0002/2007 - Violência contra adolescentes: Diferenciais segundo estratos de condição de vida e sexo.
Violence against adolescents: Differentials according to the condition strata of life and sex
Autor:
• Inês Euguênia Ribeiro da Costa - Costa Ribeiro, I.E - Recife, Pernambuco - Instituto Materno Infantil professor Fernando Figueira - <iecosta@uol.com.br>Área Temática:
Não CategorizadoResumo:
Um estudo ecológico foi conduzido para analisar os diferenciais da mortalidade por violência contra adolescentes segundo Estrato de Condição de Vida e sexo, no Recife no período de 1998 a 2004. O coeficiente médio de mortalidade por violência para o período foi calculado por sexo para o município e para os Estratos de Condição de Vida. A análise demonstrou um maior risco de morte por violência para os adolescentes do sexo masculino residentes no estrato III (pior condição de vida). A razão da mortalidade por violência entre os sexos masculino e feminino foi de 10,89 (Recife); 10,90 (estrato I); 11,70 (estrato II) e 10,30 (estrato III). Os resultados demonstram que, se, por um lado o sexo masculino é o mais acometido, por outro há uma evidente influência das condições de vida na distribuição das mortes por violências.Palavras Chaves: Violência, Adolescente, Condição de Vida, Sexo.
Abstract:
An ecological study was carried out to analyze the difference of mortality in adolescents according to stratus of living conditions and sex in Recife in the period of 1998 to 2004. The average coefficient of mortality for violence in the period was calculated by sex for the city and for the stratus of living conditions. The analysis demonstrated a higher risk of death by violence for the adolescents of masculine sex resident in stratum III (worse living condition). The ratio of mortality by violence between masculine and feminine sexes was of 10.89 (Recife); 10.90 (stratum I); 11.70 (stratum II) and 10.30 (stratum III). The results demonstrate that, if, on one side the masculine sex is the most assailed, on the other hand there is an evident influence of the living conditions in the distribution of mortality for violence.Key-words: Violence, Adolescents, Living Condition, Sex
Conteúdo:
O fenômeno da violência ocupa na atualidade posição de destaque na pauta da saúde coletiva como objeto de reflexão, na perspectiva das ações de promoção, prevenção e atenção médica. O informe mundial sobre violência e saúde da OMS¹, revela que no ano de 2000, a mortalidade por violência apresentou uma taxa de 9,2 por 100 mil sendo responsável pela perda de 199.000 jovens com idade entre 10 a 29 anos . As maiores taxas de mortalidade por homicídios foram registradas na África e América Latina (>12 por 100 mil) e as menores na Europa Ocidental, algumas áreas da Ásia e do Pacífico (0 - 4,99 por 100 mil). As principais vítimas de homicídios foram os jovens do sexo masculino com uma taxa de 19,2 por 100 mil.
O perfil de mortalidade por violência no Brasil segue a tendência mundial, em termos de maior concentração nas regiões metropolitanas e maior incidência sobre o sexo masculino e no grupo de adolescentes e jovens 2,3,4. A magnitude da violência contra adolescentes, evidencia um quadro de mortes prematuras e fortes alterações na estrutura demográfica e se constituiu num dos principais fatores que levaram a uma mudança no padrão etário da mortalidade brasileira5.
Segundo Reichenheim e Werneck6 , quando a morte ocorre numa etapa da vida de alta criatividade e produtividade, como é a adolescência, não só pune o indivíduo e o grupo que lhe é próximo, mas também priva a coletividade de seu potencial intelectual e econômico.
No Brasil, levando-se em conta a distribuição das causas externas segundo sexo, observou-se que a sobremortalidade masculina já é evidente na faixa etária de 10 a 14 anos: morreram 2,2 adolescentes do sexo masculino para uma adolescente do sexo feminino em 2000; já para a de 15 a 19 anos, essa sobremortalidade é bem maior: morrem 6,4 rapazes para cada moça da mesma idade 7.
Em Pernambuco, Lima et al.8 estudando especificamente a magnitude dos homicídios e a sua evolução temporal no período de 1980- 1998 na população masculina de 15 a 49 anos por área geográfica do estado, verificaram o crescimento das taxas de mortalidade por essa causa na capital, região metropolitana e interior. Os valores proporcionais desse crescimento, quando analisados os anos extremos da série, passaram de 69,6% para 91,4% na capital; de 57,6% para 89,4 % na região metropolitana; de 45,9% para 75,6% no interior; e de 54,1% para 84,7% no estado.
Na cidade do Recife, verificou-se que 88,59% dos óbitos por causas externas ocorreram no sexo, masculino, sendo que o risco de morte por homicídios foi cerca de 20 vezes maior nos homens que nas mulheres 9.
Para Silva e Silva10 é nas grandes regiões metropolitanas de todo o Brasil que a violência expressa nas mortes é mais freqüente. Esse dado, quando desagregado por município, revela que nas periferias das capitais, particularmente do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Vitória e do Recife, a violência contra os adolescentes e jovens é muito elevada, evidenciando que a desigualdade é mais significativa na compreensão da mortalidade dos adolescentes brasileiros do que a simples presença das condições de pobreza.
Uma das explicações utilizadas para justificar o aumento da mortalidade por violência para os adolescentes é o modo como se verificou a urbanização no país. Minayo11,2,12, explica que o elevado ritmo de migração interna deu-se, sobretudo por jovens, para os maiores centros urbanos em busca de ocupação. No entanto, não sendo grande parte absorvida pelo mercado de trabalho foram morar nas periferias das grandes cidades. Como resultado dessa vivência sob intensa violência estrutural, esses jovens foram levados às ruas em busca da sua própria sobrevivência e por vezes de sua família, expondo-se a outros tipos de violência. Ainda de acordo com a autora, esta especificidade histórica no caso brasileiro vai nos mostrar que são os adolescentes pobres das periferias as grandes vítimas da violência e dos homicídios que crescem entre esse grupo populacional marginalizado e se associa às desigualdades sociais, ao desemprego e as oportunidades do mercado ilegal de armas e drogas.
Vários autores vêm apontando uma relação entre o crescimento da violência e as desigualdades sociais existentes no Brasil, e em particular nas regiões metropolitanas e capitais 13, 14, 6, 15, 16, 17.
Conforme Barata 18 os modos de vida das sociedades resultam das questões culturais, das características individuais e, sobretudo, da produção e distribuição das riquezas no período histórico, dependente das relações sociais que são estabelecidas no interior das sociedades e como são reguladas e controladas essas relações.
Desta forma, considerando-se a importância e a atualidade do tema, este artigo analisa a violência contra os adolescentes segundo Estratos de Condição de vida e sexo, na perspectiva de contribuir para as discussões e formulações de políticas públicas que enfoquem a questão de gênero dirigidas a esse grupo populacional.
Métodos
Área de estudo
O Recife, capital do estado de Pernambuco, localiza-se no litoral oriental da Região nordeste do Brasil. Ocupa uma área de 219 km², correspondendo a cerca de 0,2% da área total do Estado e apresenta uma densidade demográfica de 6,4 mil hab./km² (64,78 hab/há), com grandes variações entre seus bairros 19. A cidade possui 94 bairros, situados em alagados, morros, planícies e praias, agrupados em 18 microrregiões e estas em 6 regiões político-administrativas (RPA), que correspondem aos distritos sanitários 20. O Recife apresenta-se como uma cidade heterogênea, marcada por grandes desigualdades sociais, onde os contrastes tornaram-se mais visíveis e mais próximos e, comumente, vêem-se populações de diferentes classes sociais vizinhas 20,21. Em 2000, sua população era de 1.422.905 habitantes, representando 17,9% da população do Estado e 42,6% da população da Região Metropolitana. O grupo dos adolescentes, com aproximadamente 278.308 habitantes, representava 19,56% da população do Recife, sendo 49,73% do sexo masculino e 50,27% do feminino.
Desenho da investigação e coleta de dados
Um estudo ecológico de grupos múltiplos foi conduzido tomando-se por base todos os óbitos por violência ocorridos em adolescentes residentes no Recife no período de 1998 e 2004.
Os dados relativos ao tipo de violência que acometeu os adolescentes na faixa etária de 10 a 19 anos de idade, foram obtidos, por meio eletrônico, do Sistema de Informação sobre Mortalidade do Recife (SIM). Na coleta de dados sobre mortalidade segundo tipo de violência (homicídio, suicídio e acidente de transporte) contra adolescente de 10 a 19 anos de idade, para o ano de 1998 os dados encontravam-se em ambiente DOS cuja pasta de trabalho é denominada de TABDO. De 1999 a 2004, encontravam-se em ambiente WINDOWS cuja pasta de trabalho é denominada TABWIN. Para os dados populacionais utilizaram-se as informações do Censo Demográfico de 2000 e para os de condições de vida por estratos utilizou-se o Indicador Composto de Condição de Vida (IC-CV).
Definição das variáveis
Foi utilizado o Indicador Composto de Condição de Vida construído por Silva22 (2003), que evidenciou situações de risco coletivo para adoecimento e morte da população do Recife. A autora, com base no banco de dados do censo demográfico de 2000 e nos estudos realizados por Guimarães 23,24 (1995 e 2003), elaborou um Indicador Composto de Condição de Vida (IC-CV) a partir de cinco indicadores referentes aos bairros (proporção de domicílios com abastecimento de água adequado, proporção de domicílios com instalação sanitária adequada, proporção da população de 10 a 14 anos analfabeta, proporção de chefes de domicílios com 3 anos ou menos de estudo, proporção de chefes de domicílios com renda mensal menor ou igual a 2 salários mínimos). O IC-CV dividiu a cidade em três estratos homogêneos de condição de vida:
• Estrato I: melhor condição de vida, composto por 10 unidades espaciais;
• Estrato II: intermediária condição de vida, composto por 23 unidades espaciais;
• Estrato III: pior condição de vida, composto por 44 unidades espaciais.
Plano de Descrição e Análise
As tabulações executadas foram importadas para planilhas eletrônicas, onde se realizaram os cálculos dos coeficientes e proporções. A primeira etapa correspondeu à construção dos indicadores de mortalidade a partir dos dados do SIM. Foram construídas as taxas de mortalidade por mortes violentas (a soma dos óbitos por homicídios, suicídio e acidentes de transportes) para o município e os estratos de condição de vida utilizando-se o Programa Excel. Para a determinação dos indicadores de mortalidade, a população exposta ao risco foi calculada com base no ano de 2000 (ano do censo demográfico) e multiplicada por 7 (anos do estudo).
A segunda etapa correspondeu à analise da relação entre o IC-CV e as mortes violentas sendo utilizado como estrato de referência para comparação entre a condição de vida e a mortalidade por Violência dos diferentes espaços intra-urbanos do município do Recife, o estrato I “de melhor condição de vida”. Para tanto, utilizou-se como recurso analítico a determinação da sobremortalidade (excesso de óbitos) e da razão de taxas.