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Artigos

0417/2024 - Tendência temporal de marcadores do consumo alimentar em povos e comunidades tradicionais no Brasil (2015 a 2022)
Temporal Trend of Food Consumption Markers in Traditional Peoples and Communities in Brazil (2015–2022)

Autor:

• Greyceanne Cecília Dutra Brito - Brito, G.C.D - <greyceanne.dutra@aluno.uece.br>
ORCID: https://orcid.org/0009-0008-3645-5214

Coautor(es):

• Brena Barreto Barbosa - Barbosa, B.B - <brena.barreto@aluno.uece.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1536-614X

• Fernanda Savicki de Almeida - Almeida, F.S - <fersavicki@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4784-6540

• Lia Silveira Adriano - Adriano, L.S - <liasilveira0404@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7329-6178

• Aline Martins Carvalho - Carvalho, A.M - <alinenutri@usp.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4900-5609

• Larissa Loures Mendes - Mendes, L.L - <larissaloures@ufmg.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0776-6845



Resumo:

O objetivo deste estudo foi analisar a tendência temporal dos marcadores de consumo alimentar em povos e comunidades tradicionais no Brasil utilizando dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN), no período de 2015 a 2022. Trata-se de estudo ecológico de série temporal, com base em dados secundários disponíveis na plataforma online do SISVAN, relativos ao período de 2015 a 2022, tendo como unidade de análise o Brasil. Para análise utilizou-se modelo de regressão de Prais-Winsten, sendo p-valor < 0,05 considerado significativo. Verificou-se aumento no consumo de marcadores associados a alimentos não saudáveis, como hambúrgueres e embutidos, em todas as faixas etárias analisadas. Houve redução no consumo de marcadores de alimentos saudáveis, como frutas frescas, em crianças e em gestantes. Também foi identificada diminuição no consumo de feijão entre crianças de dois a quatro anos e gestantes adolescentes. Os resultados ressaltam a importância do SISVAN para monitorar o consumo alimentar da população brasileira. Vale salientar a especificidade de cada comunidade e povo tradicional, o que enfatiza a necessidade de pesquisas específicas para cada contexto e a implementação de estratégias para reduzir as desigualdades entre os diferentes grupos do país.

Palavras-chave:

Vigilância Alimentar e Nutricional; Etnia e Saúde; Consumo Alimentar; Estudos de Séries Temporais.

Abstract:

The aim of this study was to analyze the temporal trend of food consumption markers among traditional peoples and communities in Brazil using datathe Food and Nutrition Surveillance System (SISVAN),2015 to 2022. This is an ecological time series study based on secondary data available on the SISVAN online platform for the period2015 to 2022, with Brazil as the unit of analysis. Prais-Winsten regression model was used for analysis, with a significance level set at p < 0.05. An increase in the consumption of markers associated with unhealthy foods, such as burgers and processed meats, was observed across all age groups analyzed. There was a decrease in the consumption of markers for healthy foods, such as fresh fruits, among children and pregnant women. Additionally, a decrease in bean consumption was identified among children aged two to four years and adolescent pregnant women. The results highlight the importance of SISVAN in monitoring the dietary intake of the Brazilian population. It is worth noting the specificity of each traditional community and people, emphasizing the need for specific research for each context and the implementation of strategies to reduce inequalities among different groups in the country.

Keywords:

Food and Nutritional Surveillance; Ethnicity and health; Eating; Time Series Studies.

Conteúdo:

INTRODUÇÃO
Os Povos e Comunidades Tradicionais (PCT) englobam grupos que mantêm ligação histórica e cultural com determinados territórios e recursos naturais. No Brasil, povos e comunidades tradicionais e povos indígenas são categorias distintas, embora compartilhem características em comum, como práticas culturais que respeitam a natureza. Os povos indígenas são originários do território brasileiro e possuem identidade étnica própria que antecede a formação do Estado brasileiro1, já os PCT incluem grupos que se formaram após a colonização, como quilombolas, ribeirinhos, extrativistas, entre outros2.
Os PCT possuem práticas alimentares diversas e influenciadas por fatores históricos, sociais, econômicos e culturais que impactam de maneira diferente cada grupo em relação à forma de produção, aquisição e consumo de alimentos2. Caracterizam-se por modo de vida distinto, permeado por costumes, tradições e práticas alimentares e de subsistência, frequentemente baseados na agricultura familiar, caça, pesca e coleta de frutos e plantas. No entanto, essas comunidades enfrentam diversas formas de vulnerabilidade em relação à insegurança alimentar, associadas à perda de território, degradação ambiental, políticas públicas inadequadas e exclusão social3. Tais fatores impactam diretamente o acesso a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente, potencialmente resultando em situações de desnutrição e outros problemas de saúde 4,5.
A compreensão do consumo alimentar é essencial para a promoção do bem-estar e para a prevenção de doenças. No contexto da diversidade socioeconômica e cultural do Brasil, torna-se essencial realizar análise abrangente dos hábitos alimentares6. Nesse sentido, a Vigilância Alimentar e Nutricional (VAN) destaca-se como estratégia adotada pelo Ministério da Saúde para monitorar e avaliar as condições nutricionais da população brasileira7. O Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) configura-se como uma das principais ferramentas da VAN, viabilizando o registro de informações sobre o estado nutricional e o consumo alimentar da população usuária do Sistema Único de Saúde (SUS). Esse registro abrange todos os ciclos da vida, sem distinção de sexo, escolaridade, raça/cor ou pertencimento a algum povo ou comunidade tradicional8.
A literatura oferece evidências de que os PCT enfrentam desafios relacionados à mudança nos padrões tradicionais de consumo alimentar. Em estudo que analisou o hábito alimentar das famílias quilombolas no estado do Pará, identificou-se alto consumo de café adoçado, feijão, arroz e farinha; e baixa participação de alimentos in natura, como verduras, legumes e frutas na dieta dos entrevistados9. Em outro estudo, que investigou o consumo alimentar de adolescentes quilombolas do sudoeste baiano, constatou-se baixa ingestão de frutas, hortaliças e leite, enquanto se observou consumo regular de alimentos ultraprocessados, como salgados fritos, embutidos e biscoitos salgados10. Esses resultados são motivo de preocupação, pois o consumo de alimentos ultraprocessados está associado a maior prevalência de manifestações de má nutrição, incluindo desnutrição e excesso de peso11.
O registro de informações de consumo alimentar dos PCT no SISVAN ainda é insuficiente e a literatura sobre o assunto é escassa, representando desafio para a implementação da VAN nessas populações. O acompanhamento longitudinal desses dados é fundamental para o planejamento de políticas públicas voltadas para a promoção da saúde e segurança alimentar desses grupos12.
Nesse contexto, este estudo alinha-se aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) propostos pela Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), destacando-se o ODS 2 (Fome Zero e Agricultura Sustentável) e o ODS 3 (Saúde e Bem-Estar)13. Desse modo, o objetivo deste estudo foi analisar a tendência temporal dos marcadores de consumo alimentar em povos e comunidades tradicionais no Brasil utilizando dados do SISVAN, no período de 2015 a 2022.

MÉTODOS
Desenho do estudo
Estudo de tendência temporal, com base em dados secundários disponíveis na plataforma online do SISVAN, relativos ao período de 2015 a 2022, tendo como unidade de análise o Brasil. Os dados foram extraídos do Sistema entre abril e novembro de 2023.

Participantes
As informações sobre o consumo alimentar dos PCT foram obtidas por meio da consulta aos relatórios consolidados, que estão publicamente acessíveis no website do SISVAN Web (https://sisaps.saude.gov.br/sisvan/relatoriopublico/index). Para esta pesquisa, analisamos as seguintes fases da vida, conforme a classificação do SISVAN: crianças (de 2 a 9 anos), adolescentes (10 a 19 anos), adultos (20 a 59 anos), idosos (60 anos e mais) e gestantes (adolescentes e adultas)14. A coleta dos dados foi realizada por dois pesquisadores de forma independente.
Foram considerados PCT, segundo a ficha de cadastro e acompanhamento do SISVAN: povos quilombolas, agroextrativistas, caatingueiros, caiçaras, comunidades de fundo e fecho de pasto, comunidades do cerrado, extrativistas, faxinalenses, geraizeiros, marisqueiros, pantaneiros, pescadores artesanais, pomeranos, povos ciganos, povos de terreiro, quebradeiras de coco-de-babaçu, retireiros, ribeirinhos, seringueiros e vazanteiros. Cabe destacar que os povos indígenas não fazem parte da definição de PCT no contexto deste estudo.

Variáveis de estudo
Os marcadores de consumo alimentar investigam itens específicos do consumo alimentar do dia anterior. O SISVAN disponibiliza para uso três formulários para avaliação de consumo alimentar: o primeiro, destinado a crianças menores de seis meses, que permite avaliar a prática de aleitamento materno e introdução precoce de alimentos; o segundo, proposto para maiores de seis meses a menores de dois anos, que visa a caracterização da introdução de alimentos de qualidade em tempo oportuno; e o terceiro, para crianças com dois anos ou mais, adolescentes, adultos, idosos e gestantes, construído com base na proposta do atual Guia Alimentar para a População Brasileira15.
O questionário direcionado a indivíduos com mais de dois anos de idade, abrangendo crianças, adolescentes, adultos, idosos e gestantes, foi desenvolvido com o objetivo de identificar padrões alimentares, tanto saudáveis como não saudáveis. Os hábitos saudáveis são representados pelo consumo de três grupos de alimentos: 1. feijão, 2. frutas e 3. verduras e/ou legumes. Enquanto os hábitos não saudáveis incluem o consumo de quatro categorias de alimentos: 1. hambúrguer e/ou embutidos, 2. bebidas adoçadas, 3. macarrão instantâneo, salgadinhos de pacote ou biscoitos salgados, 4. biscoitos recheados, doces ou guloseimas15.
Foi desenvolvido um indicador para cada categoria alimentar, com o objetivo de representar a proporção de pessoas que ingeriram alimentos desses grupos no dia anterior à avaliação. Além disso, o consumo de alimentos ultraprocessados foi avaliado por meio de um indicador específico que considera o consumo de pelo menos um dos quatro alimentos classificados como não saudáveis no dia anterior à avaliação15.
Fonte e análise de dados
Os dados foram obtidos por meio da plataforma SISVAN Web e posteriormente organizados em uma planilha do Excel®. Todos os registros disponíveis na plataforma foram incorporados nas análises.
A análise da tendência temporal foi realizada por meio da aplicação de modelos de regressão de Prais-Winsten, uma abordagem recomendada para estudos ecológicos visando controlar a autocorrelação dos resíduos da regressão ao longo dos anos analisados16. As taxas de incremento anual média (TIA) dos marcadores do consumo alimentar e dos registros foram determinadas utilizando a fórmula [-1 + (10?)] x 100, em que ? representa o logaritmo na base 10 resultante da regressão de Prais-Winsten. P-valores não significativos (p ? 0,05) indicaram uma tendência de estabilidade, enquanto p-valores significativos (p < 0,05) apontaram para uma tendência crescente ou decrescente, dependendo da variação anual positiva ou negativa, respectivamente. Os modelos de regressão foram conduzidos no Stata - pacote de software estatístico, versão 12.1.
RESULTADOS
O número de registros anuais se manteve estável ao longo do tempo (p = 0,812), e em todos os ciclos da vida, com exceção de gestantes adolescentes em que houve redução (TIA = -23,67%; p=0,005). O total de registros passou de 36.479 em 2015 para 36.829 em 2022. O total de registros avaliados durante o período de 2015 e 2022 foi de 260.382. A maior parte dos registros são de adultos (35%), seguido por crianças de 5 a 9 anos (15%), adolescentes, idosos (14%) e crianças de 2 a 4 anos (14%), gestantes adultas (6%) e gestantes adolescentes (1%).
Em crianças nas faixas etárias de 2 a 4 anos (TIA = 3,87%; p = 0,043) e de 5 a 9 anos (TIA = 5,59%; p = 0,002), houve aumento no consumo de hambúrguer e/ou embutidos, em contrapartida houve aumento no consumo de verduras e/ou legumes em crianças de 5 a 9 anos (TIA = 2,03%; p = 0,002). Houve redução no consumo de frutas frescas para as faixas etárias de 2 a 4 anos (TIA = -2,64%; p = 0,047) e de 5 a 9 anos (TIA = -2,37%; p = 0,045) e também a redução do consumo de feijão para crianças de 2 a 4 anos (TIA = -3,26; p = 0,038) (Tabela 1).
Em adolescentes (Tabela 2), houve aumento do indicador de consumo de ultraprocessados (TIA = 0,76%; p = 0,008) e do consumo de hambúrguer e/ou embutidos (TIA = 4,10%; p <0,001) e bebidas adoçadas (TIA = 0,96%; p = 0,027). Os adultos apresentaram aumento no consumo de verduras e/ou legumes (TIA = 3,3%; p = 0,028) e de hambúrguer e/ou embutidos (TIA = 4,7%; p = 0,003) (Tabela 3). Cenário semelhante foi observado em idosos (Tabela 4), sendo o aumento no consumo de verduras e/ou legumes de 1,78% (p = 0,011) e de 5,84%; (p = 0,003) para hambúrguer e/ou embutidos.
Entre as gestantes adolescentes houve redução significativa no consumo de marcadores de alimentação saudável e não saudável. Entre os saudáveis, encontravam-se o feijão (TIA = -3,65%; p = 0,001) e as frutas (TIA = -2,90%; p = 0,003). Entre os não saudáveis observou-se redução de consumo de ultraprocessados (TIA = -1,18%; p = 0,022), bebidas adoçadas (TIA = -3,22%; p = 0,004) e biscoitos recheado, doces ou guloseimas (TIA = -3,31%; p = 0,022). As gestantes adultas apresentaram redução no consumo de frutas (TIA = -2,11%; p = 0,021) e aumento no consumo de verduras e/ou legumes (TIA = 0,71%; p = 0,006) (Tabela 5).

DISCUSSÃO
Durante o período analisado, foi observado aumento no consumo de marcadores de alimentação não saudável, como hambúrgueres e embutidos, em todas as faixas etárias analisadas. Paralelamente, ocorreu redução no consumo de marcadores de alimentação saudável, como frutas frescas, tanto em crianças de 2 a 4 anos quanto de 5 a 9 anos, além de gestantes adolescentes e adultas. Também foi identificada diminuição no consumo de feijão entre crianças de 2 a 4 anos e gestantes adolescentes.
Os resultados desse estudo sugerem tendência preocupante de mudança nos padrões alimentares entre PCT no Brasil. Essa alteração nos hábitos alimentares pode refletir nas condições nutricionais dessas populações. Em estudo que analisou dados antropométricos de PCT registrados no SISVAN em 2019, foi destacada maior prevalência de baixa estatura entre crianças e adolescentes do sexo masculino (14,2%), bem como maior prevalência de obesidade em mulheres adultas (23,0%), em comparação com a população masculina (11,3%). Além disso, foi identificada elevada prevalência de altura baixa para a idade em crianças nas comunidades ribeirinhas (18,5%) e de obesidade na população adulta de povos faxinalenses (75,1%)4.
Os PCT enfrentam vulnerabilidade à insegurança alimentar e nutricional, que impactam em acesso limitado a alimentos adequados e culturalmente apropriados17,18. Parte desse desafio está diretamente ligado à desterritorialização dessas comunidades, causada pela falta de regularização de suas terras, e à subsequente privação do acesso aos recursos naturais essenciais para sua subsistência, com os quais mantêm uma relação de interdependência19.
Os PCT enfrentam historicamente a perda de seus territórios e a falta de demarcações territoriais adequadas. Estudo que investigou sobre o impacto do agronegócio em uma comunidade quilombola no estado do Tocantins destacou que a perda dessas terras para o agronegócio foi um fator determinante para o acontecimento de problemas ambientais, como o desmatamento, a escassez de água, o uso intensivo de agrotóxicos e a degradação da fauna e flora locais. Esses problemas têm impacto profundo nos hábitos e no cotidiano dos quilombolas, afetando inclusive sua alimentação, uma vez que a expansão de commodities agrícolas tem diminuído a agrobiodiversidade e a capacidade de produção de alimentos pelas comunidades tradicionais20.
A perda de territórios está ligada com a perda da identidade alimentar dos PCT. Isso ocorre porque a identidade alimentar reflete a conexão entre as práticas alimentares e a cultura do território, marcada por símbolos culinários que remetem à memória coletiva e ao pertencimento de uma região específica21. À medida que o acesso aos recursos naturais diminui, alimentos tradicionais obtidos por meio do plantio e da pesca se tornam mais escassos, afetando a disponibilidade e a qualidade da alimentação22.
O aumento no consumo de alimentos não saudáveis entre os PCT indica possível influência de fatores como globalização, urbanização e acesso facilitado a produtos ultraprocessados23,24. O processo de urbanização tem conduzido PCT como quilombolas e ribeirinhos, anteriormente localizadas em áreas relativamente isoladas, de ecossistemas naturais e rurais, a se estabelecerem próximas aos centros urbanos25,26. Isso resultou em mudanças significativas em seus estilos de vida e ambiente alimentares. A alimentação desses povos, que antes consistia principalmente em alimentos tradicionais obtidos dentro do seu próprio sistema de produção alimentar e ambiente alimentar natural, agora incorpora características de hábitos alimentares urbanos, incluindo a variedade de alimentos com baixo valor nutricional e fácil acesso socioeconômico, como os produtos ultraprocessados presentes no ambiente alimentar construído9,26.
É relevante destacar que o grupo com o maior volume de registros no SISVAN é composto pelos beneficiários do Programa Bolsa Família (PBF), dado que a monitorização dos dados de estado nutricional é uma das suas condicionalidades27. Em pesquisa que investigou as características do ambiente alimentar comunitário e das proximidades das residências das famílias beneficiárias do PBF, observou-se menor presença de todos os tipos de estabelecimentos de venda de alimentos, além de menor distância até os estabelecimentos classificados como não saudáveis28. A população beneficiária do PBF enfrenta desafios socioeconômicos consideráveis, e essa realidade, combinada com a facilidade de acesso, pode favorecer o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados29.
Ao analisar o consumo de feijão ao longo dos anos, observou-se que se manteve estável em quase todas as faixas etárias, embora tenha se mantido abaixo de 90% de consumo em média. Estudo que analisou os hábitos alimentares das famílias quilombolas no estado do Pará revelou que o feijão era parte das refeições de 73% das famílias avaliadas9.
No entanto, houve redução no consumo de feijão em crianças de 2 a 4 anos e em gestantes adolescentes, o que representa um fator duplamente negativo. Em primeiro lugar, do ponto de vista nutricional, pois o feijão apresenta excelente composição nutricional, especialmente importante para indivíduos nessas fases da vida30. Em segundo lugar, do ponto de vista cultural, já que o feijão é considerado um dos alimentos tradicionais da dieta do brasileiro16. Essa preocupação é reforçada pela Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018, que evidenciou uma redução na presença do feijão na dieta brasileira em comparação com os resultados da POF 2002-200331. Além disso, de acordo com os dados de tendência de consumo do Sistema de Vigilância de Fatores de Proteção e Risco para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), até o ano de 2025, o consumo regular de feijão (? 5 dias/semana) não será mais o hábito alimentar predominante no país32.
No que diz respeito ao consumo de frutas frescas, observou-se diminuição nas faixas etárias de crianças (de dois a quatro anos e de cinco a nove anos), assim como entre gestantes adolescentes e adultas. Em relação ao consumo de verduras e/ou legumes, houve aumento em todos os grupos, com exceção das gestantes adolescentes e das crianças de dois a quatro anos. A literatura apresenta evidências de baixo consumo de frutas e hortaliças entre os povos quilombolas6,7,33 e ribeirinhos26. Em estudo que buscou descrever os hábitos alimentares de adolescentes quilombolas na zona rural do sudoeste baiano constatou consumo menor de frutas, legumes e verduras em comparação com os adolescentes não quilombolas. Isso pode estar relacionado à questão financeira, pois alimentos in natura ainda são consumidos com menor frequência entre as crianças e adolescentes de famílias que possuem menor poder aquisitivo e estão em situação de vulnerabilidade social, como os pertencentes aos povos e comunidades tradicionais10.
Os dados desta pesquisa abrangem o período de oito anos, durante o qual ocorreram mudanças significativas nos Governos, e consequentemente nas políticas públicas, especialmente aquelas relacionadas à alimentação e nutrição da população brasileira. Entre essas mudanças, destacam-se a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, responsáveis pela execução da Política Nacional Segurança Alimentar e Nutricional, entre 2016 e 2018. Além disso, em 2019, houve o fechamento do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional34. Essas alterações podem ter influenciado o acesso a programas e políticas voltados para a segurança alimentar e nutricional, potencialmente impactando a qualidade da alimentação dos brasileiros em situação de vulnerabilidade ao longo do período analisado.
A fragilização política durante o governo Bolsonaro resultou em ataques, desprezo e desarticulação de estruturas importantes para execução do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e o Plano Nacional de Agroecologia, que são fundamentais para apoiar a agricultura familiar, camponesa, de povos indígenas e de PCT35. Essas ações tiveram forte impacto nas condições de vida dessas comunidades19. Além disso, a situação foi agravada pela pandemia de Covid-19, que intensificou a situação de insegurança alimentar entre os grupos mais vulneráveis36. Essa tendência pode ser observada nos menores percentuais de consumo de alimentos considerados saudáveis em nosso estudo em todas as faixas etárias analisadas para o ano de 2021. Apesar da expectativa de que a pandemia pudesse ter reduzido o registro dos dados de consumo no SISVAN, destacamos que os registros não apresentaram queda significativa durante o período.
Estudo que avaliou o número de registros dos marcadores do consumo alimentar do SISVAN da população em geral revelou aumento da tendência temporal da cobertura total desses marcadores, com crescimento de 0,20% em 2015 para 0,92% em 201937. A baixa cobertura de dados de consumo alimentar é uma limitação importante, pois pode enviesar os resultados, levando à subestimação ou superestimação dos padrões alimentares. No entanto, é importante ressaltar que os dados do SISVAN têm como objetivo a vigilância alimentar, e não a representatividade populacional ampla, como ocorre em inquéritos nutricionais. Assim, não se pode afirmar que a cobertura dos marcadores de consumo alimentar entre PCT seja necessariamente baixa, já que não existem dados oficiais sobre o quantitativo dessas populações no Brasil, o que dificulta a avaliação da cobertura. Cabe destacar que, à exceção do Censo de 2022, que trouxe dados da população quilombola38, ainda não existem informações oficiais sobre os outros PCT.
Este foi o primeiro estudo a avaliar a tendência temporal de marcadores de consumo alimentar de PCT em todo o país considerando todas as faixas etárias. Além disso, a análise deste estudo foi realizada entre 2015 e 2022, incluindo os três últimos anos marcados por uma pandemia.
Os marcadores de consumo alimentar do SISVAN demonstram bom desempenho ao refletir a qualidade geral da alimentação de adolescentes e adultos no Brasil39. Por isso, seu uso deve ser uma prática rotineira e contínua pelas equipes de saúde, fortalecendo o monitoramento e a promoção de hábitos alimentares saudáveis. Porém, esses marcadores podem não refletir os padrões alimentares dos povos e comunidades tradicionais, que incluem alimentos específicos e práticas alimentares diferentes das do restante da população brasileira. Além disso, a abordagem simplificada de categorização entre alimentos saudáveis e não saudáveis, consumidos ou não consumidos no dia anterior, dificulta a avaliação de questões sobre segurança alimentar e nutricional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi observada estabilidade no número total de registros no período de 2015 a 2022, indicando que não houve aumento nas avaliações ao longo do tempo. No entanto, as análises revelam mudanças nos hábitos alimentares dos PCT, indicando diminuição na participação de alimentos frescos, característicos das comunidades que têm conexão com a produção local de alimentos; ao mesmo tempo em que foi identificada maior incorporação de alimentos ultraprocessados, os quais estão associados ao processo de urbanização.
Essas tendências representam desafios para alcançar os ODS entre os PCT, especialmente o de Fome Zero e Agricultura Sustentável (ODS 2) e o de Saúde e Bem-Estar (ODS 3), já que o aumento no consumo de alimentos ultraprocessados pode contribuir para a insegurança alimentar, além de aumentar o risco de doenças crônicas não transmissíveis, impactando negativamente na saúde e no bem-estar dessas comunidades.
Os resultados deste estudo ressaltam a importância do SISVAN para monitorar o consumo alimentar, especialmente em contextos vulneráveis como o dos PCT. Cada comunidade e povo tradicional possui suas especificidades geográficas, culturais e alimentares, o que torna fundamental a realização de pesquisas específicas para cada contexto. Apesar de suas limitações, o SISVAN é uma ferramenta indispensável para a vigilância da saúde nutricional da população, contribuindo para a formulação de estratégias de promoção à saúde e de redução das desigualdades nutricionais. Assim, é essencial que a utilização do SISVAN seja incentivada e sua cobertura ampliada, fortalecendo a vigilância alimentar e nutricional.

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Brito, G.C.D, Barbosa, B.B, Almeida, F.S, Adriano, L.S, Carvalho, A.M, Mendes, L.L. Tendência temporal de marcadores do consumo alimentar em povos e comunidades tradicionais no Brasil (2015 a 2022). Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/dez). [Citado em 28/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/tendencia-temporal-de-marcadores-do-consumo-alimentar-em-povos-e-comunidades-tradicionais-no-brasil-2015-a-2022/19465?id=19465

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