0132/2006 - Sindicalismo, SUS e Planos de Saúde
Trade unionism, Unified Health System (SUS) and Private Health Insurance
Autor:
• José Augusto Pina - Pina, J. A. - Rio de Janeiro - Fundação Oswaldo Cruz - <augusto@ensp.fiocruz.br, jaugustopina@gmail.com>ORCID: http://orcid.org/0000-0003-3204-2240
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Não CategorizadoResumo:
Resumo: Este artigo visa trazer elementos para discutir as práticas do sindicalismo brasileiro, no que se refere à assistência a saúde do trabalhador, relativas ao Sistema Único de Saúde (SUS) e aos planos e seguros privados de saúde. São ponderadas algumas teses na Saúde Coletiva e incorpora-se à análise alguns estudos das Ciências Sociais sobre o sindicalismo da Central Única dos Trabalhadores – CUT, tomado aqui como referência, além de importantes documentos sindicais e resoluções da CUT. Observamos não terem sido considerados os pesos relativos que a ação sindical atribuiu a cada um dos aspectos da relação, SUS e planos privados de saúde, inseridos mais amplamente nas lutas dos trabalhadores pelas distintas conjunturas do país. A demanda por melhoria dos planos privados de saúde, até o final da década de 1980, adquiriu uma dimensão mais reativa. A partir de 1990, a posição sindical tem sido marcada por contradições e ambigüidades em relação aos direitos sociais e, nos últimos anos, emergiu um setor que tendeu a se aproximou dos planos de saúde. A desigualdade na estrutura social brasileira impõe limites as coberturas assistenciais privadas e oferecem as circunstâncias que recriam novas possibilidades das organizações sindicais se colocarem na cena política. A depender da direção que assumirem as entidades sindicais estarão em maior ou menor condição para aglutinar os interesses de amplos segmentos dos trabalhadores e pressionar o Estado para ampliar e melhorar o sistema público de saúde e demais serviços sociais. Palavras-chave: Saúde do Trabalhador, Seguros Privados de Saúde, Política de Saúde, Sindicalismo.Abstract:
Abstract: The article intends to discuss Brazilian trade union practices with respect to worker’s health care provided by public system and by private health insurance. Some thesis about the subject discussed by Public Health specialists are evaluated along with studies originated in the Social Sciences area about the “Central Única dos Trabalhadores/CUT”, the biggest national worker’s organization, in Brazil. The methodology is based in secondary data - documents and resolutions of the CUT. It seems that thesis studies didn’t consider the worker’s movement REPLACEed in distinct periods of the recent history of the country which modified its priorities concerning public or private health benefits. Until the end of the 80´s, the demand to private health insurance had a more reactive and secondary dimension. After the 1990, trade unionism positions have been distinguished by contradictions and double meanings concerning social rights and in the last few years it has emerged a sector that has approached private health insurances. The inequality of Brazilian social structure imposes limits to private assistance covering and offers the circumstances to rebuild new possibilities for the trade unions to take positions in the political scene. Depending on the direction it assumes trade unions would be more or less likely to concentrate the several workers segments interests and to pressure the State to amplify and improve the public health system and other social services. Key words: Worker´s health, Private health insurance, Health Policy, Tradeunionism..Conteúdo:
Introdução
Este trabalho visa trazer elementos para discutir as práticas do sindicalismo brasileiro relativas a configuração e ao desenvolvimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Setor Supletivo de Saúde, no que se refere à assistência à saúde do trabalhador.
No Brasil, os trabalhadores têm protagonizado importantes lutas em defesa dos direitos sociais, entre os quais o direito à saúde. As resoluções políticas das principais centrais sindicais consagram a defesa do sistema público de saúde 1,2. Neste sentido, tem sustentado a representação dos trabalhadores nos conselhos e fóruns de gestão de políticas públicas de saúde e, mesmo, mais recentemente, junto a Câmara de Saúde Suplementar – CSS, instância da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS para discussão da regulamentação do setor supletivo de saúde. Por outro lado, os principais sindicatos de trabalhadores incorporaram na agenda de negociação coletiva a demanda por melhoria da assistência médico-hospitalar através dos convênios médicos e planos e seguros privados de saúde contratado pelas empresas.
Este quadro tem acompanhado, nas últimas décadas, a prática do movimento sindical, período em que, tanto o sistema de proteção social, em particular o sistema de saúde, quanto o próprio sindicalismo sofreram significativas alterações, expressão mais abrangente das transformações na formação social brasileira. Nos anos mais recentes, parece cristalizado o questionamento da capacidade dos trabalhadores - pelo fato de serem consumidores de planos de saúde privados - e de suas organizações sindicais converterem-se em força social interessada em sustentar a melhoria e ampliação do SUS, apesar de considerados essenciais para seu fortalecimento 3.
Pretendemos debater com algumas teses explicativas sobre esta problemática no campo da Saúde Coletiva / Saúde do Trabalhador e agregar o referencial das Ciências Sociais e Humanas. A incorporação de alguns estudos sobre a trajetória recente do sindicalismo brasileiro desenvolvidos por autores da sociologia e da ciência política traz novas luzes sobre o problema.
Será apresentado como esta questão tem sido considerada pelo sindicalismo, tomando como referência a Central Única dos Trabalhadores – CUT, a partir da análise documental, em especial, das resoluções de seus Congressos e Plenárias Nacionais no que se refere ao item política sociais / saúde. Nossa opção pela CUT se justifica pelo fato desta central sindical ter, em geral, frente às demais: 1) uma trajetória de lutas relativamente continua em defesa da saúde dos trabalhadores, 2) maior capacidade de organização e participação política e sindical, 3) hegemonia no sindicalismo brasileiro na representação política e orgânica dos trabalhadores.
Em todo país, segundo a Pesquisa Sindical do IBGE 4 encontravam-se registrados no Ministério do Trabalho e Emprego, até 31/12/2001, um total de 11.354 sindicatos de trabalhadores. Deste, 4.304 (38%) estavam filiados a alguma central sindical no país. A CUT contava com 66% de todos os sindicatos filiados às centrais, a Força Sindical - FS com 19% e as demais centrais sindicais somadas com 15%. Dados da própria CUT apontam que a central conta com 3.261 entidades sindicais filiadas com um total de 7.422.589 associados e 21.972.960 trabalhadores em sua base de representação (http:www.cut.org.br, acessado em 02/04//2005).
Nos limites deste artigo não serão exploradas as diferentes posições das correntes políticas-ideológicas existentes no movimento sindical brasileiro, nem mesmo, aquelas presentes no interior da CUT. As resoluções dos Congressos e Plenárias Nacionais da CUT não encerra a totalidade deste debate no meio sindical, mas possibilita revelar uma determinada consciência em relação ao direito à saúde possuidora de um considerável peso político no sindicalismo brasileiro.
Saúde Coletiva: discutindo algumas teses explicativas
A tese da universalização excludente apresentada por Faveret e Oliveira 5, apontou na insatisfação com os serviços públicos, numa conjuntura dos anos 1980 de contenção do gasto público, a razão para consolidar a expulsão do sistema público de saúde de segmentos sociais médios e de trabalhadores dos setores, privado e público, mais dinâmicos da atividade produtiva. A expulsão do sistema público destes segmentos de trabalhadores politicamente mais organizados teria enfraquecido ainda mais as reivindicações e a pressão social pela melhoria do setor estatal de saúde.
Seguindo o mesmo raciocínio Mendes 6 nos informa que, nos anos 1990, o mecanismo de racionamento, dando-se por uma queda da qualidade média do SUS, proporcionou a continuidade e a ampliação do processo de exclusão do sistema público para o setor supletivo de saúde, ter atingido parte da classe média baixa e dos trabalhadores de pequenas empresas.
Contudo, em sua maioria, os trabalhadores com cobertura extra-SUS continuam a depender do setor público para resolver problemas de alta e, conforme o caso, de média complexidade que não são totalmente, e, mesmo, em certas modalidades de planos de saúde, parcialmente cobertos pela atenção médica supletiva 6,7 entre outras ações de saúde como, por exemplo, a venda de medicamentos através da Farmácia Popular, onde cerca de 65% de seus usuários são pacientes de convênios e particulares (http://www.acoesp.org.br/interessegeral/noticia.asp?id=790, acessado em 06/02/2006). O processo de inserção de tais setores sociais nos planos de saúde não tem significado sua total saída do sistema público e, muito menos, deveria necessariamente explicar o afastamento da participação sindical em uma efetiva mobilização pela melhoria do SUS.
Uma formulação que adquiriu destaque foi realizada por Costa 8. O autor sustenta que a opção das organizações sindicais pelos planos e seguros privados de saúde está na gênese da cultura associativa sindical brasileira (p. 25). A presença de uma cultura da diferenciação (p. 25) entre os trabalhadores explicaria a grande mudança de oferta dos serviços médicos. Os valores e os anseios dos trabalhadores dos setores de ponta da economia por políticas diferenciadas de saúde implicaria na resistência destes à universalização. Além disso, a existência de competição entre as orientações ideológicas dos sindicatos (lideranças) e de sua base de trabalhadores (liderados) tem implicado à não conformidade entre as decisões em defesa do SUS assumidas pelas lideranças sindicais nas instâncias formais colegiadas e o conteúdo em prol de planos de saúde das negociações dos liderados junto a empresas e a setores produtivos particulares.
Para Vianna 9 (p. 179) não estaríamos diante de simples inconsistência entre representantes e representados, mas de um modelo de organização de interesses semelhante ao americano. Modelo que fomenta o lobbying enquanto veiculo de articulação dos interesses que tornam impossíveis políticas fundadas numa solidariedade abrangente. O paradoxo, considerado por Vianna 9 como aparente, entre a retórica publicista (p. 179) das centrais sindicais e a estratégia particularista dos sindicatos a ela vinculados ocorreria porque o contexto no qual os lobbies são operados não espelha com exatidão a matriz americana. No Brasil, são muitos milhões que não tem acesso a tais formas de ação reivindicativa e que não podem ser descartados do discurso das centrais sindicais.
Devemos recordar que, nos anos 1970, sindicatos de trabalhadores apresentaram inúmeros questionamentos ao convênio-empresa. Estes eram denunciados pela falta de isenção na prática da assistência médica subordinada ao empregador, pela queda da qualidade do tratamento reduzido a prescrição de analgésicos e outros medicamentos, além de recusarem o tratamento de doenças que exigiam uma recuperação mais demorada, conforme apontado por importantes estudos da Saúde Coletiva 10,11,12,13.
Esta critica foi incorporada pelo movimento sindical que se rearticulava na Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras – Conclat, realizada de 21 a 23 de agosto de 1981. Em suas resoluções, propunha à extinção dos convênios médicos, concomitantemente com a criação de uma rede base e pública de previdência 14 (p. 34). Também a articulação sindical na saúde já se fazia presente através do Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho – Diesat. Nas discussões em torno da reforma da assistência médica da Previdência Social, o Diesat 15 alertara, já em 1982, para o fato das propostas reformistas para o setor saúde que atingiam o segmento de prestadores de serviço privado contratado, poderiam caminhar no sentido de reforçar não o setor público, mas o segmento de seguro-saúde em expansão. Identificou, corretamente, que o processo de racionalização de serviços com controle de gastos... contraria os interesses de parte do empresariado hospitalar, não... para fortalecer o setor público, mas para concentrar a propriedade privada do setor, levando-a ao oligopólio e abrindo espaço para as multinacionais e o capital financeiro que penetra fortemente na área de seguro-saúde 15 (p. 12). Contudo, esta posição não assumiria grande repercussão, predominando uma critica genérica ao favorecimento oficial à medicina privada e às empresas capitalistas que exploram hospitais, laboratórios, bancos de sangue, medicinas de grupo, seguradoras de saúde 16 (p. 51).
O movimento de reforma sanitária, segundo Mendes 17 centraria o embate político-ideológico contra os prestadores de serviços de saúde do setor privado contratado pela Previdência Social em favor dos prestadores de serviços de saúde estatais, polarização consagrada na 8ª Conferencia Nacional de Saúde. Além disso, sua formulação acerca do financiamento necessário a uma universalização que preservasse os padrões de oferta alcançados pelos trabalhadores formais, à época, era dúbia. Se não negava a necessidade de recursos adicionais, priorizava a interpretação de que os recursos existentes eram mal empregados e se esvaiam pelos canais da corrupção. Uma das principais justificativas para se empregar, de forma universalizada, os recursos da Previdência Social, era de que toda a sociedade contribuía indiretamente para ela e não apenas os trabalhadores e empresas contribuintes. O diagnóstico do Banco Mundial sobre a atenção à saúde no Brasil 18 já apontava serem os trabalhadores formais privilegiados quando da utilização de recursos públicos que deveriam, em função da equidade, serem desviados para os chamados pobres. Cremos que a falta, portanto, de uma política clara de repulsa a esse tipo de política poderia ter dificultado um engajamento mais ativo do movimento sindical, em uma reforma sanitária que dispensasse as coberturas privadas adicionais para atenção à saúde, já presentes em diversas categorias de trabalhadores.
Não deve ser desconsiderado o fato de que muitos sindicatos de categorias profissionais dos segmentos médios e de trabalhadores qualificados participaram de importantes ações nos Programas de Saúde do Trabalhador – PST e nos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador – CRST 19,20,21,22, inclusive com a experiência de gestão sindical 21. Além da participação nas I e II Conferencia Nacional de Saúde do Trabalhador, respectivamente, em 1986 e 1994, esta última marcada por uma conjuntura significativamente distinta.
As lutas dos trabalhadores contribuiriam para a instituição e o desenvolvimento dos PSTs e CRSTs. Por sua vez, estes têm possibilitado tornar público os dados referentes aos acidentes e diagnósticos de doenças do trabalho. Colaboram para que os trabalhadores organizados tenham elementos para subsidiar suas lutas em defesa do direito a saúde, a previdência social e por mudanças e melhoria nas condições de trabalho, em contraposição a ocultação dos danos a saúde dos trabalhadores pelas empresas com a cumplicidade das empresas de medicina de grupo por elas contratadas 23. Todavia, não ocorreu um massivo e qualitativo envolvimento de categorias expressivas de trabalhadores 20. As ações dos PSTs e dos CRSTs são marcadas pela descontinuidade 24 atendendo, a partir dos anos 1990, predominantemente, a população trabalhadora desempregada e no mercado informal 19.
O movimento sindical no período pós Constituição, segundo Rodrigues 25, vislumbrou a possibilidade das classes trabalhadoras influir mais decisivamente na esfera publica. Tem concentrado atenção especial aos fóruns setoriais de âmbito nacional, entre eles, os do setor saúde: o Conselho Nacional de Saúde - CNS, a Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador – CIST e, mais recentemente, na Câmara de Saúde Suplementar – CSS, mas se distanciado das ações mais próximas dos PSTs e dos CRSTs 26. A CUT 27 reconheceria a dificuldade em socializar para o conjunto da Central as propostas e mobilizações nos fóruns de saúde que participa.
A temática por nós apresentada tem merecido pouca atenção da área de Saúde do Trabalhador. Em trabalho de grande amplitude e de referência para a área Lacaz 19 de forma bem concisa, registra tal prática sindical como paradoxal e contraditória. Posteriormente, Lacaz 28, sumariamente, assinalaria que o problema - um nó político-ideológico não desatado pelo sindicalismo - seria: a) a expressão da mudança de orientação em relação à assumida, no final dos anos 1970, ao passar de uma posição de confronto com o capital para uma ação que implique certa conciliação ou, conforme Rodrigues 25, uma cooperação conflitiva (p. 125) conceito utilizado para identificar o padrão de ação sindical a partir dos anos 1990; b) o resultado das transformações da formação sócio-cultural e dos hábitos de consumo das novas gerações de trabalhadores como, por exemplo: os da indústria automobilística e, c) da falta de vínculos mais profundos dos sindicatos no interior das empresas, a incipiente organização nos locais de trabalho.
No entanto, podemos apontar que não seria a falta de organização dos trabalhadores nos locais de trabalho um indicativo relevante para explicar a prática sindical por melhorias em planos e seguros de saúde, ainda mais se consideramos o exemplo citado - os trabalhadores da indústria automobilística - onde, há mais de duas décadas, estes trabalhadores detentores de um elevado nível de organização no interior das empresas têm esta demanda incorporada em sua ação sindical.
Andreazzi 29,30 ao discutir as relações entre oferta, demanda e necessidade em saúde sob a perspectiva marxista da reprodução social nos informa que para invocar a mudança de hábitos de consumo de serviços de saúde, se for este o caso, das novas gerações de trabalhadores, como explicação da política sindical em relação à atenção médica a saúde do trabalhador, seria necessário analisar as distintas conjunturas das últimas décadas, tendo a compreensão de que há que existir uma oferta que se aproveite das representações indistintas dos trabalhadores sobre suas necessidades de saúde para criar necessidades sociais de consumos, hábitos segundo os interesses dos ofertantes. Mas não somente. É preciso forjar a ação em direção a tal consumo, o que envolve processos coletivos em que as distintas classes e frações de classes sociais envolvidas, com os seus interesses materiais concretos e suas ideologias disputam a consciência dos trabalhadores. O sindicalismo configura e expressa uma das formas dessa luta de classes.
Vimos que Costa 8 condiciona a ação sindical por atenção à saúde pelas escolhas e preferências individuais dos trabalhadores. Mas tanto ele, assim como, Vianna 9 no que se refere à seguridade social no Brasil, privilegiam as articulações das organizações de interesses dos trabalhadores com os arranjos institucionais e as estruturas de decisão (acordos, mecanismos de concertação) do Estado. Nesta perspectiva, conceitualmente apoiada na abordagem institucionalista, o Estado é considerado um ator, despojado das formas de dominação fundadas nas relações sociais de produção, diante do qual o sindicalismo, um outro ator, se apresentaria para participar na formulação da política pública de saúde (entre outras). A evolução institucional do Estado e a organização sindical dos trabalhadores não são consideradas em relação à totalidade e a especificidade da estrutura social capitalista no Brasil em seu desenvolvimento histórico concreto, mas referidos a produção das políticas sociais, no limite, comparadas a modelos de proteção social e de cidadania próprio do Welfare State 31. Com base neste referencial identificaram o processo de expansão do mercado de planos de saúde no país como decorrente das demandas sociais dos trabalhadores e de seus sindicatos que emergiram das negociações coletivas nos anos 1980.
Demandas sindicais por bem estar na relação com a empresa e o Estado
Tanto a formulação apoiada nos valores ou na cultura de diferenciação entre os trabalhadores, quanto a que considera a impossibilidade das organizações sindicais sustentarem políticas solidárias amplas apóiam-se, entre outro, numa evidência empírica. A partir dos anos 1980, se expandiu a pauta de reivindicações dos trabalhadores por serviços sociais e de bem estar em negociação coletiva direta entre sindicato e empresa. Este fato foi entendido e invocado para afirmar que, já naquele momento, o movimento sindical – em relação à configuração da seguridade social, inclusive o sistema de saúde – deslocara o lugar do Estado na definição de direitos sociais e voltara-se para o local de trabalho e a empresa como espaço central para as conquistas sociais.
No entanto, a existência de tal pauta reivindicativa junto às empresas não necessariamente se configura um pleito sindical exclusivista do coletivo de trabalhadores diretamente interessado, capaz de representar seu afastamento das demandas dirigidas ao Estado. Isto depende da situação concreta e da conjuntura em que tais lutas se processam. Ao longo dos nos anos 1980, o sindicalismo assumiu uma ação voltada para a aglutinação de forças numa mesma categoria profissional ou entre categorias distintas, valendo-se da mobilização para chegar a negociação 32,33 . Diversas categorias de trabalhadores obtiveram conquistas sociais junto ao empresariado através de mobilizações, greves e negociações coletivas. As cláusulas conquistadas por uma categoria, passavam a integrar a pauta geral de reivindicações do movimento sindical e, algumas delas chegaram a ser estendidas a categorias de menor poder organizativo. Posteriormente, a luta dos trabalhadores assegurou a consagração, de grande parte delas, na Constituição Federal de 1988 e/ou na Legislação como direito de todos trabalhadores, como é o caso da estabilidade para o trabalhador acidentado. As demandas por bem estar às empresas, naquele momento, parecem ter contribuído para ampliar a pressão junto ao Estado no sentido de consagrar determinadas conquistas no rol de direitos sociais.
Já nos anos 1990, o quadro é outro e a tendência tem se dirigido em sentido contrario. As negociações coletivas têm se caracterizado por sua natureza particularista e descentralizada, reforçada pela iniciativa do governo federal em introduzir temas cuja negociação restringe-se ao âmbito das empresas, como a participação nos lucros e resultados e sobre flexibilização da jornada de trabalho, processo que se intensifica a partir da segunda metade da década de 1990.. Em relação à ação sindical em saúde do trabalhador passou a predominar uma estratégia atrelada à pauta dirigida pelo aparelho de Estado, restringindo seu olhar a.. doenças especificas e a risco de acidente também muito particulares 19 (p. 386).
O estimulo a ampliação dos benefícios está orientada por preocupações mais institucionais e para as virtudes do Contrato Coletivo de Trabalho, em negociações cada vez mais particularistas. Parcela considerável dos sindicatos da CUT assumiram a diversidade entre setores e empresas como critério determinante para a negociação 33. Manifesta-se, assim, um corporativismo não mais por referência ao Estado, mas um certo insulamento de grupo em torno de si mesmo, priorizando suas demandas salariais e sociais em negociação direta, setorial ou com a empresa, isolando-se ou se contrapondo, não a um suposto interesse geral da sociedade, mas a luta reivindicativa e política mais ampla em torno de uma plataforma comum dos trabalhadores 32.
Em 1989, a pesquisa realizada pela firma de consultoria Montigny / Woerner junto ao segmento empresarial, citada por Mendes 17, indicou que a pressão sindical advinda de reivindicação dos trabalhadores não possuía peso importante entre o rol de motivos apontados para justificar a adesão das empresas ao setor supletivo de saúde, fato também apontado por Checchia 34. As principais razões figuravam no âmbito dos objetivos da política empresarial relacionadas às formas de controle sobre a força de trabalho ocupada 10,11,12,13,34 e as novas modalidades de sua utilização e gestão, na conjuntura aberta a partir dos anos 1980 35.
Fernandes 35 recusara a relação de causalidade entre as demandas sindicais por serviços sociais, entre elas a de atenção médico-hospitalar, e a expansão da oferta destes serviços pelas empresas empregadoras. Este movimento, somente se generalizou, enquanto uma forma particular de proteção social, por meio da política estatal que, respondendo as necessidades de determinados segmentos do empresariado, naturaliza-o e incorpora-o ao sistema de proteção social vigente.
As determinações do processo de expansão do mercado de planos e seguros de saúde nos remetem ao convênio-empresa, anos 1960 e 1970, com financiamento público, via seguro social, apoiado no interesse do empresariado em assegurar a produtividade do trabalho, num momento de intensificação da industrialização no país com grande impacto sobre a saúde dos trabalhadores. Na década de 1980, prossegue a expansão do setor supletivo de saúde caracterizado, agora, segundo Médici 36, por formas autônomas de financiamento da assistência médica em relação ao setor público - apesar de mantido mecanismo de renúncia fiscal aos usuários e empresas que contratam planos de saúde – apoiado na entrada do capital financeiro 11 .
Processo que caminharia relacionado às transformações econômicas e produtivas, sociais e políticas num período de ascensão das lutas dos trabalhadores, inclusive, a luta pelo direito á saúde. O setor empresarial reforçaria a associação entre bem estar dos trabalhadores e à idéia de competitividade. Conforme documento do Instituto Herbert Levy - IHL de 1993, apud Vianna 9, o papel da empresa deve ser o de agente da transformação global, dar respostas rápidas ao mercado e incorporar algumas funções que eram dever do Estado, tais como a Saúde e a Educação do seu corpo de funcionários, como partes integrantes e imprescindíveis ao processo de Educação para a Competitividade Empresarial.
Neste sentido, segundo Fernandes 35 a negociação sindical se inclui como um dos aspectos a serem considerado pelas grandes corporações industriais, financeiras e de serviços. Estas introduziram novas tecnologias e processos de gestão flexíveis com novos requisitos em termos de habilidades e valores para a força de trabalho. Em particular, se constituiria um núcleo de novos operários e trabalhadores diretamente contratados que, conforme Alves 37 apesar de sua redução numérica tendeu, nos anos 1990, a aumentar o seu tempo médio de permanência nas empresas, executando com maior intensidade uma grande quantidade de operações. O que deve reforçar as relações de complementaridade das empresas com o segmento de planos e seguros de saúde 12, visto as preocupações em controlar a força de trabalho diretamente ocupada, a redução do absenteísmo, à fixação do trabalhador no processo de trabalho 10 e as funções político-ideológicas de identificação do trabalhador com a empresa 11 .
O novo complexo de reestruturação produtiva recrudesceu a superexploração da força de trabalho, característica estrutural do capitalismo no Brasil 37,38. Este quadro pode ter acentuado a enorme diferenciação quanto ao acesso e aos padrões de qualidade dos serviços médico-hospitalares fornecido pelas empresas aos trabalhadores, seja de forma direta e/ou através do setor supletivo, aspecto já apontado pelos estudos na Saúde Coletiva do final dos anos 1970, anteriormente mencionados 10,11,12,13 .
Nesta direção, Santos 39 apresentou um panorama da extensa diversidade em que os serviços de saúde nas grandes empresas e na sua rede de contratadas são prestados e/ou financiados com ou sem co-participação dos próprios trabalhadores. Diferenciação que pode ser definida pela categoria profissional (qualificação, hierarquia funcional) ou pelo contrato de trabalho (vinculo direto, terceirizados, estagiários). O beneficio do plano de saúde pode ser restrito aos funcionários da empresa ou, até, extensivo a esposas, dependentes e agregados. A rede credenciada pode ser composta desde os estabelecimentos considerados top de linha até o campo oposto. Da mesma forma, que o padrão e a amplitude da cobertura do plano de saúde e sua gama de serviços, pode variar de bem ampla até residual 34,39.
Em outro trabalho, Santos 40 nos indica que a realidade do dia-a-dia dos trabalhadores do mercado formal onde a insalubridade, a periculosidade e o tempo limite de afastamento para adoecidos ou acidentados determina um constante questionamento do estado de saúde do trabalhador coloca em xeque a idealização de que os trabalhadores sejam uma elite do país por... terem, na maior parte, plano ou seguro privado de assistência à saúde 40 (p. 32). Além disso, em grande parte, são os próprios trabalhadores que respondem, total ou parcialmente, por seus custos.
Como vimos, as demandas sindicais dos trabalhadores, inclusive por assistência à saúde, apresentadas ao empresariado nas negociações coletivas assumiram qualidades distintas nas diferentes conjunturas históricas. Apesar de constarem nos acordos coletivos, a forte expansão da oferta de atenção médica supletiva não pode ser atribuída a pressão sindical dos trabalhadores. Uma outra questão levantada se refere à desigualdade no acesso e na qualidade dos serviços de saúde no próprio setor supletivo e entre os que adquirem um plano de saúde em decorrência do trabalho. Ainda pouco estudado, se considerarmos que este setor não estaria isento das clivagens de classes sociais no país que pode estar sendo recrudescida pela repercussão do processo de reestruturação produtiva no sistema de saúde brasileiro. Este quadro, nos conduziria a recusar à oposição reducionista entre usuários do sistema supletivo de saúde versus usuários do SUS, o que torna ainda mais complexa as análises sobre a participação sindical na luta em defesa da saúde dos trabalhadores 41.
O SUS e os planos privados de saúde nas resoluções da CUT em tempos de política neoliberal
Uma certa simplificação das contradições sociais ganhou amplitude no campo político-ideológico, a partir dos anos 1990, com a implementação das políticas econômicas e sociais restritivas de cunho neoliberal, no momento de implantação do SUS. Segundo Andreazzi 30, adquiriu relevo - sob o discurso da universalização e da equidade nos termos do Banco Mundial - a argumentação de que a utilização do sistema público de saúde por categorias de maior renda tira o lugar dos mais pobres (p. 218). Neste sentido, a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda 42 (p. 3) apontou como principal problema das políticas sociais no Brasil o privilégio concedido pelo atual sistema... a grupos de renda mais alta.
O combate aos direitos sociais, genericamente, estigmatizados como privilégios tem assumido um dos aspectos centrais no discurso neoliberal que, segundo Boito Jr.32 alcançou uma hegemonia regressiva (p. 222). Para o autor, a despeito de cortes de direitos sociais e trabalhistas promovido pelas políticas neoliberais, as classes dominantes obtiveram uma hegemonia, ainda que de modo superficial, instável, precária, e com impacto desigual sobre os diferentes setores dos trabalhadores. Hegemonia, portanto, conquistada sem concessões econômicas e, ao contrário, retirando e restringindo direitos das classes dominadas, neste sentido seu caráter regressivo.
Para a caracterização deste fenômeno torna-se necessário à compreensão de que o modelo de desenvolvimento do populismo e, o que se seguiu, o período desenvolvimentista durante a ditadura militar geraram no Brasil contradições no interior das classes trabalhadoras da cidade e do campo, e não apenas entre ambas, no que se refere ao acesso restrito e segmentado aos direitos sociais. Estas contradições, ao longo do tempo, suscitaram nos trabalhadores preteridos pelos direitos sociais uma revolta difusa, vocalizada na cena política pela ideologia neoliberal e negligenciada pelo sindicalismo 32.
No caso da assistência à saúde, quando questionados, sindicalistas da CUT têm argumentado que apesar de serem contrários são obrigados a encaminhar a reivindicação por planos de saúde em suas categorias 39. Esta questão não pode ser simplificada, manifesta a complexidade que a defesa do SUS representa na presente conjuntura. Por um lado, a simples adesão (passiva) sindical a forma de intermediação de serviços de saúde, representada pelos trabalhadores por meio dos convênios e planos de saúde, pode manifestar um tipo de pragmatismo, aprofundando mais ainda, o fosso existente com os demais segmentos da classe trabalhadora usuária exclusiva do SUS. Por outro lado, uma simples recusa pode subestimar as dificuldades de acesso e qualidade no SUS e o avanço ideológico alcançado pelo sistema supletivo junto aos trabalhadores. Não se converteria, portanto, em diretriz capaz de realizar uma aproximação com os segmentos de trabalhadores já contemplados, mesmo que parcialmente, pela cobertura dos planos de saúde, com objetivo de integrá-los na defesa da melhoria do SUS.
Além disso, as ações em relação à demanda por assistência à saúde dos trabalhadores no SUS e/ou no sistema supletivo não devem ser consideradas separadamente da conjuntura histórica e das demais políticas sindicais nela desenvolvida. Neste sentido, é importante considerar que o movimento sindical foi atingido de frente pela situação econômico-social / implantação da política neoliberal que não poupou nem mesmo os setores de melhor organização dos trabalhadores (metalúrgico do ABC, bancários, petroleiros e servidores públicos). Os trabalhadores não se colocaram passivos e empreenderam resistências diferenciadas, como a greve dos petroleiros de 1995, as ocupações dos trabalhadores rurais sem terra e a constituição de movimentos sociais e de trabalhadores vitimados por acidentes e doenças do trabalho atuando, inclusive internacionalmente, como redes em contraposição aos grupos hegemônicos 43,44 .
Todavia, a trajetória da CUT tem sido marcada por contradições e ambigüidades em relação às políticas neoliberais. Ao mesmo tempo, que promovia manifestações contrárias à privatização das empresas estatais e à flexibilização dos direitos trabalhistas, assimilaria, em parte, propostas restritivas dos direitos dos trabalhadores, como no caso da reforma da previdência social e dos acordos para implantação de banco de horas, além da, já citada, característica descentralizada corporativista das negociações coletivas pelos principais sindicatos da base da central 45.
No que se refere às políticas públicas de saúde e educação, o 5º Concut 46, realizado de 19 a 22 de maio de 1994, registrou a política contraditória da Central na luta pelos direitos sociais (p. 41) e afirmou a necessidade de lutar pela garantia dos direitos sociais junto ao poder público como condição para que sejam viabilizados para o conjunto dos trabalhadores... os representados pelos sindicatos mais organizados até os menos organizados... os trabalhadores da economia informal, os rurais e aqueles sem qualquer representação... não se fechando no corporativismo nem no economicismo 46 (p. 41-42). No 6ª Concut 27, realizado em agosto de 1997, chegou-se a firmar o compromisso de rever a tendência histórica dos sindicatos optarem por convênios médicos privados em processos negociais. Além do que, reconhecemos as limitações dos convênios e seguros saúde, particularmente nas ações de prevenção e intervenção no ambiente de trabalho 27 (p. 82).
Contudo, na 9ª e 10ª Plenária Nacional, assim como, no 7º e 8º Congresso Nacional da CUT 47,48,49,50, eventos realizados posteriores a 1997, nenhum balanço foi apresentado a este respeito, nem sequer constariam das resoluções referências à política contraditória na luta pelos direitos sociais 46 (p. 41). Reitera-se, de forma genérica, o apoio ao SUS e aos princípios de universalização, equidade, integralidade, descentralização e controle social.
Em 2003, no 8ª Concut 50 a formulação continuar o debate junto ao governo federal sobre a Rede Nacional de Saúde do Trabalhador no SUS (p. 39) revela a indefinição da Central acerca da saúde do trabalhador no SUS. Já em relação ao Fórum de Saúde Suplementar, realizado também em 2003, a representação da CUT 51,52 postulou da ANS enfrentar os problemas dos altos reajustes dos planos; de descredenciamento e insuficiência da rede pelas operadoras, restrições de acesso a serviços de média e alta tecnologia; a garantia de cobertura integral a todas as doenças, propôs ainda que se discuta o atendimento dos acidentados de trabalho, hoje excluídos do sistema 82 (p. 1). Demanda por atendimento ao trabalhador acidentado pelos planos, sem ser mencionado suas limitações... nas ações de prevenção e intervenção no ambiente de trabalho 27 e seu caráter político-ideológico de controladora e recolocadora imediata do trabalhador na produção/serviço 53 (p. 7).
Apesar das ressalvas, o pleito sindical junto a ANS expressa o recrudescimento, a partir da segunda metade dos anos 1990, de conflitos sindicais dos trabalhadores em torno das chamadas cláusulas sociais. O estudo de Pina 54, registra que os metalúrgicos do estado de São Paulo vinculados a CUT resistiram a forte ofensiva empresarial e mantiveram em suas convenções coletivas a estabilidade no emprego até aposentadoria para o trabalhador acidentado ou portador de doença do trabalho. O jornal do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC/SP tem assinalado a investida das empresas, inclusive das grandes, para esconder as doenças do trabalho como forma de burlar a estabilidade. Nos últimos cinco anos, por meio de ação judicial impetrada pelo sindicato 231 metalúrgicos portadores de doenças profissionais foram reintegrados ao trabalho nas empresas do ABC após serem demitidos arbitrariamente, além disso, somente em uma empresa, 48 trabalhadores foram excluídos do plano de saúde em função de estarem afastados por doenças ou acidentes no trabalho, a maioria com LER 54.
Este contexto agrega elementos para seguir questionando a aludida segurança da proteção à saúde dos planos coletivos 55, um aspecto apontado como desencadeador de cobertura suplementar para indivíduos de camadas populares, inclusive o retorno dos que antes possuíam tal cobertura em decorrência do trabalho 56. Mas as dificuldades de acesso e qualidade no SUS atuam contrariamente limitando a extensão desse questionamento.
O acelerado crescimento da informalidade e da precarização nas relações de trabalho, do desemprego e a significativa redução dos rendimentos reais dos trabalhadores 57 imporia aumentar a pressão sobre o SUS. Por um lado, porque reforça a tendência do sistema público como única alternativa de assistência à saúde para maioria dos trabalhadores. Por outro, pela possibilidade de canalizar em favor do SUS os descontentamentos do operariado qualificado, dos assalariados e de setores médios pressionados além da queda de seus rendimentos, pelo aumento nos custos e demais problemas com os planos de saúde. A iniciativa do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - Idec 58 de São Paulo em editar, em 2003, uma cartilha apontando o SUS como o melhor Plano de Saúde pode indicar a presença desta possibilidade.
Este processo encontrou o sindicalismo, majoritariamente, debilitado político e ideologicamente. A CUT, no inicio da década de 1990, produziu uma inflexão em sua ação sindical, elevou o Contrato Coletivo de Trabalho a posição de principal definidor de suas demandas trabalhistas e sociais deslocando o Estado para posição secundaria. Em relação ao Estado, a CUT privilegiou uma atuação institucional para influir nas políticas públicas. Este seria um primeiro deslocamento, advertindo que a CUT rebaixou a posição do Estado, mas não o excluiu, inclusive nos seus processos de pressão política em favor de direitos sociais. Mais recentemente um segundo deslocamento vem se processando, agora quanto à natureza da intervenção estatal pleiteado pelas entidades sindicais. A resolução do 6º Concut 27 explicitou uma modalidade de ação já em curso na central: a execução de serviços sociais públicos. A CUT redefiniu seu entendimento acerca do papel do Estado: Acostumamos a enxergar... Estado e mercado... como únicas alternativas de viabilização do bem-estar social. No entanto, a dinâmica atual tem-nos mostrado que outros atores sociais podem e devem contribuir nas definições, implementações, controle e eficácia das políticas públicas 27 (p. 43).
A CUT nomearia como outros atores sociais as próprias entidades sindicais em parceria com ONGs. A Central atuaria não apenas propondo políticas públicas, mas executando serviços sociais preteridos pelo Estado, com destaque para área de educação e formação profissional. Emergia um setor sindical empenhado na execução e gestão de projetos sociais recorrendo a disputa pelos fundos públicos, além de estimular a formação de Cooperativas de Seguros Civis, Cooperativas de fundo de pensão complementares sob argumentação de investir os recursos daí provenientes em experiências cooperativas e de autogestão para geração de emprego e renda no combate a precarização do trabalho 27. Este sindicalismo explora os interstícios deixados pelo Estado para oferecer assistência aos trabalhadores e filiados sindicais, caso sobrevalorizado apontaria para um aumento das ações de assistência social em detrimento da mobilização e da luta por direitos 59.
Então, estariam vedadas para o sindicalismo brasileiro as possibilidades de organizar ações reivindicativas de natureza social e política ampla e solidária? A complexidade desse processo não permite uma afirmação tão peremptória. A este respeito, concordamos com Stotz 60 (p. 31): se na sociedade a única previsão realista é a da luta, as circunstâncias sempre podem favorecer a emergência de lutas mais amplas, dependendo, em boa medida, da capacidade das lideranças saberem aproveitar as circunstâncias.
As resoluções da CUT, a partir dos anos 1990, manifestam as oscilações na prática política assumida pela central. A tendência seria a continuidade do público e do privado nas demandas sindicais junto ao Estado e as empresas, entendendo que posições diferentes convivem no meio sindical de forma contraditória, mas nem sempre excludente entre si. No âmbito da CUT identificamos três modalidades distintas de ação sindical relativa a proteção social do Estado, a saber: a) pressionar o Estado para manter e ampliar os direitos sociais; b) participar institucionalmente na formulação de políticas públicas; e) disputar o fundo público para gerir e executar serviços sociais.
Este trabalho visa trazer elementos para discutir as práticas do sindicalismo brasileiro relativas a configuração e ao desenvolvimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Setor Supletivo de Saúde, no que se refere à assistência à saúde do trabalhador.
No Brasil, os trabalhadores têm protagonizado importantes lutas em defesa dos direitos sociais, entre os quais o direito à saúde. As resoluções políticas das principais centrais sindicais consagram a defesa do sistema público de saúde 1,2. Neste sentido, tem sustentado a representação dos trabalhadores nos conselhos e fóruns de gestão de políticas públicas de saúde e, mesmo, mais recentemente, junto a Câmara de Saúde Suplementar – CSS, instância da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS para discussão da regulamentação do setor supletivo de saúde. Por outro lado, os principais sindicatos de trabalhadores incorporaram na agenda de negociação coletiva a demanda por melhoria da assistência médico-hospitalar através dos convênios médicos e planos e seguros privados de saúde contratado pelas empresas.
Este quadro tem acompanhado, nas últimas décadas, a prática do movimento sindical, período em que, tanto o sistema de proteção social, em particular o sistema de saúde, quanto o próprio sindicalismo sofreram significativas alterações, expressão mais abrangente das transformações na formação social brasileira. Nos anos mais recentes, parece cristalizado o questionamento da capacidade dos trabalhadores - pelo fato de serem consumidores de planos de saúde privados - e de suas organizações sindicais converterem-se em força social interessada em sustentar a melhoria e ampliação do SUS, apesar de considerados essenciais para seu fortalecimento 3.
Pretendemos debater com algumas teses explicativas sobre esta problemática no campo da Saúde Coletiva / Saúde do Trabalhador e agregar o referencial das Ciências Sociais e Humanas. A incorporação de alguns estudos sobre a trajetória recente do sindicalismo brasileiro desenvolvidos por autores da sociologia e da ciência política traz novas luzes sobre o problema.
Será apresentado como esta questão tem sido considerada pelo sindicalismo, tomando como referência a Central Única dos Trabalhadores – CUT, a partir da análise documental, em especial, das resoluções de seus Congressos e Plenárias Nacionais no que se refere ao item política sociais / saúde. Nossa opção pela CUT se justifica pelo fato desta central sindical ter, em geral, frente às demais: 1) uma trajetória de lutas relativamente continua em defesa da saúde dos trabalhadores, 2) maior capacidade de organização e participação política e sindical, 3) hegemonia no sindicalismo brasileiro na representação política e orgânica dos trabalhadores.
Em todo país, segundo a Pesquisa Sindical do IBGE 4 encontravam-se registrados no Ministério do Trabalho e Emprego, até 31/12/2001, um total de 11.354 sindicatos de trabalhadores. Deste, 4.304 (38%) estavam filiados a alguma central sindical no país. A CUT contava com 66% de todos os sindicatos filiados às centrais, a Força Sindical - FS com 19% e as demais centrais sindicais somadas com 15%. Dados da própria CUT apontam que a central conta com 3.261 entidades sindicais filiadas com um total de 7.422.589 associados e 21.972.960 trabalhadores em sua base de representação (http:www.cut.org.br, acessado em 02/04//2005).
Nos limites deste artigo não serão exploradas as diferentes posições das correntes políticas-ideológicas existentes no movimento sindical brasileiro, nem mesmo, aquelas presentes no interior da CUT. As resoluções dos Congressos e Plenárias Nacionais da CUT não encerra a totalidade deste debate no meio sindical, mas possibilita revelar uma determinada consciência em relação ao direito à saúde possuidora de um considerável peso político no sindicalismo brasileiro.
Saúde Coletiva: discutindo algumas teses explicativas
A tese da universalização excludente apresentada por Faveret e Oliveira 5, apontou na insatisfação com os serviços públicos, numa conjuntura dos anos 1980 de contenção do gasto público, a razão para consolidar a expulsão do sistema público de saúde de segmentos sociais médios e de trabalhadores dos setores, privado e público, mais dinâmicos da atividade produtiva. A expulsão do sistema público destes segmentos de trabalhadores politicamente mais organizados teria enfraquecido ainda mais as reivindicações e a pressão social pela melhoria do setor estatal de saúde.
Seguindo o mesmo raciocínio Mendes 6 nos informa que, nos anos 1990, o mecanismo de racionamento, dando-se por uma queda da qualidade média do SUS, proporcionou a continuidade e a ampliação do processo de exclusão do sistema público para o setor supletivo de saúde, ter atingido parte da classe média baixa e dos trabalhadores de pequenas empresas.
Contudo, em sua maioria, os trabalhadores com cobertura extra-SUS continuam a depender do setor público para resolver problemas de alta e, conforme o caso, de média complexidade que não são totalmente, e, mesmo, em certas modalidades de planos de saúde, parcialmente cobertos pela atenção médica supletiva 6,7 entre outras ações de saúde como, por exemplo, a venda de medicamentos através da Farmácia Popular, onde cerca de 65% de seus usuários são pacientes de convênios e particulares (http://www.acoesp.org.br/interessegeral/noticia.asp?id=790, acessado em 06/02/2006). O processo de inserção de tais setores sociais nos planos de saúde não tem significado sua total saída do sistema público e, muito menos, deveria necessariamente explicar o afastamento da participação sindical em uma efetiva mobilização pela melhoria do SUS.
Uma formulação que adquiriu destaque foi realizada por Costa 8. O autor sustenta que a opção das organizações sindicais pelos planos e seguros privados de saúde está na gênese da cultura associativa sindical brasileira (p. 25). A presença de uma cultura da diferenciação (p. 25) entre os trabalhadores explicaria a grande mudança de oferta dos serviços médicos. Os valores e os anseios dos trabalhadores dos setores de ponta da economia por políticas diferenciadas de saúde implicaria na resistência destes à universalização. Além disso, a existência de competição entre as orientações ideológicas dos sindicatos (lideranças) e de sua base de trabalhadores (liderados) tem implicado à não conformidade entre as decisões em defesa do SUS assumidas pelas lideranças sindicais nas instâncias formais colegiadas e o conteúdo em prol de planos de saúde das negociações dos liderados junto a empresas e a setores produtivos particulares.
Para Vianna 9 (p. 179) não estaríamos diante de simples inconsistência entre representantes e representados, mas de um modelo de organização de interesses semelhante ao americano. Modelo que fomenta o lobbying enquanto veiculo de articulação dos interesses que tornam impossíveis políticas fundadas numa solidariedade abrangente. O paradoxo, considerado por Vianna 9 como aparente, entre a retórica publicista (p. 179) das centrais sindicais e a estratégia particularista dos sindicatos a ela vinculados ocorreria porque o contexto no qual os lobbies são operados não espelha com exatidão a matriz americana. No Brasil, são muitos milhões que não tem acesso a tais formas de ação reivindicativa e que não podem ser descartados do discurso das centrais sindicais.
Devemos recordar que, nos anos 1970, sindicatos de trabalhadores apresentaram inúmeros questionamentos ao convênio-empresa. Estes eram denunciados pela falta de isenção na prática da assistência médica subordinada ao empregador, pela queda da qualidade do tratamento reduzido a prescrição de analgésicos e outros medicamentos, além de recusarem o tratamento de doenças que exigiam uma recuperação mais demorada, conforme apontado por importantes estudos da Saúde Coletiva 10,11,12,13.
Esta critica foi incorporada pelo movimento sindical que se rearticulava na Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras – Conclat, realizada de 21 a 23 de agosto de 1981. Em suas resoluções, propunha à extinção dos convênios médicos, concomitantemente com a criação de uma rede base e pública de previdência 14 (p. 34). Também a articulação sindical na saúde já se fazia presente através do Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho – Diesat. Nas discussões em torno da reforma da assistência médica da Previdência Social, o Diesat 15 alertara, já em 1982, para o fato das propostas reformistas para o setor saúde que atingiam o segmento de prestadores de serviço privado contratado, poderiam caminhar no sentido de reforçar não o setor público, mas o segmento de seguro-saúde em expansão. Identificou, corretamente, que o processo de racionalização de serviços com controle de gastos... contraria os interesses de parte do empresariado hospitalar, não... para fortalecer o setor público, mas para concentrar a propriedade privada do setor, levando-a ao oligopólio e abrindo espaço para as multinacionais e o capital financeiro que penetra fortemente na área de seguro-saúde 15 (p. 12). Contudo, esta posição não assumiria grande repercussão, predominando uma critica genérica ao favorecimento oficial à medicina privada e às empresas capitalistas que exploram hospitais, laboratórios, bancos de sangue, medicinas de grupo, seguradoras de saúde 16 (p. 51).
O movimento de reforma sanitária, segundo Mendes 17 centraria o embate político-ideológico contra os prestadores de serviços de saúde do setor privado contratado pela Previdência Social em favor dos prestadores de serviços de saúde estatais, polarização consagrada na 8ª Conferencia Nacional de Saúde. Além disso, sua formulação acerca do financiamento necessário a uma universalização que preservasse os padrões de oferta alcançados pelos trabalhadores formais, à época, era dúbia. Se não negava a necessidade de recursos adicionais, priorizava a interpretação de que os recursos existentes eram mal empregados e se esvaiam pelos canais da corrupção. Uma das principais justificativas para se empregar, de forma universalizada, os recursos da Previdência Social, era de que toda a sociedade contribuía indiretamente para ela e não apenas os trabalhadores e empresas contribuintes. O diagnóstico do Banco Mundial sobre a atenção à saúde no Brasil 18 já apontava serem os trabalhadores formais privilegiados quando da utilização de recursos públicos que deveriam, em função da equidade, serem desviados para os chamados pobres. Cremos que a falta, portanto, de uma política clara de repulsa a esse tipo de política poderia ter dificultado um engajamento mais ativo do movimento sindical, em uma reforma sanitária que dispensasse as coberturas privadas adicionais para atenção à saúde, já presentes em diversas categorias de trabalhadores.
Não deve ser desconsiderado o fato de que muitos sindicatos de categorias profissionais dos segmentos médios e de trabalhadores qualificados participaram de importantes ações nos Programas de Saúde do Trabalhador – PST e nos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador – CRST 19,20,21,22, inclusive com a experiência de gestão sindical 21. Além da participação nas I e II Conferencia Nacional de Saúde do Trabalhador, respectivamente, em 1986 e 1994, esta última marcada por uma conjuntura significativamente distinta.
As lutas dos trabalhadores contribuiriam para a instituição e o desenvolvimento dos PSTs e CRSTs. Por sua vez, estes têm possibilitado tornar público os dados referentes aos acidentes e diagnósticos de doenças do trabalho. Colaboram para que os trabalhadores organizados tenham elementos para subsidiar suas lutas em defesa do direito a saúde, a previdência social e por mudanças e melhoria nas condições de trabalho, em contraposição a ocultação dos danos a saúde dos trabalhadores pelas empresas com a cumplicidade das empresas de medicina de grupo por elas contratadas 23. Todavia, não ocorreu um massivo e qualitativo envolvimento de categorias expressivas de trabalhadores 20. As ações dos PSTs e dos CRSTs são marcadas pela descontinuidade 24 atendendo, a partir dos anos 1990, predominantemente, a população trabalhadora desempregada e no mercado informal 19.
O movimento sindical no período pós Constituição, segundo Rodrigues 25, vislumbrou a possibilidade das classes trabalhadoras influir mais decisivamente na esfera publica. Tem concentrado atenção especial aos fóruns setoriais de âmbito nacional, entre eles, os do setor saúde: o Conselho Nacional de Saúde - CNS, a Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador – CIST e, mais recentemente, na Câmara de Saúde Suplementar – CSS, mas se distanciado das ações mais próximas dos PSTs e dos CRSTs 26. A CUT 27 reconheceria a dificuldade em socializar para o conjunto da Central as propostas e mobilizações nos fóruns de saúde que participa.
A temática por nós apresentada tem merecido pouca atenção da área de Saúde do Trabalhador. Em trabalho de grande amplitude e de referência para a área Lacaz 19 de forma bem concisa, registra tal prática sindical como paradoxal e contraditória. Posteriormente, Lacaz 28, sumariamente, assinalaria que o problema - um nó político-ideológico não desatado pelo sindicalismo - seria: a) a expressão da mudança de orientação em relação à assumida, no final dos anos 1970, ao passar de uma posição de confronto com o capital para uma ação que implique certa conciliação ou, conforme Rodrigues 25, uma cooperação conflitiva (p. 125) conceito utilizado para identificar o padrão de ação sindical a partir dos anos 1990; b) o resultado das transformações da formação sócio-cultural e dos hábitos de consumo das novas gerações de trabalhadores como, por exemplo: os da indústria automobilística e, c) da falta de vínculos mais profundos dos sindicatos no interior das empresas, a incipiente organização nos locais de trabalho.
No entanto, podemos apontar que não seria a falta de organização dos trabalhadores nos locais de trabalho um indicativo relevante para explicar a prática sindical por melhorias em planos e seguros de saúde, ainda mais se consideramos o exemplo citado - os trabalhadores da indústria automobilística - onde, há mais de duas décadas, estes trabalhadores detentores de um elevado nível de organização no interior das empresas têm esta demanda incorporada em sua ação sindical.
Andreazzi 29,30 ao discutir as relações entre oferta, demanda e necessidade em saúde sob a perspectiva marxista da reprodução social nos informa que para invocar a mudança de hábitos de consumo de serviços de saúde, se for este o caso, das novas gerações de trabalhadores, como explicação da política sindical em relação à atenção médica a saúde do trabalhador, seria necessário analisar as distintas conjunturas das últimas décadas, tendo a compreensão de que há que existir uma oferta que se aproveite das representações indistintas dos trabalhadores sobre suas necessidades de saúde para criar necessidades sociais de consumos, hábitos segundo os interesses dos ofertantes. Mas não somente. É preciso forjar a ação em direção a tal consumo, o que envolve processos coletivos em que as distintas classes e frações de classes sociais envolvidas, com os seus interesses materiais concretos e suas ideologias disputam a consciência dos trabalhadores. O sindicalismo configura e expressa uma das formas dessa luta de classes.
Vimos que Costa 8 condiciona a ação sindical por atenção à saúde pelas escolhas e preferências individuais dos trabalhadores. Mas tanto ele, assim como, Vianna 9 no que se refere à seguridade social no Brasil, privilegiam as articulações das organizações de interesses dos trabalhadores com os arranjos institucionais e as estruturas de decisão (acordos, mecanismos de concertação) do Estado. Nesta perspectiva, conceitualmente apoiada na abordagem institucionalista, o Estado é considerado um ator, despojado das formas de dominação fundadas nas relações sociais de produção, diante do qual o sindicalismo, um outro ator, se apresentaria para participar na formulação da política pública de saúde (entre outras). A evolução institucional do Estado e a organização sindical dos trabalhadores não são consideradas em relação à totalidade e a especificidade da estrutura social capitalista no Brasil em seu desenvolvimento histórico concreto, mas referidos a produção das políticas sociais, no limite, comparadas a modelos de proteção social e de cidadania próprio do Welfare State 31. Com base neste referencial identificaram o processo de expansão do mercado de planos de saúde no país como decorrente das demandas sociais dos trabalhadores e de seus sindicatos que emergiram das negociações coletivas nos anos 1980.
Demandas sindicais por bem estar na relação com a empresa e o Estado
Tanto a formulação apoiada nos valores ou na cultura de diferenciação entre os trabalhadores, quanto a que considera a impossibilidade das organizações sindicais sustentarem políticas solidárias amplas apóiam-se, entre outro, numa evidência empírica. A partir dos anos 1980, se expandiu a pauta de reivindicações dos trabalhadores por serviços sociais e de bem estar em negociação coletiva direta entre sindicato e empresa. Este fato foi entendido e invocado para afirmar que, já naquele momento, o movimento sindical – em relação à configuração da seguridade social, inclusive o sistema de saúde – deslocara o lugar do Estado na definição de direitos sociais e voltara-se para o local de trabalho e a empresa como espaço central para as conquistas sociais.
No entanto, a existência de tal pauta reivindicativa junto às empresas não necessariamente se configura um pleito sindical exclusivista do coletivo de trabalhadores diretamente interessado, capaz de representar seu afastamento das demandas dirigidas ao Estado. Isto depende da situação concreta e da conjuntura em que tais lutas se processam. Ao longo dos nos anos 1980, o sindicalismo assumiu uma ação voltada para a aglutinação de forças numa mesma categoria profissional ou entre categorias distintas, valendo-se da mobilização para chegar a negociação 32,33 . Diversas categorias de trabalhadores obtiveram conquistas sociais junto ao empresariado através de mobilizações, greves e negociações coletivas. As cláusulas conquistadas por uma categoria, passavam a integrar a pauta geral de reivindicações do movimento sindical e, algumas delas chegaram a ser estendidas a categorias de menor poder organizativo. Posteriormente, a luta dos trabalhadores assegurou a consagração, de grande parte delas, na Constituição Federal de 1988 e/ou na Legislação como direito de todos trabalhadores, como é o caso da estabilidade para o trabalhador acidentado. As demandas por bem estar às empresas, naquele momento, parecem ter contribuído para ampliar a pressão junto ao Estado no sentido de consagrar determinadas conquistas no rol de direitos sociais.
Já nos anos 1990, o quadro é outro e a tendência tem se dirigido em sentido contrario. As negociações coletivas têm se caracterizado por sua natureza particularista e descentralizada, reforçada pela iniciativa do governo federal em introduzir temas cuja negociação restringe-se ao âmbito das empresas, como a participação nos lucros e resultados e sobre flexibilização da jornada de trabalho, processo que se intensifica a partir da segunda metade da década de 1990.. Em relação à ação sindical em saúde do trabalhador passou a predominar uma estratégia atrelada à pauta dirigida pelo aparelho de Estado, restringindo seu olhar a.. doenças especificas e a risco de acidente também muito particulares 19 (p. 386).
O estimulo a ampliação dos benefícios está orientada por preocupações mais institucionais e para as virtudes do Contrato Coletivo de Trabalho, em negociações cada vez mais particularistas. Parcela considerável dos sindicatos da CUT assumiram a diversidade entre setores e empresas como critério determinante para a negociação 33. Manifesta-se, assim, um corporativismo não mais por referência ao Estado, mas um certo insulamento de grupo em torno de si mesmo, priorizando suas demandas salariais e sociais em negociação direta, setorial ou com a empresa, isolando-se ou se contrapondo, não a um suposto interesse geral da sociedade, mas a luta reivindicativa e política mais ampla em torno de uma plataforma comum dos trabalhadores 32.
Em 1989, a pesquisa realizada pela firma de consultoria Montigny / Woerner junto ao segmento empresarial, citada por Mendes 17, indicou que a pressão sindical advinda de reivindicação dos trabalhadores não possuía peso importante entre o rol de motivos apontados para justificar a adesão das empresas ao setor supletivo de saúde, fato também apontado por Checchia 34. As principais razões figuravam no âmbito dos objetivos da política empresarial relacionadas às formas de controle sobre a força de trabalho ocupada 10,11,12,13,34 e as novas modalidades de sua utilização e gestão, na conjuntura aberta a partir dos anos 1980 35.
Fernandes 35 recusara a relação de causalidade entre as demandas sindicais por serviços sociais, entre elas a de atenção médico-hospitalar, e a expansão da oferta destes serviços pelas empresas empregadoras. Este movimento, somente se generalizou, enquanto uma forma particular de proteção social, por meio da política estatal que, respondendo as necessidades de determinados segmentos do empresariado, naturaliza-o e incorpora-o ao sistema de proteção social vigente.
As determinações do processo de expansão do mercado de planos e seguros de saúde nos remetem ao convênio-empresa, anos 1960 e 1970, com financiamento público, via seguro social, apoiado no interesse do empresariado em assegurar a produtividade do trabalho, num momento de intensificação da industrialização no país com grande impacto sobre a saúde dos trabalhadores. Na década de 1980, prossegue a expansão do setor supletivo de saúde caracterizado, agora, segundo Médici 36, por formas autônomas de financiamento da assistência médica em relação ao setor público - apesar de mantido mecanismo de renúncia fiscal aos usuários e empresas que contratam planos de saúde – apoiado na entrada do capital financeiro 11 .
Processo que caminharia relacionado às transformações econômicas e produtivas, sociais e políticas num período de ascensão das lutas dos trabalhadores, inclusive, a luta pelo direito á saúde. O setor empresarial reforçaria a associação entre bem estar dos trabalhadores e à idéia de competitividade. Conforme documento do Instituto Herbert Levy - IHL de 1993, apud Vianna 9, o papel da empresa deve ser o de agente da transformação global, dar respostas rápidas ao mercado e incorporar algumas funções que eram dever do Estado, tais como a Saúde e a Educação do seu corpo de funcionários, como partes integrantes e imprescindíveis ao processo de Educação para a Competitividade Empresarial.
Neste sentido, segundo Fernandes 35 a negociação sindical se inclui como um dos aspectos a serem considerado pelas grandes corporações industriais, financeiras e de serviços. Estas introduziram novas tecnologias e processos de gestão flexíveis com novos requisitos em termos de habilidades e valores para a força de trabalho. Em particular, se constituiria um núcleo de novos operários e trabalhadores diretamente contratados que, conforme Alves 37 apesar de sua redução numérica tendeu, nos anos 1990, a aumentar o seu tempo médio de permanência nas empresas, executando com maior intensidade uma grande quantidade de operações. O que deve reforçar as relações de complementaridade das empresas com o segmento de planos e seguros de saúde 12, visto as preocupações em controlar a força de trabalho diretamente ocupada, a redução do absenteísmo, à fixação do trabalhador no processo de trabalho 10 e as funções político-ideológicas de identificação do trabalhador com a empresa 11 .
O novo complexo de reestruturação produtiva recrudesceu a superexploração da força de trabalho, característica estrutural do capitalismo no Brasil 37,38. Este quadro pode ter acentuado a enorme diferenciação quanto ao acesso e aos padrões de qualidade dos serviços médico-hospitalares fornecido pelas empresas aos trabalhadores, seja de forma direta e/ou através do setor supletivo, aspecto já apontado pelos estudos na Saúde Coletiva do final dos anos 1970, anteriormente mencionados 10,11,12,13 .
Nesta direção, Santos 39 apresentou um panorama da extensa diversidade em que os serviços de saúde nas grandes empresas e na sua rede de contratadas são prestados e/ou financiados com ou sem co-participação dos próprios trabalhadores. Diferenciação que pode ser definida pela categoria profissional (qualificação, hierarquia funcional) ou pelo contrato de trabalho (vinculo direto, terceirizados, estagiários). O beneficio do plano de saúde pode ser restrito aos funcionários da empresa ou, até, extensivo a esposas, dependentes e agregados. A rede credenciada pode ser composta desde os estabelecimentos considerados top de linha até o campo oposto. Da mesma forma, que o padrão e a amplitude da cobertura do plano de saúde e sua gama de serviços, pode variar de bem ampla até residual 34,39.
Em outro trabalho, Santos 40 nos indica que a realidade do dia-a-dia dos trabalhadores do mercado formal onde a insalubridade, a periculosidade e o tempo limite de afastamento para adoecidos ou acidentados determina um constante questionamento do estado de saúde do trabalhador coloca em xeque a idealização de que os trabalhadores sejam uma elite do país por... terem, na maior parte, plano ou seguro privado de assistência à saúde 40 (p. 32). Além disso, em grande parte, são os próprios trabalhadores que respondem, total ou parcialmente, por seus custos.
Como vimos, as demandas sindicais dos trabalhadores, inclusive por assistência à saúde, apresentadas ao empresariado nas negociações coletivas assumiram qualidades distintas nas diferentes conjunturas históricas. Apesar de constarem nos acordos coletivos, a forte expansão da oferta de atenção médica supletiva não pode ser atribuída a pressão sindical dos trabalhadores. Uma outra questão levantada se refere à desigualdade no acesso e na qualidade dos serviços de saúde no próprio setor supletivo e entre os que adquirem um plano de saúde em decorrência do trabalho. Ainda pouco estudado, se considerarmos que este setor não estaria isento das clivagens de classes sociais no país que pode estar sendo recrudescida pela repercussão do processo de reestruturação produtiva no sistema de saúde brasileiro. Este quadro, nos conduziria a recusar à oposição reducionista entre usuários do sistema supletivo de saúde versus usuários do SUS, o que torna ainda mais complexa as análises sobre a participação sindical na luta em defesa da saúde dos trabalhadores 41.
O SUS e os planos privados de saúde nas resoluções da CUT em tempos de política neoliberal
Uma certa simplificação das contradições sociais ganhou amplitude no campo político-ideológico, a partir dos anos 1990, com a implementação das políticas econômicas e sociais restritivas de cunho neoliberal, no momento de implantação do SUS. Segundo Andreazzi 30, adquiriu relevo - sob o discurso da universalização e da equidade nos termos do Banco Mundial - a argumentação de que a utilização do sistema público de saúde por categorias de maior renda tira o lugar dos mais pobres (p. 218). Neste sentido, a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda 42 (p. 3) apontou como principal problema das políticas sociais no Brasil o privilégio concedido pelo atual sistema... a grupos de renda mais alta.
O combate aos direitos sociais, genericamente, estigmatizados como privilégios tem assumido um dos aspectos centrais no discurso neoliberal que, segundo Boito Jr.32 alcançou uma hegemonia regressiva (p. 222). Para o autor, a despeito de cortes de direitos sociais e trabalhistas promovido pelas políticas neoliberais, as classes dominantes obtiveram uma hegemonia, ainda que de modo superficial, instável, precária, e com impacto desigual sobre os diferentes setores dos trabalhadores. Hegemonia, portanto, conquistada sem concessões econômicas e, ao contrário, retirando e restringindo direitos das classes dominadas, neste sentido seu caráter regressivo.
Para a caracterização deste fenômeno torna-se necessário à compreensão de que o modelo de desenvolvimento do populismo e, o que se seguiu, o período desenvolvimentista durante a ditadura militar geraram no Brasil contradições no interior das classes trabalhadoras da cidade e do campo, e não apenas entre ambas, no que se refere ao acesso restrito e segmentado aos direitos sociais. Estas contradições, ao longo do tempo, suscitaram nos trabalhadores preteridos pelos direitos sociais uma revolta difusa, vocalizada na cena política pela ideologia neoliberal e negligenciada pelo sindicalismo 32.
No caso da assistência à saúde, quando questionados, sindicalistas da CUT têm argumentado que apesar de serem contrários são obrigados a encaminhar a reivindicação por planos de saúde em suas categorias 39. Esta questão não pode ser simplificada, manifesta a complexidade que a defesa do SUS representa na presente conjuntura. Por um lado, a simples adesão (passiva) sindical a forma de intermediação de serviços de saúde, representada pelos trabalhadores por meio dos convênios e planos de saúde, pode manifestar um tipo de pragmatismo, aprofundando mais ainda, o fosso existente com os demais segmentos da classe trabalhadora usuária exclusiva do SUS. Por outro lado, uma simples recusa pode subestimar as dificuldades de acesso e qualidade no SUS e o avanço ideológico alcançado pelo sistema supletivo junto aos trabalhadores. Não se converteria, portanto, em diretriz capaz de realizar uma aproximação com os segmentos de trabalhadores já contemplados, mesmo que parcialmente, pela cobertura dos planos de saúde, com objetivo de integrá-los na defesa da melhoria do SUS.
Além disso, as ações em relação à demanda por assistência à saúde dos trabalhadores no SUS e/ou no sistema supletivo não devem ser consideradas separadamente da conjuntura histórica e das demais políticas sindicais nela desenvolvida. Neste sentido, é importante considerar que o movimento sindical foi atingido de frente pela situação econômico-social / implantação da política neoliberal que não poupou nem mesmo os setores de melhor organização dos trabalhadores (metalúrgico do ABC, bancários, petroleiros e servidores públicos). Os trabalhadores não se colocaram passivos e empreenderam resistências diferenciadas, como a greve dos petroleiros de 1995, as ocupações dos trabalhadores rurais sem terra e a constituição de movimentos sociais e de trabalhadores vitimados por acidentes e doenças do trabalho atuando, inclusive internacionalmente, como redes em contraposição aos grupos hegemônicos 43,44 .
Todavia, a trajetória da CUT tem sido marcada por contradições e ambigüidades em relação às políticas neoliberais. Ao mesmo tempo, que promovia manifestações contrárias à privatização das empresas estatais e à flexibilização dos direitos trabalhistas, assimilaria, em parte, propostas restritivas dos direitos dos trabalhadores, como no caso da reforma da previdência social e dos acordos para implantação de banco de horas, além da, já citada, característica descentralizada corporativista das negociações coletivas pelos principais sindicatos da base da central 45.
No que se refere às políticas públicas de saúde e educação, o 5º Concut 46, realizado de 19 a 22 de maio de 1994, registrou a política contraditória da Central na luta pelos direitos sociais (p. 41) e afirmou a necessidade de lutar pela garantia dos direitos sociais junto ao poder público como condição para que sejam viabilizados para o conjunto dos trabalhadores... os representados pelos sindicatos mais organizados até os menos organizados... os trabalhadores da economia informal, os rurais e aqueles sem qualquer representação... não se fechando no corporativismo nem no economicismo 46 (p. 41-42). No 6ª Concut 27, realizado em agosto de 1997, chegou-se a firmar o compromisso de rever a tendência histórica dos sindicatos optarem por convênios médicos privados em processos negociais. Além do que, reconhecemos as limitações dos convênios e seguros saúde, particularmente nas ações de prevenção e intervenção no ambiente de trabalho 27 (p. 82).
Contudo, na 9ª e 10ª Plenária Nacional, assim como, no 7º e 8º Congresso Nacional da CUT 47,48,49,50, eventos realizados posteriores a 1997, nenhum balanço foi apresentado a este respeito, nem sequer constariam das resoluções referências à política contraditória na luta pelos direitos sociais 46 (p. 41). Reitera-se, de forma genérica, o apoio ao SUS e aos princípios de universalização, equidade, integralidade, descentralização e controle social.
Em 2003, no 8ª Concut 50 a formulação continuar o debate junto ao governo federal sobre a Rede Nacional de Saúde do Trabalhador no SUS (p. 39) revela a indefinição da Central acerca da saúde do trabalhador no SUS. Já em relação ao Fórum de Saúde Suplementar, realizado também em 2003, a representação da CUT 51,52 postulou da ANS enfrentar os problemas dos altos reajustes dos planos; de descredenciamento e insuficiência da rede pelas operadoras, restrições de acesso a serviços de média e alta tecnologia; a garantia de cobertura integral a todas as doenças, propôs ainda que se discuta o atendimento dos acidentados de trabalho, hoje excluídos do sistema 82 (p. 1). Demanda por atendimento ao trabalhador acidentado pelos planos, sem ser mencionado suas limitações... nas ações de prevenção e intervenção no ambiente de trabalho 27 e seu caráter político-ideológico de controladora e recolocadora imediata do trabalhador na produção/serviço 53 (p. 7).
Apesar das ressalvas, o pleito sindical junto a ANS expressa o recrudescimento, a partir da segunda metade dos anos 1990, de conflitos sindicais dos trabalhadores em torno das chamadas cláusulas sociais. O estudo de Pina 54, registra que os metalúrgicos do estado de São Paulo vinculados a CUT resistiram a forte ofensiva empresarial e mantiveram em suas convenções coletivas a estabilidade no emprego até aposentadoria para o trabalhador acidentado ou portador de doença do trabalho. O jornal do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC/SP tem assinalado a investida das empresas, inclusive das grandes, para esconder as doenças do trabalho como forma de burlar a estabilidade. Nos últimos cinco anos, por meio de ação judicial impetrada pelo sindicato 231 metalúrgicos portadores de doenças profissionais foram reintegrados ao trabalho nas empresas do ABC após serem demitidos arbitrariamente, além disso, somente em uma empresa, 48 trabalhadores foram excluídos do plano de saúde em função de estarem afastados por doenças ou acidentes no trabalho, a maioria com LER 54.
Este contexto agrega elementos para seguir questionando a aludida segurança da proteção à saúde dos planos coletivos 55, um aspecto apontado como desencadeador de cobertura suplementar para indivíduos de camadas populares, inclusive o retorno dos que antes possuíam tal cobertura em decorrência do trabalho 56. Mas as dificuldades de acesso e qualidade no SUS atuam contrariamente limitando a extensão desse questionamento.
O acelerado crescimento da informalidade e da precarização nas relações de trabalho, do desemprego e a significativa redução dos rendimentos reais dos trabalhadores 57 imporia aumentar a pressão sobre o SUS. Por um lado, porque reforça a tendência do sistema público como única alternativa de assistência à saúde para maioria dos trabalhadores. Por outro, pela possibilidade de canalizar em favor do SUS os descontentamentos do operariado qualificado, dos assalariados e de setores médios pressionados além da queda de seus rendimentos, pelo aumento nos custos e demais problemas com os planos de saúde. A iniciativa do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - Idec 58 de São Paulo em editar, em 2003, uma cartilha apontando o SUS como o melhor Plano de Saúde pode indicar a presença desta possibilidade.
Este processo encontrou o sindicalismo, majoritariamente, debilitado político e ideologicamente. A CUT, no inicio da década de 1990, produziu uma inflexão em sua ação sindical, elevou o Contrato Coletivo de Trabalho a posição de principal definidor de suas demandas trabalhistas e sociais deslocando o Estado para posição secundaria. Em relação ao Estado, a CUT privilegiou uma atuação institucional para influir nas políticas públicas. Este seria um primeiro deslocamento, advertindo que a CUT rebaixou a posição do Estado, mas não o excluiu, inclusive nos seus processos de pressão política em favor de direitos sociais. Mais recentemente um segundo deslocamento vem se processando, agora quanto à natureza da intervenção estatal pleiteado pelas entidades sindicais. A resolução do 6º Concut 27 explicitou uma modalidade de ação já em curso na central: a execução de serviços sociais públicos. A CUT redefiniu seu entendimento acerca do papel do Estado: Acostumamos a enxergar... Estado e mercado... como únicas alternativas de viabilização do bem-estar social. No entanto, a dinâmica atual tem-nos mostrado que outros atores sociais podem e devem contribuir nas definições, implementações, controle e eficácia das políticas públicas 27 (p. 43).
A CUT nomearia como outros atores sociais as próprias entidades sindicais em parceria com ONGs. A Central atuaria não apenas propondo políticas públicas, mas executando serviços sociais preteridos pelo Estado, com destaque para área de educação e formação profissional. Emergia um setor sindical empenhado na execução e gestão de projetos sociais recorrendo a disputa pelos fundos públicos, além de estimular a formação de Cooperativas de Seguros Civis, Cooperativas de fundo de pensão complementares sob argumentação de investir os recursos daí provenientes em experiências cooperativas e de autogestão para geração de emprego e renda no combate a precarização do trabalho 27. Este sindicalismo explora os interstícios deixados pelo Estado para oferecer assistência aos trabalhadores e filiados sindicais, caso sobrevalorizado apontaria para um aumento das ações de assistência social em detrimento da mobilização e da luta por direitos 59.
Então, estariam vedadas para o sindicalismo brasileiro as possibilidades de organizar ações reivindicativas de natureza social e política ampla e solidária? A complexidade desse processo não permite uma afirmação tão peremptória. A este respeito, concordamos com Stotz 60 (p. 31): se na sociedade a única previsão realista é a da luta, as circunstâncias sempre podem favorecer a emergência de lutas mais amplas, dependendo, em boa medida, da capacidade das lideranças saberem aproveitar as circunstâncias.
As resoluções da CUT, a partir dos anos 1990, manifestam as oscilações na prática política assumida pela central. A tendência seria a continuidade do público e do privado nas demandas sindicais junto ao Estado e as empresas, entendendo que posições diferentes convivem no meio sindical de forma contraditória, mas nem sempre excludente entre si. No âmbito da CUT identificamos três modalidades distintas de ação sindical relativa a proteção social do Estado, a saber: a) pressionar o Estado para manter e ampliar os direitos sociais; b) participar institucionalmente na formulação de políticas públicas; e) disputar o fundo público para gerir e executar serviços sociais.










