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0275/2024 - Variações nas tendências de crescimento da obesidade em adultos brasileiros entre 2006 e 2021
Shifting trends in obesity growth rates in Brazilian adults between 2006 and 2021

Autor:

• Claudia Cristina Gonçalves Pastorello - Pastorello, C. C. G. - <claudia.pastorello@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0646-8777

Coautor(es):

• Caroline dos Santos Costa - Costa, C. S. - <carolinercosta@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3522-1546

• Rafael Claro - Claro, R. - <rafael.claro@gmail.com>

• Maria Laura da Costa Louzada - Louzada, M. L. C - <maria.laura.louzada@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3756-2301



Resumo:

Objetivo
Analisar e quantificar mudanças nos padrões de velocidade de crescimento das prevalências de excesso de peso e obesidade em adultos das capitais brasileiras e do Distrito Federal entre 2006 e 2021.
Métodos
Foram utilizados dados do sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico de 2006 a 2021. Análises de regressão Joinpoint foram realizadas para a identificar quebras na série temporal e cálculo das diferentes variações percentuais anuais (VPA) das prevalências de excesso de peso e obesidade.
Resultados
A prevalência da obesidade aumentou de 11,9% em 2006 para 22,4% em 2021, e do excesso de peso de 37,3% em 2006 para 58,8% em 2021. A taxa de crescimento anual da prevalência de obesidade, de 5,8% (IC95% 4,7; 7,0) no período de 2006 a 2012, passou a ser de 2,7% (IC95% 2,1; 3,3) entre 2012 e 2021. O excesso de peso apresentou taxa de crescimento anual de 2,9% (IC95% 2,7; 3,2) entre 2006 e 2013, e de 1,3% (IC 95% 1,1; 1,5) entre 2013 e 2021. As reduções de crescimento foram maiores em mulheres com menos de 8 anos de estudo.
Conclusão
Os resultados indicam provável desaceleração no crescimento das prevalências de excesso de peso e obesidade a partir de 2012/2013 nos adultos brasileiros.

Palavras-chave:

Obesidade. Sobrepeso. Vigilância Alimentar e Nutricional. Estudos de Séries Temporais. Inquéritos Epidemiológicos.

Abstract:

Objective
To analyze and quantify changes in acceleration and/or deceleration in temporal trends in the prevalence of overweight and obesity in adults in Brazilian capitals and the Federal District between 2006 and 2021.
Methods
Using dataRisk and Protective Factors Surveillance System for Chronic Diseases by Telephone Interviews (Vigitel), Joinpoint regression analyses were performed to identify potential inflection points in trends and to estimate the annual percentage change (VPA) of overweight and obesity prevalence.
Results
Obesity prevalence increased11.9% in 2006 to 22.4% in 2021, and that of overweight37.3% in 2006 to 58.8% in 2021. The increase in obesity suggests an annual growth rate of 5.8% (95% CI 4.7; 7.0) in the period2006 to 2012, and after that, a slower annual rate of 2.7% (95% CI 2.1; 3.3) between 2012 and 2021. The same trend pattern occurs for overweight prevalence, which grew by 2.9% (95% CI 2.7; 3.2)2006 to 2013, and by 1.3% (95% CI 1.1; 1.5)2013 to 2021. Reductions in the growth rates were more intense for women with less than 8 years of schooling.
Conclusion
The results indicate a likely deceleration in the growth rates of the prevalence of overweight and obesity2012/2013 among Brazilian adults.

Keywords:

Obesity. Overweight. Food and Nutritional Surveillance. Time Series Studies. Health Surveys.

Conteúdo:

INTRODUÇÃO
A obesidade é atualmente um dos maiores desafios globais de saúde pública. A prevalência de excesso de peso triplicou no mundo desde 1975 1, 2, atingindo quase um quarto da população mundial em 2019 3. A obesidade está associada a diversas doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), em especial doenças cardiovasculares, diabetes mellitus tipo 2 e alguns tipos de câncer 1, sendo reconhecida como um dos mais importantes fatores de risco para a carga global de doenças e anos de vida perdidos por incapacidade 4.

Diante deste problema, o estabelecimento de políticas de vigilância em saúde que viabilizem o monitoramento e a análise destas tendências é prioridade dos governos nacionais. No Brasil, o sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) coleta anualmente, desde o ano de 2006, informações sobre peso e altura, juntamente com informações socioeconômicas, demográficas, comportamentais e de condições de saúde, de adultos residentes em todas as capitais do país e no Distrito Federal (DF). A frequência anual e o longo período de abrangência vêm permitindo o acompanhamento da evolução da epidemia de obesidade e fornecendo informações essenciais para a formulação e avaliação de políticas públicas voltadas para seu enfrentamento 5.

Estudo que avaliou dados do Vigitel mostrou que as prevalências de excesso de peso e obesidade aumentaram entre 2006 e 2019 passando de, respectivamente, 42,6% para 55,4% e 11,8% para 20,3% 6. Relatórios anuais do Vigitel 2020 e 2021 indicam que esse crescimento se manteve 5,7. No entanto, tais estudos não exploram a eventual existência de mudanças nos padrões das tendências temporais ao longo do período, o que pode ser importante para identificação de pontos de aceleração, desaceleração, estagnação ou retração da epidemia de obesidade e elucubração sobre potenciais efeitos das políticas públicas sobre essas tendências. Esse estudo analisa e quantifica, de maneira inédita, potenciais variações nas tendências temporais das prevalências de excesso de peso e obesidade em adultos das capitais brasileiras e do DF entre 2006 e 2021.

METÓDOS
Foram utilizados dados do sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) coletados anualmente entre os anos de 2006 e 2021. Os dados estão disponíveis no website da plataforma DATASUS e seu acesso é público e irrestrito. Os inquéritos do Vigitel têm a aprovação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa para Seres Humanos do Ministério da Saúde e o consentimento livre e esclarecido dos entrevistados foi obtido oralmente durante o evento da ligação.

O processo de amostragem do Vigitel é realizado a partir de sorteios sistemáticos de 10.000 números telefônicos pertencentes a linhas fixas distribuídas uniformemente pelo território 5. Em seguida, há uma seleção aleatória de um indivíduo com 18 anos ou mais de cada domicílio sorteado, a quem é solicitado responder à entrevista. Cada capital realizou, aproximadamente, 2.000 entrevistas ao ano, com exceção aos anos de 2020 e 2021, quando o número de entrevistas passou para aproximadamente 1.000 por capital devido à pandemia de Covid-19. A população total, considerando o período de 2006 a 2021, foi de 811.753 participantes entrevistados (média de 50.735 indivíduos por edição da pesquisa).

Para o cálculo dos indicadores de excesso de peso e obesidade, foram utilizadas informações autorreferidas de peso e altura. A pergunta do entrevistador inquire se o entrevistado sabe o seu peso e a sua altura, mesmo que seja o valor aproximado, sendo referidos, respectivamente, em quilogramas (aceitando-se valores entre 30 kg e 300 kg) e em metros (aceitando-se valores entre 1,20 m e 2,20 m). O índice de massa corporal [peso (kg) / altura (m)²] foi utilizado para classificação da obesidade (? 30 kg/m²) e de excesso de peso (? 25 kg/m²). Os dados faltantes da coleta de peso e altura, provenientes de entrevistados que não sabiam informar ou não queriam responder, foram imputados pelo método Hot Deck 5. Mais detalhes metodológicos encontram-se nos relatórios anuais do Vigitel.

As prevalências e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%; p<0.05) de excesso de peso e obesidade foram descritas para cada ano de estudo para o Brasil como um todo e segundo sexo (feminino e masculino) e faixa de escolaridade (indivíduos com 8 anos ou menos de escolaridade, 9 a 11 anos e 12 anos ou mais de escolaridade). Foram então calculadas as diferenças absolutas em pontos percentuais (pp) entre as prevalências do início e do final do período (delta) e o teste t foi utilizado para avaliar o significado estatístico dessas diferenças.

A seguir, o software Joinpoint Regression Desktop v.4.9.1.0 (The National Cancer Institute, MD, EUA) foi utilizado para a análise de séries temporais e cálculo da variação percentual anual (VPA). O software Joinpoint detecta padrões lineares a partir da distribuição dos valores estimados das prevalências ano a ano, identificando segmentos temporais que apresentam uma VPA similar em relação a outros segmentos. Nesta análise, a hipótese nula é de que uma única equação linear explica a variabilidade ano a ano, e a hipótese alternativa é a de que duas ou mais equações lineares explicam melhor essa variabilidade. Em outras palavras, essa análise identifica se há pontos de inflexão nas tendências temporais, os quais identificam potenciais mudanças de tendência. Foram descritas as VPA e seus respectivos IC95% (p<0,05) para todos os períodos avaliados comparando estratos combinados de sexo e de menor (9 anos ou menos) e maior (12 anos ou mais) escolaridade.

As prevalências estimadas pelo Vigitel utilizaram fatores de ponderação estabelecidos de forma a corrigir a probabilidade desigual de seleção de domicílios com mais de uma linha ou morador adulto, e equiparar os estratos de sexo, faixa etária e nível de escolaridade, com a estrutura sociodemográfica da população adulta total de cada localidade estudada a cada ano (com base em dados Censitários ou projeções oficiais quando esses não estavam disponíveis). O software RStudio v2022.07.2+576 8 foi utilizado no cálculo das médias das prevalências e respectivos IC95% (p<0,05) e para o teste t de hipóteses.

RESULTADOS
A prevalência da obesidade aumentou 10,5 pp na população geral entre 2006 e 2021 (de 11,9% a 22,4%). O sentido dessa relação foi consistente nos diferentes estratos populacionais, e sua magnitude semelhante, variando de 10 pp em homens com 12 anos ou mais de estudo a 14,8 pp em mulheres com 9 a 11 anos de estudo. De forma similar, a prevalência do excesso de peso também apresentou um crescimento, sendo ele de 18,2 pp na população geral (de 37,3% a 53,8%). O aumento foi mais expressivo em mulheres com 9 a 11 anos de estudo (23,5 pp) e menor em pessoas do sexo masculino com 12 anos ou mais de escolaridade, com crescimento absoluto de 11,3 pp (Tabela Suplementar 1).

A análise de séries temporais, no entanto, mostra que a taxa de crescimento dessas prevalências não é uniforme no período de 2006 a 2021. Entre os anos de 2006 e 2012, a variação percentual anual (VPA) da prevalência de obesidade foi de 5,8%, enquanto entre 2012 e 2021, esta foi de 2,7%, mostrando uma queda significativa na velocidade do aumento da prevalência da obesidade (Tabela 1; Figura 1.a).

Quando estratificada por sexo, a análise de tendência temporal apresenta resultados semelhantes aos da população geral: há um aumento mais intenso na prevalência de obesidade entre 2006 e 2012 do que de 2012 até o final do período. A VPA foi de 5,9% de 2006 a 2012 e de 2,7% de 2012 a 2021 para pessoas de ambos os sexos. Por outro lado, a análise nos mostra tendências diferentes entre os estratos de escolaridade. Pessoas do estrato com 8 anos ou menos de escolaridade apresentam uma desaceleração do crescimento da obesidade no ano de 2013: a VPA foi de 5,3% até o ano 2013, e no período seguinte caiu para 1,7%. Essa quebra, porém, não foi observada para o estrato com 12 anos ou mais de escolaridade, e a VPA de todo o período se manteve em 4,8% (Tabela 1; Figura 1.b).

Ainda analisando a obesidade, os resultados da intersecção entre sexo e escolaridade mostram que a população do sexo feminino com menor escolaridade apresentou a quebra de tendência similar à da população geral, com VPA de 5,7% até o ano de 2013 e de 1,8% até 2021. Por outro lado, na população do sexo feminino mais escolarizada, o VPA de todo o período foi de 6,2%. A tendência do aumento da obesidade foi similar entre pessoas do sexo masculino em ambos os níveis de escolaridade, com VPA de 3,6% durante todo o período (Tabela 1; Figura 1.c).

Assim como na obesidade, observou-se que a taxa de aumento da prevalência do excesso de peso não foi uniforme em todo o período para a população geral. A VPA foi de 2,9% até 2013 e diminuiu para 1,3% de 2013 até o final do período, apresentando também uma desaceleração na tendência de aumento da prevalência do excesso de peso (Tabela 2; Figura 1.a).

A análise estratificada revela algumas diferenças entre os sexos masculino e feminino. Para a população do sexo masculino, observou-se crescimento significativo da prevalência de excesso de peso de 2006 a 2015 (VPA de 2,2%), uma tendência estacionária entre 2015 e 2019 (VPA de -0,1%, sem significância estatística) e uma retomada do aumento após esse período (VPA de 2,3%). Esse período estacionário não foi observado na população do sexo feminino, que apresentou VPA de 3,7% até 2012, decrescendo para 1,9% a partir desse ano. De forma similar ao observado para a obesidade, a análise temporal nos mostra tendências diferentes entre os estratos de escolaridade para o crescimento da prevalência de excesso de peso. A VPA da população geral para a classe de 8 ou menos anos de escolaridade foi de 5,2% até 2014 e decresceu para 0,8% a partir dela. Na tendência do estrato de 12 anos ou mais de escolaridade da população geral não foi identificado um ponto de inflexão e o modelo teve VPA de 2,3% em todo o período (Tabela 2; Figura 1.b).

Em relação aos resultados de intersecção entre sexo e escolaridade, notamos que as tendências também não são uniformes. No estrato de menor escolaridade do sexo feminino, há desaceleração da taxa de aumento da prevalência de excesso de peso a partir de 2014: o VPA passou de 2,8% (entre 2006 e 2014) para 1,0% (de 2014 ao final do período). Entre as mulheres mais escolarizadas, não foi observada a quebra de tendência e a VPA foi de 3,9% em todo o período. Já nos estratos de escolaridade na população do sexo masculino não há sugestão de quebra de tendências: o VPA para o estrato dos menos escolarizados foi de 1,5%, enquanto o dos mais escolarizados foi de 1,1% (Tabela 2; Figura 1.c).

DISCUSSÃO
O registro sistemático de dados de peso e altura coletado durante 16 anos junto a mais de 810 mil adultos nas capitais de estados brasileiros e DF permitiu identificar padrões cambiantes nas tendências temporais das prevalências de excesso de peso e obesidade no país entre 2006 e 2021: essas foram crescentes durante todo o período analisado, mas observou-se uma desaceleração desse crescimento a partir de 2012-2013. Observou-se também que essa desaceleração foi mais notável na população de menor escolaridade do sexo feminino.

Compreender as causas dessa desaceleração é uma tarefa complexa e qualquer interpretação requer cautela. No entanto, é relevante pontuar que essa desaceleração ocorreu de forma paralela a uma desaceleração da também crescente taxa de participação dos alimentos ultraprocessados nas compras das famílias brasileiras 9. O alto consumo destes alimentos está fortemente associado ao aumento do risco de sobrepeso e obesidade 10, 11, 12 e análises de bases de dados de 80 países mostram que o aumento das suas vendas entre 2002 e 2016 foi positivamente associado com a evolução temporal do IMC dessas populações 13. Entre 2002-2003 e 2008-2009, dados das Pesquisas de Orçamentos Familiares demonstraram que houve um aumento médio da aquisição de alimentos ultraprocessados de 4pp/ano; no entanto, entre os anos de 2008-2009 e 2017-2018, observou-se uma desaceleração desse aumento, passando para uma média de 2pp/ano. Tendência semelhante é observada quando os dados são analisados com foco apenas no meio urbano e nas regiões metropolitanas do país, cuja população é mais próxima daquela analisada pelo Vigitel 9. Resultados prévios do Vigitel também apontam para uma redução notável na tendência do consumo de refrigerantes e sucos artificiais entre os anos de 2011 e 2017, com uma variação percentual anual (VPA) de -10,96% (IC 95% -12,4%;-9,5%), sendo essa também mais acentuada no estratos do sexo feminino -VPA de -11,69% (IC95% -13,7%;-9,6%) e da população de menor escolaridade - VPA de -12,14% (IC95% -14,8%;-9,4%) 14.

Potenciais explicações para estas tendências também passaram pela intensificação de políticas públicas que colocam a obesidade na sua agenda no início dos anos 2000 e incluem, por exemplo, a provisão de alimentos saudáveis nas escolas, o fortalecimento das ações de promoção da alimentação saudável e de atividade física na atenção primária à saúde, o lançamento do Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) no Brasil e a integração dessas ações com outros setores do governo a partir de uma perspectiva de garantia da segurança alimentar e nutricional 15.

Apesar disso, não é possível afirmar que o cenário da epidemia de obesidade no Brasil caminha para um eventual controle. O Brasil vivenciou, na última década, uma significativa crise política e econômica, como consequência da agenda dos últimos governos nacionais. Esta incluiu, entre outros aspectos, a delimitação de um teto de gastos com a saúde no ano de 2016, a extinção do conselho de segurança alimentar e nutricional (CONSEA) no ano de 2018, que foi reestabelecido apenas no ano de 2022, e a propagação de ações negacionistas, o que culminou no desmonte de boa parte das políticas de ciência, educação e saúde 16. A pandemia da Covid-19, que teve início no ano de 2020, trouxe complexidade para esse cenário, o qual a Federação Latino-Americana de Sociedades de Obesidade chamou de “uma tragédia de duas pandemias” 17. Por outro lado, a volta do Brasil para o mapa da fome é um reflexo de um cenário de escassez no acesso aos alimentos, o que também pode ter impactado, pelo menos parcialmente, na desaceleração do aumento da obesidade em alguns estratos populacionais 16.
Outro ponto importante é o fato de que, em crianças brasileiras, observamos um recente crescimento da prevalência de excesso de peso (definido pelo peso-para-estatura ? +2 desvios-padrão de escores z do padrão da Organização Mundial da Saúde). Em crianças menores de 5 anos, havia uma aparente estagnação da prevalência de excesso de peso até 2007, ficando em torno de 7%. Esse fenômeno, no entanto, não se confirmou na última pesquisa de representatividade nacional, realizada em 2019, cujo excesso de peso foi estimado em 10,1%, valor significativamente mais alto que a pesquisa anterior 18.

Dados da Pesquisa Nacional de Saúde, que coleta dados domiciliares de indivíduos de todas as regiões do País, incluindo moradores das zonas rurais e urbanas, também indicaram um aumento da prevalência de obesidade entre adultos de 20,8% em 2013 para 25,9% em 2019, um aumento de 5,1 pp no período. Na própria amostra da população do sexo masculino analisada neste estudo, já é possível observar uma retomada da aceleração do crescimento da obesidade no período mais recente 19.

No México, onde recentemente se começou a implementar um conjunto expressivo de políticas para frear o consumo de alimentos ultraprocessados, dados do Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição (ENSANUT) apontam para uma possível melhoria no controle da epidemia de obesidade. Os dados mostram uma queda na prevalência de sobrepeso em toda a população adulta entre 2020 e 2021, ou seja, em no período de apenas um ano, que passou de 35,2% para 32,8% na população do sexo feminino e de 40,6% para 37,8% no sexo masculino. A prevalência de obesidade, por sua vez, teve um crescimento pouco expressivo para a população do sexo masculino, passando de 31,5% a 31,8% entre 2020 e 2021, e mais relevante no sexo feminino passando de 37,6% para 39,0% no mesmo período. Outras faixas etárias ainda mostraram retração na prevalência de sobrepeso no mesmo período: em escolares de 5 a 11 anos, esta passou de 19,6% para 18,8%, e em adolescentes, esta foi de 26,8% a 24,7% 20.

As tendências temporais do estado nutricional das populações são medidas complexas. Visscher e col. (2015) analisaram alguns estudos de outros países que sugeriram quebras e reduções nas taxas de obesidade e identificaram vieses relacionados a erros de medida, baixa representatividade amostral e poucos pontos no tempo, além de muitos não terem tido seus resultados confirmados em estudos posteriores 21. A amostra do Vigitel, restrita a indivíduos com telefone fixo e residentes somente nas capitais brasileiras e no DF, impõe limitações às conclusões do estudo. Ainda assim, as estimativas pontuais da prevalência de obesidade são muito similares àquelas obtidas pela PNS, pesquisa realizada em todo o território nacional 22.

Por outro lado, o presente trabalho analisa quebras relativamente longas de tendência e a amostra geral é representativa da população alvo e dos estratos analisados. A medida de IMC, obtida por informações autorreferidas de peso e altura, apesar de introduzir imprecisões aos dados, foi previamente validada para a população adulta brasileira 23. Por fim, é importante pontuar que a pandemia do Covid-19 afetou a coleta do Vigitel nos anos de 2020 e 2021, quando os tamanhos amostrais foram cerca de metade do usual 7.

CONCLUSÃO
Os resultados deste estudo mostraram, de forma inédita, tendências cambiantes nas taxas de crescimento da obesidade no país. É evidente que, a partir dos anos de 2012 e 2013, houve uma desaceleração da taxa de crescimento da prevalência do excesso de peso e da obesidade da população adulta residente das capitais brasileiras e do Distrito Federal e que essa quebra de tendência foi mais importante no estrato menos escolarizado do sexo feminino. Dados dos próximos ciclos do Vigitel serão importantes para se avaliar se essa tendência vai se confirmar.

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Pastorello, C. C. G., Costa, C. S., Claro, R., Louzada, M. L. C. Variações nas tendências de crescimento da obesidade em adultos brasileiros entre 2006 e 2021. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/jul). [Citado em 22/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/variacoes-nas-tendencias-de-crescimento-da-obesidade-em-adultos-brasileiros-entre-2006-e-2021/19323?id=19323&id=19323

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