0141/2025 - Tendência da mortalidade prematura e dos anos potenciais de vida perdidos por câncer gástrico na Região Centro-Oeste
Trend in Premature Mortality and in Years of Life Lost due Gastric Cancer in Brazil Midwest Region
Autor:
• Ana Luísa Santos Bizinoto - Bizinoto, ALS - <anabizinoto@discente.ufg.br>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1165-4523
Coautor(es):
• Pamela Mirelle Nascimento Ferreira - Ferreira, PMN - <mirelle_pamela@discente.ufg.br>ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0181-9360
• Max Moura de Oliveira - Oliveira, MM - <max.moura@ufg.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0804-5145
• Maria Paula Curado - Curado, MP - <mp.curado@accamargo.org.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8172-2483
• Mônica Santiago Barbosa - Barbosa, MS - <santiago@ufg.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6964-5219
Resumo:
O objetivo deste estudo foi analisar as taxas e tendências de mortalidade prematura (30-69 anos) e dos anos potenciais de vida perdidos (APVP) por câncer gástrico nas capitais e não-capitais da Região Centro-Oeste, no período de 1997 a 2021. Trata-se de um estudo ecológico de série temporal com dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade. As taxas de mortalidade prematura e dos APVP foram calculadas e padronizadas por idade. Utilizou-se a regressão joinpoint para tendência. Houve predominância dos óbitos prematuros no sexo masculino. As capitais de todas as Unidades Federadas da região apresentaram menores taxas de mortalidade prematura em relação as não-capitais. Observou-se redução significativa da tendência dessas taxas em todas as unidades analisadas, exceto para as mulheres na capital do Mato Grosso. Os maiores APVP aconteceram entre o sexo masculino e o Distrito Federal apresentou aumento de 1,27%. De modo geral, a mortalidade prematura por câncer gástrico apresentou declínios significativos na Região Centro-Oeste. Ainda que os resultados sejam homogêneos entre as unidades geográficas, estratégias de prevenção, diagnóstico precoce e ampliação do acesso aos serviços oncológicos são essenciais para reduzir desigualdades e melhorar os prognósticos.Palavras-chave:
Neoplasias Gástricas; Mortalidade Prematura; Sistemas de Informação; Estudos de Séries TemporaisAbstract:
The objective of this study was to analyze the rates and trends of premature mortality (30-69 years) and Years of Potential Life Lost (YPLL) due to gastric cancer in the capitals and non-capitals of the Central-West Region, from 1997 to 2021. This is an ecological time series study with data from the Mortality Information System. Premature mortality rates and YPLL were calculated and standardized by age. A joinpoint regression was used for trend. There was a predominance of premature deaths in males. The capitals of all Federated Units in the region had lower premature mortality rates compared to non-capitals. A significant reduction in the trend of these rates was observed in all proven units, except for women in the capital of Mato Grosso. The highest YPLL occurred among males and the Federal District showed an increase of 1.27%. In general, premature mortality from gastric cancer showed significant declines in the Central-West Region. Although the results are homogeneous across geographic units, prevention strategies, early diagnosis and increased access to oncological services are essential to reduce inequalities and improve prognoses.Keywords:
Gastric Neoplasms; Premature Mortality; Information Systems; Time Series StudiesConteúdo:
Um dos fatores relacionados ao desenvolvimento do câncer é o aumento da expectativa de vida, tornando-o uma das doenças associadas ao envelhecimento1. Observa-se uma relação proporcional entre a idade e as taxas de mortalidade associadas ao câncer, com aproximadamente 45% dos óbitos por câncer ocorrendo em indivíduos com 70 anos ou mais2. Contudo, o perfil epidemiológico das neoplasias apresentou aumento da mortalidade prematura, ou seja, em indivíduos com idade entre 30 e 69 anos, para alguns tipos de cânceres3.
Em 2022, aproximadamente 9,7 milhões de óbitos por câncer foram registrados mundialmente, dos quais 4,8 milhões foram identificados como mortes prematuras4. O câncer gástrico (CG), também conhecido como câncer de estômago, é responsável por 6,4% da carga global de câncer e ocupa a sexta posição em incidência e a sétima em mortalidade por câncer4. Desta forma, esta neoplasia persiste como desafio de saúde pública, devido à alta incidência, o mau prognóstico, a heterogeneidade da doença e aos fatores de risco inter-relacionados5.
Estimativas globais registraram, em 2022, 660.175 óbitos por CG, destes 312.443 (47,3%) ocorreram prematuramente4. O Brasil apresenta o maior número de óbitos por CG quando comparado a outros países sul-americanos4. Estima-se que, anualmente, 7,7% dos homens e 4,8% das mulheres morram em decorrência desta doença no país6. As maiores taxas de mortalidade por CG para ambos os sexos estão concentradas nas Regiões Norte e Sul (7,62 e 5,63/100 mil habitantes, respectivamente), seguidas pelas Regiões Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste (5,06, 4,92 e 4,57/100 mil habitantes)6.
A avaliação da magnitude do câncer envolve a quantificação do impacto dos óbitos prematuros relacionados à doença por meio do indicador Anos Potenciais de Vida Perdidos (APVP)8. No Brasil, em 2021, foram perdidos precocemente 25,6 milhões de anos potenciais de vida devido ao câncer, dos quais 1,8 milhões foram atribuídos especificamente ao câncer de estômago7. Assim, explorar esse indicador, assim como a mortalidade prematura, revelará inequidades sociais e regionais na distribuição dos óbitos por causas específicas evitáveis8.
Tendências decrescentes e/ou estáveis das taxas de mortalidade por CG foram observadas em regiões mais desenvolvidas do Brasil9. A regionalização e a centralização dos serviços de saúde oncológicos nas capitais são barreiras geográficas que resultam em impactos negativos nas taxas de sobrevivência por essa neoplasia, principalmente para a população que vive em áreas remotas, já que contribui para diagnósticos tardios10,11.
A produção científica sobre CG na Região Centro-Oeste é pouco explorada, o que justifica e motiva a escolha desse tema. Essa lacuna representa uma limitação para a compreensão do cenário epidemiológico do CG e para o fortalecimento de medidas preventivas adaptadas às necessidades especificas da população11. Portanto, objetivo do estudo foi descrever as taxas e tendências de mortalidade prematura e dos APVP por CG nas Unidades Federadas (UF), capitais e não-capitais da Região Centro-Oeste.
MÉTODO
DELINEAMENTO
Trata-se de um estudo ecológico de série temporal da mortalidade prematura e dos APVP por neoplasia maligna do estômago (C16.0 a C16.9, da Classificação Internacional das Doenças, 10ª versão) na Região Centro-Oeste do Brasil, no período de 1997 a 2021, tendo como unidades de análise as Unidades Federadas (UF), as capitais e não-capitais.
CONTEXTO
A região Centro-Oeste é composta pelos estados de Goiás (GO), Mato Grosso (MT), Mato Grosso do Sul (MS) e pelo Distrito Federal (DF). A região concentra 7,9% da população brasileira, com aproximadamente 17.1 milhões de habitantes. Quanto ao perfil populacional, predomina-se população jovem-adulta (20-49 anos), autodeclarada parda e predomínio do sexo feminino12.
VARIÁVEIS
As variáveis utilizadas para os óbitos por local de residência foram: sexo, faixa etária (30-69 anos), ano de óbito (1997 a 2021), região de residência (Centro-Oeste), Unidade de Federação (GO, MT, MS e DF), suas respectivas capitais (Goiânia, Cuiabá, Campo Grande) e não-capitais. Foi considerado “não-capital” os dados de cada UF subtraído dos dados de sua respectiva capital.
FONTE E COLETA DOS DADOS
As informações foram acessadas através do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), do Ministério da Saúde (https://datasus.saude.gov.br/).
Os dados referentes à mortalidade foram extraídos do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM/DATASUS) (https://datasus.saude.gov.br/mortalidade-desde-1996-pela-cid-10). Essa base de dados unifica mais de 40 modelos de instrumentos para coletar os registros de óbitos do Brasil, é atualizada anualmente e cobre cerca de 96,1% da população13.
As estimativas populacionais foram obtidas do “Estudo de Estimativas Populacionais por Município, sexo e idade - 2000-2021” que são estimativas compatibilizadas com a Projeção Populacional edição 2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/IBGE/NT-POPULACAO-RESIDENTE-2000-2021.PDF).
As informações de expectativa de vida foram coletadas de sistemas distintos devido a indisponibilidade de dados para o período completo. Desta forma, o indicador demográfico esperança de vida ao nascer foi coletado na Rede Interagencial de Informações para a Saúde (RIPSA/DATASUS: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2012/a11.htm) para os anos de 1997 a 1999 e no Sistema de Recuperação Automática do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (SIDRA/IBGE: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/7362) para o restante do período, por meio da projeção populacional de 2018.
ANÁLISE ESTATÍSTICA
A taxa específica de mortalidade prematura foi calculada dividindo-se o total de óbitos por CG ocorridos em indivíduos que tinham entre 30 a 69 anos em determinado ano pela população total na mesma faixa etária da região nesse mesmo período, multiplicada por 100 mil habitantes. Embora a taxa específica tenha sido calculada, a fim de promover a comparabilidade, foram apresentadas exclusivamente as taxas de mortalidade prematura padronizadas por idade.
O cálculo dos APVP foi realizado por meio do método de Romeder e Whinnie14 que estabelece uma idade limite para o cálculo com base na vida média da população. O APVP foi calculado considerando a diferença da expectativa de vida da população de cada UF e o ponto médio de cada faixa etária para as demais variáveis. As taxas do APVP foram calculadas considerando o total de anos perdidos dividido pela população de cada faixa etária, segundo sexo e unidade de desagregação estudada.
Todas as taxas do estudo foram padronizadas e suavizadas. A padronização foi realizada pelo método direto, tendo como referência a população mundial-padrão. O cálculo foi realizado por meio da divisão entre a taxa específica de mortalidade por idade e a população mundial-padrão por faixas etárias (https://iris.paho.org/handle/10665.2/49056). Para reduzir o impacto das variações pontuais e garantir estabilidade do comportamento temporal da série, as taxas foram suavizadas em 3 pontos, por meio da média móvel.
Foi realizada análise descritiva dos resultados com apresentação das frequências absolutas e relativas.
Para a análise temporal utilizou-se o software Joinpoint Regression Program, na versão 5.0.2, do Instituto Nacional de Câncer dos Estados Unidos (https://surveillance.cancer.gov/joinpoint/). Com o intuito de estimar as variações das taxas de óbitos prematuros por CG e dos APVP foram apresentadas as variações percentuais anuais média (do inglês, average annual percent change - AAPC), seus intervalos de confiança de 95% e os respectivos p-valores dos testes de significância estatística, onde p <0,05 indicou aumento ou diminuição e p >0,05 estabilidade da mortalidade.
A visualização dos resultados foi feita por meio de apresentação gráfica utilizando o software R Project for Statistical Computing versão 4.3.2 (https://cran.r-project.org/src/base/R-4/).
ASPECTOS ÉTICOS
Os dados divulgados pelo SIM/DATASUS e pelo IBGE não requerem o consentimento informado e nem variáveis que possibilitam a identificação dos indivíduos. Entretanto, a pesquisa respeitou os preceitos éticos, de acordo com as Resoluções 466/12 e 510/2016, e está relacionada ao projeto “Estudo das diferenças sociodemográficas na epidemiologia das neoplasias”, com Certificado de Apresentação para Apreciação Ética n. 55847122.1.0000.5078, que obteve sua aprovação junto ao Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, (CEP/HC/UFG) na data de 15 de fevereiro em 2024, sob parecer de n. 6.651.057.
RESULTADOS
Das 10.530 mortes prematuras por CG na Região Centro-Oeste, no período de 1997 a 2021, 7.032 eram do sexo masculino, 3.493 do sexo feminino e em 5 registros a variável sexo foi ignorada. Entre as UF, GO apresentou o maior número de óbitos prematuros, 4.476, assim como sua capital (1.030) e não-capital (3.446). Os menores registros foram observados no DF (2.023 mortes). No MT e no MS os óbitos prematuros foram de 2.169 e 2.223, respectivamente. Houve predominância do sexo masculino nos óbitos.
As taxas padronizadas de mortalidade prematura por CG demonstraram homogeneidade nos resultados entre unidades geográficas de análise, exceto para as UF, em ambos os sexos, para o ano de 1997. No mesmo período, a maior taxa de mortalidade foi observada na capital de MS (18,5) e a menor no DF (12,4), para o sexo masculino (Tabela 1, gráfico 1). Para o sexo feminino, essas taxas foram, respectivamente, de 7,8 na capital de MS e de 5,8 na capital de GO (Tabela 1, gráfico 2). Em 2021, todas as taxas de mortalidade prematura foram menores que no início da série temporal. Entre os homens, no último ano da série, a capital do MT apresentou a maior taxa (11,2), enquanto as demais regiões de desagregação apresentaram taxas semelhantes. No sexo feminino, foi observada semelhança nos padrões de mortalidade entre UF, capitais e não-capitais. Destaca-se que a mortalidade prematura na capital de MS foi 4,7, representando a taxa mais elevada, enquanto as demais oscilaram entre 3,7 e 4,5 (Tabela 1).
A variação percentual anual foi significativa para o período em todas as unidades analisadas, exceto para as mulheres na capital do MT. As regiões que apresentaram as maiores reduções na tendência da mortalidade prematura entre o sexo masculino foram MS capital (AAPC: -3,55), MT não-capital (AAPC: -3,41) e MT (AAPC: -3,32). A menor redução de tendência foi observada no DF (AAPC: -1,59). O sexo feminino mostrou comportamento semelhante de declínio, destacando a MS capital (AAPC: -2,93), DF (AAPC: -2,81) e o estado e não-capital do MT (AAPC: -2,76 e -2,75, respectivamente). Em contrapartida, a menor tendência de decréscimo foi observada em GO capital (AAPC: -1,08) (Tabela 1).
A mortalidade prematura por CG, de 1997 a 2021, totalizou 182.897,4 APVP na Região Centro-Oeste. O estado de Goiás liderou essas perdas, registrando 34.226,0 anos perdidos para o sexo masculino e 30.066,2 anos perdidos para o sexo feminino. As maiores perdas aconteceram entre o sexo masculino para todas as UF, capitais e não-capitais. A tendência de declínio das taxas ocorreu em MT não-capital (-1,40), GO capital (-0,58) e MS (-0,58), no DF foi observada tendência de aumento (AAPC: 1,27). Embora tenham sido observadas diminuições nas taxas de APVP nas demais unidades geográficas analisadas, MT capital e DF houve aumento no ano inicial e final, entre os homens (Gráfico 3). No sexo feminino, as taxas de APVP aumentaram em MS na capital e não-capital (Gráfico 4). Em GO não-capital (AAPC: -1,32) e MT (AAPC: -0,72) essa taxa apresentou redução significativa.
DISCUSSÃO
O perfil da mortalidade prematura por CG na Região-Centro Oeste do Brasil assemelha-se ao perfil observado em estudos conduzidos em diversas partes do mundo, caracterizando-se por taxas decrescentes15,16. Apesar das tendências de declínio, o CG continua a ser uma causa importante de mortalidade que contribuiu com 6% de todas as mortes prematuras relacionadas ao câncer no Brasil, em 20216. O Centro-Oeste brasileiro representa 5,7% dos óbitos prematuros por câncer e o estado de Goiás é responsável por 41% das mortes na região6.
Neste estudo, observou-se maior magnitude nas taxas analisadas para o sexo masculino, duas vezes superiores aos registrados para o sexo feminino. Essa disparidade pode ser atribuída a uma interação complexa de fatores biológicos, comportamentais, padrões de busca por assistência médica e uma potencial exposição prolongada aos fatores de risco associados ao CG17.
O consumo abusivo de álcool e tabaco, combinado com dietas caracterizadas por elevada ingestão de carnes e alimentos ultraprocessados, são fatores de risco importantes e estão vinculados aos hábitos e estilo de vida masculino18. Além disso, a infecção pela bactéria Helicobacter pylori (H. pylori), que é um agente carcinógeno de classe I19 e principal fator de risco para desenvolvimento do CG, tem prevalência maior entre homens20,21. A diferença na distribuição dos riscos entre os sexos justifica taxas mais elevadas de mortalidade prematura por CG na população masculina.
A não-capital de Goiás superou as taxas de mortalidade precoce da capital, para ambos os sexos. Esse fato foi observado na não-capital do MS no sexo feminino. A centralização dos serviços de saúde nas grandes capitais impõe, frequentemente, barreiras geográficas para os habitantes de regiões remotas, uma vez que propicia a migração de indivíduos que residem em áreas rurais e/ou interiores para as capitais em busca de melhores ofertas de cuidados oncológicos22,23. Essa realidade evidencia a inequidade no acesso aos serviços especializados, ao passo que provocam atrasos no rastreio, diagnóstico e tratamento precoce do CG, contribuindo, consequentemente, para desfechos desfavoráveis24, como os óbitos precoces.
As tendências da mortalidade prematura por CG, nas UF, capitais e não-capitais da Região Centro-Oeste, foram de declínio para o período. Os resultados desta pesquisa corroboram com outros estudos que investigaram o comportamento dos óbitos por CG nas cinco regiões brasileiras em todas as faixas etárias. Essas análises revelaram tendência de redução para as Regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste9,25, estabilidade para a Região Norte e aumento para a Região Nordeste9.
As reduções observadas das taxas de mortalidade podem ser atribuídas à melhoria das condições de saneamento básico, ao aprimoramento da qualidade, preservação e higiene dos alimentos, ao aumento do consumo de frutas e vegetais, à modificação dos hábitos de vida, como a redução ou abandono do tabagismo26, e, por fim, à erradicação da H. pylori27. Curiosamente, mesmo que a capital do MS tenha registrado as maiores reduções de mortalidade prematura, pesquisas nacionais autorreferidas indicaram que a população adulta do MS se percebe mais exposta aos riscos de CG associados à alimentação e ao estilo de vida28.
O declínio da mortalidade por câncer está associado a intervenções preventivas, à implementação de programas de rastreamento e aos progressos nos métodos diagnósticos e terapêuticos29. Dentre as principais estratégias para prevenção do CG destaca-se a endoscopia digestiva alta para detecção precoce das lesões pré-neoplásicas17,23. Estudos realizados em países desenvolvidos mostraram que a implementação dessas ações apresentou resultados promissores, onde o rastreio levou a redução significativa das mortes por CG30,31. Entretanto, a adoção dessa estratégia não é universalmente acessível, especialmente em regiões caracterizadas por disparidades socioeconômicas.
No Brasil, embora políticas públicas de rastreamento oncológico para alguns cânceres mais prevalentes, como mama, colo do útero e próstata, tenham sido consistentemente implementadas e apresentado avanços notáveis, ainda há uma lacuna em abordagens específicas para o controle e prevenção CG. Reflexo disso é a sobrevida em 5 anos de portadores dessa neoplasia não ultrapassar 35% no país3. Desta forma, diretrizes específicas devem focar em ações de diagnóstico precoce, acessibilidade de tratamento, melhoria da qualidade de vida de portadores de CG e, na conscientização da população9.
Doenças evitáveis, como o câncer gástrico, estão intrinsecamente ligadas aos hábitos de vida, exposições ambientais, fatores comportamentais e ao nível socioeconômico, que alteram os padrões de morbimortalidade por CG na população17. Essa associação não apenas resulta em perdas de anos potenciais de vida, mas também acarreta implicações econômicas decorrentes da interrupção precoce da produtividade desses indivíduos6,15. Em relação aos APVP por CG, no DF houve aumento de quase 1,3% na população masculina no período estudado. Diferente deste estudo, outros autores encontraram aumento significativo da APVP no MT32 em ambos os sexos.
Entre as limitações do estudo destacam-se o uso de dados secundários, que depende da qualidade dos registros. Os pontos fortes se concentram na análise temporal e regional abrangente dos óbitos ocorridos prematuramente e dos APVP na Região Centro-Oeste.
A Região Centro-Oeste registrou um declínio significativo nas taxas de mortalidade prematura por CG. Observou-se que os padrões de variação dessas taxas foram semelhantes em todos os estados, tanto nas capitais quanto nas não-capitais. No entanto, persistem disparidades entre os sexos, com um impacto consideravelmente maior sobre o sexo masculino.
Os anos potenciais de vida perdidos (APVP) também apresentaram uma redução geral, com exceção do Distrito Federal, que evidenciou um aumento preocupante entre os homens. Os achados reforçam a necessidade de estratégias de saúde pública que priorizem o combate às desigualdades regionais e de gênero.
A mitigação do CG demanda uma abordagem multifacetada, centrada na prevenção primária e secundária. Nesse contexto, o enfrentamento dos fatores de risco modificáveis, como o consumo excessivo de álcool, o tabagismo e a adoção de hábitos alimentares inadequados, configura-se como estratégia primordial. Ademais, a expansão da cobertura e a otimização do acesso aos serviços de diagnóstico precoce, com ênfase na endoscopia digestiva alta, é fundamental. Tal medida assume relevância particular em regiões não-capitais, onde as barreiras geográficas e socioeconômicas impõem desafios adicionais à acessibilidade do sistema de saúde.
A integração dessas ações com políticas públicas específicas para o câncer gástrico pode contribuir para avanços na redução das iniquidades em saúde e melhores prognósticos para a população da Região Centro-Oeste. Por fim, destaca-se a necessidade de estudos futuros que explorem detalhadamente os fatores de risco específicos e as diferenças de exposição entre os sexos, com o objetivo de aprofundar a compreensão das dinâmicas de mortalidade por câncer gástrico e subsidiar políticas mais eficazes para o controle dessa condição.
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