0336/2025 - STATUS DE VITAMINA D E FATORES ASSOCIADOS EM MILITARES E DEPENDENTES CIVIS: RIO DE JANEIRO, BRASIL, 2018-2022
VITAMIN D STATUS AND ASSOCIATED FACTORS IN MILITARY AND CIVILIAN DEPENDENTS: RIO DE JANEIRO, BRAZIL, 2018-2022
Autor:
• PAMELLA LUIZA DOS SANTOS BENEDETTO - BENEDETTO, PLS - <pambenedetto@yahoo.com.br>ORCID: https://orcid.org/0009-0006-9445-336X
Coautor(es):
• FABRÍCIA GERALDA FERREIRA - Ferreira, FG - <fafege@yahoo.com.br>ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9836-4176
• WELLINGTON SEGHETO - SEGHETO, W - <wsegheto2@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5712-7665
• LEONICE APARECIDA DOIMO - DOIMO, LA - <ladoimo1@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3241-1838
Resumo:
Este estudo transversal avaliou o status de vitamina D e os fatores associados em militares e dependentes civis da Força Aérea Brasileira, no Rio de Janeiro, entre 2018 e 2022. Utilizaram-se dados do banco do Hospital Central da Aeronáutica (HCA), abrangendo 15.651 indivíduos (6.162 militares e 9.399 civis), com idades entre 18 e 60 anos. Foram analisadas as variáveis sexo, idade, ocupação (militar ou civil), mês da coleta e valores de vitamina D, medidos por quimioluminescência. A classificação do status de vitamina D seguiu critérios do Laboratório de Análises Clínicas do HCA e do Consenso de Especialistas Europeus. Entre os militares, as prevalências de deficiência, insuficiência e suficiência foram de 21,3% (IC95% 20,3-22,3), 47,6% (IC95% 46,3-48,9) e 31,1% (IC95% 30,0-32,3), respectivamente. Entre os civis foram de 29,9% (IC95%29,0-30,8), 46,4% (IC95% 45,4-47,4) e 23,7% (IC95% 22,9-24,6). Homens, indivíduos mais velhos e coletas realizadas no outono ou verão apresentaram melhores níveis de vitamina D. Embora os militares tenham apresentado menor risco de deficiência e insuficiência em relação aos civis, a prevalência de hipovitaminose D é elevada. Esses dados indicam a necessidade de estratégias individuais e coletivas para melhorar os níveis de vitamina D, especialmente entre militares.Palavras-chave:
Colecalciferol; hipovitaminose D; Deficiência de vitamina D; Forças Armadas.Abstract:
This cross-sectional study evaluated vitamin D status and associated factors in military personnel and civilian dependents of the Brazilian Air Force, in Rio de Janeiro, between 2018 and 2022. Data from the Central Air Force Hospital (HCA) database were used, covering 15,651 individuals (6,162 military personnel and 9,399 civilians), aged 18 to 60 years. The variables analyzed were sex, age, occupation (military or civilian), month of collection, and vitamin D values, measured by chemiluminescence. The classification of vitamin D status followed criteria from the HCA Clinical Analysis Laboratory and the European Expert Consensus. Among military personnel, the prevalence rates of deficiency, insufficiency, and sufficiency were 21.3% (95% CI 20.3-22.3), 47.6% (95% CI 46.3-48.9), and 31.1% (95% CI 30.0-32.3), respectively. Among civilians, they were 29.9% (95% CI 29.0-30.8), 46.4% (95% CI 45.4-47.4), and 23.7% (95% CI 22.9-24.6). Men, older individuals, and collections conducted in the fall or summer showed better vitamin D levels. Although military personnel had a lower risk of deficiency and insufficiency than civilians, the prevalence of hypovitaminosis D is high. These data indicate the need for individual and collective strategies to improve vitamin D levels, especially among military personnel.Keywords:
Cholecalciferol; hypovitaminosis D; Vitamin D deficiency; Armed Forces.Conteúdo:
A vitamina D (colecalciferol) desempenha um papel essencial na manutenção da saúde física e mental, o que tem despertado crescente interesse da comunidade científica e médica. Seu status, aqui entendido como a classificação dos seus níveis séricos, é dividido em suficiente (valores ?30 ng/mL), insuficiente (entre 20-29,99 ng/mL) e deficiente (<20 ng/mL)1. A deficiência de vitamina D está relacionada a uma série de enfermidades, como câncer, doenças cardiovasculares, doenças crônicas e autoimunes, além de comprometimento cognitivo e transtorno do humor, com destaque para a depressão2.
A hipovitaminose D é altamente prevalente e representa um problema de saúde pública global. Diversos fatores estão associados a menores níveis dessa vitamina, incluindo o envelhecimento3,4, a incidência solar5, os hábitos alimentares inadequados6, a cor da pele e os tipos de vestimenta7.
No contexto militar, em especial nas Forças Armadas, a prevalência de hipovitaminose D também é significativa e variável. Estima-se que ela atinja cerca de 50% dos militares nos Estados Unidos8,9 e até 75% na Europa10, e há evidência de que seus níveis tendem a cair durante o treinamento militar11. Isso ocorre em um grupo naturalmente heterogêneo, cujas diferenças de origem geográfica, estilo de vida e nível de atividade física influenciam diretamente os níveis séricos dessa vitamina12.
A deficiência de vitamina D pode comprometer a absorção de cálcio e, consequentemente, a saúde óssea, aumentando o risco de lesões osteomusculares. Tais lesões são uma das principais causas de afastamentos médicos entre militares13. Dados indicam que 74% dos militares com fraturas por estresse, devido treinamento militar, apresentavam níveis inadequados de vitamina D14.
Diante da necessidade de manter os militares em plenas condições físicas e mentais, tanto para o combate quanto para as atividades em tempos de paz, as Forças Armadas de diversos países têm investigado o status de vitamina D em suas tropas. No Brasil ainda há uma lacuna de estudos sobre esse tema. As pesquisas realizadas até o momento são escassas, restritas a forças auxiliares e com amostras reduzidas15,16. Além disso, não se sabe se há diferença no status de vitamina D de militares e seus dependentes civis.
Acreditamos que a profissão militar, marcada por rotina, demandas físicas e exposição ambiental específicas, pode influenciar os níveis de vitamina D. Conhecer como se apresenta suas concentrações séricas nessa população pode ajudar a responder se a condição de ser militar pode influenciar no status dessa vitamina, o que fornecerá subsídios para elaboração de estratégias que visem garantir níveis séricos suficientes, a fim de reduzir o risco de agravos à saúde, especialmente nos militares operacionais.
Este estudo teve como objetivo avaliar o status de vitamina D em militares e dependentes civis da Força Aérea Brasileira (FAB), e verificar a associação dos fatores sexo, faixa etária e estação do ano no status dessa vitamina, em ambos os grupos.
Nossa hipótese é que o status dessa vitamina é pior entre militares em comparação aos seus dependentes civis, e que fatores como sexo masculino, menor faixa etária e coletas realizadas nas estações com maior incidência solar estão associados a melhores níveis de vitamina D.
MATERIAIS E MÉTODOS
Realizou-se um estudo observacional retrospectivo, descritivo e exploratório, com base em dados secundários obtidos de prontuários de militares e dependentes civis, que realizaram dosagens de vitamina D no Laboratório de Análises Clínicas do Hospital Central da Aeronáutica (HCA), na cidade do Rio de Janeiro.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos do Hospital de Força Aérea do Galeão (CAAE: 65642222.9.00005250, parecer nº 5.801.766), em conformidade com a legislação brasileira e com a Declaração de Helsinque.
Procedimentos de coleta dos dados
Foram considerados todos os dados registrados eletronicamente no sistema Complab, pertencente à FAB, no período de 1º de janeiro de 2018 a 31 de dezembro de 2022, num total de 68.465 exames. Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, descritos a seguir, foram analisados um total de 15.651 registros.
Foram incluídos indivíduos de ambos os sexos, com idades entre 18 e 60 anos, independentemente da patente, no caso dos militares. Quando havia mais de uma dosagem registrada para o mesmo indivíduo, foi considerado apenas o primeiro resultado, para evitar a influência de possíveis tratamentos realizados entre as coletas. Foram excluídos prontuários sem informação sobre a categoria ocupacional (militar ou civil), idade ou sexo, bem como exames de pacientes internados ou em monitoramento pela medicina do trabalho.
As dosagens de vitamina D referem-se a exames realizados em acompanhamento ambulatorial, independentemente da condição clínica dos pacientes (sintomáticos ou assintomáticos, em reposição de vitamina D ou em exames de rastreamento).
Classificação das variáveis
Além das concentrações séricas de vitamina D, foram coletadas informações referentes ao sexo, idade, ocupação e mês da dosagem, tanto para militares quanto para civis.
O sexo foi categorizado em masculino e feminino, e a ocupação, em militar ou civil. A idade foi estratificada em faixas etárias: 18–29, 30–39, 40–49 e 50–60 anos, com o objetivo de facilitar a análise dos dados. As estações do ano foram definidas com base no mês de realização do exame, uma vez que o dia da coleta não estava disponível. As categorias sazonais adotadas foram: verão (janeiro a março), outono (abril a junho), inverno (julho a setembro) e primavera (outubro a dezembro).
As dosagens de Vitamina D foram realizadas pela técnica de quimioluminescência, utilizando o kit de dosagem LIAISON® 25 OH Vitamin D TOTAL Assay. Para análise, os valores das dosagens foram categorizados em três grupos: deficiência (<20 ng/mL), insuficiência (20-29,99 ng/mL) e suficiência (?30ng/mL). Esses parâmetros de referência foram adotados pelo HCA, em conformidade com a bula do kit e com o Consenso de Especialistas Europeus¹. Assim, o status de vitamina D de cada indivíduo foi classificado como deficiente, insuficiente ou suficiente.
Análise estatística
Os níveis de vitamina D foram avaliados quando à distribuição da normalidade pelo teste de Shapiro-Wilk, que indicou ausência de normalidade. As variáveis numéricas foram descritas por média, desvio padrão, mediana e intervalo interquartil, enquanto as variáveis categóricas foram expressas em percentuais. Os intervalos de confiança foram reportados, considerando-se diferença significativa quando estes não se sobrepunham. Para comparar as medianas dos níveis de vitamina D entre militares e civis, utilizou-se o teste de Mann-Whitney. Modelos de regressão logística multinomial foram construídos para avaliar a associação entre o status de vitamina D (desfecho) e os fatores sexo, faixa etária e estação do ano (variáveis exploratórias) nos grupos militar e civil. Foram estimados odds ratios (OR) e respectivos intervalos de confiança de 95 % (IC95%) para cada variável exploratória, sendo o modelo múltiplo ajustado para todas as variáveis. O status suficiência de vitamina D foi utilizado como referência. As análises foram realizadas no software estatístico Stata versão 13.0, considerando-se significativas as diferenças quando p < 0,05.
O cálculo do poder a posteriori foi realizado no software G*Power, considerando um nível de significância (?) de 0,05 e pseudo-R2 de 0,02, resultando em 1,0 (ou 100%), indicando que o estudo possui alta capacidade de detectar os efeitos observados dos preditores no status de vitamina D.
RESULTADOS
Dos 68.465 exames coletados entre 2018 e 2022, após triagem, foram analisados dados de 15.651 indivíduos. Desses, 6.162 eram militares da FAB (43,54 ± 11,91 anos) e 9.399 civis dependentes (42,42 ± 12,86 anos). As características dessa amostra estão descritas na Tabela 1.
Os níveis médios de vitamina D foram de 26,30 ± 8,62 ng/mL entre militares e 24,31 ± 8,40 ng/mL entre civis, sendo o status dessa vitamina apresentado na Tabela 2. A prevalência de deficiência foi significativamente maior entre os civis (p=0,01), enquanto a suficiência foi significativamente maior entre os militares (p=0,01). Já a prevalência de insuficiência de vitamina D, por sua vez, não apresentou diferença estatística entre os grupos. As medianas de vitamina D diferiram significativamente entre militares e civis nas três categorias do status.
A Tabela 3 apresenta a distribuição do status de vitamina D entre militares e civis. A análise dos intervalos de confiança mostra que, em ambos os sexos, a prevalência de deficiência foi significativamente maior entre os civis. Diferenças nas prevalências de insuficiência e suficiência foram observadas apenas entre os homens. Em relação à faixa etária, as prevalências de deficiência e suficiência de vitamina D diferiram significativamente entre militares e civis, sendo a deficiência mais frequente entre civis e a suficiência entre militares. No verão, observou-se a menor prevalência de deficiência em ambos os grupos, com a maior prevalência de suficiência registrada entre os militares.
Os fatores associados ao status de vitamina D estão apresentados nas Tabelas 4 e 5, para militares e civis, respectivamente. Entre os militares, após ajuste, as mulheres apresentaram 1,65 maior chance de deficiência e 1,27 de insuficiência de vitamina D. As estações de outono e verão estiveram associadas à redução das chances de deficiência e insuficiência (p < 0,05). Entre os civis, após ajuste, as mulheres apresentaram 1,25 vezes mais chances de deficiência e 1,39 vezes mais chances de insuficiência de vitamina D. A faixa etária mais elevada foi um fator protetor para deficiência: as chances foram reduzidas em 19% para as faixas de 30–39 e 40–49 anos, e em 41% para 50–60 anos. Para insuficiência, a faixa de 50–60 anos esteve associada à redução de 24% na chance de ocorrência. As estações de outono e verão reduziram significativamente as chances de deficiência (p < 0,01) e insuficiência (p < 0,05).
DISCUSSÃO
Neste estudo, observamos que os militares apresentaram um status de vitamina D significativamente mais favorável em comparação aos dependentes civis, conforme demonstrado na Tabela 2, contrariando nossa hipótese.
Os valores da população civil estão alinhados com os de Mendes et al.17 que, em uma revisão sistemática sobre hipovitaminose D na América do Sul, identificaram prevalência de 30,2% para concentrações abaixo de 20 ng/mL entre as latitudes 11ºS e 30ºS, faixa que inclui a cidade do Rio de Janeiro (22º54’13”), local da presente pesquisa. Resultados semelhantes foram reportados por Henriques et al.10, em estudo com militares portugueses, que também apresentaram melhores níveis de vitamina D (34,6% com deficiência, 40,1% com insuficiência e 25,2% com suficiência), em comparação aos civis (41,1% deficiência, 35,4% insuficiência e 23,5% suficiência). Apesar do desempenho relativamente melhor entre os militares, a taxa de suficiência ainda é considerada baixa. Esse dado pode estar relacionado a barreiras para conversão cutânea de vitamina D como o uso de uniformes que cobrem a maior parte do corpo, limitando a exposição solar durante o expediente e o trabalho em ambientes fechados, fatores destacados por Fogleman et al.18 em carta ao editor, publicada em periódico militar norte-americano.
A ingestão alimentar de vitamina D entre militares também pode ser insuficiente, como demonstrado por Lutz et al.19, que compararam as ingestões antes e durante treinamento militar com as recomendações nutricionais diárias. No entanto, o estilo de vida exigido pela carreira militar pode contribuir para uma maior atenção à saúde. De acordo com dados do Sistema de Saúde Militar dos Estados Unidos, militares da ativa realizam, em média, 13 consultas ambulatoriais por ano, sendo 30,9% delas para avaliações de rotina20. Observa-se, ainda, relato de alto consumo de suplementos alimentares entre militares das Forças Armadas americanas, com 69% fazendo uso de algum tipo de suplemento, sendo 50% polivitamínicos21. A vitamina D foi, inclusive, a prescrição que mais cresceu ao longo dos anos, conforme levantamento de Knapik et al.22, que analisaram a dispensação de medicamentos em farmácias militares, passando de 469 prescrições em 2005 para 25.786 em 2013.
Em relação aos fatores associados, a análise por sexo mostrou que as mulheres, tanto militares quanto civis, apresentaram mais chance de terem valores de vitamina D abaixo do recomendado (>30 ng/mL). Henriques et al.10 encontraram níveis maiores de vitamina D entre homens civis e menor chance de hipovitaminose D entre mulheres militares. No entanto, na literatura não há consenso sobre a relação entre sexo e status de vitamina D. Estudo de Elshafie et al.23 com casais casados identificaram deficiência de vitamina D em 70% das mulheres e 40% dos homens. Para McClung et al.24 dados disponíveis sugerem prevalência de insuficiência de vitamina D em atletas femininas variando entre 33 e 42%, dependendo do nível de desempenho, da estação do ano e da latitude. Já AlQuaiz et al.25 em estudo com população saudita (30 a 75 anos), mostraram prevalências de deficiência em 64% de mulheres e em 72% de homens. Essa variabilidade mostrada nos diferentes estudos pode estar relacionada a fatores como idade, composição corporal, localização geográfica, hábitos de vestuário, padrão alimentar e estilo de vida dos participantes.
Em relação à faixa etária, observou-se na população civil um efeito protetor da idade em relação ao status deficiente e insuficiente de vitamina D, contradizendo a literatura, que aponta ser a idade um fator de risco para hipovitaminose D3,26. Semelhante ao que ocorre com os militares, os indivíduos mais velhos tendem a demonstrar maior preocupação com a saúde. Além disso, por apresentarem, muitas vezes, mais comorbidades, realizam mais consultas médicas e fazem uso mais frequente de medicamentos e suplementos²1. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2019, corroboram esse cenário. Segundo a pesquisa, 17,3 milhões de pessoas procuraram a Atenção Básica de Saúde nos seis meses anteriores, sendo 35,8% delas com idade entre 40 e 59 anos27. O IBGE também mostrou que, com o aumento da idade, cresce o consumo de alimentos in natura, como frutas, legumes e carnes, e reduz-se o consumo de açúcares, sódio e alimentos industrializados. Além disso, 10,5% da população adulta e 17,4% da população idosa faziam uso de polivitamínicos28.
O uso de suplementos, especialmente de vitamina D, pode ter influenciado esse efeito protetor da idade observado no estudo, especialmente no contexto da pandemia de COVID-19, em 2020. Como a vitamina D possui ação imunomoduladora, diversas instituições passaram a recomendá-la nos protocolos de enfrentamento da doença29, sobretudo em razão do isolamento social. Durante esse período, a população civil foi amplamente afastada do trabalho presencial, das instituições de ensino e de espaços públicos, o que reduziu drasticamente a exposição solar. A recomendação da vitamina D, embora controversa, foi amplamente seguida por uma população temerosa, que passou a adotar quaisquer medidas consideradas potencialmente protetoras, mesmo sem comprovação científica. Os militares, por sua vez, estiveram sujeitos a restrições menos severas, mantendo atividades presenciais por, aproximadamente, um terço da jornada habitual30. Portanto, embora a literatura identifique o aumento da idade como fator de risco para hipovitaminose D, os resultados encontrados neste estudo sugerem o contrário. A idade, por si só, pode não ser um fator protetor direto, mas sim um marcador de comportamentos que ajudam a neutralizar o risco.
Em relação à época do ano, é importante considerar que a vitamina D é sintetizada na pele por meio de uma reação fotocatalisada pela radiação UVB, sendo influenciada pelas estações do ano?. A cidade do Rio de Janeiro, com clima tropical e temperatura média anual de 24?°C, mantém temperaturas superiores a 18?°C mesmo nos meses mais frios. A irradiância (quantidade de energia por área) UVB diária na região, situada em torno de 20° de latitude, varia cerca de 25% a mais no verão e 30% a menos no inverno, em comparação com os períodos de primavera e outono31. Neste estudo, observou-se que o verão e o outono reduziram significativamente as chances de deficiência e insuficiência de vitamina D, tanto entre militares quanto civis. Esses achados estão de acordo com a revisão sistemática de Mendes et al.17. Isso pode ser explicado pela forte correlação entre os níveis séricos de vitamina D e os índices médios de radiação UVB da estação anterior5,15. Estudos apontam um intervalo de 30 a 60 dias entre a exposição à radiação UVB e seus efeitos nos níveis plasmáticos de vitamina D26,32. Diante disso, considerando o papel essencial da vitamina D em diversas funções fisiológicas, sua deficiência pode representar um risco à saúde geral dos militares. Por esse motivo, é fundamental monitorar seus níveis nessa população e estabelecer recomendações práticas para a manutenção de valores adequados, seja por meio de exposição solar ou suplementação33.
Neste estudo, a não integração dos bancos de dados da FAB impossibilita o acesso a informações relevantes sobre os militares, como hábitos de vida, ambiente de trabalho, alimentação, cor da pele, uso de suplementos, avaliações de saúde e presença de comorbidades. Isso impede a realização de inferências mais robustas sobre a amostra, sugerindo a necessidade de investigações futuras que considerem essas variáveis, objetivando aprofundar a compreensão sobre os determinantes do status de vitamina D em militares.
Cabe destacar que alguns aspectos metodológicos contribuíram para a consistência dos resultados encontrados em nosso estudo, como o tamanho amostral robusto, a inclusão de muitos indivíduos residentes na mesma região e a realização das dosagens em um único laboratório, o que favorece a comparabilidade e reduz o risco de viés de seleção. É também relevante observar que este estudo foi o primeiro a avaliar o status de vitamina D em militares brasileiros de uma das Forças Armadas, juntamente com seus dependentes civis, aquele que contemplou a maior amostra desses segmentos populacionais, e que considerou um longo período de avaliação. Estes aspectos contribuem para preencher uma lacuna na literatura, além de oferecer base para futuras investigações.
CONCLUSÃO
Militares apresentaram alta prevalência de hipovitaminose D, embora com menor risco de deficiência e insuficiência em comparação aos civis. Os fatores que contribuíram para melhor status de vitamina D (suficiência) foram ser do sexo masculino, estar na faixa etária mais elevada, e as estações do ano de verão e outono.
Apesar dos resultados mais favoráveis, o status de vitamina D entre os militares ainda requer atenção, considerando as exigências físicas e cognitivas da profissão. Portanto, recomenda-se a adoção de estratégias institucionais para promover a suficiência dessa vitamina, como a orientação sobre exposição solar segura, enriquecimento alimentar e, quando necessário, suplementação oral. Tais ações são fundamentais para preservar a saúde física e mental dos militares, contribuindo para melhor desempenho e qualidade de vida.
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