0003/2024 - TENDÊNCIA SECULAR DE MORTALIDADE POR CÂNCER DO COLO DO ÚTERO NO BRASIL E REGIÕES
SECULAR TREND OF CERVICAL CANCER MORTALITY IN BRAZIL AND REGIONS
Autor:
• Yasmim Anayr Costa Ferrari - Ferrari, Y. A. C. - <yasmimanayr@hotmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1766-341X
Coautor(es):
• Carla Viviane Freitas de Jesus - de Jesus, C. V. F. - <carlavfj@gmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7775-6610
• Jefferson Felipe Calazans Batista - , J. F. C.Batista - <jefferson.calazans.enf@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3681-7990
• Brenda Evelin Barreto da Silva - da Silva, B. E.B. - <brendaevelinbarreto@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9805-3463
• Anderson Batista Cavalcante - Anderson Batista Cavalcante - <meiro1976@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4168-4379
• Carlos Anselmo Lima - Lima, C. A. - <ca.lima01@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4269-7320.
Resumo:
O objetivo foi descrever a tendência secular de mortalidade por câncer do colo do útero no Brasil e regiões de 1980 a 2021. Estudo populacional e ecológico, realizado a partir dos dados disponíveis no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde, através dos códigos 180 e C53. Taxas brutas, taxas específicas por idade e taxas padronizadas por idade foram calculadas pela população brasileira e mundial. A Average Annual Percent Change (AAPC) foi obtida pela análise de tendência através do Joinpoint Regression Program, com nível de significância de 0,05 e intervalos de confiança de 95% (IC95%). Ocorreram 171 793 mil mortes por câncer do colo do útero. No Brasil (AAPC -0,3; IC95% -1,0; 0,4), Norte (AAPC 0,6; IC95% -0,1; 1,3) e Sul (AAPC 0,0; IC95% -0,5; 0,5) as tendências foram estacionárias, no Nordeste (AAPC 0,6; IC95% 0,3; 0,8) crescente e no Centro-Oeste (AAPC -1,3; IC95% -1,5; -1,1) e Sudeste (AAPC -0,9; IC95% -1,4; -0,5) decrescentes. As diferenças regionais mostram que as políticas públicas precisam ser melhoradas no que concerne ao acesso das mulheres a um sistema de saúde que ofereça prevenção, rastreamento e tratamento adequados através de estratégias de gestão que alcancem a população mais vulnerável, buscando impactar na redução da mortalidade por câncer do colo do útero.Palavras-chave:
Estudos de Séries Temporais. Mortalidade. Neoplasias do Colo do Útero.Abstract:
The objective was to describe the secular trend of cervical cancer mortality in Brazil and regions1980 to 2021. This is a population and ecological study, based on data available at the Department of Informatics of the Unified Health System, using codes 180 and C53. Crude rates, age-specific rates, and age-standardized rates were calculated for the Brazilian and world population. The Average Annual Percent Change (AAPC) was obtained by trend analysis using the Joinpoint Regression Program, with a significance level of 0.05 and 95% confidence intervals (95%CI). There were 171,793 deathscervical cancer. In Brazil (AAPC -0.3; CI95%-1.0; 0.4), North (AAPC 0.6; 95%CI -0.1; 1.3) and South (AAPC 0.0; 95%CI -0.5; 0.5) the trends were stationary in the Northeast (AAPC 0.6; 95%CI 0.3; 0.8) and in the Midwest (AAPC -1.3; 95%CI -1.5; -1.1) and Southeast (AAPC -0.9; 95%CI -1.4; -0.5) decreasing. Regional differences show that public policies need to be improved with regard to women\'s access to a health system that offers adequate prevention, screening and treatment through management strategies that reach the most vulnerable population, seeking to have an impact on the reduction of cervical cancer mortality.Keywords:
Time Series Studies. Mortality. Uterine Cervical Neoplasms.Conteúdo:
A transição epidemiológica do câncer em países de alta renda é caracterizada pela redução dos casos provenientes de agentes infecciosos e aumento daqueles relacionados aos hábitos de vida do mundo globalizado. Entretanto, países de baixa e média renda ainda apresentam sérios problemas referentes aos cânceres decorrentes de fatores infectocontagiosos, como é o caso do câncer do colo do útero 1,2. As taxas padronizadas por idade para incidência e mortalidade do câncer do colo uterino em países com alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) são 11,3 e 5,2 por 100 mil mulheres, respectivamente, enquanto nos países com médio e baixo IDH chegam a 18,8 e 12,4 3.
O câncer do colo do útero ocupa o quarto lugar no ranking dos mais incidentes na população feminina no mundo e terceiro lugar no Brasil e é a quarta causa de morte no mundo e terceira no Brasil por câncer em mulheres 3,4. A distribuição dessa neoplasia se apresenta de forma heterogênea nas regiões do país, sendo o segundo mais incidente nas regiões Norte e Nordeste, terceiro no Centro-Oeste, quarto no Sul e quinto no Sudeste. Enquanto na região Norte, a cada 100 mil mulheres, 20,5 são atingidas pela doença, no Sudeste a incidência cai para 12,9 5.
As ações de prevenção e rastreamento do câncer do colo do útero são organizadas e planejadas por políticas públicas que uniformizam as atividades a serem realizadas em território nacional com o objetivo reduzir as iniquidades sociais. Até meados de 1970 essas políticas públicas aconteciam apenas em cidades específicas. A primeira ação nacional ocorreu através do Programa Nacional de Controle do Câncer entre 1972 e 1975. Com a permanência da alta mortalidade pela doença, em 1998 foi implementado o Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo do Útero-Viva Mulher e, no mesmo ano, o Programa Nacional de Combate ao Câncer de Colo do Útero. Em 2011 foram lançadas as Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento do Câncer do Colo do Útero, atualizadas em 2016, e em 2014 foi disponibilizada a vacina quadrivalente contra o Papilomavírus Humano (HPV) pelo Sistema Único de Saude (SUS) 6.
A integração das ações relacionadas ao câncer do colo do útero é importante para melhorar a adesão aos métodos disponíveis para prevenção e controle da doença 7. Entretanto, apesar do conhecimento científico atual acerca desse câncer, ele ainda traz danos significativos à saúde da população feminina e leva ao óbito de milhares de mulheres anualmente, principalmente nos países de baixa e média renda, onde ocorrem cerca de 90% das mortes 8.
A realização do estudo visa identificar o panorama de óbitos pelo câncer do colo do útero no Brasil e regiões, visto que esse indicador reflete deficiências no processo que envolve desde a prevenção primária até o tratamento efetivo, sobretudo quando se leva em consideração o processo fisiopatológico da doença. Nessa perspectiva, o estudo de tendência de mortalidade pode fornecer informações importantes sobre as condições de rastreamento e tratamento do câncer do colo do útero em cada região, visto que as taxas de mortalidade revelam a fragilidade do sistema de saúde em assistir às mulheres na faixa etária de maior risco. Assim, espera-se contribuir na melhoria das políticas públicas, visando, em breve, que essa doença deixe de ser considerada um problema de saúde pública no Brasil. Portanto, o objetivo foi descrever a tendência secular de mortalidade por câncer do colo do útero no Brasil e regiões de 1980 a 2021.
MATERIAIS E MÉTODOS
Estudo populacional e ecológico de séries temporais. Foram analisados os casos de óbitos por câncer do colo do útero, de 1980 a 2021, em todas as faixas etárias, no Brasil e regiões (Centro-Oeste, Nordeste, Norte, Sudeste e Sul). Os dados foram coletados no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), que utiliza as informações provenientes do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM).
Para os dados referentes ao período de 1980 a 1995 foi utilizado o código 180 (neoplasma maligno do colo do útero) relativo a Classificação Internacional de Doenças (CID) 9. De 1996 a 2021 foi pesquisado pelo código C 53 (neoplasia maligna do colo do útero) de acordo com a CID-10. Foram calculadas as taxas específicas por idade através das populações censitárias e intercensitárias, estimadas para cada ano do estudo e por faixa etária de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 9 e as taxas padronizadas por idade pela população mundial para realizar comparações com outros países 10,11.
Os dados dos óbitos foram coletados por grupos etários de cinco anos e para avaliação dos resultados utilizou-se as fases da vida, a saber: adultas jovens (20-44 anos), adultas de meia-idade (45-64 anos) e idosas (?65 anos). A faixa etária ?19 anos não foi incluída na análise específica para os grupos etários por representar 0,3% do total de casos.
Para identificar a tendência temporal de mortalidade por causas mal definidas, indicador que pode impactar outras causas de óbitos, foram coletados os dados referentes aos códigos 780-799 para a CID-9 (1980-1995) e R00-R99 para a CID-10 (1996-2021).
As tendências de mortalidade foram calculadas pelas taxas padronizadas por idade através do Joinpoint Regression Program, Versão 4.9.1.0, National Cancer Institute, USA. O programa utiliza um modelo de regressão por pontos de junção para identificar qual a tendência do indicador no período de estudo (crescente, decrescente ou estacionária). São fornecidas duas métricas, a Annual Percent Change (APC), relacionada aos segmentos que apresentam pontos de junção, e Average Annual Percent Change (AAPC), referente a média anual. O nível de significância adotado foi de 0,05 e o Intervalo de Confiança de 95% (IC95%). Utilizou-se o teste de Permutação de Monte Carlo 12. A hipótese nula foi representada pela ausência de tendência observável (estacionária).
O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e aprovado sob o parecer número 4.490.285. Todas as diretrizes e normas da Resolução N° 466 de 12 de dezembro de 2012 13, que trata de pesquisas com seres humanos, foram cumpridas na construção do trabalho. Não foi necessário o uso do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por se tratar de um estudo de base populacional através de bancos de dados não identificados.
RESULTADOS
Foram registradas 171 793 mil mortes por câncer do colo do útero, no Brasil, de 1980 a 2021. Em números absolutos, a região Sudeste apresentou mais óbitos pela doença (38,5%) e a Centro-Oeste menos óbitos (7,6%). Na avaliação do AAPC, o Brasil, o Norte e o Sul apresentaram tendências estacionárias, o Centro-Oeste e o Sudeste decrescentes e o Nordeste crescente. Os óbitos por causas mal definidas apresentaram tendência decrescente (Tabela 1, figura 1).
Tabela 1. Descrição das tendências de mortalidade por câncer do colo do útero no Brasil e regiões, 1980-2021.
Legenda: N = População. JP = Joinpoint. * Valores com significância estatística.
Fonte: Autores.
Figura 1. Tendências de mortalidade por câncer do colo do útero em todas as faixas etárias e por grupos no Brasil (1A), Centro-oeste (1B), Nordeste (1C), Norte (1D), Sudeste (1E) e Sul (1F), 1980-2021.
Fonte: Autores.
A faixa etária de 45 a 64 anos, compreendida pelas adultas de meia-idade, representou 44,7% dos óbitos por câncer do colo do útero no Brasil e foi a mais atingida em todas as regiões do país. Os óbitos com idade ignorada e na faixa etária de 0 a 19 anos não foram descritos por representarem, juntos, 0,3% (Figura 2).
Figura 2. Descrição dos óbitos por câncer do colo do útero por grupos etários no Brasil e regiões, 1980-2021.
Fonte: Autores.
A análise da tendência de mortalidade por faixa etária de acordo com o AAPC evidenciou as seguintes tendências significativas: decrescente no grupo de 45 a 64 anos no Brasil; decrescente nas faixas etárias de 45 a 64 anos e 65 anos ou mais na região Centro-Oeste; crescente em 65 anos ou mais no Nordeste; decrescentes de 45 a 64 anos e 65 anos ou mais no Sudeste; e crescente na região Sul para a faixa etária de 20 a 44 anos. A região Norte não apresentou nenhuma tendência significativa (Tabela 2).
Tabela 2. Descrição das tendências de mortalidade por câncer do colo do útero por grupos etários no Brasil e regiões, 1980-2021.
JP = Joinpoint. * Valores com significância estatística.
Fonte: Autores.
DISCUSSÃO
O Brasil apresentou tendência estacionária de mortalidade por câncer do colo do útero de 1980 a 2021. Na avaliação do APC foi identificado que as décadas de 80 e 90 foram marcadas por tendência estacionária na mortalidade por esse câncer no Brasil. De 2002 até 2014 se observou um decréscimo significativo nos óbitos, enquanto o período subsequente foi marcado por nova tendência estacionária. A tendência decrescente dos óbitos pode ser explicada pela implementação de políticas públicas, principalmente o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher em 1984, o Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo do Útero - Viva Mulher em 1998 e o Plano de Ação para Redução da Incidência e Mortalidade por Câncer do Colo do Útero em 2010 6, o que resultou em melhor rastreamento através do exame citopatológico 14. Entretanto, a falta de recursos para tratamento adequado das mulheres diagnosticadas com lesão precursora ou câncer do colo do útero fez com que a mortalidade pela doença se comportasse de forma divergente nas regiões, mesmo após a implementação nacional de políticas públicas, justificando os resultados encontrados no país 14.
A tendência estacionária da mortalidade a partir de 2014 pode ser atribuída ao crescimento e envelhecimento populacional 15, às disparidades regionais no acesso à prevenção, rastreamento e tratamento 16 e à tendência decrescente na realização do exame citopatológico no Brasil de 2006 a 2014 17. Além disso, a melhoria nos registros dos óbitos, com diminuição das mortes por causas mal definidas, conforme evidenciado neste estudo, pode explicar essa tendência de estabilidade após período de declínio.
A crise política e econômica ocorrida no Brasil em 2015 desencadeou medidas de austeridade fiscal, com consequente redução dos investimentos na área da saúde, fato que impacta diretamente na realização de ações de prevenção, rastreamento e tratamento de doenças, bem como os investimentos em políticas públicas já instituídas, podendo causar regressões na saúde do país 18, principalmente nos locais que já possuem uma estrutura fragilizada 19. Assim, as tendências estacionárias, após período de declínio, identificadas tanto para o câncer do colo do útero como para as causas mal definidas, podem também estar relacionadas a essa ocorrência.
Outro ponto que deve ser destacado é a pandemia da COVID-19 ocorrida a partir de 2020, onde os serviços de saúde tiveram que se adequar para o atendimento aos pacientes acometidos pelo vírus, reduzindo de maneira considerável ou até mesmo interrompendo a assistência relacionada ao rastreamento e tratamento do câncer 20. Dessa forma, tanto o atraso no diagnóstico como no tratamento pode ter impactado no câncer do colo do útero, principalmente o diagnóstico em tempo oportuno. Além disso, a vulnerabilidade dos pacientes oncológicos à infecção por COVID-19 pode ter levado ao óbito de muitos indivíduos de forma antecipada pela doença, reduzindo a mortalidade por câncer nos anos de pandemia devido a mudança na causa básica do óbito 21.
Os países com IDH mais baixo concentram elevadas taxas de mortalidade por câncer do colo do útero. Em 2020, aproximadamente 342 mil mulheres morreram por essa neoplasia no mundo, o que determina a taxa padronizada por idade de 7,3 a cada 100 mil mulheres. A análise de subcontinentes mostrou taxas de mortalidade de 1,6 na Austrália e Nova Zelândia, 2,1 na América do Norte, 2,0 na Europa Ocidental e 2,3 na Ásia Ocidental, realidade que contrasta com a taxa de 28,6 identificada na África Oriental, 16,6 na África Ocidental, 10,0 no Sudeste Asiático e 7,8 na América do Sul 3. No Brasil, em 2021, a taxa padronizada por idade foi de 4,5 óbitos a cada 100 mil mulheres. A discrepância nessas taxas caracteriza o câncer do colo do útero como um dos que mais apresenta diferenças em todo o mundo 3 e ainda é um problema de saúde pública nos países de baixa e média renda 8. As desigualdades encontradas no acesso aos serviços de saúde para rastreamento e tratamento da doença justificam essa realidade 22, visto que a baixa efetividade dos programas de prevenção e rastreio resulta na dificuldade de assistência, com consequente diagnóstico tardio e maior mortalidade 23. Além disso, outros fatores como falta de informação, baixo nível socioeconômico 24 e exposição aos fatores de risco podem influenciar no panorama da neoplasia do colo do útero 25.
O câncer do colo do útero é uma doença marcada por diferenças regionais no Brasil 16. Neste estudo, de acordo com o AAPC, o Nordeste apresentou tendência crescente da mortalidade, o Centro-Oeste e o Sudeste tendência decrescente e o Norte e o Sul tendência estacionária. Contudo, nas taxas de mortalidade padronizadas por idade foi visto aumento no Norte e Nordeste e redução nas demais regiões. Em termos de mortalidade, a neoplasia do colo do útero é responsável pelo primeiro lugar no Norte, terceiro no Nordeste e Centro-Oeste, quinto no Sul e no Sudeste não está entre os principais cinco tipos de câncer que levam ao óbito da população feminina 26. A disparidade regional também foi evidenciada nos Estados Unidos, onde as mulheres da região Sul, considerada com maior taxa de pobreza, apresentaram maior incidência e mortalidade pela neoplasia 27. A melhoria nos registros dos óbitos por causas mal definidas pode ter sido responsável pelo aumento da mortalidade no Norte 28. Entretanto, as diferenças entre regiões relacionadas ao rastreamento e tratamento não podem ser descartadas e estratégias devem ser elaboradas, pois mulheres que não realizaram o rastreamento de forma adequada ao longo da vida possuem maior tendência de apresentar a doença em estágios mais avançados 29.
As projeções até o ano de 2030 indicam que as tendências de mortalidade continuarão decrescentes nas regiões mais avançadas do país (Sul e Sudeste), enquanto as demais poderão ter acréscimo na mortalidade 30. Destaca-se que uma redução dos óbitos por câncer do colo do útero é esperada no Brasil devido à implementação, em 2014, da vacina contra o HPV 31. Entretanto, foi observada baixa cobertura vacinal nos últimos anos, fato que compromete a redução da infecção pelo HPV e do câncer do colo do útero 32.
Neste estudo, em números absolutos, a faixa etária de 45 a 64 anos foi a mais acometida pela mortalidade por câncer do colo do útero. Em 2018, a idade média global para a incidência desse câncer foi de 53 anos, atingindo maior pico aos 40 anos nos países com melhores recursos e 55 a 69 anos nos países com recursos limitados; para a mortalidade, a idade média global foi de 59 anos, com variação de 45 a 76 anos. Observa-se que mulheres em idade produtiva, tanto em aspectos pessoais como sociais, são atingidas pelo câncer do colo do útero, o que pode prejudicar a realização das suas atividades e levar à perda de anos produtivos para essas mulheres 33.
As mulheres adultas jovens (20-44 anos) apresentaram tendência crescente na mortalidade somente na região Sul e os demais locais mantiveram-se com tendências estacionárias. Os fatores de risco relacionados ao desenvolvimento do câncer do colo do útero incluem iniciação precoce da atividade sexual e multiplicidade de parceiros, onde ambos favorecem a infecção pelo HPV 34. Conforme evidenciado por Roteli-Martins et al., quanto mais cedo o início da vida sexual, maior a positividade para o HPV 35. Países com maior disponibilidade de recursos para o rastreamento não apresentaram aumento da incidência a partir dos 40 anos, o que pode refletir casos evitados da doença pelo rastreio adequado, o que mostra a importância das ações relacionadas ao controle do câncer do colo do útero 33.
Nas adultas de meia-idade (45-64 anos) foi observada tendência decrescente no Brasil, Centro-Oeste e Sudeste, e estacionária no Nordeste, Norte e Sul. Estudos que avaliaram a mortalidade por câncer do colo do útero no Brasil, de 2006 a 2014 e de 2012 a 2016, evidenciaram que a faixa etária mais atingida foi 50 a 54 anos 16,17. O tempo decorrente entre a infecção pelo HPV e a evolução do câncer cervical é estimado em 15 anos 36, o que sugere a infecção persistente em faixa etária mais jovem e desenvolvimento de complicações da doença na idade identificada neste trabalho. As tendências decrescente e estacionária observadas no estudo podem ser atribuídas à melhoria do rastreamento da doença a partir de políticas públicas implementadas 37, principalmente para essa faixa etária. Entretanto é importante a intensificação das campanhas de saúde, já que esse público ainda é o mais atingido pela mortalidade do câncer do colo do útero, principalmente no Norte onde houve aumento dos óbitos.
Nas idosas (? 65 anos) foi evidenciado aumento da mortalidade no Nordeste, redução no Centro-Oeste e Sudeste e estabilidade no Brasil, Norte e Sul. A política de rastreamento do câncer do colo do útero no Brasil recomenda que o exame citopatológico seja realizado até os 64 anos e, após esse período, se a mulher apresentar dois exames negativos consecutivos no intervalo de cinco anos, o rastreio pode ser finalizado 6. O envelhecimento populacional trazido pela transição demográfica colaborou para o aumento da atividade sexual na terceira idade, fato que contribui para o risco de infecções sexualmente transmissíveis nas idosas 38. Sendo assim, cabe destacar que fatores culturais que envolvem tabus e preconceitos podem se tornar ainda mais marcantes nesse público, o que torna necessária uma abordagem específica para que essa faixa etária seja alcançada pelas recomendações de rastreio da doença, bem como seja orientada sobre práticas sexuais seguras 38,39.
Diante da complexidade cultural, social e econômica do câncer do colo do útero, assim como a existência de sistemas de saúde marcados por discrepâncias sociais, a Organização Mundial de Saúde instituiu uma estratégia global com o objetivo de eliminar a doença como um problema de saúde pública. As metas incluem a vacinação contra o HPV em 90% das meninas até os 15 anos, o rastreamento de 70% das mulheres aos 35 e aos 45 anos com um teste de alto desempenho e o acesso ao tratamento adequado para 90% das mulheres. O objetivo é reduzir a incidência e mortalidade por esse câncer, principalmente nos países de baixa e média renda, onde estão concentrados cerca de nove a cada dez casos da doença 8. O alcance das metas pode reduzir a mortalidade para 0,2 por 100 mil mulheres até 2120, o que significa redução de 98,6% das mortes, equivalente a 62,6 milhões de vidas 40.
Os pontos fortes do trabalho incluem a análise de um longo período temporal (1980-2021) que mostra o comportamento do câncer do colo do útero no país, a estratificação por regiões e faixas etárias e a utilização do modelo de regressão Joinpoint para análise das tendências temporais. As limitações são referentes a alta taxa de óbitos por causas mal definidas nos anos iniciais do estudo, mas que apresentaram redução no decorrer da série temporal, as divergências que podem ser encontradas na análise de dados secundários devido a estrutura disponível para registro das informações em cada local, e a não redistribuição dos óbitos registrados na CID-10 C55, que se trata da neoplasia maligna do útero porção não especificada, pois o trabalho teve como objetivo verificar o código C53 em específico.
As diferenças regionais identificadas nas tendências de mortalidade mostram que as políticas públicas precisam ser melhoradas no que concerne ao acesso das mulheres a um sistema de saúde que ofereça prevenção, rastreamento e tratamento adequados, levando em consideração a diversidade social, cultural, econômica e educacional no Brasil. Para isso são importantes estratégias de gestão que alcancem a população em maior estado de vulnerabilidade, principalmente através do investimento nas ações da atenção primária à saúde, buscando impactar de forma efetiva na redução das taxas de mortalidade pelo câncer do colo do útero no país.
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