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Artigos

0407/2025 - Risco cardiovascular e determinantes sociais de saúde em contextos urbanos e rurais: Pesquisa Nacional de Saúde 2019
Ideal cardiovascular health and social determinants in urban and rural contexts: National Health Survey 2019

Autor:

• Kelb Bousquet-Santos - Bousquet-Santos, K. - <kelb@unb.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4687-4681

Coautor(es):

• Isabela Harumi Lopes Motoki - Motoki, IHL - <isabela.motoki@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8316-921X

• Ana Carolina Souto Valente Motta - Motta, ACSV - <anacarolina_souto@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9016-4794

• Joanlise Marco de Leon Andrade - Leon Andrade, J.M - <joanlise@unb.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3984-3799



Resumo:

O objetivo principal do estudo foi avaliar a associação entre saúde cardiovascular (SCV) e determinantes socioeconômicos na população adulta brasileira, residente em área urbana e rural, com base na Pesquisa Nacional de Saúde 2019. A amostra final foi composta por 77.494 indivíduos. Modelos de regressão logística multinomial para predição do escore de SCV em nível superior (6-7 metas), intermediário (3-5 metas) e inferior (0-2 metas) por situação de domicílio foram ajustados por variáveis socioeconômicas e doenças crônicas. A população urbana obteve maior prevalência de SCV superior em comparação à rural. Mulheres tiveram menor chance de apresentar SCV superior apenas em área rural; já o nível de riqueza esteve associado positivamente com SCV superior exclusivamente em área urbana. Participantes com maior nível de escolaridade, empregados, sem doenças crônicas e de raça branca apresentaram maior chance de alcançar SCV superior tanto em área urbana quanto rural. Residentes nas regiões Sudeste e Sul apresentaram menor chance de apresentar SCV superior, sem diferença por situação de domicílio. Estes resultados poderão auxiliar no monitoramento e promoção da SCV contextualizadas às realidades urbanas e rurais no Brasil.

Palavras-chave:

Saúde cardiovascular, Determinantes sociais de saúde, Área urbana, Área rural, Inquérito nacional de saúde

Abstract:

The primary objective was to assess the association between cardiovascular health (CVH) and socioeconomic determinants in the adult Brazilian population residing in urban and rural areas. This was a cross-sectional study with 77,494 individuals from the 2019 National Health Survey. The CVH score was composed of biological metrics (absence of medical diagnosis of high cholesterol, hypertension, or diabetes) and behavioral metrics (non-smoking status, adequate diet, regular physical activity, and healthy body weight), and classified as ideal (7 metrics), superior (6–7), intermediate (3–5), and poor (0–2), in models adjusted for social determinants. The prevalence of ideal CVH was higher in urban areas compared to rural areas (0.6%; 95%CI: 0.4–0.6 vs. 0.2%; 95%CI: 0.1–0.3, respectively). Educational attainment showed the strongest association with superior CVH in both urban and rural areas (odds ratio for higher vs. lower education: 6.60; 95%CI: 5.21–8.37 and 6.38; 95%CI: 3.38–12.05, respectively). Participants with higher educational attainment, employment, absence of chronic diseases, and white race were more likely to achieve optimal CVH in both urban and rural settings, while male sex was associated with lower odds only in rural areas. These findings may contribute to the development of strategies to promote CVH in both urban and rural contexts.

Keywords:

Cardiovascular health, Social determinants of health, Urban area, Rural area, Health surveys

Conteúdo:

Introdução

As Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) constituem o grupo de doenças de maior magnitude em todo o mundo, atingindo, especialmente, as populações mais vulneráveis, como as de baixas renda e escolaridade 1. Em 2019, 54,7% dos óbitos registrados no Brasil foram causados por DCNT, principalmente em decorrência das doenças cardiovasculares (DCV) 1 . Embora a taxa de mortalidade por DCV ajustada por idade tenha reduzido no Brasil entre 1990 e 2019, a prevalência estimada em 6,1% da população vem crescendo em consequência do envelhecimento populacional 2. Aproximadamente 70% das mortes por DCV são atribuídas a fatores de risco modificáveis, associadas ao estilo de vida da população. Neste sentido, o Ministério da Saúde elaborou o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos Não Transmissíveis no Brasil, 2021-2030, o qual estabelece dez indicadores e metas para controle dos fatores de risco para as DCNT, dentre eles, deter o crescimento da obesidade em adultos, aumentar a prevalência da prática de atividade física, aumentar o consumo recomendado de frutas e de hortaliças e reduzir a prevalência de tabagismo no Brasil até 2030 1. O Plano está em sintonia com a Agenda 2020-2030 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e com as recomendações mundiais para prevenção das DCNT.
Com o objetivo de reduzir a mortalidade cardiovascular a partir do monitoramento dos principais fatores de risco, a Associação Americana do Coração (American Heart Association - AHA) propôs o conceito de Saúde Cardiovascular Ideal (SCV) 3. Trata-se de um escore, composto de quatro metas comportamentais (dieta adequada, prática de atividade física regular, peso corporal adequado e ausência de tabagismo) e três metas biológicas (níveis de pressão arterial, colesterol e glicose sérica adequados), onde é necessário atingir as sete metas simultaneamente para alcançar a condição de SCV ideal. O escore de SCV vem sendo amplamente utilizado na literatura cientifica internacional, estando associado com a redução de desfechos cardiovasculares 4,5. Com base na Pesquisa Nacional de Saúde 2019 (PNS 2019) foi demonstrado que apenas 0,5% da população brasileira apresenta SCV ideal, sendo esta prevalência maior entre indivíduos com ensino superior completo em relação aos demais níveis de escolaridade, e entre residentes em áreas urbanas, comparados à área rural 6.
A análise da associação entre determinantes sociais de saúde e DCV tem-se demonstrado tão indispensável quanto a investigação de variáveis clinicas com vistas à prevenção e redução da mortalidade cardiovascular 7. Os determinantes sociais de saúde são definidos como as circunstâncias nas quais as pessoas nascem, crescem, trabalham, vivem, e envelhecem, e o amplo conjunto de forças e sistemas que moldam as condições da vida cotidiana 8. Desempenham um papel significativo no desenvolvimento de fatores de risco para DCV, bem como na morbidade e mortalidade por DCV, pois moldam a distribuição dos principais fatores de risco comportamentais para DCV (alimentação não saudável, inatividade física, tabagismo e consumo excessivo de álcool), além de influenciar condições físicas que representam riscos para estas doenças, como hipertensão, obesidade e diabetes 9. Por exemplo, a acessibilidade a alimentos saudáveis, culturalmente apropriados e com preços acessíveis, próximos às residências e locais de trabalho das pessoas, influencia as escolhas alimentares, o que, por sua vez, afeta os fatores de risco e os desfechos das DCV. Logo, pessoas que vivem em localidades socialmente desfavorecidas apresentam maior risco de desenvolver DCV 10.
Desde a década de 70, o processo de transição nutricional e mudança no estilo de vida observado na população residente em regiões metropolitanas brasileiras se estendeu às áreas rurais, em consequência de um amplo processo de modernização 11. Atualmente, 87% da população brasileira reside em áreas urbanas 12, onde estão concentrados os serviços de saúde, enquanto a população residente em municípios rurais enfrenta maior dificuldade no acesso aos serviços de saúde, sendo caracterizada por maior percentual de famílias de baixa renda, altas taxas de analfabetismo e maior incidência de doenças negligenciadas 13,14. No cenário internacional, já foi demonstrado que a população rural é mais idosa, com menor nível de escolaridade, maior Índice de Massa Corpórea (IMC), estilo de vida mais sedentário e níveis de colesterol mais altos do que a população urbana 15. Em outro estudo, realizado no Peru, os participantes residentes em uma área rural tiveram maior chance de alcançar a condição de SCV ideal em comparação aos residentes em Lima, capital do país 16.
Apesar da relevância do tema, observa-se uma escassez na literatura cientifica nacional no que se refere à SCV da população adulta brasileira estratificada por situação de domicílio. Os estudos disponíveis até o momento estão restritos à algumas localidades no território nacional ou faixas etárias específicas 17–19. O monitoramento das metas de SCV é indispensável na definição de estratégias de prevenção direcionadas à realidade de áreas urbanas e rurais. Sendo assim, o objetivo do presente estudo foi estimar a prevalência de SCV na população urbana e rural brasileira e avaliar a associação entre o SCV superior e determinantes sociais de saúde por situação de domicílio utilizando os dados da PNS 2019.

Métodos

Conjunto de dados

Estudo transversal com dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, que é um inquérito de base populacional, representativo do Brasil e da população residente em domicílios particulares de seu território, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Ministério da Saúde. Nela foi possível estimar os dados para as áreas urbana e rural, por grandes regiões nacionais, Unidades da Federação (UFs), capitais, e regiões metropolitanas.
A abrangência geográfica da PNS é todo o Território Nacional, dividido nos Setores Censitários da Base Operacional Geográfica, excluídas áreas com características especiais, classificadas, pelo IBGE, como setores de quartéis, bases militares, alojamentos, acampamentos, setores com baixo patamar domiciliar, agrupamentos indígenas, unidades prisionais, Instituições de Longa Permanência para Idoso, Atendimentos Integrados à Criança e ao Adolescente, conventos, hospitais, agrovilas de projetos de assentamentos rurais e agrupamentos quilombolas. A população-alvo é constituída pelos moradores em domicílios particulares permanentes pertencentes à área de abrangência geográfica da pesquisa.
A amostra da PNS é uma subamostra da Amostra Mestra da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD). Inicialmente, amostras aleatórias simples das unidades primárias de amostragem (UPAs) foram selecionadas por estratos da Amostra Mestra da PNAD. Em seguida, em cada UPA, selecionou-se aleatoriamente quantidades fixas de domicílios particulares permanentes a partir do Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE). Por fim, selecionou-se um morador para responder à entrevista individual com base em uma lista de moradores elegíveis com 15 anos de idade ou mais. O questionário do morador selecionado continha questões relacionadas ao estilo de vida, doenças crônicas não transmissíveis, dentre outros. Para calcular o tamanho de amostra da PNS foram considerados (1) a estimação de proporções com nível de precisão desejado em intervalos de 95% de confiança; (2) o efeito do plano de amostragem (EPA), por se tratar de amostragem por conglomeração em múltiplos estágios; (3) o número de domicílios selecionados por UPA e (4) a proporção de domicílios com pessoas na faixa etária de interesse. Os tamanhos finais da amostra por Unidades da Federação, assim como maior detalhamento sobre o delineamento da pesquisa, podem ser encontrados na literatura 20,21.
A coleta de dados da PNS 2019 ocorreu entre os meses de agosto de 2019 e março de 2020, quando foram visitados 108.525 domicílios e foram realizadas 94.114 entrevistas. As taxas de não resposta foram, respectivamente, de 8,1% e 6,4%.
Os critérios de exclusão utilizados no presente estudo foram (1) idade inferior a 18 anos completos (n=2.431 indivíduos); sendo esse critério também considerado para os fatores de expansão; (2) entrevistas individuais não realizadas (n=837); (3) questionários individuais respondidos por terceiros (n=1.711); (4) mulheres grávidas ou que não souberam informar se estavam grávidas (n= 3.131) e (5) resposta ausente de uma ou mais variáveis que compõem o escore de SCV (n=8.510). A amostra final deste estudo foi constituída de 77.494 indivíduos.

Aspectos éticos da pesquisa

A PNS 2019 foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) do Conselho Nacional de Saúde (CNS) em agosto de 2019 sob o parecer nº 3.529.376.15.
A PNS garantiu sigilo de identidade e dados pessoais dos participantes, moradores e entrevistados. Os consentimentos foram informados em duas etapas. Em um primeiro momento, para a entrevista domiciliar, o consentimento foi obtido antes da coleta das informações, pelo(a) informante do domicílio (proxy). Logo, um(a) morador(a) de 15 anos ou mais de idade foi selecionado(a) para a entrevista individual e, caso concordasse em concedê-la, consentimentos eram obtidos para cada etapa: a entrevista propriamente, e a aferição das medidas antropométricas.

Avaliação da Saúde Cardiovascular Ideal

As sete metas de SCV utilizadas foram adaptadas daquelas propostas pela AHA 3 conforme descrito em estudo anterior 6. Em resumo, as quatro metas comportamentais incluíram (1) nunca ter fumado ou não fumar há mais de 12 meses; (2) índice de massa corpórea (IMC) < 25 kg/m²; (3) prática de exercício físico ou esporte ? 150 min/semana; (4) dieta adequada com base no consumo de frutas e vegetais ? 1 vez/dia, consumo de peixe ? 2 vezes/semana, consumo de sal classificado como adequado, baixo ou muito baixo e consumo de refrigerantes e/ou sucos industrializados <5 dias/semana. As três metas biológicas, também obtidas a partir de informações autorreferidas, incluíram ausência de diagnóstico médico de colesterol alto ou hipertensão arterial ou diabetes. Cada meta (variável) foi categorizada como resultado favorável (=1) ou desfavorável (=0). O escore de SCV foi obtido pela soma das metas comportamentais e biológicas, com variação de 0 a 7. Os participantes foram classificados com SCV ideal quando o escore foi igual a sete. Além disso, foi utilizada a classificação de SCV em três níveis: superior (escore maior ou igual a 6 metas), intermediária (3 a 5 metas) e inferior (0 a 2 metas). Os códigos originais (indicados no dicionário da PNS 2019) das variáveis utilizadas e os resultados considerados favoráveis estão disponíveis na literatura 6.

Determinantes sociais

O modelo da Organização Mundial da Saúde foi utilizado para seleção dos determinantes sociais incluídos no presente estudos 8. Foram considerados como determinantes estruturais: raça/cor da pele (parda, branca, preta e amarela/indígena/ignorada), nível de escolaridade (até o ensino fundamental incompleto, do ensino fundamental completo ao ensino médio incompleto, do ensino médio completo ao ensino superior incompleto e ensino superior completo), situação de ocupação (empregado e sem ocupação). Os determinantes intermediários incluíram: riqueza (em quintis), região de domicílio (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul), estado civil (solteiro, casado, separado/ divorciado/viúvo), sexo (masculino e feminino) e faixa etária (18 a 24 anos; 25 a 39 anos; 40 a 59 anos e 60 ou mais).
A variável riqueza foi estimada conforme o índice de riqueza estabelecido pelo Demographic and Health Surveys 22. O primeiro passo envolveu a seleção das variáveis do questionário para construção do índice. No presente trabalho foram escolhidas as seguintes informações sobre os domicílios: fonte de água potável, quantidade de banheiros, material do piso, material das paredes externas, material do telhado, tipo de rede de distribuição de água, componente usado para acender o fogão, destino do lixo, número de pessoas por quantidade de cômodo e se possui televisão, carro, máquina de lavar roupa, telefone fixo, celular, micro-ondas, computador, motocicleta, internet e empregado(a) doméstico(a). O segundo passo envolveu a categorização das variáveis escolhidas em variáveis binárias com base no que é considerado favorável para condições de moradia do domicílio, atribuindo 1 para favorável e 0 caso contrário. A partir de então, para selecionar variáveis capazes de discriminar os domicílios entre ricos e pobres, analisou-se a frequência relativa de cada uma e eliminou-se aquelas com frequência maior que 95% em um dos níveis, por serem consideradas pouco discriminantes. Além disso, analisou-se a correlação tetracórica do conjunto de dados, medida de correlação utilizada para variáveis binárias, identificando as variáveis que tinham correlação alta entre si (>0,95), com o objetivo de excluir aquelas que já eram explicadas por meio de outras, ou identificando variáveis que possuíam correlação baixa entre si (< 0,5), retirando aquelas que não agregariam à construção do escore. Em sequência, realizou-se a análise fatorial, considerando apenas 1 fator, com as variáveis selecionadas na etapa anterior e retirou-se a variável que apresentou a menor comunalidade. Depois, executou-se a análise fatorial sem a variável excluída, retirando novamente a variável que apresentou a menor comunalidade. Esse processo foi repetido até que todas as comunalidades fossem maiores que 0,3. Com o modelo final, utilizou-se o escore fatorial baseado em apenas 1 componente, já que este explica a maior proporção total da variância e é o mais usado nesse contexto. Criou-se, então, uma nova variável para representar a riqueza do indivíduos residentes do domicílio, com base em um escore de 1 a 5 definido por quintis, onde o primeiro quintil representou os domicílios mais pobres, enquanto o quinto quintil representou os mais ricos.

Doenças crônicas
Esta variável foi definida quando o indivíduo relatasse ao menos uma das seguintes doenças crônicas: asma (ou bronquite asmática); artrite ou reumatismo; dor crônica nas costas ou no pescoço, lombalgia, dor ciática e problemas nas vertebras ou disco; distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho; doença no pulmão ou doença pulmonar obstrutiva crônica; câncer; insuficiência renal crônica; depressão; doença mental, como esquizofrenia, transtorno bipolar, psicose ou transtorno obsessivo compulsivo.

Análise de dados

A variável V0026 da PNS 2019, a qual determina o tipo de situação censitária (urbano ou rural), foi utilizada para classificação da moradia por situação de domicílio no presente estudo.
Inicialmente foram realizadas análises descritivas das características da população de estudo, após a expansão da amostra 15, com cálculo das proporções (para variáveis categóricas), além de médias e desvios-padrão (para variáveis contínuas).
Modelos de regressão logística multinominal separados por situação de domicílio (urbano e rural) foram adotados para a predição do escore de SCV em três níveis: classe superior (indivíduos que atingiram 6 a 7 metas), classe intermediária (3 a 5 metas) e classe inferior (0 a 2 metas). Os modelos foram ajustados para os determinantes sociais (sexo, faixa etária, raça, estado civil, escolaridade, índice de riqueza, status de ocupação, região do país) e doenças crônicas. Razões de chances (RC) foram consideradas estatisticamente diferentes de 1 quando p-valor < 0,05 em testes de Wald e o intervalo de 95% de confiança não incluiu o valor 1.
As análises foram implementadas por meio do software R versão 4.1.2. O pacote survey foi utilizado para realização da expansão amostral que considera a amostragem complexa do delineamento do estudo da PNS 2019, psych para análise fatorial e SAScii para a leitura dos dados disponibilizados na página eletrônica do IBGE 23. O comando surveylogistic do software SAS também foi utilizado para o ajuste de modelos de regressão logística multinomial com amostragem complexa.

Resultados

Do total de indivíduos que constituíram a amostra final do presente estudo (N = 77.494), 87,4% (IC95% 87,0 - 87,8) eram domiciliados em áreas urbanas e 12,6% (IC95% 12,2-13,0) em áreas rurais. A Tabela 1 apresenta as prevalências estimadas das variáveis sociodemográficas por situação de domicílio, com base na expansão da amostra utilizada. Entre os residentes em áreas urbanas observou-se maior proporção estimada de mulheres (55,5%; IC95% 54,8–56,2), indivíduos na faixa etária de 40 a 59 anos (37,1%; IC95% 36,4-37,8), de raça branca (46,0%; IC95% 45,1-46,8), casados (45,5%; IC95% 44,7-46,2), com ensino médio completo ou superior incompleto (37,7%; IC95% 37,2-38,4), empregados (63,0%; IC95% 62,3-63,7), no maior nível do índice de riqueza (27,8%; IC95% 26,7-28,8), sem doenças crônicas (57,2%; IC95% 56,4-58,0), e residentes na região Sudeste (48,3%; IC95% 47,4-49,3). Padrões semelhantes foram encontrados em áreas rurais, exceto para raça, onde houve maior prevalência de pardos (53,8%; IC95% 52,2-55,4), escolaridade, com maior prevalência de indivíduos sem instrução ou com ensino fundamental incompleto (62,7%; IC95% 61,4-64,1) e região do país, com maior prevalência de residentes na região Nordeste (47,0%; IC95% 45,4-48,6). Não foi observada diferença na prevalência em relação à variável sexo em área rural.
A Figura 1 apresenta a distribuição do escore de SCV por situação de domicílio. Apenas 0,6% (IC95%: 0,4 - 0,6) dos residentes em áreas urbanas alcançaram a condição de SCV ideal (as 7 metas concomitantes), sendo esta prevalência ainda menor em áreas rurais (0,2%, IC95% 0,1-0,3). Ao categorizar o escore em três níveis (SCV superior, intermediária e inferior) observou-se maior predominância de SCV superior (? 6 metas) em áreas urbanas (9,4%; IC95% 9,0-9,9) em comparação às rurais (5,2%; IC95% 4,7-5,8), enquanto para SCV intermediária (3 a 5 metas) a predominância foi maior em áreas rurais (85,7%; IC95%: 84,8 ? 86,5) em comparação às urbanas (80,8%; IC95% 80,3–81,3). No entanto, não foram observadas diferenças entre áreas urbanas e rurais para SCV inferior (? 2 metas) (9,7%; IC95% 9,3 - 10,1 e 9,0%; IC95% 8,3 - 9,7; respectivamente).
As características sociodemográficas por categoria de SCV para áreas urbanas e rurais são apresentadas nas tabelas 2 e 3, respectivamente. As seguintes tendências foram semelhantes entre as áreas urbanas e rurais para a categoria de SCV superior: quanto menor a faixa etária, maior foi a prevalência de SCV superior, com frequências superiores entre os participantes de 18 a 24 anos (Urbana: 18,9%; IC95% 17,0-20,8; Rural: 14,2%; IC95% 11,0-17,4); maior prevalência em solteiros (Urbana: 12,7%; IC95% 11,9-13,5; Rural: 7,4%; IC95% 6,4-8,4), empregados (Urbana: 10,7%; IC95% 10,1-11,3; Rural: 6,2%; IC95% 5,4-7,0) e sem doenças crônicas (Urbana: 11,2%; IC95% 10,6-11,8; Rural: 6,3%; IC95% 5,5-7,0). Não houve diferença entre sexos e regiões do Brasil. Exclusivamente em áreas urbanas, a prevalência de SCV superior foi maior na raça branca (10,4%; IC95% 9,7-11,1) e progressivamente maior nos níveis superiores de escolaridade e riqueza.
Os resultados para SCV intermediária em áreas urbanas e rurais (Tabelas 2 e 3) indicaram maior frequência desta categoria no sexo masculino (Urbana: 82,6%; IC95% 81,8-83,4; Rural: 88,0%; IC95% 87,0-89,1), na faixa etária de 25 a 39 anos (Urbana: 85,0%; IC95% 84,1-86,0; Rural: 90,5%; IC95% 89,3-91,8), em participantes empregados (Urbana: 82,7%; IC95% 82,0-83,4; Rural: 88,0%; IC95% 86,9-89,0) e sem doenças crônicas (Urbana: 82,5%; IC95% 81,8-83,2; Urbana: 88,3%; IC95% 87,3-89,2).
Quanto à SCV inferior, sua prevalência, em áreas urbanas e rurais, foi maior entre mulheres (Urbana: 11,0%; IC95% 10,5-11,6; Rural: 11,3%; IC95% 10,1-12,5), indivíduos ? 60 anos (Urbana: 21,4%; IC95% 20,4-22,5; Rural: 18,4%; IC95% 16,6-20,2), separados/divorciados/viúvos (Urbana: 17,5%; IC95% 16,3-18,7; Rural: 17,1%; IC95% 14,7-19,5), com menor nível de escolaridade (Urbana: 17,6%; IC95% 16,7-18,5; Rural: 12,3%; IC95% 11,3-13,3), sem ocupação (Urbana: 15,0%; IC95% 14,3-15,8; Rural: 12,8%; IC95% 11,5-14,0) e com doenças crônicas (Urbana: 14,3%; IC95% 13,6-15,0; Rural: 13,8%; IC95% 12,5-15,1). Indivíduos no menor nível de riqueza apresentaram maior prevalência de SCV inferior exclusivamente em áreas urbanas (13,7%; IC95% 12,6-14,7).
A Tabela 4 apresenta as razões de chances estimadas para as categorias de SCV calculadas por modelos de regressão logística multinomial. Destaca-se que, tanto em áreas urbanas quanto rurais, quanto maior o nível de escolaridade, maior foi a chance de apresentar SCV superior (vs. inferior), sendo esta variável a que demonstrou maior grau de associação com SCV (RC para ensino superior completo em áreas urbanas: 6,60; IC95% 5,21-8,37 e áreas rurais: 6,38; IC95% 3,38-12,05). A chance de apresentar SCV superior também foi maior em indivíduos de raça branca (vs. pardos), empregados (vs. sem ocupação) e sem doenças crônicas (vs. >=1 doenças) em áreas urbanas e rurais. A associação entre SCV superior e o índice de riqueza ficou restrita às áreas urbanas, onde os maiores níveis de riqueza estiveram progressivamente associados a maior foi a chance de alcançar a condição de SCV superior (RC para o 5º nível do índice de riqueza em área urbana: 2,24; IC95% 1,75-2,86).
Achados isolados incluíram menor chance de SCV superior no sexo masculino vs. feminino, em área rural; em faixas etárias superiores vs. jovens, em áreas urbanas e rurais; nos casados, separados/divorciados/viúvos vs. solteiros, em áreas urbanas e residentes das regiões Sudeste e Sul vs. Nordeste, em áreas urbanas e rurais e Centro-Oeste, apenas em áreas urbanas.
Os resultados dos testes de associação para SCV intermediária seguiram algumas tendências descritas anteriormente para SCV superior, onde a chance de apresentar SCV intermediária vs. inferior foi maior entre os participantes de raça branca, empregados e sem doenças crônicas, tanto em áreas urbanas quanto rurais. O efeito da escolaridade foi menos exuberante em comparação à categoria de SCV superior, mas houve associação entre SCV intermediária e o nível intermediário de escolaridade (ensino médio completo a superior incompleto) em áreas urbanas (RC: 1,49; IC95% 1,31-1,71) e rurais (RC: 2,01; IC95%1,46-2,78) e o nível mais alto de escolaridade exclusivamente em áreas urbanas (RC: 1,78; IC95% 1,52-2,10). A chance de apresentar SCV intermediária foi menor no sexo masculino vs. feminino, em faixas etárias superiores vs. jovens e regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste em áreas urbanas e rurais. Por fim, a chance de apresentar SCV intermediária foi maior para o nível superior de riqueza apenas em áreas urbanas (RC para o 5º nível do índice de riqueza: 1,25; IC95% 1,05-1,49).

Discussão

Os resultados do presente estudo demonstraram que apenas 0,6% da população adulta brasileira residente em áreas urbanas alcançou a condição de SCV ideal, ou seja, as sete metas que compõem o escore de SCV. Esta prevalência foi ainda menor na população residente em áreas rurais (0,2%). Os resultados foram semelhantes na análise por categorias de SCV, onde a população urbana apresentou maior prevalência de SCV superior (9,4%) em comparação à rural (5,2%). Indivíduos com maior nível de escolaridade, empregados, sem doenças crônicas e de raça branca apresentaram maior chance de alcançar a condição de SCV superior ou intermediária, tanto em áreas urbanas quanto rurais. Participantes do sexo masculino tiveram menor chance de alcançar a condição de SCV superior ou intermediária em comparação ao sexo feminino apenas em áreas rurais, enquanto o nível de riqueza esteve associado positivamente com SCV superior apenas em áreas urbanas. Além disso, a população residente nas regiões Sudeste e Sul apresentou menor chance de atingir a condição de SCV superior ou intermediária em comparação à região Nordeste, independente da situação de domicílio.
Estudos anteriores têm demonstrado que o percentual de adultos que alcança a condição de SCV ideal é baixo, variando de 0,3 a 15%, seja em países de alta, média ou baixa renda 24. No entanto, poucos estudos investigaram a condição de SCV ideal em contextos urbanos e/ou rurais. Por exemplo, no Peru, a prevalência de SCV ideal (5 a 7 metas) foi de 12,7%, sendo 13,7% (IC95% 11,0-17,0) em área urbana e 23,5% (IC95% 20,0-27,4) em área rural 16. Já a proporção de SCV ideal em adultos residentes em diferentes regiões da China foi de 1,06%, com valores superiores para residentes em área urbana em comparação à rural (1,56% IC95% 1,20-1,92 versus 0,62% IC95% 0,50-0,75, respectivamente) 25. O Brasil apresenta uma tendência semelhante, onde a prevalência de SCV ideal é de 0,5%, sendo 0,6% (IC95% 0,5-0,7) em área urbana e 0,2% (IC95% 0,1-0,3) em área rural 6. A revisão da classificação de urbano e rural realizada pelo IBGE em 2017 indicou que 45% dos municípios apresentam baixo grau de urbanização, destacando a importância dos espaços rurais no território nacional 13. Alguns aspectos merecem ser destacados na análise do contexto socioeconômico encontrado em áreas rurais brasileiras e seu impacto nas condições de SCV dessa população. Primeiramente, a mudança no estilo de vida na população residente em áreas metropolitanas em decorrência do fenômeno de transição nutricional também se estendeu às áreas rurais. O amplo processo de modernização implicou em grandes mudanças demográficas, socioeconômicas e epidemiológicas, o que, por sua vez, modificou o estilo de vida da população rural 11. Este fato pode ser exemplificado no achado de baixos níveis de adequação à dieta saudável e alta prevalência de fumantes em comunidades rurais 17. Estas mudanças implicaram em alta prevalência de hipertensão, dislipidemia e incremento do IMC associado com aumento da pressão arterial diastólica e LDL-colesterol entre residentes em áreas rurais 18. Segundo, apesar da expansão da Atenção Primária a Saúde no território brasileiro, ainda se observa forte desigualdade socioespacial na oferta de serviços, equipamentos e profissionais. Há maior concentração dos serviços de saúde nos centros urbanos e nas áreas economicamente mais dinâmicas em detrimento da população que reside em áreas rurais. Este fato somado aos percentuais elevados de famílias de baixa renda e com altas taxas de analfabetismo, faz com que a população rural apresente piores condições de vida e de saúde em comparação à população urbana 11,26.
As condições sociais nas quais as pessoas nascem, vivem e trabalham têm um impacto importante na SCV, seus cuidados e desfechos. Condições de vida precárias, por exemplo, com menor acesso à alimentação de qualidade, contribuem para o desenvolvimento de um estilo de vida que favorece o desenvolvimento de fatores de risco para DCV, incluindo obesidade, dislipidemias e hipertensão 27,28. Além disso, a falta de educação em saúde e a dificuldade de acesso a serviços médicos implica que as doenças são diagnosticadas tardiamente, o que pode levar a consequências de risco de vida, como mortalidade atribuível a DCV 29. Neste sentido, o presente estudo analisou a associação entre SCV superior e diferentes determinantes sociais de saúde estratificados por situação de domicílio. Os resultados demonstraram que a chance de alcançar a meta de SCV superior (vs. inferior) ou SCV intermediária (vs. inferior) foi maior entre os indivíduos com maior nível de escolaridade, que estavam empregados, sem doenças crônicas e de raça branca. Estes resultados foram semelhantes entre áreas urbanas e rurais. Indivíduos no maior nível de riqueza, em comparação ao menor nível, tiveram maior chance de alcançar a condição de SCV superior ou intermediária apenas em áreas urbanas.
Educação, renda e ocupação são determinantes sociais de saúde que têm sido consistentemente demonstrados como associados a maior risco de DCV 30. Uma revisão sistemática recente mostrou que os maiores níveis de escolaridade e de renda/riqueza estão associados com SCV ideal ou superior, tanto em países de baixa/média renda, quanto naqueles de alta renda 24. No Brasil, um estudo que analisou dados da PNS 2013 e 2019 demonstrou maior prevalência de comportamentos não saudáveis entre indivíduos com menor nível de escolaridade, incluindo sedentarismo, consumo aumentado de bebidas açucaradas e fumo 31. Em outro estudo, utilizando as mesmas bases de dados, os autores observaram uma associação inversa de escolaridade com obesidade, hipertensão e DCV 32. A ocupação é outro forte preditor de DCV, onde quanto maior o tempo de desemprego, maior o risco cardiovascular 27,33. A menor renda familiar tem sido associada ao consumo reduzido de alimentos saudáveis, sedentarismo e à menor prevalência SVC ideal 34–36. O fato da associação positiva entre SCV superior e índice de riqueza ter sido obtida apenas em área urbana pode ser explicado pelo menor percentual de domicílios rurais comparados aos urbanos, local onde os bens de consumo utilizados na construção do índice de riqueza estavam localizados. Além disso, os cinco níveis do índice de riqueza são obtidos pela ordenação de escores de uma variável latente, separados por quintis. No presente estudo, o índice de riqueza foi construído separadamente para cada situação de domicílio. Quando tal índice foi calculado considerando toda a população (urbana e rural), a maior parte dos indivíduos de áreas rurais estavam nos menores níveis do índice de riqueza (resultados não apresentados). Outra possibilidade é que a informação adicionada pelo índice de riqueza seja redundante às outras variáveis socioeconômicas incluídas no modelo, como escolaridade, por exemplo. No entanto, a exclusão das variáveis índice de riqueza e estado civil nos modelos de associação para as categorias de SCV superior versus inferior ou intermediária versus inferior em áreas rurais não alteraram os resultados (dados não apresentados). Por fim, a maior chance de SCV superior em indivíduos sem doenças crônicas (e mais jovens) e naqueles de raça branca, os quais tradicionalmente apresentam maior nível de escolaridade e renda em comparação aos pardos ou negros, acompanham os dados descritos anteriormente na literatura 24,26.
As mulheres residentes em áreas rurais apresentaram menor chance de alcançar a condição de SCV superior em comparação aos homens. Estudos anteriores realizados em municípios rurais brasileiros apresentaram maiores prevalências de fatores comportamentais em níveis ideais entre homens, enquanto as mulheres apresentaram maior prevalência de fatores biológicos 17 e maior prevalência de obesidade 18. Já um estudo que investigou a prevalência de SCV ideal na população brasileira adulta, com base na PNS 2019, encontrou resultados opostos, onde as mulheres apresentaram menores prevalências de metas biológicas em níveis ideais e maiores prevalências de metas comportamentais em comparação aos homens 6. Embora muitas mulheres participem da força de trabalho, elas continuam a ter uma parcela maior de trabalho doméstico, o que pode impedir a adoção de um estilo de vida saudável e prática regular de atividade física. Além disso, mulheres com baixa condição socioeconômica têm maior probabilidade de serem mães solteiras, com pouco tempo para buscar tratamento médico e cuidados preventivos. Papéis tradicionais, como cuidadora de crianças, pais idosos, ou outros membros da família, também podem restringir as mulheres em sua busca por estilos de vida mais saudáveis 37,38.
A prevalência de fatores de risco para DCV não é homogênea entre as macrorregiões de moradia (Nordeste, Norte, Centro-oeste, Sudeste, Sul). Dados do Vigitel 2019 mostram que a prevalência de prática insuficiente de atividade física e de consumo não regular de frutas, legumes e verduras foi menor nas macrorregiões Sul e Sudeste do país e o tabagismo e o consumo regular de refrigerante foram mais concentrados naqueles que residiam na região Sul 39. Outro estudo reportou que o consumo de alimentos ultraprocessados foi maior nas regiões Sudeste e Sul 40. Nossos resultados acompanham esta tendência, onde a chance de alcançar a condição de SCV superior ou intermediária foi menor para residentes nas regiões Sudeste e Sul, em comparação à região Nordeste, não havendo diferença entre áreas rurais e urbanas 40.
A principal limitação do presente estudo envolve o uso de medidas autorreferidas, o que pode levar a prevalências subestimadas de diagnósticos e, consequentemente, superestimadas de SCV ideal. Metas biológicas seriam melhor avaliadas se aferidas, pois, a auto declaração depende da memória e esclarecimento do participante e do acesso a serviços de saúde (para diagnóstico médico de diabetes, hipercolesterolemia e hipertensão arterial). É possível que o impacto da utilização de medidas autorreferidas no lugar de aferidas seja ainda maior em áreas rurais e em algumas regiões brasileiras, como Norte e Nordeste, em função do menor acesso aos serviços de saúde e, consequentemente, aos testes diagnósticos 41. Contudo, estas informações já foram utilizadas em outros estudos nacionais e internacionais apresentando boa correlação com as medidas biológicas 42. Além disso, a amostra reduzida de indivíduos da área rural em comparação à urbana, seguindo as frequências populacionais, causa um aumento nos comprimentos dos intervalos de confiança das prevalências, o que pode ter contribuído para a observada redução no número de preditores estatisticamente significantes nas análises de regressão logística com os dados restritos aos residentes em áreas rurais. Ainda, alguns níveis de variáveis sociodemográficas podem não ter quantidade suficiente de indivíduos na amostra, como por exemplo para a raça/etnia amarela/indígena/ignorada estimada em apenas 1,5% da população, sendo ainda menos expressiva em áreas rurais (0,9%).

Considerações finais

A população adulta brasileira residente em áreas urbanas apresenta uma baixa prevalência de SCV superior, sendo este valor ainda menor em áreas rurais. Diferentes determinantes sociais de saúde mostraram associação com a condição de SCV superior igualmente em áreas urbanas e rurais, incluindo maior nível de escolaridade, estar empregado, ausência de doenças crônicas e raça branca. No entanto, a associação com nível de riqueza foi restrita às áreas urbanas e com o sexo feminino apenas em áreas rurais. As regiões Sudeste e Sul do Brasil apresentaram menores chances de alcançar SCV superior ou intermediária, independente da situação de domicílio. Os resultados do presente estudo podem colaborar no monitoramento da SCV cardiovascular da população adulta brasileira e embasar estratégias de prevenção cardiovascular apropriadas às realidades urbanas e rurais. Estudos futuros deverão investigar a distribuição de cada uma das metas que compõe o escore SCV por situação de domicílio, bem como sua associação com determinantes sociais.
Declaração de Disponibilidade de Dados
As fontes dos dados utilizados na pesquisa estão indicadas no corpo do artigo.
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Bousquet-Santos, K., Motoki, IHL, Motta, ACSV, Leon Andrade, J.M. Risco cardiovascular e determinantes sociais de saúde em contextos urbanos e rurais: Pesquisa Nacional de Saúde 2019. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2025/dez). [Citado em 18/12/2025]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/risco-cardiovascular-e-determinantes-sociais-de-saude-em-contextos-urbanos-e-rurais-pesquisa-nacional-de-saude-2019/19883?id=19883

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