0007/2025 - Tradução e adaptação transcultural da Escala de Atitudes em Relação às Pessoas com Obesidade (ATOP-BR)
Translation and cross-cultural adaptation of Attitudes Toward Obese Persons Scale
Autor:
• Ana Beatriz Cardoso de Oliveira - Oliveira, A.B.C - <ana.b.oliveira@ufv.br>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2456-1094
Coautor(es):
• Daniela Mayumi Usuda Prado Rocha - Rocha, D.M.U.P - <mayumi.dani@gmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6130-0179
• Alexa Alves de Moraes - Moraes, A.A - <alexa@ufv.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6882-3773
• Miguel Araujo Carneiro-Júnior - Carneiro-Júnior, M.A - <miguel.junior@ufv.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5354-7913
• Helen Hermana Miranda Hermsdorffa - Hermsdorffa, H.H.M - <helenhermana@ufv.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4441-6572
Resumo:
OBJETIVO: Traduzir e adaptar a Attitudes Toward Obese Persons Scale para o contexto sociocultural brasileiro, nomeada como Escala de Atitudes em Relação às Pessoas com Obesidade (ATOP-BR). MÉTODOS: Trata-se de um estudo metodológico realizado em seis etapas: 1) tradução, por dois tradutores independentes; 2) síntese das traduções; 3) retrotradução, por dois tradutores nativos; 4) avaliação do comitê de especialistas para avaliar a equivalência entre a escala original e a versão em português, que também contribuiu para assegurar que o instrumento tivesse uma linguagem anti-estigmatizante; 5) validação de conteúdo contou com a aplicação do método Delphi, conduzido por um painel de especialistas; e 6) teste da versão pré-final. RESULTADOS: Os itens da ATOP, versão original do instrumento, para a versão em língua portuguesa, ATOP-BR, alcançou adequado grau de equivalência semântica, idiomática, cultural e conceitual. E na etapa de teste da versão pré-final, o instrumento se mostrou de fácil compreensão. DISCUSSÃO: O instrumento ATOP-BR foi traduzido e adaptado para a população brasileira de forma satisfatória, além disso, mostrou ser de fácil compreensão e atendeu aos objetivos de avaliação e tem potencial para ser utilizado em pesquisas sobre o estigma da obesidade na população brasileira.Palavras-chave:
Estigma do peso, adaptação transcultural, obesidade.Abstract:
OBJECTIVE: To translate and adapt the Attitudes Toward Obese Persons Scale, into the Brazilian socio-cultural context, named Escala de Atitudes em Relação às Pessoas com Obesidade (ATOP-BR). METHODS: This is a methodological study conducted in six steps: 1) translation by two independent translators; 2) synthesis of translations; 3) retrotraduction, by two native translators; 4) Specialist Committee to evaluate the equivalence between the original scale and the Portuguese version, which also contributed to ensuring that the instrument had an anti-stigmatizing language; 5) content validation had the application of the Delphi method, which was conducted by a panel of experts; 6) test of the pre-final version. RESULTS: The items of ATOPthe original version of the instrument to the Portuguese language version, ATOP-BR, reached an adequate degree of semantic, idiom, cultural, and conceptual equivalence. At the test stage of the pre-final version, the instrument was easy to understand. DISCUSSION: The ATOP-BR scale is a satisfactorily translated and adapted instrument, with potential for application in research concerning weight stigma in the Brazilian population.Keywords:
Weight bias, weight stigma, obesity stigma, cross-cultural adaptation, obesity.Conteúdo:
O aumento da obesidade é uma realidade mundial que têm preocupado os mais diversos setores da saúde pública. Para além do desafio que a obesidade representa para os sistemas de saúde, o seu crescimento também tem sido associado ao aumento do estigma da obesidade 1. O estigma da obesidade, segundo Rubino e colaboradores, é caracterizado pela desvalorização social e difamação que um indivíduo enfrenta na sociedade, motivadas por seu peso corporal, e que resultam em atitudes negativas e de discriminação 2. Trata-se de um preconceito que está presente nos mais diversos ambientes e que afeta direta ou indiretamente a vida das pessoas com excesso de peso 1,3. O estigma da obesidade pode aumentar a probabilidade de adoção de comportamentos alimentares não saudáveis e a uma diminuição dos níveis de atividade física. Esses fatores, por sua vez, podem exacerbar ainda mais o ganho de peso 3. O estresse e a ansiedade também podem ser agravados ao vivenciar experiências estigmatizantes 4. Desse modo, considerando os impactos negativos resultantes do estigma da obesidade, faz-se necessário o desenvolvimento de esforços e ações conjuntas para a sua redução. Isso pode ser alcançado por meio da implementação de intervenções estratégicas, desenvolvimento de políticas públicas eficazes, bem como o uso responsável da mídia, realização de pesquisas focadas na conscientização da população e promoção da educação continuada 2.
Para compreender o panorama do estigma da obesidade, e assim, planejar ações de intervenção para a sua redução, são necessários instrumentos para mensuração do grau de estigma que sirvam como referência para acompanhar as crenças e atitudes das pessoas a respeito de pessoas com obesidade, e que sejam adequadas para o público-alvo.
A escala Attitudes Toward Obese Persons Scale (ATOP) foi desenvolvida em 1991 por Allison et al. 5 para identificar atitudes que estigmatizam pessoas com obesidade. A ATOP tem sido utilizada em pesquisas acadêmicas 6,7 e desde sua elaboração, a escala já foi validada em italiano, chinês e turco 8–10, com resultados que atestam boa precisão do instrumento para auxiliar a suprir parte da lacuna existente na pesquisa sobre o estigma da obesidade. No Brasil, no entanto, ainda são necessários instrumentos confiáveis, que sejam traduzidos e adaptados à realidade sociocultural de sua população, cuja prevalência de excesso de peso já atinge mais da metade dos adultos (60,3%), de acordo com dados da Pesquisa Nacional de Saúde 11.
Diante do exposto, reconhecemos a importância da submissão de instrumentos desenvolvidos e amplamente utilizados em um país estrangeiro, com diferente idioma e cultura, a um processo de tradução e adaptação transcultural. Esse processo visa preservar a qualidade do instrumento original, mesmo à frente da nova realidade de uso. Assim, o presente estudo teve como objetivo traduzir e adaptar a Attitudes Toward Obese Persons Scale para o contexto sociocultural brasileiro, nomeada como Escala de Atitudes em Relação às Pessoas com Obesidade (ATOP-BR), de modo a fornecer um instrumento adequado para a avaliação e monitoramento do estigma da obesidade no Brasil.
Metodologia
Attitudes Toward Obese Persons Scale (ATOP)
O instrumento Attitudes Toward Obese Persons Scale (ATOP), desenvolvido por Allison et al. 5, é composto por 20 itens que avaliam as atitudes positivas e negativas em relação à obesidade e às pessoas com obesidade. Esses itens abordam atitudes, preconceitos, estereótipos, valorização da diversidade corporal e empatia. Cada item se refere a uma frase afirmativa para a qual o respondente deve preencher utilizando uma escala do tipo Likert de seis pontos à extensão em que concorda (+3) ou discorda (-3) de cada declaração. Seu uso permite identificar atitudes negativas dos respondentes e auxilia na elaboração de abordagens educativas. O processo de cálculo da pontuação começa com a inversão dos resultados de treze itens negativos. Isso é feito multiplicando por -1 as respostas dos seguintes itens: do 2 ao 6, do 10 ao 12, do 14 ao 16, além dos itens 19 e 20. Em seguida, é calculada a soma das pontuações de todos os itens. E, por fim, ao valor anterior é adicionado 60. A pontuação final pode variar de 0 a 120 pontos, na qual valores mais altos indicam atitudes mais positivas em relação às pessoas com obesidade. Uma pontuação de 61 a 120 indicam atitudes mais positivas, enquanto uma pontuação entre 0 a 60 atitudes mais negativas em relação às pessoas com obesidade 5.
Processo de adaptação transcultural
A primeira etapa do processo consistiu em contactar o autor do instrumento original, David Allisson, e após a autorização do mesmo para o processo de adaptação o trabalho foi delineado de acordo com a Diretriz Para Processos de Adaptação Transcultural de Instrumentos de Medida de Beaton, Bombardier e Guillemin 12 e fundamentada no Consensus-based Standards for the Selection of Health Measurement Instruments – COSMIN, um consenso internacional para orientar a qualidade metodológica de estudos de análise de propriedades de medida 13–15. As etapas realizadas estão especificadas abaixo:
Tradução
A versão original do ATOP foi traduzida do inglês pra o português brasileiro por dois tradutores brasileiros bilíngues, de forma independente. Um tradutor era profissional da área de saúde familiarizado com os conceitos do instrumento, que não conhecia previamente a escala, mas tinha conhecimento de que estava envolvido em uma adaptação transcultural. Já o segundo tradutor era professor de língua inglesa, sem conhecimento dos objetivos e conceitos do instrumento, instruído a executar a tradução, sem conhecimento do objetivo final da tarefa, para assim permitir a identificação de possíveis ambiguidades.
Síntese das traduções
Após a tradução, foi produzida uma versão consensual, após reunião dos tradutores com a pesquisadora responsável, a qual foi aprovada na íntegra pelos tradutores.
Retrotradução
A versão consensual da escala foi retrotraduzida para o inglês por dois tradutores novos e independentes ao processo, que não tiveram contato prévio com a escala original e desconheciam o objetivo da tarefa.
Avaliação do comitê de especialistas
Um comitê de especialistas composto por um integrante que participou do processo de tradução, um integrante da retrodradução, dois integrantes da equipe de pesquisa, duas pesquisadores da temática obesidade e uma tradutora especializada em processo de adaptação transcultural. Foram avaliadas as equivalências semântica, idiomática, cultural e conceitual das versões do instrumento. O comitê de especialistas também realizou a adaptação de expressões e termos estigmatizantes, substituindo-os em conformidade com o “The do’s and don’ts when talking about obesity” 16, elaborado pela organização World Obesity. Ao final, chegou-se à versão 1 em português da escala ATOP (ATOP-BR versão 1).
Validação de conteúdo
A validação do conteúdo foi feita por meio da técnica Delphi 17. Nesta etapa, foram convidados 40 profissionais da saúde e pesquisadores com afinidade na temática de estigma da obesidade, obesidade e metodologia de pesquisa, objetivando atingir a participação mínima de 20 especialistas 18. Os convites foram realizados por meio da técnica conhecida como “bola de neve” na qual os próprios membros do estudo recomendavam participantes que atendiam aos requisitos de especialidade no tema. Essa estratégia fortalece a rede de participantes e a retenção dos mesmos 19,20.
Inicialmente, os participantes foram convidados a preencherem um questionário sociodemográfico. Essa abordagem permiti obter informações acerca do perfil dos especialistas.
Nós realizamos um teste piloto com dois profissionais da saúde para identificar e corrigir quaisquer falhas potenciais no formulário de avaliação do instrumento. . Não identificando nenhuma mudança a ser realizada, os participantes receberam a versão 1 do questionário ATOP-BR juntamente com o formulário para avaliar o instrumento em relação às equivalências semântica, idiomática, cultural, conceitual, além da clareza e relevância dos itens do instrumento. A literatura recomenda uma concordância mínima de 60% 21. No presente estudo, a fim de aumentar a robustez da pesquisa, a técnica Delphi foi aplicada até a obtenção de uma concordância mínima de 80%, para cada item 22,23. A avaliação do instrumento apresentava dez afirmativas, distribuídas em dois eixos de avaliação: I) conteúdo do questionário; e II) estrutura e adaptação transcultural do questionário; para as quais o especialista deveria responder através da escala Likert de cinco pontos com: “Concordo totalmente”, “Concordo parcialmente”, “Indiferente”, “Não concordo parcialmente”, ou “Não concordo totalmente”. Caso o participante respondesse a qualquer questão com uma resposta que não fosse “Concordo totalmente”, o mesmo era orientado a justificar e sugerir alterações. Em caso de alterações decorrentes de sugestões feitas na primeira rodada Delphi e que foram acatadas pela equipe de pesquisa, as questões retornaram aos membros do comitê, na segunda rodada, independente da taxa de concordância para a questão. As sugestões foram consideradas apenas se apresentassem uma concordância mínima de 60%, caso contrário, seriam ignoradas se fossem referentes a itens revisados anteriormente com 80% ou mais de consenso. Ao final, chegou-se à versão pré-final do instrumento.
Teste
A versão pré-final do instrumento foi testada no público alvo. Nessa etapa teste foram convidadas 60 pessoas com o objetivo de obter entre 30 a 40 respondentes 12. Por se tratar de um questionário destinado para a população brasileira, e considerando que o Brasil apresenta uma grande variação linguística, de acordo com suas regiões, selecionamos uma amostra por conveniência, utilizando a técnica de “bola de neve”, para convidar brasileiros adultos de 18 a 59 anos nascidos em todas as regiões do Brasil para participar da pesquisa.
A versão pré-final do instrumento foi aplicada de forma presencial, quando possível, ou de forma on-line. Antes do preenchimento dessa versão, os participantes responderam a um questionário sociodemográfico, indicando escolaridade, idade e naturalidade. E após o preenchimento da versão pré-final, o participante respondeu a duas questões sobre compreensão da escala e a três questões em formato de entrevista estruturada sobre possíveis erros e dificuldades encontrados. Aqui foi adotado uma compreensão da escala de no mínimo 80%, caso contrário, as questões seriam reavaliadas.
Análise dos dados
Os dados quantitativos foram apresentados como média e desvio padrão e os qualitativos produzidos a partir das versões do instrumento, bem como das sugestões de mudança do instrumento nas etapas do estudo Delphi e da entrevista do pré-teste, foram compilados e apresentados no formato de tabelas.
Considerações éticas
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Viçosa (CAAE 56132122.0.0000.5153). Todos os participantes foram devidamente esclarecidos quanto aos objetivos do estudo e após a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, concordaram em participar da pesquisa.
Resultados
Na etapa de tradução, por dois tradutores independentes, foram produzidas duas versões em língua portuguesa do instrumento. Após, as discrepâncias de tradução foram analisadas e sintetizadas em uma versão única pelos pesquisadores e que foram discutidas juntamente com os tradutores, que aprovaram a versão final (Tabela 1). As pequenas diferenças que não ocorreram no aspecto semântico dos itens, mas que ocorreram na maneira como os termos foram redigidos por cada tradutor, como alterações de pontuação, não foram vistas como significativas. Nesse caso, os pesquisadores adotaram a versão considerada mais adequada.
Na etapa de retrotradução, por dois tradutores nativos e independentes ao processo, apenas dois itens apresentaram divergências, como apresentado na Tabela 2. O título e o cabeçalho, também apresentaram pequenas alterações, mas que não caracterizaram como divergência semântica, e os pesquisadores mantiveram a versão considerada mais apropriada.
O comitê de especialistas comparou a versão original com as versões retrotraduzidas e chegou ao consenso de que não foram encontradas diferenças semânticas significativas entre as versões. Assim, o comitê acatou a versão consensual em português, obtida após o processo de tradução. Na oportunidade, o comitê de especialistas também fez a adequação da linguagem do instrumento, quando houve a necessidade de remover termos considerados estigmatizantes e, assim, adequar a linguagem utilizada, como orienta o manual elaborado pela Organização World Obesity Federation 16. Dessa forma, os termos “pessoas obesas” foram substituídos por “pessoas com obesidade”, por exemplo. Ao final, o comitê chegou ao instrumento ATOP-BR versão 1, cujo conteúdo passou pela validação por um grupo de especialistas, seguindo a metodologia Delphi.
Para o estudo Delphi, foram selecionados 25 especialistas, dos quais 84% eram do sexo feminino e tinham a idade média de 33,3 ± 7,5 anos. Quanto à formação acadêmica, 72% dos especialistas eram nutricionistas, 4% psicólogos, 4% antropólogos, 4% enfermeiros e 16% profissionais de educação física. A titulação acadêmica era de 44% mestres, 24% pós doutores, 12% pós-graduação Lato Sensu, 12% doutorado e 8% graduação. O tempo médio de experiência dos especialistas com a temática obesidade era de 8,5 ± 6,5 anos, e se dividiam em 56% com experiência enquanto pesquisador, 32% atendimento clínico e 12% experiência com docência. A maioria dos especialistas era natural da região Sudeste (68%), enquanto 8% eram da região Nordeste, 4% do Sul e 4% estrangeiro naturalizado.
Como resultado da primeira fase do Delphi, foi obtido consenso maior do que 80% em todas as questões elaboradas. Apesar da concordância mínima alcançada, todas as considerações feitas foram analisadas pela equipe de pesquisadores. Desta forma, considerações citadas por mais de um especialista, e julgadas como válidas pela equipe de pesquisa, foram acatadas. Após estas sugestões, o cabeçalho, a escala e outros 7 itens do instrumento foram levemente modificados como apresentado na Tabela 3. As mudanças foram usadas para a formulação de uma segunda rodada do estudo Delphi. Para a segunda rodada, como a concordância mínima já havia sido alcançada, as questões foram elaboradas objetivando apresentar as mudanças feitas, e os membros do comitê deveriam assinalar se concordavam ou não com a mudança. Como resultado da segunda rodada Delphi, 89,5% dos membros concordaram com o resumo explicativo do instrumento (texto do cabeçalho), mas apenas 57% preferiram o termo “margem” para substituir “linha” indicando o local de preenchimento, assim, essa última alteração foi desconsiderada por ter sido revisada anteriormente com avaliação de concordância acima de 80% entre os especialistas. Quanto à escala numérica, 78,9% concordaram com a alteração do termo “completamente” para “totalmente”. No item 2, a substituição do termo “capazes” por “competentes” foi aprovada por 84,2% dos especialistas e a alteração do termo “autoconscientes” para “conscientes de si mesmas” no item 3 obteve concordância de 84,2%. No item 6 a troca de “desorganizadas” para “desleixadas” obteve concordância de 78,9%. Com concordância de 73,7% os itens 7, 10 e 11 foram alterados de “normalmente” para “geralmente”, “são associadas” por “se envolvem” e “normalmente” por “frequentemente”, respectivamente. Com 78,9% de concordância, a última aprovação realizada pelo estudo Delphi foi a substituição do termo “rancor” por “mágoa” no item 14. Ao concluir essa etapa, chegou-se à versão pré-final do instrumento.
Participaram do teste do instrumento 32 adultos, com idade média de 32,5 ± 9,9 anos, cujas características sociodemográficas estão na Tabela 4. Os entrevistados demonstraram boa compreensão dos itens da versão pré-final do instrumento, onde 71,9% assinalaram com “concordo totalmente” com a afirmação “A leitura do cabeçalho da escala foi simples e consegui compreender as orientações sobre como responder a todos os itens.” e 28,1% indicaram “concordo”. A afirmativa: “A leitura dos itens 1 a 20 da escala foi simples e consegui compreender as afirmações com clareza” obteve 62% de respostas “concordo totalmente”, 28,1% “concordo”, 3,1% “não concordo nem discordo” e apenas 6,3% “discordo”. Após a realização da entrevista, dois participantes apontaram que o item 8: “A maioria das pessoas com obesidade não estão insatisfeitas com elas mesmas” exigia “maior concentração pois a dupla negativa no texto poderia induzir a algum erro na resposta” e um participante sugeriu destacar no texto do cabeçalho “Lembre-se de colocar os sinais de mais ou menos”. A partir dessas sugestões, o grupo de pesquisa fez avaliação das mesmas. Houve consenso para acatar a sugestão de destacar no cabeçalho o texto “Lembre-se de colocar os sinais de mais ou menos”. Já com relação ao item 8, a sugestão para mudança foi desconsiderada por entender que a forma de escrita é parte essencial do objetivo de avaliação do instrumento. Ao final, chegou-se à versão final do instrumento em português, nomeada Escala de Atitudes em Relação às Pessoas com Obesidade (ATOP-BR) 24.
Discussão
O presente estudo apresentou o processo de tradução e adaptação da transcultural do instrumento Attitudes Toward Obese Persons Scale (ATOP) para o contexto sociocultural brasileiro, nomeada como Escala de Atitudes em Relação às Pessoas com Obesidade (ATOP-BR). Seguindo os critérios estabelecidos, obtivemos concordância bastante satisfatória nas etapas conduzidas.
Poucas discrepâncias foram encontradas nas etapas do processo. No entanto, alguns itens se mostraram mais conflituosos, como o item 14 do instrumento “A maioria das pessoas com obesidade guardam mágoa das pessoas sem obesidade”. Na etapa de tradução, retrotradução e também pelo comitê de especialistas esse item foi questionado e/ou houve sugestão de mudanças. Em todas as etapas, os pesquisadores em conjunto com os tradutores e/ou especialistas encontraram soluções para resolução dos conflitos, que atingiu um consenso considerado adequado. As discrepâncias encontradas em processos de adaptação transcultural são comuns, e são encontradas em outros estudos de adaptação transcultural no Brasil 25–27, e até mesmo na validação do ATOP para o Turco 10. O processo de adaptar transculturalmente um instrumento de medida para realidades sociais, culturais, econômicas e históricas distintas do local original de criação do instrumento envolve um processo minucioso, que pode se tornar complexo 12. Isso reforça a importância de se seguir os métodos recomendados 12 para que a avaliação do instrumento seja realizada de forma atenciosa antes da sua liberação para aplicação no público-alvo.
A equivalência entre os itens da ATOP, versão original do instrumento, para a versão em língua portuguesa, ATOP-BR, alcançou um bom aproveitamento. As alterações, de apenas poucos itens, preservaram sentido da escala original, sem alterar o significado e a interpretação dos itens. As alterações são comuns ao processo de adaptação 26 e não resultam em problemas para o uso do instrumento, uma vez que a ATOP-BR obteve boa compreensão pelos respondentes na etapa de pré-teste. A totalidade dos participantes assinalaram que concordam totalmente/concordaram que a leitura e compreensão do cabeçalho e orientações para resposta foram simples. Quanto à leitura e compreensão dos itens, 88,1% dos participantes concordaram que era de fácil compreensão. Além das respostas dos participantes, durante a aplicação do instrumento no pré-teste, não houve problemas relacionados a dúvidas, preenchimento incompleto ou outras dificuldades, reforçando mais uma vez a viabilidade do uso da ATOP-BR.
A prevalência da obesidade e do sobrepeso mais que triplicou nos últimos 50 anos, e atualmente mais de dois bilhões de adultos apresentam excesso de peso. Além de ser risco para várias condições crônicas não transmissíveis, como diabetes, doenças cardiovasculares, hipertensão, entre outras, a obesidade aumenta a probabilidade de se experenciar uma estigmatização relacionada ao peso 1–3. O estigma da obesidade acompanha o aumento da obesidade, e está presente nos mais diversos ambientes, desde escolas, locais de trabalho e ambientes de saúde 1. Isso acaba por ter impactos sociais, psicológicos, como depressão, ansiedade e baixa autoestima, além de aumentar a resistência em procurar os serviços de saúde, e assim, criar barreiras para estratégias de prevenção e tratamento da obesidade 28. Assim, tal qual obesidade, o estigma da obesidade também representa um problema de saúde pública. No Brasil, 60,3% dos adultos apresenta excesso de peso, o que representa 96 milhões de pessoas 11. Alguns estudos tem avaliado o estigma da obesidade, especialmente em estudantes e profissionais de saúde no país 29–31. Contudo, os instrumentos utilizados para avaliar o estigma da obesidade no país ainda não tinham passado por tradução e adaptação à realidade sociocultural da população brasileira. Assim, a partir da ATOP-BR esperamos que possamos ter uma melhor compreensão e gerenciamento do estigma da obesidade no país, contribuindo para a promoção da saúde e bem-estar da população brasileira.
Embora existam diversas recomendações para o processo de adaptação transcultural de um instrumento, todas aderem as mesmas etapas básicas, as quais foram atendidas integralmente no presente estudo. A tradução realizada por quatro tradutores independentes, a elaboração de um painel de especialistas, um estudo Delphi com mais de 20 participantes e um teste que envolvesse participantes de todas as regiões do Brasil contribuíram para aumentar a robustez do instrumento ATOP-BR para uso na população adulta brasileira. Além disso, a composição do estudo Delphi com membros que atuavam tanto em parte clínica, pesquisas e ambiente de docência na temática obesidade conferiu um alto grau de confiança no processo. Uma limitação deste estudo é a falta de testes para avaliar o conteúdo através de uma análise fatorial exploratória dos itens, que envolveria um número superior a 200 participantes para uma adequação de amostra e análise de validade do conteúdo da escala após traduzida, ficando a sugestão para futuras pesquisas.
Conclusão
A tradução e adaptação transcultural do instrumento Attitudes Toward Obese Persons Scale (ATOP) para o Brasil, nomeada como Escala de Atitudes em Relação às Pessoas com Obesidade (ATOP-BR) se mostrou adequada, com relação à equivalência semântica, idiomática, cultural e conceitual, entre a versão original em inglês e em português. Além disso, o estudo Delphi contribuiu para a assegurar maior robustez no processo de tradução e adaptação cultural. A versão ATOP-BR mostrou ser um instrumento de fácil compreensão com potencial para ser utilizado em pesquisas sobre o estigma da obesidade na população brasileira. Ressaltamos que a utilização da ATOP-BR em pesquisas clínicas carece de análises adicionais de propriedades de medida dos itens a fim da validação total do instrumento.
Referências
1 Westbury S, Oyebode O, van Rens T, Barber TM. Obesity Stigma: Causes, Consequences, and Potential Solutions. Curr Obes Rep 2023; 12(1):10-23.
2 Rubino F, Puhl RM, Cummings DE, Eckel RH, Ryan DH, Mechanick JI, Nadglowski J, Ramos Salas X, Schauer PR, Twenefour D, Apovian CM, Aronne LJ, Batterham RL, Berthoud HR, Boza C, Busetto L, Dicker D, De Groot M, Eisenberg D, Flint SW, Huang TT, Kaplan LM, Kirwan JP, Korner J, Kyle TK, Laferrère B, le Roux CW, McIver L, Mingrone G, Nece P, Reid TJ, Rogers AM, Rosenbaum M, Seeley RJ, Torres AJ, Dixon JB. Joint international consensus statement for ending stigma of obesity. Nat Med 2020; 26(4):485-497.
3 Puhl RM, Heuer CA. Obesity Stigma: Important Considerations for Public Health. Am J Public Health 2010; 100(6):1019-1028.
4 Tomiyama AJ. Weight stigma is stressful. A review of evidence for the cyclic obesity/weight-based stigma model. Appetite 2014; 82:8-15.
5 Allison DB, Basile VC, Yuker HE. The measurement of attitudes toward and beliefs about obese persons. Int J Eat Disord 1991; 10(5):599-607.
6 Rudolph A, Hilbert A. The effects of obesity-related health messages on explicit and implicit weight bias. Front Psychol 2017; 7:2064.
7 Oliver TL, Qi B, Diewald LK, Shenkman R, Kaufmann PG. Development of a weight bias reduction intervention for third?year nursing students. Clin Obes 2022; 12(2):e12498.
8 Tsai MC, Strong C, Latner JD, Lin YC, Pakpour AH, Lin CY, Wang SM. Attitudes toward and beliefs about obese persons across Hong Kong and Taiwan: Wording effects and measurement invariance. Health Qual Life Outcomes 2019; 17(1):134.
9 Zagaria A, Mocini E, Cerolini S, Donini LM, Castelnuovo G, Manzoni GM, Pietrabissa G, Lombardo C. A validation study of the Italian version of the Attitudes Toward Obese Persons (I-ATOP) questionnaire. Obes Res Clin Pract 2022; 16(3):262-268.
10 Dedeli O, Bursalioglu SA, Deveci A. Validity and reliability of the Turkish version of the attitudes toward obese persons scale and the beliefs about obese persons scale. Clin Nurs Stud 2014; 2(4):105-117.
11 IBGE. Pesquisa nacional de saúde?: 2019?: percepção do estado de saúde, estilos de vida, doenças crônicas e saúde bucal?: Brasil e grandes regiões. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2020.
12 Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the Process of Cross-Cultural Adaptation of Self-Report Measures. Spine (Phila Pa 1976) 2000; 25(24):3186-3191.
13 Mokkink LB, Terwee CB, Knol DL, Stratford PW, Alonso J, Patrick DL, Bouter LM, de Vet HC.The COSMIN checklist for evaluating the methodological quality of studies on measurement properties: A clarification of its content. BMC Med Res Methodol 2010; 10:22.
14 Mokkink LB, Terwee CB, Patrick DL, Alonso J, Stratford PW, Knol DL, Bouter LM, de Vet HC. The COSMIN study reached international consensus on taxonomy, terminology, and definitions of measurement properties for health-related patient-reported outcomes. J Clin Epidemiol 2010; 63(7):737-745.
15 Mokkink LB, Terwee CB, Patrick DL, Alonso J, Stratford PW, Knol DL, Bouter LM, de Vet HC. The COSMIN checklist for assessing the methodological quality of studies on measurement properties of health status measurement instruments: An international Delphi study. Qual Life Res 2010; 19(4):539-549.
16 Word Obesity Federation. The do’s and don’ts when talking about obesity. [acessado 2024 jan 05]. Disponível em: https://www.worldobesity.org/downloads/healthy_voices_downloads/HV_Language_guidelines.pdf.
17 Rowe G, Wright G. The Delphi technique: Past, present, and future prospects - Introduction to the special issue. Technol Forecast Soc Change 2011; 78(9):1487–1490.
18 Powell C. The Delphi technique: myths and realities. J Adv Nurs 2013; 41(4):376-382.
19 Frewer LJ, Fischer ARH, Wentholt MTA, Marvin HJP, Ooms BW, Coles D, Rowe G. The use of Delphi methodology in agrifood policy development: Some lessons learned. Technol Forecast Soc Change 2011; 78(9):1514–1525.
20 Goluchowicz K, Blind K. Identification of future fields of standardisation: An explorative application of the Delphi methodology. Technol Forecast Soc Change 2011; 78(9):1526–1541.
21 Bortolini GA, Moura ALP, de Lima AMC, Moreira HOM, Medeiros O, Diefenthaler ICM, de Oliveira ML. Guias alimentares: estratégia para redução do consumo de alimentos ultraprocessados e prevenção da obesidade. Rev Panam Salud Pública 2019; 43:e59.
22 Diamond IR, Grant RC, Feldman BM, Pencharz PB, Ling SC, Moore AM, Wales PW. Defining consensus: A systematic review recommends methodologic criteria for reporting of Delphi studies. J Clin Epidemiol 2014; 67(4):401-409.
23 Hsu C, Sandford B. The Delphi Technique?: Making Sense Of Consensus. Pract Assessment, Res Eval 2007; 12(1):10.
24 De Oliveira ABC, Rocha DMUP, de Moraes AA, Carneiro-Júnior MA, Hermsdorff HHM. Escala de Atitudes em Relação às Pessoas com Obesidade (ATOP-BR) 2024. [acessado 2004 Mar 28]. Disponível em: https://doi.org/10.17605/OSF.IO/6P2EF.
25 Bastos VCS, Carneiro AAL, Barbosa MDSR, Andrade LB. Brazilian version of the Pediatric Functional Status Scale: translation and cross-cultural adaptation. Rev Bras Ter Intensiva 2018; 30(3):301–307.
26 Barbosa MDSR, Duarte MDCMB, Bastos VCS, Andrade LB. Translation and cross-cultural adaptation of the Cornell Assessment of Pediatric Delirium scale for the Portuguese language. Rev Bras Ter Intensiva 2018; 30(2):195-200.
27 Simões LCF, Teixeira-Salmela LF, Wanderley ELS, Barros RR, Laurentino GEC, Lemos A. Cross-cultural adaptation of “Pelvic Girdle Questionnaire” (PGQ) to Brazil. Acta Fisiatr 2016; 23(4):166-171.
28 Brown A, Flint SW, Batterham RL. Pervasiveness, impact and implications of weight stigma. EClinicalMedicine 2022; 47:101408.
29 Magalhães CG, Machado VC, Santos LA da S, Martins PC, De Santana MLP. Uma análise das representações sociais da obesidade por profissionais de saúde na atenção primária à saúde. DEMETRA: Aliment Nutr Saúde 2023; 18:e70592.
30 Geissler ME, Korz V. Atitudes de enfermeiros de equipe da Saúde da Família em relação à obesidade. DEMETRA: Aliment Nutr Saúde 2020; 15:e46085.
31 Cordeiro de Oliveira L, Da Silva Soares AR, Sabatini F, Dimitrov Ulian M, Fernandez Unsain RA, Baeza Scagliusi F. Enfrentamento do estigma relacionado ao peso corporal no cuidado em saúde: impactos de um curso educativo em profissionais de saúde. DEMETRA: Aliment Nutr Saúde 2024; 19:e73615.
Financiamento
Agradecemos o apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES, Código 001), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, processo nº 442317/2020-4) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG, CDS-APQ-03954-22). ABC de Oliveira recebeu bolsa de mestrado da CAPES por meio do Programa de Demanda Social. HHM Hermsdorff é bolsista do CNPq em Produtividade em Pesquisa.
?