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0302/2024 - Trabalhadores, vulnerabilidades e futebol: evidências para ações políticas
Trabalhadores, vulnerabilidades e futebol: evidências para ações políticas

Autor:

• Juliana Trajano dos Santos - Santos, J.T - <julianatds86@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1182-3814

Coautor(es):

• Joviana Avanci - Avanci, J. - <avanci@globo.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7779-3991



Resumo:

Não se aplica

Abstract:

Não se aplica.

Conteúdo:

O livro traz à tona o debate do racismo como estrutura ideológica do futebol brasileiro, mostrando o movimento de resistência negra dentro dos campos de várzea. É pioneiro na área de Serviço Social e abre espaço para o debate na Saúde Coletiva uma vez que aborda a promoção de ações voltadas para a saúde e a importância de desenvolver políticas públicas articuladas com o futebol. Parte da história de vida da autora e sua relação com o futebol, explicita o debate junto ao racismo e ao capitalismo, como uma denúncia à desumanização dos corpos negros e as diferentes violências sofridas pelos jovens na trajetória futebolística. A obra traz a problematização do racismo no futebol desde a sua profissionalização, que se deu pela entrada dos negros que eram impedidos de praticar o esporte¹,². A autora aborda a hegemonia branca no meio futebolístico, a influência do capitalismo no esporte, o futebol como um campo mercadológico e a falsa ascensão social proporcionada.
Antes de tudo, cabe destacar que a Editora Dandara privilegia obras com debate racial, que é a linha condutora do livro de Roberta Pereira da Silva. O livro se apresenta em três capítulos, trazendo dialeticamente autores consagrados no debate do negro no futebol, como Mario Filho e Gilberto Freyre, além de Frantz Fanon, Angela Davis, Silvio Almeida, Clovis Moura e Anibal Quijano, que se apresentam como referências consistentes do debate sociopolítico na reflexão racial. Karl Marx é lembrado com robustez na reflexão do capitalismo na interface com o futebol. O primeiro capítulo denominado “Da terra à grama sintética e o retorno ao barro: reflexões e resistências no futebol brasileiro” traz diversas críticas ao viés futebolístico/mercadológico/capitalista, explicando de forma gradual as ideias numa configuração histórico-política do futebol. Como a autora realiza o diálogo entre trabalho x futebol, ela materializa a importância do movimento dos trabalhadores em prol de conquistas para a categoria. Assim, o Sistema Único de Saúde (SUS) é apresentado como exemplo de conquista histórica da classe trabalhadora. Durante tal debate, ela critica o quanto as políticas econômicas vão contra as políticas públicas, de forma a precarizar o trabalho e colaborar para o desmonte dos direitos trabalhistas, em um cenário de promoção do mercado informal, atrelado a uma governabilidade ultraliberal³.
Ainda no capítulo 1, é apresentado o Negritude Futebol Clube – NFC – como símbolo de resistência ao futebol mercadológico. A criação de um time-identidade traz a ideia da luta contra o racismo e contra desassistência da população local, principalmente, referente ao trabalho. O livro traz o tema trabalho, porém não contextualiza o futebol como um campo trabalhista, tampouco trata os atletas como trabalhadores, deixando tais ideias subentendidas e cabendo ao leitor interpretá-las. O racismo é tratado sob o enfoque da historicidade, das transformações, do estilo recreativo e da crítica por ser inerente ao futebol. Discute também a política de branqueamento, sendo uma das representações de racismo no Brasil, que surgiu como uma forma de “higienização” da população negra brasileira promovida pelas elites da época4,5. Pontua que o atleta detentor do corpo negro tem muito da sua desumanidade reafirmada pela torcida, quem é geradora de violências na arquibancada7.
O capítulo 2 “O avesso do avesso, a várzea como possibilidade democratizante” traz o campo da várzea como ferramenta de democratização do futebol, devido a sua baixa manutenção e seu estilo próprio de sociabilidade, configurando-se um terreno fértil para análises históricas, sendo visto como um espaço negativo pelos burgueses da elite futebolística da época. Esse ponto do texto traz um olhar inédito para a configuração desse espaço como um local de lutas sociais. Outro ponto relevante é o protagonismo feminino dentro do NFC, em um esporte tão hostil para as mulheres, já que no ideário social “futebol é coisa de homem”6. Tal fato influencia na objetificação do corpo feminino no futebol, materializado pela autora com matérias jornalísticas, destacando o fato de serem mulheres brancas, pois características de feminilidade não são atribuídas às mulheres negras7. A questão do desempenho da mulher relacionado ao seu corpo no meio futebolístico já foi problematizada tendo o habitus de Bourdieu como direcionador8.
O capítulo 3 tem como título: “Continuidade? A categoria de Base e os possíveis impactos sobre a infância”, e traz como tema central a categoria de base (faixa etária de 12 a 17 anos). Nessa parte, há apontamentos importantes para embasar o debate do trabalho infantil, o mercado do futebol e as instituições legais que garantem os direitos básicos desse público, no qual sofre com diversas vulnerabilidades, como: as mazelas sociais da família, alimentação de má qualidade, abusos sexuais e até homicídio. Estudos já apontam crianças e adolescentes como um grupo muito vulnerável, principalmente, aqueles que se encontram em situação de pobreza9,10. O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – aparece no texto como dispositivos ancorados em uma perspectiva eugenista, apesar de ter sido criado em uma tentativa de reduzir preconceitos contra crianças pretas e pobres, assegurando os seus direitos11 12.
Apesar da Lei Pelé legitimar a profissionalização de atletas brasileiros13, ainda há lacunas quando se refere a categoria de base e seguridade de direitos14. A autora ainda aponta a incompatibilidade entre o futebol, como profissionalização precoce, e o ECA, além das questões interseccionais que atravessam esses jovens – negros, pobres e filhos da classe trabalhadora. Nesse ponto, poderia ter sido tecidas diferentes críticas a Lei Pelé, pois é um dos poucos dispositivos legais que amparam o atleta, porém é tão ineficiente.
A autora deixa de discutir o conceito de mercado dentro do futebol sob o viés do capitalismo, como: baixos salários, poucos investimentos dos postos de trabalho e a ideia da meritocracia15. Apesar de determinadas vulnerabilidades serem apontadas no decorrer do livro e suas correlações diretas com violências, esta linha de debate não foi explorada, a exemplo da atuação das torcidas. Além disso, pouquíssimos atletas ganham salários milionários e tal problematização poderia ter sido mais explícita no texto, trazendo o enfoque da grande mídia e da responsabilização da família. Por fim, apesar da existência das políticas públicas voltadas para a saúde dos negros e dos trabalhadores, poucas são aplicadas ao futebol, por não o considerar como trabalho. Elencando o futebol de alto rendimento como um posto de trabalho, no qual por vezes é precarizado16 e sofre com vulnerabilidades diversas, há a necessidade de estudar a relação entre saúde-doença e futebol/trabalho, de forma a desenvolver ações interdisciplinares voltadas para este grupo.

Referências

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Citar

Santos, J.T, Avanci, J.. Trabalhadores, vulnerabilidades e futebol: evidências para ações políticas. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/Ago). [Citado em 06/10/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/trabalhadores-vulnerabilidades-e-futebol-evidencias-para-acoes-politicas/19350?id=19350&id=19350

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