsabilizando o Estado de suas obrigações como poder público provedor. Apontam também, que devemos fomentar e postular abordagens de promoção da saúde salutares com enfoque numa ciência que focalize as potencialidades e qualidades humanas, as quais exijam tanto esforço, reflexão e seriedade conceitual, teórica e metodológica nos estudos e abordagens de distúrbios e desordens humanas.

Fatores de risco e fatores de proteção
Diversas situações, muitas vezes relacionadas a problemas sociais, podem ser consideradas como fatores de risco e estariam afetando a capacidade de resiliência em indivíduos e famílias4. Dentre os diversos exemplos podemos referir, as condições de pobreza, rupturas na família, vivência de algum tipo de violência, experiências de doença crônica ou aguda do próprio indivíduo ou da família e outras perdas importantes.
Outra questão bastante enfatizada11 é a visão subjetiva de um indivíduo sobre determinada situação, ou seja, sua percepção, interpretação e sentido atribuído ao evento estressor é que o classificará ou não como condição de estresse. Os eventos considerados como risco são obstáculos individuais ou ambientais que aumentariam a vulnerabilidade de indivíduos ou família durante o desenvolvimento em seu ciclo de vida; além disso, certos atributos da pessoa têm uma associação positiva com a possibilidade de enfrentar os fatores de risco no cotidiano, de aproveitar os fatores protetores, de ser resiliente, sendo crítico e sujeito ativo na sociedade11. Neste sentido e considerando-se que as experiências de vida negativas são inevitáveis para qualquer indivíduo, sobressai a questão dos níveis de exposição e dos limites individuais de cada um, nos períodos mais críticos do desenvolvimento como a infância, adolescência e terceira idade12.
Os fatores protetores possuem quatro funções principais, conforme descritos20: 1) reduzir o impacto dos riscos, fato que altera a exposição da pessoa à situação adversa; 2) reduzir as reações negativas em cadeia que seguem a exposição do indivíduo à situação de risco; 3) estabelecer e manter a auto-estima e auto-eficácia, através de estabelecimento de relações de apego segurança e o cumprimento de tarefas com sucesso; 4) criar oportunidades para reverter os efeitos do estresse.
Alguns autores pesquisados(11; 12; 20), referem que os fatores de proteção relacionam-se, em primeira instância, a aspectos orgânicos do individuo, em seguida, envolve aspectos subjetivos que pesarão na forma como o indivíduo vai administrar a situação vivenciada no presente, e posteriormente, envolve as redes de apoio e amparo parentais ou não que possam se fazer presentes. Enfocam ainda a importância das condições do ambiente, econômicas, psicológicas e familiares fornecido pelas relações construídas através das redes de apoio social na comunidade20.
Neste sentido, o apoio social construído pelo coletivo, contribui para o bem estar do indivíduo, amortecendo o efeito provocado pelas situações adversas surgidas. Diversas referências documentam os benefícios físicos e psicológicos do apoio social, relatando melhor ajustamento dos sujeitos com apoio social a acontecimentos indutores de ‘stress’, os quais se recuperam mais rapidamente da doença recentemente diagnosticada e diminuindo o risco de mortalidade a doenças específicas, além de usufruírem qualidade de vida mais satisfatória (20; 21; 22).
A importância da família22 no desenvolvimento do bebê prematuro, que historicamente apresentam aumento da sobrevida, mas, também, aumento das morbidades, com déficits motores, sensoriais e dificuldade de aprendizagem, concluindo que a família tem papel fundamental, podendo potencializar o desenvolvimento ou amenizar os efeitos das lesões ou, ao contrário, exercer efeito devastador, daí a importância dos programas de intervenção centrados na família. As relações familiares funcionam como promoção da vida e bem estar social, propiciando condições adequadas de vida, favorecendo o desenvolvimento das potencialidades de cada um e do grupo com respeito “à individualidade e a manutenção do ambiente físico e simbólico favorável às trocas e ao crescimento grupal e pessoal” 23:18.

Programa Saúde da Família (PSF) na Atenção Básica
No Brasil, as transformações contemporâneas da sociedade, subseqüente ao regime militar pós-1964, exigiram tanto a crítica sistemática do saber hegemônico-dominante que direcionou as políticas públicas no país, inclusive no setor saúde, quanto a construção de um saber contra-hegemônico e politicamente efetivo24. Nesse contexto, ocorreram as discussões decorrentes de grave crise no setor saúde que fortaleceram os movimentos sociais e populares deste período, que abrem caminho para a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e mais tarde, do PSF.
Com a aprovação da Constituição em 1988 e das Leis Orgânicas em 1990, garantiu-se legalmente um sistema público e único de saúde, com diretrizes fundamentadas nos princípios de equidade, integralidade, universalidade, controle social e hierarquização da assistência. Muito cedo, entretanto, movimentos populares e academia, movimentos contra hegemônicos, percebem que a escrita do texto constitucional não é suficiente para o enfrentamento de uma hegemonia sanitária capitalista”(25; 24).
Apesar dos avanços alcançados no campo organizacional, com a instituição legal do SUS, ainda continua acentuado o modo predominante de produção dos serviços de saúde, característico da hegemonia sanitária capitalista, aqueles voltados para a doença, sem território definido e centrada no atendimento curativo e assistencial (25; 26; 27). A luta se estende para alcançar mudanças nas ações de saúde que busquem a maior e melhor resolutividade das ações na sua integralidade de forma a produzir um considerável efeito na qualidade de vida da população 26.
As tentativas de reversão da tendência hegemônica foram de reforçar o controle social, assumir a administração de municípios, elaborar portarias e normas operacionais, criar programas, e fomentar mudanças na trajetória de formação de seus profissionais (25; 27). Por volta de 1993, o Ministério da Saúde iniciou a implementação no Brasil, através da Portaria n° 692, do Programa Saúde da Família – PSF, na qual este é caracterizado agora como uma estrategia. Dentre as justificativas para sua implementação está o fato de que o modelo assistencial do PSF dá prioridade, além da assistência médica individual, à ações de proteção e promoção à saúde 27.
O PSF como estratégia surgiu para romper com o modelo hegemônico assistencialista, curativista, medicamentoso e hospitalocêntrico, pautado na compra de serviços e na especialização das ações de saúde. “... O Ministério da Saúde reconhece no Programa de Agentes Comunitários de Saúde e no Programa de Saúde da Família importante estratégia para contribuir no aprimoramento e na consolidação do Sistema Único de Saúde, a partir da reorientação da assistência ambulatorial e domiciliar”27.
A estratégia do PSF foi regulamentada pela Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde de 1996 (NOB SUS Nº1/96) com o objetivo de povocar a inversão do modelo e, assim, ampliar o conceito de atenção básica, através de incentivos financeiros para sua implantação28. Historicamente sabe-se que o modelo hegemônico de atenção à saúde no Brasil, esteve centrado na intervenção dos sinais, sintomas e queixas apresentadas pelo indivíduo, que ao percebê-los procura assistência à saúde, e nesta, o profissional promove a intervenção especifica eliminando ou minimizando o desconforto do usuário. O PSF ao contrário desse modelo, preconiza que o indivíduo seja visto de maneira integral e acompanhado continuamente em seu modo de viver, que as ações sejam de promoção à saúde e proteção de doenças e, ainda, que a intervenção do setor saúde deva ser para garantir a qualidade de vida da população de sua área de abrangência (27; 28).
Destacamos, nestas políticas públicas, pontos importantes como um a estratégia de atuação em vigilância à saúde e atenção continuada à população, ações estas que não devem se restringir ao setor saúde, devendo ser articuladas com diferentes setores a nível local e regional, para intervir nos fatores determinantes e condicionantes do processo saúde-doença. Nesta atenção continuada à população, deverá ser considerada a história de vida dos sujeitos, que deverão ser capazes de participar juntamente com a equipe multiprofissional, intervindo no enfrentamento dos problemas de saúde vividos (27; 28). Essa participação deverá ir além da construção da proposta de assistência individual ou coletiva, bem como, na representação organizada de sua comunidade nos diferentes níveis do SUS, conferências e conselhos de saúde. Desta forma, o PSF passa a se constitui numa estratégia inovadora no cenário dos serviços de saúde, priorizando as ações de promoção, proteção e recuperação da saúde das pessoas e das famílias de forma integral e contínua29. Entretanto, a possibilidade de identificar de forma dramática a necessidade de mudança e transformação do estabelecido, possibilita ao profissional de saúde, numa leitura sócio-antropológica, observar detalhes íntimos da vida familiar, suas dificuldades e possibilidade, e isto vem sendo destacado como princípio central da estratégia do PSF 30.
Estas possibilidades30 envolvem dois aspectos; em primeiro lugar as possibilidades da família no enfrentamento da doença e de riscos’, e o segundo aspecto, refere-se às de intervenções da equipe. Este último aspect está diretamente relacionado com as codições do serviço, equipamentos, habilidades profissionais, formação permanente da equipe multiprofissional, dentre muitos outros. Entendemos que, somente assim, os profissionais possam estar intervindo junto os usuários que vivem em estado fragilizado, angustiante, frustrante e de impotência diante das dificuldades encontradas, resistindo e criando meios de valorizar a vida, construindo e explicitando o sentido do cuidar, do respeito, da troca, do sorriso, da solidariedade.
Surge então, a necessidade de que os serviços de saúde e seus profissionais sejam mais flexíveis, desvinculados dos procedimentos tradicionais cristalizados no núcleo de suas formações, passando a adotar uma forma de interação inovadora, contextualizada e em consonância com as crenças e valores das famílias no cenário social e político. Além de exigir uma atuação integrada entre os diversos profissionais componentes da equipe multiprofissional, deve haver a interação articulada com as reais demandas e necessidades da comunidade 29.
As funções e ações desenvolvidas pela equipe multiprofissional, dentro do processo de trabalho na Saúde da Família, vem sendo distribuídas entre visitas domiciliares, ações programáticas e atendimentos no consultório31. Esse autor refere que a estratégia deve trabalhar com a idéia de que “a intervenção no ambiente familiar é capaz de prevenir os agravos à saúde” 31:58. Dessa forma, torna-se fundamental a formação e educação permanente da equipe multiprofissional, quer seja a que atue na assistência, no planejamento ou na programação de suas ações.
As ações de saúde buscam solucionar o processo saúde-doença, num contexto de família com pressupostos básicos, como o desenvolvimento emocional, a socialização, a organização dos papeis e das relações de seus membros com a comunidade e a preservação do patrimônio29. Essa atenção à família permite aos profissionais uma compreensão mais ampla do processo saúde-doença. permitindo-lhes o reconhecimento das necessidades de intervenções para além das práticas curativas26.
O PSF apresenta muitos desafios, entre eles o de como qualificar e classificar uma família, consolidando as informações provenientes de seus membros, de modo a compreender sua organização. Além disso, ele deve reconstruir as “práxis” humanas, de forma a reinventar maneiras de ser no âmbito familiar e comunitário29.
Ao longo do tempo, o PSF vem se mostrando como excelente estratégia de intervenção, encontra-se aberto a propostas inovadoras para melhor atuar junto à comunidade que assiste (27-32). É neste sentido que visualizamos possibilidades de trabalhar com a resiliência, utilizada como nova perspectiva de Promoção da Saúde. A utilização, no PSF, da abordagem focada na resiliência, parece fomentar uma adequada rede de apóio social, de modo a contribuir para afastar e amenizar os efeitos da adversidade, como também, ser gerar novos mecanismos protetores nas comunidades em que está inserido, ao enfocar aspectos interacionais de vínculo e de confiança, trazendo à tona a singularidade e a delicadeza das relações ditas microssociais de promoção em saúde(32-33). Entretanto, vale ressaltar que abordagem utilizando a resiliência não pode ser distorcida para sustentar o discurso de superação individual, desagregada das condições de desigualdades sociais, econômicas e das relações macrossociais do sistema, subestimando circunstâncias de vida penosas das pessoas.

Promoção da Saúde
A Promoção da Saúde tem se tornado cada vez mais presente na prática dos profissionais de saúde e na atualidade, é incluída como componente de destaque na organização de novos modelos de prestação de serviços no campo da saúde pública, como é o caso do Programa de Saúde da Família. A noção de Promoção à Saúde foi introduzida por Leavell e Clark, em 1976, no desenvolvimento do modelo denominado história natural da doença, que era aplicado a partir do grau de conhecimento do curso de cada doença, definindo-se em três níveis de prevenção: o primário, secundário e terciário34.
O conceito moderno de promoção da saúde e sua prática foram bastante estudados nos últimos 20 anos, principalmente no Canadá, Estados Unidos e países da Europa Ocidental. Entre, 1986 e 2000, foram realizadas importantes Conferências sobre a Promoção da Saúde a nível internacional, dentre elas: Ottawa (1986), Adelaide (1988), Sundsval (1991), Bogotá (1992), Jakarta (1997) e no México (2000) 35.
Após a Carta de Ottawa, desenvolveu-se uma nova forma de intervenção em Saúde, a qual passa a enfocar a capacitação das populações para, no confronto com os riscos, conseguir um rápido restabelecimento, com o mínimo de danos causados pela exposição aos fatores de risco35. Assim, a promoção da saúde envolve um vasto conjunto de fatores que incluem adaptações ambientais e comportamentais, conseguidas através de estratégias educacionais, mantendo como foco a ação sobre as pessoas36.
Na Declaração de Jakarta, está descrito que para se ter saúde, são necessários os pré-requisitos como a “paz, abrigo, instrução, segurança social, relações sociais, alimento, renda, um ecossistema estável, uso sustentável dos recursos naturais, justiça social, respeito aos diretos humanos e equidade27.
Dessa forma, o conceito de promoção da saúde deve ser entendido como um novo modo de compreender a saúde e a doença e uma nova forma dos indivíduos e da coletividade obterem saúde. A promoção, diferentemente da prevenção, caracteriza-se por um conjunto de intervenções que tem como meta a eliminação permanente ou pelo menos duradoura da doença tentando-se eliminar suas causas mais básicas, e não apenas evitar que se manifestem36. Por outro lado, é importante atentar para as “armadilhas do pensamento e interesses dominantes que estimulam a responsabilização dos sujeitos, como se percebe nos discursos dentro do contexto da chamada terceira revolução da saúde, somada a abstenção das responsabilidades do Estado, voltada à redução da racionalização dos custos, o que muitas vezes significa a precarização dos serviços” 36:455.
O conceito moderno de promoção da saúde deve implicar em atividades voltadas tanto a grupos sociais como a indivíduos por meio de políticas públicas abrangentes, em relação ao ambiente físico, social, político, econômico e cultural e do esforço comunitário, na busca de melhores condições de saúde37. Desta forma entendemos que, estratégias de promoção da saúde podem provocar e modificar estilos de vida bem como as condições sociais, econômicas e ambientais que determinam a saúde, implicando num enfoque prático para a obtenção de maior equidade em saúde.
A Promoção da Saúde implica num novo paradigma de saúde e doença, além de uma mudança social significativa em direção a uma sociedade independente do princípio da produção para o mercado e para o lucro(37; 38). Este contemporâneo movimento pela promoção da saúde tem revelado a resiliência como um conceito importante nessa área de conhecimento. Por ser um tema recentemente incorporado ao campo da saúde, encontra-se em fase de construção, discussão e debate, principalmente por não existir ainda um consenso em relação à definição do termo. Contudo, mesmo em face da incompletude, a resiliência foi instaurada no campo da promoção da saúde, discutindo-se hoje a ampliação do conceito para além dos indivíduos, por intermédio de expressões como escolas resilientes ou comunidades resilientes(37; 38).
Muitos são os conceitos sobre resiliência e como esta influencia o comportamento humano frente às condições da vida. Contudo, deve-se ressaltar que existem dois aspectos a serem considerados que auxiliam essa conduta: “a capacidade de resistência frente às situações adversas e a capacidade de construção positiva que garante as condições de enfrentamento” 32:218.
Nesta compreensão a resiliência32 é constituída de acordo com as relações que são estabelecidas entre o indivíduo e o meio. Entretanto, não podendo desconsiderar os aspectos individuais, familiares, sociais e culturais. A identificação e desenvolvimento de características resilientes em pessoas ou grupos pode tornar-se num instrumento de restabelecimento dos membros que compõe as famílias, permitindo-lhes a buscar novas condições de vida para que não fiquem acomodados face a adversidade4. Deste modo, pode-se pensar a resiliência como nova perspectiva que contribui para as ações do PSF, segundo os princípios norteadores deste, dentre eles a promoção da saúde. Ela não está enfocada nas ações desenvolvidas pelos profissionais que atuam no PSF e nem nas construídas pelas instituições de formação profissional.




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Noronha, Maria Glícia Rocha da Costa e Silva. Resiliência: nova perspectiva na Promoção da Saúde da Família?. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2006/dez). [Citado em 03/07/2025]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/resiliencia-nova-perspectiva-na-promocao-da-saude-da-familia/416?id=416

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