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0299/2024 - Tendência da mortalidade por causas evitáveis em Pelotas/Rio Grande do Sul: estudo ecológico de 2000 a 2021.
Mortality trendsavoidable causes in Pelotas/RS: ecological study2000 to 2021.

Autor:

• Juvenal Soares Dias da Costa - Costa, J.S.D - <episoares@terra.com.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3160-6075

Coautor(es):

• Everton José Fantinel - Fantinel, E.J - <efantinel@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6088-3904

• Maria Amália Lutz Saavedra - Saavedra, M.A.L - <amaliasaa1000@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0009-0001-3579-7473

• Thales Moura de Assis - Assis, T.M - <thales.moura@ymail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2252-1945

• Brunna Machado Medeiros - Medeiros, B.M - <brunnamachadomed@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0009-0006-1545-9705



Resumo:

Objetivo: Analisar as características da mortalidade evitável na população de cinco a 69 anos residente no município de Pelotas/RS, comparando-a com o restante do Estado do Rio Grande do Sul, de 2000 a 2021.
Métodos: Realizado estudo ecológico analisando os coeficientes de mortalidade evitável de acordo com o sexo e idades, de 2000 a 2021. A fonte de dados foi o Sistema de Informações sobre Mortalidade e a análise de tendência foi realizada pela Regressão de Prais-Winsten, com padronização dos coeficientes.
Resultados: A análise demonstrou a diminuição da tendência da mortalidade evitável em Pelotas e no restante do Estado. Porém, os coeficientes de Pelotas em ambos os sexos tenham sido superiores. As violências e a doença do vírus da imunodeficiência humana estiveram entre as principais causas de morte entre os mais jovens. Nas mulheres a neoplasia maligna de mama esteve entre as principais causas dos 30 aos 59 anos. A doença isquêmica do coração e as doenças cerebrovasculares embora de tendência decrescentes atingiram os coeficientes mais elevados em ambos os sexos.
Discussão: A análise mostrou necessidade de aperfeiçoamento e acompanhamento do sistema de informações. As principais causas de mortalidade exigem políticas transversais intersetoriais e aperfeiçoamento do sistema de saúde.

Palavras-chave:

Mortalidade; estudos ecológicos; sexo; faixa etária; causas de morte

Abstract:

Objective: To analyze the characteristics of avoidable mortality in the population aged five to 69 years living in the city of Pelotas/RS, comparing it with the rest of the State of Rio Grande do Sul,2000 to 2021.
Methods: An ecological study was carried out analyzing avoidable mortality coefficients according to sex and age,2000 to 2021. The data source was the Mortality Information System, and the trend analysis was performed using Prais-Winsten Regression, with standardization of coefficients.
Violence and human immunodeficiency virus disease were among the main causes of death in younger people. In women, malignant breast cancer was among the main causes30 to 59 years of age. Ischemic heart disease and cerebrovascular diseases, although with a decreasing trend, reached the highest coefficients in both sexes.
Discussion: The analysis showed the need for improvement and monitoring of the information system. The main causes of mortality require cross-sectoral policies and improvement of the health system.

Keywords:

Mortality; Ecological Studies; Sex; Age Groups; Cause of Death

Conteúdo:

Introdução
As causas de mortes evitáveis ou reduzíveis foram definidas como um grupo de doenças passíveis de prevenção total ou parcialmente, por ações efetivas dos serviços de saúde que estivessem acessíveis em determinado local e época. O Ministério da Saúde por meio de consenso entre grupo de especialistas elaborou a relação dessas condições evitáveis dirigidas à população de cinco a 75 anos de idade no contexto do Sistema Único de Saúde1. Contudo, o critério de idade foi atualizado, seguindo os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável que estabeleceram como limite de morte prematura por doenças crônicas não transmissíveis o grupo etário entre cinco e 69 anos de idade2.
A importância da comparação entre as causas de mortalidade em áreas geográficas e em diferentes períodos de tempo tem sido reconhecidamente parte da elucidação da causalidade do processo saúde doença e contribuído para a formulação de políticas de saúde3-5. O processo de tomada de decisão depende da compreensão das características epidemiológicas, apontando a realidade local, incluindo o perfil de mortalidade6,7.
Informações sobre a mortalidade evitável estão disponíveis no DATASUS e seu acompanhamento pode proporcionar informações rápidas, baratas e simples para os sistemas locais de saúde. Este estudo trata-se de um recorte de um Projeto mais abrangente que inclui o acompanhamento da mortalidade evitável nos 18 municípios sede das coordenadorias regionais de saúde do Estado do Rio Grande do Sul.
Assim, pretendeu-se analisar as características da mortalidade evitável na população de cinco a 69 anos residente no município de Pelotas/RS, comparando-a com o restante do Estado do Rio Grande do Sul, de 2000 a 2021.
Métodos
Foi realizado estudo ecológico analisando os coeficientes de mortalidade evitável na população entre cinco e 69 anos residente no município de Pelotas/RS de acordo com o sexo, no período de 2000 e 2021. A análise de tendência da série histórica do município foi comparada com a mortalidade evitável do restante do Estado do Rio Grande do Sul.
Pelotas é o município sede da Terceira Coordenadoria Regional do Estado do Rio Grande do Sul correspondendo à região Sul. O município apresenta área de 1.609 km2 e população estimada de 324 026 habitantes em 2022, sendo a quarta cidade mais populosa do Estado. Em 2020, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal atingiu 0,739, o PIB per capita foi de R$ 27.671,06, colocando o município na 356ª posição no Rio Grande do Sul. Pelotas conta com três universidades todas com atuação na área de saúde, dispondo de duas faculdades de Medicina, de quatro hospitais gerais vinculados ao SUS, um hospital psiquiátrico, uma UPA e 51 unidades básicas de saúde distribuídas nas áreas urbana e rural, sendo que a cobertura populacional de Estratégia Saúde da Família atingiu 61,5% em 2020.
A fonte de dados foi o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), disponível no DATASUS, conforme a Lista Brasileira de Causas de Mortes Evitáveis compreendendo os seguintes subgrupos: reduzíveis pelas ações de imunoprevenção; reduzíveis por ações adequadas de promoção à saúde, prevenção, controle e atenção às doenças de causas infecciosas; reduzíveis por ações adequadas de promoção à saúde, prevenção, controle e atenção às doenças não transmissíveis; redução por adequada ação de prevenção, controle e atenção às causas de morte materna; reduzíveis por ações intersetoriais e de promoção à saúde, prevenção e atenção adequada às causas externas (acidentais e violências)1.
Os dados da população residente no município de Pelotas estavam disponíveis no DATASUS e foram organizados por sexo (masculino; feminino; total) e faixa etária (5 a 9 anos; de 10 a 14 anos; de 15 a 19 anos; de 20 a 29 anos; de 30 a 39 anos; de 40 a 49 anos; de 50 a 59 anos; de 60 a 69 anos).
Os coeficientes de mortalidade específicos por causas evitáveis foram estabelecidos pela fórmula: [(nº de óbitos por causas evitáveis de acordo com sexo, faixa etária e ano/população residente de acordo com sexo, faixa etária e ano) x 10.000 habitantes]. Posteriormente, os coeficientes de mortalidade por causas evitáveis foram padronizados pelo método direto, utilizando-se a população do Estado do Rio Grande do Sul em 2010 (último ano de recenseamento à época do estudo), eliminando-se as diferenças na composição de sexo e de idade.
O processamento dos dados foi realizado no Programa Excel criando-se planilhas para construção dos indicadores.
A tendência temporal foi verificada pela regressão linear generalizada de Prais-Winsten, adequada para análise de séries temporais com mais de sete anos. Os resultados são expressos pela variação percentual anual (anual percent change), que indica crescimento, diminuição ou estagnação da tendência e seus correspondentes intervalos de confiança de 95%. Esse método leva em conta a autocorrelação serial, fato comum em séries temporais, que pode superestimar as medidas de ajuste8. As análises foram realizadas no Programa Stata.
Verificaram-se as distribuições e as análises de tendência dos coeficientes de mortalidade evitável de acordo com sexo em Pelotas e no Rio Grande do Sul. Em Pelotas, foram analisadas as distribuições e tendências dos coeficientes de mortalidade evitável de acordo com sexo e faixas etárias. Foram selecionadas e analisadas as principais causas de mortalidade evitável quanto ao sexo e diferentes faixas etárias. As causas de mortalidade entre 2000 e 2010 também foram analisadas de acordo com sexo e idade com o objetivo de se comparar e verificar mudanças no padrão dos óbitos.
Considerou-se relevante a análise das causas mal definidas, reconhecendo-se que erros na classificação de óbitos podem comprometer as inferências realizadas. Desta forma, verificaram-se as tendências das outras mortes súbitas de causa desconhecida (CID R98), mortes sem assistência (CID R99) e outras causas mal definidas e não especificadas de mortalidade (CID R96, R98, R99).
O presente artigo foi elaborado a partir da coleta de dados secundários disponíveis em sistemas de informações públicos disponíveis, não permitindo a identificação de indivíduos e sem necessidade de submissão à comitês de ética.
Resultados
A análise demonstrou a diminuição da mortalidade evitável em Pelotas e no restante do Rio Grande do Sul. Apesar da queda da mortalidade observada em todo o período, em 2021 os coeficientes alcançados em tanto em Pelotas como no RS foram os mais elevados nos últimos dez anos analisados. Entretanto, na comparação entre os locais, os coeficientes de mortalidade evitável nos homens e nas mulheres observadas em Pelotas foram superiores às encontradas no restante do Estado do Rio Grande do Sul. A análise dos coeficientes específicos de acordo com o sexo mostrou predomínio da mortalidade evitável entre os homens tanto em Pelotas como no restante do Estado do Rio Grande do Sul (Tabela 1).
Em relação à mortalidade geral, nos últimos cinco anos, de 2017 a 2021, em Pelotas a proporção de óbitos evitáveis na população de 5 a 69 anos variou de 42,1% a 45,2% do total de mortalidade na faixa etária. No Rio Grande do Sul observaram-se percentuais semelhantes, entretanto, em 2021, a proporção de mortalidade evitável na faixa etária alcançou 60,7% do total de óbitos.
No período analisado, em Pelotas foram encontrados 343.826 óbitos considerados como evitáveis, sendo que 3040 (8,5%) foram classificados como mal definidos. No restante do Rio Grande do Sul, entre os 1.011.113 óbitos evitáveis analisados, 30.067 mortes foram por causas mal definidas, correspondendo a 3%. Entretanto a análise de tendência apontou crescimento das causas mal definidas em Pelotas (3,95; IC95% 2,69; 5,22; valor de p <0,001) e no restante do Rio Grande do Sul (1,29; IC95% 1,05; 1,53; valor de p <0,001).
Foi observada uma tendência de redução dos coeficientes específicos de mortalidade evitável no sexo masculino e no total da população em Pelotas (-0,26; IC95% -0,46; -0,05; valor de p 0,010) e no restante do Rio Grande do Sul (-0,41; IC95% -0,70; -0,12; valor de p 0,008). A tendência da mortalidade evitável no sexo feminino permaneceu estacionária em ambos os locais (Tabela 2).
Em Pelotas, a análise mostrou relação direta com a idade, ou seja, a medida em que as faixas etárias aumentavam, os coeficientes de mortalidade se elevavam, atingindo seu valor máximo entre 60 e 69 anos. A análise de tendência da mortalidade evitável no sexo feminino pelas faixas etárias apontou reduções estatisticamente significativas entre 10 e 14 anos, 40 e 49 anos e 60 e 69 anos. A análise do sexo masculino revelou tendência de aumento da mortalidade evitável na faixa etária de 15 a 19 anos. Entretanto, a partir dos 40 anos, verificou-se redução da tendência de mortalidade, sendo mais expressiva na faixa etária de 60 a 69 anos mostrando uma diminuição de quatro óbitos por 10.000 habitantes por ano (Tabela 3).
Foi realizada a análise das principais causas de óbitos evitáveis de acordo com sexo e faixas etárias. Entre as mulheres, de 5 a 9 anos de idade foram observados 25 óbitos em todo o período, de forma que não se pode identificar uma causa predominante. Nas outras faixas etárias mais jovens, constatou-se predomínio da mortalidade evitável por agravos classificados no capítulo das causas externas. Entre os 10 e os 29 anos verificou-se a presença das causas externas na mortalidade evitável. Assim, apareceram entre as principais causas os acidentes de trânsito, afogamentos, agressões e as lesões autoprovocadas na faixa etária de 20 a 29 anos. Nas faixas etárias de 20 a 29 anos e 30 a 39 anos a doença pelo vírus da imunodeficiência humana foi a principal causa de morte, persistindo entre os principais motivos na faixa etária de 40 a 49 anos, porém com tendência estacionária. As doenças cerebrovasculares e as doenças isquêmicas do coração foram as principais causas de morte nas faixas etárias de 50 a 59 anos e 60 a 69 anos, apresentando tendência decrescente. As neoplasias malignas de mama estavam entre as principais causas nas faixas etárias entre 30 e 39 anos (com tendência crescente: 0,04; IC95% 0,01; 0,07; valor de p 0,023) e nos grupos correspondentes aos 40 e 59 anos (tendências estacionárias). As neoplasias malignas dos órgãos digestivos figuraram entres as causas nas faixas etárias de 50 a 59 anos e 60 a 69 anos, com tendência estacionária (Tabela 4).
Em relação à mortalidade evitável no sexo masculino foi constatado predomínio das causas externas entre 5 e 39 anos. As mortes por agressões estiveram entre as principais causas entre os 10 aos 39 anos. Na faixa etária entre 30 e 39 anos constatou-se crescimento da mortalidade por agressões (0,26; IC95% 0,11; 0,41; valor de p 0,002). A mortalidade por afogamentos e por lesões autoprovocadas estavam incluídas entre os principais motivos entre 10 e 19 anos e 20 e 39 anos respectivamente. A doença pelo vírus da imunodeficiência humana apareceu entre as principais causas de morte entre 20 e 39 anos, porém ocupou o primeiro lugar na faixa etária de 40 a 49 anos, com tendência estacionária. Ainda nessa faixa etária as agressões ainda persistiram, mostrando inclusive tendência de crescimento (0,09; IC95% 0,01; 0,17; valor de p 0,03). A partir dos 50 anos observou-se predomínio da mortalidade por doenças do aparelho circulatório e dos neoplasmas. Embora tenham ocupado as duas primeiras posições entre as causas de morte nas faixas etárias de 50 a 59 anos e dos 60 aos 69 anos, as doenças isquêmicas do coração e as doenças cerebrovasculares apresentaram tendências decrescentes. As neoplasias malignas dos órgãos digestivos e as neoplasias malignas do aparelho respiratório estavam entre as principais causas de morte nas duas faixas etárias (Tabela 4).
Foram analisadas as causas de morte no sexo feminino entre 2000 e 2010. Nas primeiras faixas etárias o número de óbitos foi muito baixo, encontrando-se os mesmos motivos de óbitos de todo o período. Nas faixas etárias de 15 a 19 anos, de 20 a 29 e de 30 a 39 anos, também foram encontradas as mesmas causas do período completo: outros acidentes de transporte, afogamentos e agressões, sendo que a doença pelo vírus da imunodeficiência humana foi o principal motivo de morte entre os 20 e 39 anos. Entre os 40 e 49 anos as principais causas foram doença pelo vírus da imunodeficiência humana, influenza (gripe) e pneumonia e diabetes mellitus. Nas faixas etárias mais distais, 50 e 59 anos e 60 e 69 anos os dois principais motivos de óbitos foram diabetes mellitus e influenza (gripe) e pneumonia.
As causas de mortalidade no sexo masculino entre 2000 e 2010 nas primeiras faixas etárias (5 a 9 anos e 10 a 14 anos) foram semelhantes àquelas encontradas em todo o período, porém apareceram entre os principais motivos pedestres traumatizados e outros acidentes de transporte. Os principais motivos nas faixas etárias de 15 a 19, de 20 a 29 e de 30 a 39 anos também foram os mesmos de todo o período, ou seja, agressões, afogamentos, doença pelo vírus da imunodeficiência humana e outros acidentes de transporte. Na faixa etária entre 40 e 49 anos a doença pelo vírus da imunodeficiência humana manteve-se como principal causa, porém apareceram agressões e acidentes de trânsito. Entre os 50 e 59 anos e os 60 e 69 anos observaram-se causas diferentes do padrão do período completo. Diabetes mellitus, influenza (gripe) e pneumonia e outros acidentes de transporte foram as principais causas nas duas faixas etárias.

Discussão
O presente estudo mostrou diminuição da mortalidade evitável em Pelotas e no restante do Rio Grande do Sul, principalmente entre os homens, mas impactando de forma significativa os coeficientes totais. Os resultados foram considerados positivos, uma vez que a população de 60 anos ou mais em Pelotas entre 2000 e 2010 cresceu 31,2%, enquanto no restante do Rio Grande do Sul o aumento foi de 36,9%. De forma, que o envelhecimento das duas populações não provocou crescimento da mortalidade. A mortalidade evitável foi mais elevada em Pelotas, não podendo ser atribuída à estrutura demográfica pela padronização dos coeficientes.
Os elevados coeficientes de mortalidade encontrados em 2021, tanto em Pelotas como no RS, podem ser justificados pelo colapso dos sistemas de saúde provocado pela pandemia por COVID-19. Estudos já tinham revelado diminuição das internações pelas doenças crônicas não transmissíveis no período, pela infecção9-10. Estudo ecológico utilizando dados do SIH/SUS mostrou que em 2020 apesar do excesso de internações e da mortalidade hospitalar observada no Brasil, verificou-se diminuição significativa da mortalidade por doenças do aparelho circulatório11. Alem disso, Portela et al, em estudo realizado em São Paulo, Rio de Janeiro, Manaus, Fortaleza, Recife e Brasilia, mostraram a partir de dados do SIH/SUS queda significativa das internações, incluindo cirurgias eletivas e hospitalizações eletivas12. Entretanto, estudo realizado com dados do SIM e do registro civil mostrou excesso de mortes em Manaus, São Paulo e Rio de Janeiro em pessoas a partir de 20 anos de idade13. Estudo discutiu as repercussões da Pandemia, apontando que o aumento de hospitalizações por COVID estava associado a diminuição das hospitalizações e aumento da mortalidade por outras causas nos municípios brasileiros, revelando a sobrecarga ao sistema de saúde14.

A mortalidade evitável foi mais elevada entre o sexo masculino, conforme o esperado15, a análise estratificada por causas apresentou diferenças sutis.
Em Pelotas, de forma geral constatou-se que na população mais jovem, em ambos os sexos, as agressões foram os principais motivos de mortalidade. Nos homens as agressões se destacaram, provavelmente pelos conflitos do tráfico de drogas, figuraram na faixa etária de 15 a 19 anos, alcançaram a maior magnitude entre os homens de 20 a 29 anos e mostraram tendência de crescimento na faixa etária de 30 a 39 anos.
Em Pelotas, outros óbitos por agravos classificados como causas externas e que figuraram entre as principais causas de mortalidade na população jovem diminuíram como os acidentes por transportes terrestres e os afogamentos ou permaneceram com tendência estacionária como as lesões autoprovocadas. A queda da mortalidade por acidentes de trânsito seguiu uma tendência observada em outros estudos recentes, que atribuíram resultados similares a políticas implantadas no período, como o uso de cintos de segurança e a proibição do uso de álcool ao conduzir veículos. Estudo de séries temporais comparou a ocorrência da mortalidade por acidentes de transportes terrestres de 2000 a 2016 entre capitais e não capitais. No interior do Rio Grande do Sul foi observada diminuição da mortalidade por acidentes de transportes16. Outro estudo ecológico no período 1996 e 2015 revelou importante diminuição na mortalidade de pedestres em acidentes de trânsito em todo o Brasil17. Ainda em relação à mortalidade por causas externas estudo ecológico realizado em Pelotas, analisando o período de 1996 a 2009 tinha mostrado predomínio dos óbitos entre os homens mais jovens. Já naquela época, no sexo masculino mostrou-se diminuição dos acidentes de trânsito na faixa etária até os 39 anos e aumento dos homicídios entre 15 e 39 anos18.
Em relação às lesões autoprovocadas mostraram-se coeficientes mais elevados no sexo masculino e predomínio na faixa etária entre 30 e 39 anos, embora com tendência estacionária. O Rio Grande do Sul tem sido reconhecido como a unidade da federação com maiores níveis de suicídio no Brasil. Estudo transversal verificando a ocorrência de suicídios no Estado mostrou predomínio entre os homens e coeficientes em Pelotas, de aproximadamente 12,0 por cem mil habitantes19.
Observou-se a persistência de óbitos por vírus de deficiência da imunodeficiência humana entre as principais causas de morte nas faixas etárias entre 20 e 49 anos, em ambos os sexos. Entre os homens, a doença apresentou coeficientes mais elevados, embora a análise de tendência tenha mostrado comportamento de diminuição entre os 20 e 39 anos. Entre as mulheres a análise revelou tendência estacionária nas três faixas etárias. Estudo ecológico investigando a mortalidade HIV/AIDS no Brasil, no período de 2000 a 2018 apontou o Rio Grande do Sul como um dos estados com maior ocorrência da doença. A análise mostrou tendência estacionária da doença em ambos os sexos e na faixa etária de 30 a 59 anos. A tendência foi decrescente entre os mais jovens e crescente nos indivíduos de 60 ou mais anos20. Outro estudo ecológico realizado no Brasil confirmou o Rio Grande do Sul como um dos estados com maior incidência de AIDS, ao mesmo tempo que constatou diminuição de tendência na Região Sul21. Os resultados em Pelotas indicam a necessidade de intensificar as medidas preventivas, com ênfase no acesso, controle e monitoramento da doença.
A neoplasia maligna de mama esteve entre as principais causas de morte evitável nas mulheres de 30 a 59 anos, apresentando tendência de crescimento entre os 30 e 39 anos. Um estudo que analisou o comportamento do câncer de mama no Brasil, constatou o crescimento da doença em todas as regiões do Brasil, entre 2005 e 2019, sendo que no Rio Grande do Sul o coeficiente médio atingiu 23,99 óbitos por 100.000 habitantes, valor inferior ao observado na faixa etária de 50 a 59 anos na presente análise, indicando necessidade de intensificação do rastreamento em Pelotas22.
A partir das faixas etárias dos 50 anos, as principais causas de mortalidade evitável foram as doenças crônicas não transmissíveis, principalmente do aparelho circulatório e dos neoplasmas. Deve-se destacar que nenhuma das principais causas de morte nessa faixa etária apresentou tendência de crescimento em ambos os sexos. Embora tenham apresentado os coeficientes mais elevados em ambos os sexos de toda a análise, as doenças isquêmicas do coração e as doenças cerebrovasculares apresentaram tendência decrescente, acompanhando os resultados de outras investigações. Estudo de tendência temporal conduzido no Brasil com homens e mulheres a partir de 35 anos também evidenciou a queda de ambas condições23. Outro estudo ecológico analisando a mortalidade no país e nas regiões no período de 1980 a 2018 também tinha evidenciado diminuição das doenças isquêmicas do coração e das doenças cerebrovasculares24. A criação de programas voltados para o fornecimento de medicamentos certamente foram cruciais para o cuidado das doenças crônicas não transmissíveis. Programas como o HiperDia e a Farmácia Popular do Brasil foram essenciais, com a disponibilização de medicamentos para o enfrentamento das consequências do envelhecimento da população brasileira. Ainda no presente estudo na faixa etária entre 60 e 69 anos observou-se diminuição da tendência da mortalidade por diabetes mellitus entre as mulheres possivelmente também por consequência da disponibilidade de medicamentos. No período não foi traçada nenhuma política específica em relação à doença e não foram encontradas evidências epidemiológicas de mudanças de fatores relacionados à doença. Estudo transversal de base populacional incluindo a população adulta da zona urbana tinha mostrado que 33,7% dos participantes apresentavam sobrepeso e 19,4% obesidade25. Mais recentemente em 2012, quando os participantes do Estudo de Coorte dos Nascidos em 1982 alcançaram 30 anos, 62,8% dos homens e 52,3% das mulheres apresentaram excesso de peso, enquanto a prevalência de obesidade foi de 22,1% e 23,8% no sexo masculino e feminino, respectivamente26. Em 2015, quando os indivíduos nascidos em 1993 completaram 22 anos, a prevalência de sobrepeso atingiu 44,2% e a obesidade foi de 16,9%26.
.Outro aspecto necessário para compreensão se refere a distribuição dos fatores de risco cardiovascular. Estima-se que os fatores de risco sejam responsáveis 83% da mortalidade no Brasil, reconhecendo-se que durante o período verificou-se redução do tabagismo, mas aumento do risco metabólico e do excesso de peso27. Estudo realizado com dados da Pesquisa Nacional de Saúde revelou na população acima de 40 anos prevalências elevadas de risco cardiovascular estabelecido pela combinação de fatores como sexo, nível de colesterol, nível de hemoglobina glicada, pressão arterial e presença ou não de fumo28.
Deve-se destacar que análise das principais causas entre 2000 e 2010 mostrou entre as principais causas tanto em homens como em mulheres a partir da faixa etária de 40 aos, a influenza (gripe) e pneumonia. Entretanto, sua importância diminuiu na análise do período total, possivelmente pelo efeito de proteção da vacinação29.

Estudos ecológicos apresentam limitações próprias do seu delineamento pela impossibilidade de estabelecerem fatores de risco e pelo uso de dados secundários com possibilidade de subnotificação e erros de classificação. Contudo, são rápidos e baratos, possibilitando a formulação de hipóteses e o acompanhamento do comportamento e da transcendência das doenças. Além disso, o SIM é o mais tradicional sistema de informações no Brasil, com reconhecida qualidade30. O presente estudo analisou um longo período de tempo, com técnica de análise adequada, sendo que a padronização direta eliminou os efeitos das diferenças entre as idades populacionais.
Os resultados do presente estudo demonstraram importantes causas de mortalidade, sugerindo a necessidade de implantação de algumas medidas. Inicialmente, sugere-se aprimoramento e acompanhamento do sistema de informações. O crescimento da tendência por mortes mal definidas no período foi um achado negativo, apesar da prevalência manter-se abaixo de 10%. A intensificação da investigação dos óbitos por causas mal definidas e o treinamento dos médicos para o preenchimento dos atestados de óbitos, enfatizando-se a necessidade da inclusão desse conhecimento na formação profissional poderiam contribuir com o aperfeiçoamento do sistema de informações.
Problemas como a persistência da mortalidade por agressões e a persistência da doença por vírus de deficiência da imunodeficiência humana entre os mais jovens, as neoplasias de mama entre as mulheres e as doenças crônicas não transmissíveis impõem políticas transversais intersetoriais efetivas e da organização do sistema de saúde.
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Costa, J.S.D, Fantinel, E.J, Saavedra, M.A.L, Assis, T.M, Medeiros, B.M. Tendência da mortalidade por causas evitáveis em Pelotas/Rio Grande do Sul: estudo ecológico de 2000 a 2021.. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/Ago). [Citado em 05/10/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/tendencia-da-mortalidade-por-causas-evitaveis-em-pelotasrio-grande-do-sul-estudo-ecologico-de-2000-a-2021/19347?id=19347

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