0353/2023 - A Medicina Nuclear no Sistema Único de Saúde
Nuclear Medicine in Brazilian Health System
Autor:
• Lorena Pozzo - Pozzo, L. - <lorenaipen@gmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3850-5819
Coautor(es):
• Mércia Liane de Oliveira - Oliveira, M. L. - <mercialoliveira@gmail.com>• Mário Olímpio de Menezes - Menezes, M. O - <mario@ipen.br, momenezes@usp.br>
• Fotini Santos Toscas - Toscas, F. S. - <fotini.toscas@isaude.sp.gov.br, fotulinha@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6447-2045
Resumo:
A Medicina Nuclear desempenha um importante papel no manejo de pacientes com doenças crônicas, especialmente oncológicas e cardiovasculares. Neste estudo, foi realizada uma análise da evolução da área no Brasil, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Para tanto, foram realizadas análises restrospectivas entre 2015 e 2021 de dados públicos. Embora o Brasil possua uma quantidade considerável de instalações, sua distribuição geográfica é desigual. A mesma disparidade é observada em relação às unidades produtoras e distribuidoras de radiofármacos, limitando o acesso da população brasileira, particularmente àqueles com meia-vida inferior a duas horas. Percebe-se a alta dependência tecnológica de empresas estrangeiras, com pouca ou nenhuma produção nacional, o que contribui para o déficit na balança comercial. Apesar das possíveis demandas crescentes sobre a área devido a fatores como o envelhecimento da população e mudanças epidemiológicas a área não se expandiu. É crucial implementar políticas sociais e econômicas voltadas à área para reduzir as vulnerabilidades do sistema de saúde, assegurar sua sustentabilidade e promover um acesso igualitário e universal aos serviços de Medicina Nuclear.Palavras-chave:
Medicina Nuclear; Diagnóstico por Imagem; Compostos Radiofarmacêuticos; Tomografia por Emissão de Pósitrons combinada à Tomografia Computadorizada; CintilografiaAbstract:
Nuclear Medicine plays an important role in the management of patients with chronic diseases, especially oncological and cardiovascular conditions. In this study, an analysis of the evolution of this field in Brazil was conducted within the framework of the Unified Health System. Retrospective analyses2015 to 2021 of public data were performed. Although Brazil has a considerable number of NM facilities, their geographical distribution is uneven. The same disparity is observed in relation to units that produce and distribute radiopharmaceuticals, limiting access for the Brazilian population, particularly to those with a half-life of less than two hours. There is a noticeable high technological dependence on foreign sources, with little or no domestic production, contributing to a deficit in the trade balance. Despite the increasing demands due to factors such as population aging and epidemiological changes, the area did not expand. It is crucial to implement social and economic policies to reduce vulnerabilities in the public healthcare system, ensure its sustainability, and promote equal and universal access to Nuclear Medicine.Keywords:
Nuclear Medicine; Diagnostic Imaging; Radiopharmaceuticals; Positron Emission Tomography Computed Tomography; Radionuclide ImagingConteúdo:
Introdução
A medicina nuclear (MN) tem se desenvolvido rapidamente nas últimas duas décadas considerando os números de equipamentos de imagem instalados, de radiofármacos disponíveis e de recursos humanos qualificados. A introdução de novos radionuclídeos (especialmente os emissores de pósitrons) e o fortalecimento da medicina teranóstica são alguns dos fatores que impulsionaram esta especialidade médica1. Ações da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA), por meio de Acordo Regional de Cooperação para Ciência e Tecnologia Nucleares na América Latina e no Caribe (ARCAL) e outros foram fundamentais para o desencolvimento da região. Segundo Orellana et al., no Brasil, o número de gama-câmaras instaladas quase quadruplicou entre 2014 e 20202. Este crescimento não ocorreu de forma homogênea em todos os países, devido a recursos humanos insuficientes e disponibilidade limitada de radiofármacos. Estes podem ser reunidos em dois grupos, com base em suas meia-vidas: superior a 2h e inferior a 2h. Os do primeiro grupo (T1/2 > 2h) podem ser emissores gama ou de partículas e são utilizados em MN para fins diagnósticos e terapêuticos, respectivamente; a captação da radiação emitida pelos radiofármacos é feita por meio de gama-câmaras, principalmente na modalidade conhecida por tomografia por emissão de fóton único (SPECT). O equipamento para a obtenção dessas imagens pode ser acoplado ao tomógrafo computadorizado (SPECT/CT)3. As imagens são obtidas predominantemente utilizando-se radiofármacos marcados com tecnécio-99m (99mTc), mas tálio-204 (204Tl), iodo-131 (131I) e gálio-67 (67Ga) também são utilizados para adquirir informações fisiológicas de cérebro, pulmão, coração e ossos, por exemplo 3. Por vezes, essa área é chamada de MN convencional. Os radionuclídeos terapêuticos incluem 131I, samário-153 (153Sm), rádio-223 (223Ra), actínio-225 (225Ac), ítrio-90 (90Y) e lutécio-177 (177Lu). São obtidos por ativação de nêutrons ou fissão nuclear em reatores nucleares ou, em menor escala, em cíclotrons4. Aqueles com meia-vida inferior a 2h (T1/2 < 2h) são emissores de pósitrons e a detecção de sua distribuição origina a tomografia por emissão de pósitrons (PET). Este equipamento também pode estar associado ao CT (PET/CT) ou ao de ressonância magnética (PET/MR)5,6. Os radiofármacos mais utilizados mundialmente são aqueles radiomarcados com fluor-18 (18F), sobretudo a desoxiglicose ([18F]FDG). São produzidos em cíclotrons, entregues prontos para uso ou via geradores de radionuclídeos para marcação local. Atualmente, a legislação brasileira permite a produção e comercialização de radiofármacos no país pela iniciativa privada8.
O acesso da população brasileira aos serviços de MN está diretamente relacionado à disponibilidade destes serviços nos estabelecimentos públicos de saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e à contratação de serviços da iniciativa privada. A MN é regulamentada pelo Ministério da Saúde (MS), do ponto de vista sanitário, e pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTIC), por meio da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), do de proteção radiológica.
O Departamento de Informação e Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) mantém diversas informações administrativas, sanitárias e econômicas, indispensáveis ao processo de planejamento, operação e controle do SUS. Os dados secundários e administrativos são continuamente registrados em diferentes bases de dados, como o Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA), o Sistema de Informações Hospitalares (SIH), o Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS (SIGTAP), ou o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). Esses dados são coletados pelas Secretarias Estaduais de Saúde.
Procedimentos clínicos, diagnósticos e terapêuticos podem ser reembolsados pelo componente federal do SUS após aprovação do Secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde (SECTICS/MS) baseado em ampla discussão e análise realizada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS (CONITEC) sob demanda9. Esta deve conter documentação de Avaliação de Tecnologia em Saúde (ATS) com a descrição da nova tecnologia e evidências científicas comparando-a com a tecnologia existente (já incorporada pelo SUS), avaliação econômica e impacto orçamentário. Um dos requisitos fundamentais para que as tecnologias sejam avaliadas na CONITEC é que os produtos de saúde usados estejam registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA),que não sejam consideradas experimentais e tenham o preço fixado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), no caso de medicamentos10.
A ANVISA mantém bases de dados de produtos para saúde com autorizações de comercialização e uso. A regulamentação para radiofármacos está sendo continuamente atualizada para considerar novas possibilidades de produção, como a modalidade in house e comercialização por notificação (sem registro definitivo na Agência). Após a autorização de comercialização, a indústria de medicamentos deve solicitar uma análise a ser realizada pela CMED, que estabelece o preço máximo que pode ser cobrado. Uma vez que os radiofármacos são considerados medicamentos pela regulamentação da ANVISA, seus preços também deveriam ser analisados pela CMED.
A CNEN também mantém bancos de dados públicos com informações sobre estabelecimentos, insumos permitidos (tipo e quantidade) e pessoal autorizado para uso de radiações ionizantes em saúde.
O Ministério da Fazenda (MF) e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) também desempenham importante papel na manutenção e possível expansão desta área no país a partir das atividades do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) e da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX), uma vez que uma parte expressiva dos insumos é importada.
Em 2021, o CONFAZ publicou o Convênio ICMS nº 131 autorizando os governos estaduais a conceder isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nas operações com medicamentos radioativos utilizados exclusivamente para radiomarcação para procedimentos de medicina nuclear, realizados no âmbito do SUS11 e entrou em vigor a em 1º de janeiro de 2023. Como Estado integrante do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), o Brasil adota a Nomenclatura Comum do MERCOSUL (NCM) e a Tarifa Externa Comum do MERCOSUL (TEC)12. Esta é uma tarifa de importação cobrada pelos países do bloco sobre as importações de países externos para estimular a competitividade dos Estados Partes e seus níveis tarifários devem ajudar a evitar a formação de oligopólios ou reservas de mercado. Como regra geral, o Brasil adota a TEC para todos os códigos NCM, mas há instrumentos e regras de exceção. No caso de produtos sujeitos a ações específicas de desabastecimento, o Brasil não aplica a TEC.
O objetivo deste trabalho é analisar a evolução da área de MN de 2015 a 2021 na perspectiva do SUS, considerando as bases de dados públicas brasileiras, a situação tarifária e a balança comercial.
Materiais e Métodos
A abordagem metodológica adotada é de pesquisa exploratória com busca de dados nas principais bases de dados públicas relacionados à MN no SUS. Trata-se de estudo retrospectivo descritivo. Estudos com este desenho estão isentos de análise por comitês de ética em pesquisa pois foram utilizadas bases de dados secundárias, sem identificação de indivíduos13.
Foram realizadas buscas nos bancos de dados públicos para obter informações sobre: i) Panorama da NM e ii) Situação fiscal e balança comercial.
Para o levantamento dos dados sobre o panorama da NM, foram realizadas buscas de dados sobre as instalações autorizadas (cíclotrons, radiofarmácias centralizadas e serviços de MN); radiofármacos aprovados para uso em humanos; equipamentos; procedimentos diagnósticos e terapêuticos realizados e aprovados e sua distribuição geográfica; e custos e reembolsos do componente federal do SUS. As bases de dados consultadas com seus respectivos dados fornecidos foram:
- CNES/MS14: Número e localização de estabelecimentos de saúde que realizam procedimentos de MN convencional e PET; Número total de equipamentos em uso (gama-câmaras e tomógrafos PET); O Número total de equipamentos em uso no SUS foi estimado considerando dois cenários: (1) apenas um equipamento por estabelecimento e (2) todos os equipamentos por estabelecimento que oferece serviço ao SUS.
- SIA e SIH/MS15,16: Número de procedimentos diagnósticos e terapêuticos aprovados por ano e por região;
- SIGTAP/MS17: Procedimentos autorizados para diagnóstico e terapia;
- ANVISA/MS18,19: Radiofármacos registrados e aqueles comercializados por notificação; Registros e autorização de comercialização de dispositivos médicos;
- CNEN/MCTI20: Quantidade e localização de instalações radiativas com cíclotrons, radiofarmácias centralizadas e de serviços de MN;
- IBGE21: População por ano e estado brasileiro.
Para o levantamento da balança comercial, foi realizada busca na base de dados de estatísticas de comércio exterior do Brasil “COMEX STAT” do MDIC, com consultas detalhadas das importações e exportação brasileiras22. As alterações fiscais foram levantadas no sítio eletrônico do CONFAZ do MF.
Todos os dados foram coletados considerando todos os Estados brasileiros, de 2015 a 2021, para considerar o início da cobertura de procedimentos de PET/CT. Os dados foram gravados e analisados em planilhas de software comercial (Microsoft Excel).
Resultados
De acordo com o banco de dados da CNEN, em dezembro de 2021, havia 2 estabelecimentos públicos com instalações cíclotron e apenas 3 empresas privadas que agrupam os outros 9 estabelecimentos produtores. A Figura1 mostra a existência de 4 farmácias centralizadas, que comercializam doses unitárias de radiofármacos diversos. Existiam 449 serviços de MN convencional e 159 instalações com PET no país. Enquanto 55,2% das instalações de MN convencionais e 52,8% das instalações de PET estão localizadas na região Sudeste, apenas 4,9 e 4,4%, respectivamente, estão localizadas na região Norte. Por outro lado, de acordo com o banco de dados do CNES, havia 614 instalações com gama-câmaras e 102, com PET no Brasil. Além disso, a pesquisa apontou 462 instalações de MN in vivo no total, 145 instalações de MN in vitro e 53 MN classificadas como “telemedicina”. O número de instalações autorizadas, serviços de MN convencional e PET, por Região é apresentado na Figura 1.
Figura 1
A Figura 2 mostra o total de equipamentos de imagem (gama-câmara e PET/CT) em uso e as estimativas de equipamentos em uso no SUS por milhão de habitantes nos cenários 1 e 2 descritos anteriormente. Nota-se redução na quantidade de gama-câmaras por milhão de habitantes em uso especialmente a partir de 2019. Entretanto, as estimativas do número de gama-câmaras em uso no SUS oscilaram em torno de 37,5% e de 47,6% entre 2015 e 2018, nos cenários 1 e 2 respectivamente, e em torno de 39,6% e de 52% entre 2019 e 2021. Por outro lado, houve aumento contínuo no número de equipamentos PET em uso por milhão de habitantes, embora esse aumento não tenha sido observado de maneira proporcional no SUS. Os equipamentos de PET em uso no SUS correspondiam a 59,5% do total em uso em 2015 nos dois cenários estimados, mas ao longo dos anos esse valor foi reduzindo e, em 2021, chegou a 49,1%, no cenário 1, ou 52,8%, no cenário 2.
Figura 2
Segundo a base de dados do SIGTAP, 54 procedimentos diagnósticos de MN são reembolsados pelo componente federal do SUS, incluindo imagens dos sistemas cardiovascular, digestivo, endócrino, genitourinário, esquelético, nervoso, respiratório, hematológico e outras como a dacriocintilografia. Atualmente, a radioiodoterapia para carcinoma diferenciado de tireoide é reembolsada pelo SUS, com valores de ressarcimento que dependem da atividade radioativa administrada e que variam de 1,11 GBq (30 mCi) a 1,85 GBq (50 mCi) (procedimentos ambulatoriais) e de de 3,70 GBq (100 mCi) a 9,25 GBq (250 mCi) (procedimentos hospitalares). Há ainda tratamentos paliativos de dor óssea e hipertireoidismo. Os procedimentos de imagem PET/CT foram incorporados ao SUS em 2014 para três indicações com o uso do radiofármaco [18F]FDG24: estadiamento clínico do câncer de pulmão de células não pequenas, detecção de metástases hepáticas e potencialmente ressecáveis de câncer colorretal e estadiamento e avaliação da resposta ao tratamento de linfomas de Hodgkin e não-Hodgkin.
A evolução da quantidade total de procedimentos diagnósticos e terapêuticos reembolsados pelo componente federal do SUS por milhão de habitantes no período avaliado é mostrada na Figura 3. Nota-se que as regiões Sul e Sudeste tiveram pouca variação na quantidade de procedimentos diagnósticos aprovados em MN convencional, mesmo na fase pandêmica, diferente das outras regiões, que tiveram redução perceptível. Os principais procedimentos diagnósticos em MN continuam sendo a varredura óssea, seguida pela cintilografia miocárdica de stress e repouso, sem grande variação em todo o período em todas as regiões do país. Estes três procedimentos somam entre 80,1% a 85,2% do total de procedimentos nos Estados. O diagnóstico com PET conservou a tendência de crescimento mesmo com variação entre 2019 e 2021, exceto na região Norte. O número de procedimentos aprovados por equipamento no SUS nos cenários 1 e 2 oscilou em torno de 5,3 e de 4,1 respectivamente para MN convencional e de 2,0 e de 1,9 para PET.
Quanto à quantidade aprovada de procedimentos terapêuticos, a região Sul se sobressai entre todas as outras regiões, embora este número tenha mostrado tendência de queda ao longo dos anos.
Figura 3
A lista de radiofármacos e equipamentos com autorização para comercialização no Brasil é mostrada na Tabela 1. São sete radiofármacos para PET. Somente uma empresa privada comercializa produtos liofilizados para marcação com 99mTc. Não há registro de gama-câmara nem PET/CT de produção nacional. Foram encontrados 12 registros de grupos de equipamentos de MN convencional com 24 modelos diferentes (dois portáteis, sete dedicados à cardiologia, oito SPECT e sete SPECT/CT ) e cinco fabricantes em diferentes países: Espanha (um registro), Dinamarca (dois registros), Israel (sete registros, dos quais dois são compartilhados com a China) e EUA (dois registros). Foram encontrados oito registros de equipamentos PET/CT originados de 16 modelos diferentes e seis fabricantes. Os países fabricantes são: China (três registros), EUA (três registros), Japão (um registro) e Holanda (um registro), evidenciando a alta dependência tecnológica. Também existem dois registros para o equipamento híbrido PET/MR, fabricados nos EUA e Alemanha e um registro de PET dedicado à mamografia, fabricado na Espanha.
Tabela 1
Outros dispositivos compõem o cenário da MN. O ativímetro é fundamental para a acurácia diagnóstica e eficácia terapêutica, além de contribuir para a radioproteção de pacientes e trabalhadores. Mas existe somente um registro com três modelos fabricados nos EUA. Há também quatro registros de sistemas para inalação com material radioativo com três modelos e uma blindagem, fabricados na Austrália e no Brasil. São usados para um procedimento específico de cintilografia de pulmão por inalação. Por fim, são quatro registros de sondas gama usadas para cirurgias radioguiadas (especialmente de câncer de mama), produzidos na França, Alemanha e Argentina.
O uso de detetores de radiação (equipamentos de imagem, ativímetros, monitores de radiação e sondas gama) exige aferição e calibração constantes com fontes radioativas de diferentes energias. Existem dez registros de fontes de calibração de ativímetros fabricadas nos EUA e na Turquia.
Situação fiscal e balança comercial
As mudanças fiscais decorrentes de alterações de tributos federais (IPI, PIS e COFINS) e desoneração de impostos estaduais (ICMS) não contemplaram os equipamentos usados na área. Os medicamentos radiofármacos, em especial, o gerador de 99mTc, agentes radioativos marcados com 131I, com 18F (por exemplo, [18F]FDG, [18F]PSMA, [18F]NaF), com 68Ga ( [68Ga]Ga-DOTA, [68Ga]Ga-PSMA), com 177Lu ([177Lu]Lu-PSMA, [177Lu]Lu-DOTA), 223Ra e 225Ac não são tributados pelo IPI e nem por ICMS. Já sobre o equipamento de PET e a Gama-câmara incidem 1,3% de IPI e o ICMS varia de acordo com o Estado. PIS e COFINS são os mesmos para todos os produtos: 2,10% e 9,65%, respectivamente.
Quanto à TEC, foram observadas diferenças nas taxas dos produtos, próximas ao mínimo para agentes radioativos (2%) e próximas ao máximo para o gerador de 99mTc (10%).
Os valores das NCMs de produtos de medicina nuclear, de 2015 a 2021, em dólares, foram atualizados pelo Índice CPI/EUA25. O saldo da balança comercial é deficitário em cerca de U$30 milhões por ano (Figura 4) e corresponde a cerca de 0,20% do déficit da balança comercial do Complexo Econômico Industrial da Saúde (CEIS), atualmente próximo a U$ 15 bilhões/ano26. O gerador de 99mTc representa cerca de 50% do déficit, seguido pelos agentes radioativos com cerca de 30%. Entre 2015 e 2016, logo após a aprovação do procedimento pela CONITEC, o déficit devido ao equipamento de PET/CT superou o de compostos radioativos, respondendo por cerca de 40% no período.
Figura 4
Discussão
Desde 2006, a legislação brasileira permite que entidades privadas produzam e comercializem radiofármacos com T1/2<2h em território brasileiro. Essa flexibilização permitiu o crescimento do número de cíclotrons no país27. No entanto, esse aumento não ocorreu de forma equânime, permanecendo as regiões Centro - Oeste (exceto o DF) e Norte sem aceleradores. Já a existência de radiofarmácias centralizadas pode ser uma solução para reduzir a complexidade da área, uma vez que o estabelecimento responsável pela obtenção das imagens não seria obrigado a manter um laboratório de manipulação de material radioativo. Entretanto, este trabalho não avaliou a possível relação com a redução de custos que essa realidade traria, especialmente no SUS.
A consulta às bases de dados da CNEN e da CNES sobre instalações de MN e PET no Brasil reafirmam as discrepâncias entre os números reportados em cada uma dessas bases já apontadas em 2015 por Pozzo et al28. É possível que algumas instalações radioativas estejam erroneamente cadastradas no CNES como instalações de MN. Desta forma, sugere-se a criação de uma base de dados única que integre informações sanitárias e radiológicas para facilitar o processo burocrático de otenção e acompanhamento de licenças e autorizações e agilizar o processo de aquisição de material.
Outro aspecto revelado nesta consulta foi a distribuição geográfica desigual das instalações MN e PET autorizadas no território brasileiro. Apesar da maior concentração estar ligada ao maior adensamento populacional, ainda há regiões com pouco acesso à MN sem acesso a PET. Toscas et al29 e Hanna et al30 discutem no âmbito do plano de expansão da radioterapia30,31 que os altos custos associados ao equipamento PET e sua manutenção, transporte e instalação representam obstáculos para a expansão da área. Essa conclusão pode ser facilmente generalizada para todos os equipamentos de imagem de medicina nuclear, pois são equipamentos de alto grau tecnológico e alto custo. Em 2020 foram encontradas apenas três aprovações de projetos para aquisição de equipamentos PET/CT financiados pelo SUS29.
Entretanto, o número de equipamentos por milhão de habitantes é mais esclarecedor, uma vez que uma instalação pode ter mais de um equipamento. Os valores reportados pelo CNES relativos aos números total de equipamentos em uso para o período estudado (3,50 gama-câmaras/milhão de habitantes e 0,54 PET/milhão de habitantes, em 2020, por exemplo) estão abaixo dos valores obtidos por Orellana et al. para os EUA (45,2 e 7,3, respectivamente, em 2020) e países da Europa (onde esta relação varia de 6,7 a 16,0 e de 0,1 a 8,0, respectivamente)2. Os valores também estão abaixo das médias apresentadas no Atlas global de equipamentos médicos da Organização Mundial da Saúde (48,4 gama-câmara ou outros equipamentos de MN/milhão de habitantes e 5,4 PET/milhão de habitantes) para os EUA em 202232. Para o equipamento PET/CT, A Secretaria de Atenção à Saúde do MS33 estabelece o critério de um equipamento de PET/CT por 1,5 milhão de habitantes a uma distância que permita o acesso ao radiofármaco (no máximo, duas horas) para aquisição e gestão dessa tecnologia. Já a publicação da IAEA34 indica 1 equipamento por milhão de habitantes em uma aproximação inicial; num contexto mais desenvolvido, considera alcançar de 2,0 a 2,5 equipamentos por milhão de habitantes. Entretanto, não há nenhuma consideração para gama-câmaras nos dois documentos. Embora os números apresentados neste trabalho possam estar subdimensionados, uma vez que a inserção da informação sobre o tipo e a quantidade de equipamentos nesta base não é compulsória, percebe-se um cenário propício para a ampliação da infraestrutura relacionada à MN. Ciabattari e Menezes avaliaram a distribuição dos equipamentos de PET/CT no território brasileiro em 2020, levando em consideração o número de indivíduos potencialmente atendidos por esses equipamentos a uma distância máxima de 100 km35. Seriam necessários 385 equipamentos adicionais (148 em locais que já possuem PET/CT e 237 em locais que não possuem nenhum equipamento) para atingir a média recomendada por Paez et al. de 500 mil habitantes por equipamento36. Um ponto importante a se considerar é que equipamentos de SPECT e SPECT/CT e, por outro lado, de PET, PET/CT e PET/MR são bastante diferentes quanto às necessidades de infraestrutura, manutenções e de treinamento de pessoal especializado. Como consequência, apresentam eficácia e efetividade clínica diferentes para cada procedimento adotado5,6. No âmbito da CNEN ou ANVISA, essas consequências não são consideradas, sendo a CONITEC a responsável pela sua análise para fins de incorporação das tecnologias mais custo-efetivas.
No presente trabalho, chama a atenção a redução do número total de gama-câmaras e aumento do de equipamentos PET em uso no Brasil de 2015 a 2021. Não é possível obter o número real de quipamentos disponibilizados ao SUS pois essa informação não é requerida aos estabelecimentos de saúde. Ainda assim, pode-se afirmar que o percentual estimado de gama-câmaras em uso no SUS no período estudado se manteve, enquanto que o de equipamentos de PET teve redução de aproximadamente 10%, sendo que a quantidade de procedimentos por equipamento se manteve estável. Esse resultado é corroborado pelo fato de que o número total de procedimentos de MN contratados pelo SUS também sofreu queda nesse período, enquanto que o de PET aumentou. Ou seja, estes resultados sugerem que o tempo de equipamento dedicado a procedimentos ressarcidos pelo SUS se manteve.
Dos procedimentos diagnósticos em MN, em torno de 80% correspondem às cintilografias miocárdicas em stress e repouso e à varredura óssea. Este resultado pode ser entendido considerando-se que, no Brasil, as doenças cardiovasculares e o câncer são duas das principais causas de morte não violenta37. Ressalta-se que o estudo regionalizado e estratificado por procedimento não foi objeto deste trabalho, mas seria importante para maior compreensão das tendências e necessidades.
Já a quantidade de procedimentos de PET ressarcidos pelo SUS em nivel federal vem crescendo desde sua aprovação pela CONITEC, mesmo durante a pandemia de COVID-19. Portanto, para as indicações aceitas para reembolso pela União, este aumento pode ser um bom indicador de que os objetivos da Lei no 13896/ 201938 , estejam sendo alcançados para esses casos, ao menos nos locais com acesso à tecnologia. Entretanto, é necessário também investigar se o aumento de diagnósticos proporcionado pelo PET tem resultado em maior acesso a tratamento, no prazo de 60 dias, preconizado pela Lei no 12732/ 201239.
Segundo o SIGTAP, os procedimentos terapêuticos não se limitam à iodoterapia. Quanto à quantidade aprovada de procedimentos terapêuticos, a região Sul se sobressai entre todas as outras regiões. Com base nos dados40 sobre incidência de câncer de tireóide nas diferentes regiões brasileiras, pode-se inferir que um grande número de casos ambulatoriais (dor óssea ou condições benignas como hipertireoidismo) estão sendo tratados nessa região. Seria importante avaliar a distribuição de cada procedimento terapêutico para maior entendimento do cuidado ofertado à população de acordo com suas necessidades.
Praticamente todos os equipamentos e insumos utilizados na MN são importados, resultando num déficit de aproximadamente U$30 milhões ao ano na balança comercial do CEIS. É importante notar que esse resultado foi obtido antes da alteração da Constituição Federal que autorizou a produção e comercialização de Radiofármacos para a iniciativa privada em 20228. Até essa data, o IPEN CNEN-SP era o principal fornecedor destes insumos, com facilidades tributárias de importação por ser um órgão público e preços estabelecidos pela CNEN. A maior parte dos radiofármacos para MN convencional deixou de ser ofertada pelas instituições públicas e hoje é comercializada por um número pequeno de empresas privadas que praticam a livre negociação e têm isenção de vários impostos como mostrado aqui, o que impacta no repasse aos municípios (IPI) e na seguridade social (PIS e COFINS).
Com a falta de reposição de pessoal e entraves associados à gestão pública de um centro de produção de radiofármacos ligado à agenda de ciência e tecnologia, o principal ente estatal, responsável pelo abastecimento de insumos para a área de MN vem perdendo sua capacidade de pesquisa, desenvolvimento e produção de maneira vertiginosa41. Em 2021, diante da possibilidade de desabastecimento devido à inexistência de alocação de recursos do governo federal ao IPEN CNEN-SP, a ANVISA permitiu, em regime excepcional, a importação de radiofármacos sem o devido registro por órgãos e entidades públicas e por pessoas jurídicas de direito privado, incluindo os estabelecimentos e serviços de saúde42. Esta resolução foi sendo anualmente prorrogada e hoje vale até 31 de março de 202443. Diante desse cenário, é provável que o déficit da balança comercial cresça nos próximos anos. Por outro lado, o projeto de construção do Reator Multipropósito Brasileiro pretende extinguir a dependência externa de insumos radioativos para MN e radioterapia, mas não deve ocorrer antes de 5 anos, mesmo com sua inclusão no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)44 em 2023.
Os equipamentos de imagem são comercializados por empresas estrangeiras com representação no país. Ainda que a comercialização de equipamentos usados e recondicionados já seja regulamentada45, para aumentar o parque tecnológico, a redução de possíveis vazios assistenciais aliada ao desenvolvimento tecnológico e produtivo poderia ocorrer adaptando o plano de expansão da radioterapia (PER-SUS)25. Este plano licitou a compra de 80 aceleradores de partículas novos em 2012, mas exigiu um acordo de compensação tecnológica para redução das vulnerabilidades contemplando transferência de tecnologia, desenvolvimento de fornecedores locais, instalação de unidade fabril e centro de treinamento.
Conclusão
A MN é uma área multidisciplinar, de alta complexidade, regulada de diferentes formas pelo Estado brasileiro. Este trabalho mostra a necessidade, presente desde o início do período estudado, de se reunir os dados administrativos ligados ao cumprimento das leis e normas dos estabelecimentos radiativos e de saúde em um banco de dados integrado.
A oferta de novos radiofármacos para PET aumentou a partir da Emenda Constitucional Nº 49/2006. Mas isso só se traduziu em maior acesso da população pelo SUS a partir da incorporação desse procedimento à Tabela Unificada em 2014 em que é usado o radiofármaco [18F]FDG. Nenhum dos outros seis radiofármacos disponíveis para PET é usado de maneira rotineira no SUS, o que sugere a necessidade de estudos de ATS para decisão de incorporação. Os Estabelecimentos que disponibilizam equipamentos PET ao SUS reservam ao mesmo uma parte pequena do tempo de uso, o que pode ser inferido pelo baixo número de procedimentos aprovados por equipamento estimado neste trabalho.
O parque tecnológico se manteve com aproximadamente metade dos equipamentos disponibilizados ao SUS. O número de equipamentos de imagem disponíveis ao SUS por milhão de habitantes é baixo, o que pode resultar em desigualdade de acesso a tecnologias de MN. A alta complexidade para a implementação e gestão de gama câmaras e PET/CT exige estratégias robustas de difusão para que a oferta no SUS ocorra em condições de equidade. A adoção e publicação de critérios técnicos e parâmetros assistenciais para oferta no SUS de gama câmaras, como ocorre com PET/CT, pode contribuir no uso racional dessas tecnologias.
Os procedimentos da MN reembolsados pelo componente federal do SUS continuam sendo os mesmos, inclusive com a descrição de radiofármacos usados e protocolos defasados, o que indica necessidade de revisão de indicação de incorporação.
A necessidade de expandir o acesso aos procedimentos de MN, o grande deficit da balança comercial mantido ao longo do período estudado, com possibilidade de aumento com a saída do produtor público de radiofármacos, aliada à grande dependência tecnológica indicam a urgência de se estabelecer uma força tarefa para avaliação do papel da MN no contexto específico da saúde pública.
Agradecimentos
A Bernardo Bahia Cesário e demais colegas da Coordenação de Ações Prospectivas da Presidência / Grupo de Inovação em Saúde CP-GIS/Fiocruz nos dados da balança comercial. Também à Niege Tavares Ucha Rodrigues, Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias do MS, pela revisão, comentários e contribuição nos temas de situação fiscal.
Referências
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A medicina nuclear (MN) tem se desenvolvido rapidamente nas últimas duas décadas considerando os números de equipamentos de imagem instalados, de radiofármacos disponíveis e de recursos humanos qualificados. A introdução de novos radionuclídeos (especialmente os emissores de pósitrons) e o fortalecimento da medicina teranóstica são alguns dos fatores que impulsionaram esta especialidade médica1. Ações da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA), por meio de Acordo Regional de Cooperação para Ciência e Tecnologia Nucleares na América Latina e no Caribe (ARCAL) e outros foram fundamentais para o desencolvimento da região. Segundo Orellana et al., no Brasil, o número de gama-câmaras instaladas quase quadruplicou entre 2014 e 20202. Este crescimento não ocorreu de forma homogênea em todos os países, devido a recursos humanos insuficientes e disponibilidade limitada de radiofármacos. Estes podem ser reunidos em dois grupos, com base em suas meia-vidas: superior a 2h e inferior a 2h. Os do primeiro grupo (T1/2 > 2h) podem ser emissores gama ou de partículas e são utilizados em MN para fins diagnósticos e terapêuticos, respectivamente; a captação da radiação emitida pelos radiofármacos é feita por meio de gama-câmaras, principalmente na modalidade conhecida por tomografia por emissão de fóton único (SPECT). O equipamento para a obtenção dessas imagens pode ser acoplado ao tomógrafo computadorizado (SPECT/CT)3. As imagens são obtidas predominantemente utilizando-se radiofármacos marcados com tecnécio-99m (99mTc), mas tálio-204 (204Tl), iodo-131 (131I) e gálio-67 (67Ga) também são utilizados para adquirir informações fisiológicas de cérebro, pulmão, coração e ossos, por exemplo 3. Por vezes, essa área é chamada de MN convencional. Os radionuclídeos terapêuticos incluem 131I, samário-153 (153Sm), rádio-223 (223Ra), actínio-225 (225Ac), ítrio-90 (90Y) e lutécio-177 (177Lu). São obtidos por ativação de nêutrons ou fissão nuclear em reatores nucleares ou, em menor escala, em cíclotrons4. Aqueles com meia-vida inferior a 2h (T1/2 < 2h) são emissores de pósitrons e a detecção de sua distribuição origina a tomografia por emissão de pósitrons (PET). Este equipamento também pode estar associado ao CT (PET/CT) ou ao de ressonância magnética (PET/MR)5,6. Os radiofármacos mais utilizados mundialmente são aqueles radiomarcados com fluor-18 (18F), sobretudo a desoxiglicose ([18F]FDG). São produzidos em cíclotrons, entregues prontos para uso ou via geradores de radionuclídeos para marcação local. Atualmente, a legislação brasileira permite a produção e comercialização de radiofármacos no país pela iniciativa privada8.
O acesso da população brasileira aos serviços de MN está diretamente relacionado à disponibilidade destes serviços nos estabelecimentos públicos de saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e à contratação de serviços da iniciativa privada. A MN é regulamentada pelo Ministério da Saúde (MS), do ponto de vista sanitário, e pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTIC), por meio da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), do de proteção radiológica.
O Departamento de Informação e Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) mantém diversas informações administrativas, sanitárias e econômicas, indispensáveis ao processo de planejamento, operação e controle do SUS. Os dados secundários e administrativos são continuamente registrados em diferentes bases de dados, como o Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA), o Sistema de Informações Hospitalares (SIH), o Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS (SIGTAP), ou o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). Esses dados são coletados pelas Secretarias Estaduais de Saúde.
Procedimentos clínicos, diagnósticos e terapêuticos podem ser reembolsados pelo componente federal do SUS após aprovação do Secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde (SECTICS/MS) baseado em ampla discussão e análise realizada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS (CONITEC) sob demanda9. Esta deve conter documentação de Avaliação de Tecnologia em Saúde (ATS) com a descrição da nova tecnologia e evidências científicas comparando-a com a tecnologia existente (já incorporada pelo SUS), avaliação econômica e impacto orçamentário. Um dos requisitos fundamentais para que as tecnologias sejam avaliadas na CONITEC é que os produtos de saúde usados estejam registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA),que não sejam consideradas experimentais e tenham o preço fixado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), no caso de medicamentos10.
A ANVISA mantém bases de dados de produtos para saúde com autorizações de comercialização e uso. A regulamentação para radiofármacos está sendo continuamente atualizada para considerar novas possibilidades de produção, como a modalidade in house e comercialização por notificação (sem registro definitivo na Agência). Após a autorização de comercialização, a indústria de medicamentos deve solicitar uma análise a ser realizada pela CMED, que estabelece o preço máximo que pode ser cobrado. Uma vez que os radiofármacos são considerados medicamentos pela regulamentação da ANVISA, seus preços também deveriam ser analisados pela CMED.
A CNEN também mantém bancos de dados públicos com informações sobre estabelecimentos, insumos permitidos (tipo e quantidade) e pessoal autorizado para uso de radiações ionizantes em saúde.
O Ministério da Fazenda (MF) e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) também desempenham importante papel na manutenção e possível expansão desta área no país a partir das atividades do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) e da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX), uma vez que uma parte expressiva dos insumos é importada.
Em 2021, o CONFAZ publicou o Convênio ICMS nº 131 autorizando os governos estaduais a conceder isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nas operações com medicamentos radioativos utilizados exclusivamente para radiomarcação para procedimentos de medicina nuclear, realizados no âmbito do SUS11 e entrou em vigor a em 1º de janeiro de 2023. Como Estado integrante do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), o Brasil adota a Nomenclatura Comum do MERCOSUL (NCM) e a Tarifa Externa Comum do MERCOSUL (TEC)12. Esta é uma tarifa de importação cobrada pelos países do bloco sobre as importações de países externos para estimular a competitividade dos Estados Partes e seus níveis tarifários devem ajudar a evitar a formação de oligopólios ou reservas de mercado. Como regra geral, o Brasil adota a TEC para todos os códigos NCM, mas há instrumentos e regras de exceção. No caso de produtos sujeitos a ações específicas de desabastecimento, o Brasil não aplica a TEC.
O objetivo deste trabalho é analisar a evolução da área de MN de 2015 a 2021 na perspectiva do SUS, considerando as bases de dados públicas brasileiras, a situação tarifária e a balança comercial.
Materiais e Métodos
A abordagem metodológica adotada é de pesquisa exploratória com busca de dados nas principais bases de dados públicas relacionados à MN no SUS. Trata-se de estudo retrospectivo descritivo. Estudos com este desenho estão isentos de análise por comitês de ética em pesquisa pois foram utilizadas bases de dados secundárias, sem identificação de indivíduos13.
Foram realizadas buscas nos bancos de dados públicos para obter informações sobre: i) Panorama da NM e ii) Situação fiscal e balança comercial.
Para o levantamento dos dados sobre o panorama da NM, foram realizadas buscas de dados sobre as instalações autorizadas (cíclotrons, radiofarmácias centralizadas e serviços de MN); radiofármacos aprovados para uso em humanos; equipamentos; procedimentos diagnósticos e terapêuticos realizados e aprovados e sua distribuição geográfica; e custos e reembolsos do componente federal do SUS. As bases de dados consultadas com seus respectivos dados fornecidos foram:
- CNES/MS14: Número e localização de estabelecimentos de saúde que realizam procedimentos de MN convencional e PET; Número total de equipamentos em uso (gama-câmaras e tomógrafos PET); O Número total de equipamentos em uso no SUS foi estimado considerando dois cenários: (1) apenas um equipamento por estabelecimento e (2) todos os equipamentos por estabelecimento que oferece serviço ao SUS.
- SIA e SIH/MS15,16: Número de procedimentos diagnósticos e terapêuticos aprovados por ano e por região;
- SIGTAP/MS17: Procedimentos autorizados para diagnóstico e terapia;
- ANVISA/MS18,19: Radiofármacos registrados e aqueles comercializados por notificação; Registros e autorização de comercialização de dispositivos médicos;
- CNEN/MCTI20: Quantidade e localização de instalações radiativas com cíclotrons, radiofarmácias centralizadas e de serviços de MN;
- IBGE21: População por ano e estado brasileiro.
Para o levantamento da balança comercial, foi realizada busca na base de dados de estatísticas de comércio exterior do Brasil “COMEX STAT” do MDIC, com consultas detalhadas das importações e exportação brasileiras22. As alterações fiscais foram levantadas no sítio eletrônico do CONFAZ do MF.
Todos os dados foram coletados considerando todos os Estados brasileiros, de 2015 a 2021, para considerar o início da cobertura de procedimentos de PET/CT. Os dados foram gravados e analisados em planilhas de software comercial (Microsoft Excel).
Resultados
De acordo com o banco de dados da CNEN, em dezembro de 2021, havia 2 estabelecimentos públicos com instalações cíclotron e apenas 3 empresas privadas que agrupam os outros 9 estabelecimentos produtores. A Figura1 mostra a existência de 4 farmácias centralizadas, que comercializam doses unitárias de radiofármacos diversos. Existiam 449 serviços de MN convencional e 159 instalações com PET no país. Enquanto 55,2% das instalações de MN convencionais e 52,8% das instalações de PET estão localizadas na região Sudeste, apenas 4,9 e 4,4%, respectivamente, estão localizadas na região Norte. Por outro lado, de acordo com o banco de dados do CNES, havia 614 instalações com gama-câmaras e 102, com PET no Brasil. Além disso, a pesquisa apontou 462 instalações de MN in vivo no total, 145 instalações de MN in vitro e 53 MN classificadas como “telemedicina”. O número de instalações autorizadas, serviços de MN convencional e PET, por Região é apresentado na Figura 1.
Figura 1
A Figura 2 mostra o total de equipamentos de imagem (gama-câmara e PET/CT) em uso e as estimativas de equipamentos em uso no SUS por milhão de habitantes nos cenários 1 e 2 descritos anteriormente. Nota-se redução na quantidade de gama-câmaras por milhão de habitantes em uso especialmente a partir de 2019. Entretanto, as estimativas do número de gama-câmaras em uso no SUS oscilaram em torno de 37,5% e de 47,6% entre 2015 e 2018, nos cenários 1 e 2 respectivamente, e em torno de 39,6% e de 52% entre 2019 e 2021. Por outro lado, houve aumento contínuo no número de equipamentos PET em uso por milhão de habitantes, embora esse aumento não tenha sido observado de maneira proporcional no SUS. Os equipamentos de PET em uso no SUS correspondiam a 59,5% do total em uso em 2015 nos dois cenários estimados, mas ao longo dos anos esse valor foi reduzindo e, em 2021, chegou a 49,1%, no cenário 1, ou 52,8%, no cenário 2.
Figura 2
Segundo a base de dados do SIGTAP, 54 procedimentos diagnósticos de MN são reembolsados pelo componente federal do SUS, incluindo imagens dos sistemas cardiovascular, digestivo, endócrino, genitourinário, esquelético, nervoso, respiratório, hematológico e outras como a dacriocintilografia. Atualmente, a radioiodoterapia para carcinoma diferenciado de tireoide é reembolsada pelo SUS, com valores de ressarcimento que dependem da atividade radioativa administrada e que variam de 1,11 GBq (30 mCi) a 1,85 GBq (50 mCi) (procedimentos ambulatoriais) e de de 3,70 GBq (100 mCi) a 9,25 GBq (250 mCi) (procedimentos hospitalares). Há ainda tratamentos paliativos de dor óssea e hipertireoidismo. Os procedimentos de imagem PET/CT foram incorporados ao SUS em 2014 para três indicações com o uso do radiofármaco [18F]FDG24: estadiamento clínico do câncer de pulmão de células não pequenas, detecção de metástases hepáticas e potencialmente ressecáveis de câncer colorretal e estadiamento e avaliação da resposta ao tratamento de linfomas de Hodgkin e não-Hodgkin.
A evolução da quantidade total de procedimentos diagnósticos e terapêuticos reembolsados pelo componente federal do SUS por milhão de habitantes no período avaliado é mostrada na Figura 3. Nota-se que as regiões Sul e Sudeste tiveram pouca variação na quantidade de procedimentos diagnósticos aprovados em MN convencional, mesmo na fase pandêmica, diferente das outras regiões, que tiveram redução perceptível. Os principais procedimentos diagnósticos em MN continuam sendo a varredura óssea, seguida pela cintilografia miocárdica de stress e repouso, sem grande variação em todo o período em todas as regiões do país. Estes três procedimentos somam entre 80,1% a 85,2% do total de procedimentos nos Estados. O diagnóstico com PET conservou a tendência de crescimento mesmo com variação entre 2019 e 2021, exceto na região Norte. O número de procedimentos aprovados por equipamento no SUS nos cenários 1 e 2 oscilou em torno de 5,3 e de 4,1 respectivamente para MN convencional e de 2,0 e de 1,9 para PET.
Quanto à quantidade aprovada de procedimentos terapêuticos, a região Sul se sobressai entre todas as outras regiões, embora este número tenha mostrado tendência de queda ao longo dos anos.
Figura 3
A lista de radiofármacos e equipamentos com autorização para comercialização no Brasil é mostrada na Tabela 1. São sete radiofármacos para PET. Somente uma empresa privada comercializa produtos liofilizados para marcação com 99mTc. Não há registro de gama-câmara nem PET/CT de produção nacional. Foram encontrados 12 registros de grupos de equipamentos de MN convencional com 24 modelos diferentes (dois portáteis, sete dedicados à cardiologia, oito SPECT e sete SPECT/CT ) e cinco fabricantes em diferentes países: Espanha (um registro), Dinamarca (dois registros), Israel (sete registros, dos quais dois são compartilhados com a China) e EUA (dois registros). Foram encontrados oito registros de equipamentos PET/CT originados de 16 modelos diferentes e seis fabricantes. Os países fabricantes são: China (três registros), EUA (três registros), Japão (um registro) e Holanda (um registro), evidenciando a alta dependência tecnológica. Também existem dois registros para o equipamento híbrido PET/MR, fabricados nos EUA e Alemanha e um registro de PET dedicado à mamografia, fabricado na Espanha.
Tabela 1
Outros dispositivos compõem o cenário da MN. O ativímetro é fundamental para a acurácia diagnóstica e eficácia terapêutica, além de contribuir para a radioproteção de pacientes e trabalhadores. Mas existe somente um registro com três modelos fabricados nos EUA. Há também quatro registros de sistemas para inalação com material radioativo com três modelos e uma blindagem, fabricados na Austrália e no Brasil. São usados para um procedimento específico de cintilografia de pulmão por inalação. Por fim, são quatro registros de sondas gama usadas para cirurgias radioguiadas (especialmente de câncer de mama), produzidos na França, Alemanha e Argentina.
O uso de detetores de radiação (equipamentos de imagem, ativímetros, monitores de radiação e sondas gama) exige aferição e calibração constantes com fontes radioativas de diferentes energias. Existem dez registros de fontes de calibração de ativímetros fabricadas nos EUA e na Turquia.
Situação fiscal e balança comercial
As mudanças fiscais decorrentes de alterações de tributos federais (IPI, PIS e COFINS) e desoneração de impostos estaduais (ICMS) não contemplaram os equipamentos usados na área. Os medicamentos radiofármacos, em especial, o gerador de 99mTc, agentes radioativos marcados com 131I, com 18F (por exemplo, [18F]FDG, [18F]PSMA, [18F]NaF), com 68Ga ( [68Ga]Ga-DOTA, [68Ga]Ga-PSMA), com 177Lu ([177Lu]Lu-PSMA, [177Lu]Lu-DOTA), 223Ra e 225Ac não são tributados pelo IPI e nem por ICMS. Já sobre o equipamento de PET e a Gama-câmara incidem 1,3% de IPI e o ICMS varia de acordo com o Estado. PIS e COFINS são os mesmos para todos os produtos: 2,10% e 9,65%, respectivamente.
Quanto à TEC, foram observadas diferenças nas taxas dos produtos, próximas ao mínimo para agentes radioativos (2%) e próximas ao máximo para o gerador de 99mTc (10%).
Os valores das NCMs de produtos de medicina nuclear, de 2015 a 2021, em dólares, foram atualizados pelo Índice CPI/EUA25. O saldo da balança comercial é deficitário em cerca de U$30 milhões por ano (Figura 4) e corresponde a cerca de 0,20% do déficit da balança comercial do Complexo Econômico Industrial da Saúde (CEIS), atualmente próximo a U$ 15 bilhões/ano26. O gerador de 99mTc representa cerca de 50% do déficit, seguido pelos agentes radioativos com cerca de 30%. Entre 2015 e 2016, logo após a aprovação do procedimento pela CONITEC, o déficit devido ao equipamento de PET/CT superou o de compostos radioativos, respondendo por cerca de 40% no período.
Figura 4
Discussão
Desde 2006, a legislação brasileira permite que entidades privadas produzam e comercializem radiofármacos com T1/2<2h em território brasileiro. Essa flexibilização permitiu o crescimento do número de cíclotrons no país27. No entanto, esse aumento não ocorreu de forma equânime, permanecendo as regiões Centro - Oeste (exceto o DF) e Norte sem aceleradores. Já a existência de radiofarmácias centralizadas pode ser uma solução para reduzir a complexidade da área, uma vez que o estabelecimento responsável pela obtenção das imagens não seria obrigado a manter um laboratório de manipulação de material radioativo. Entretanto, este trabalho não avaliou a possível relação com a redução de custos que essa realidade traria, especialmente no SUS.
A consulta às bases de dados da CNEN e da CNES sobre instalações de MN e PET no Brasil reafirmam as discrepâncias entre os números reportados em cada uma dessas bases já apontadas em 2015 por Pozzo et al28. É possível que algumas instalações radioativas estejam erroneamente cadastradas no CNES como instalações de MN. Desta forma, sugere-se a criação de uma base de dados única que integre informações sanitárias e radiológicas para facilitar o processo burocrático de otenção e acompanhamento de licenças e autorizações e agilizar o processo de aquisição de material.
Outro aspecto revelado nesta consulta foi a distribuição geográfica desigual das instalações MN e PET autorizadas no território brasileiro. Apesar da maior concentração estar ligada ao maior adensamento populacional, ainda há regiões com pouco acesso à MN sem acesso a PET. Toscas et al29 e Hanna et al30 discutem no âmbito do plano de expansão da radioterapia30,31 que os altos custos associados ao equipamento PET e sua manutenção, transporte e instalação representam obstáculos para a expansão da área. Essa conclusão pode ser facilmente generalizada para todos os equipamentos de imagem de medicina nuclear, pois são equipamentos de alto grau tecnológico e alto custo. Em 2020 foram encontradas apenas três aprovações de projetos para aquisição de equipamentos PET/CT financiados pelo SUS29.
Entretanto, o número de equipamentos por milhão de habitantes é mais esclarecedor, uma vez que uma instalação pode ter mais de um equipamento. Os valores reportados pelo CNES relativos aos números total de equipamentos em uso para o período estudado (3,50 gama-câmaras/milhão de habitantes e 0,54 PET/milhão de habitantes, em 2020, por exemplo) estão abaixo dos valores obtidos por Orellana et al. para os EUA (45,2 e 7,3, respectivamente, em 2020) e países da Europa (onde esta relação varia de 6,7 a 16,0 e de 0,1 a 8,0, respectivamente)2. Os valores também estão abaixo das médias apresentadas no Atlas global de equipamentos médicos da Organização Mundial da Saúde (48,4 gama-câmara ou outros equipamentos de MN/milhão de habitantes e 5,4 PET/milhão de habitantes) para os EUA em 202232. Para o equipamento PET/CT, A Secretaria de Atenção à Saúde do MS33 estabelece o critério de um equipamento de PET/CT por 1,5 milhão de habitantes a uma distância que permita o acesso ao radiofármaco (no máximo, duas horas) para aquisição e gestão dessa tecnologia. Já a publicação da IAEA34 indica 1 equipamento por milhão de habitantes em uma aproximação inicial; num contexto mais desenvolvido, considera alcançar de 2,0 a 2,5 equipamentos por milhão de habitantes. Entretanto, não há nenhuma consideração para gama-câmaras nos dois documentos. Embora os números apresentados neste trabalho possam estar subdimensionados, uma vez que a inserção da informação sobre o tipo e a quantidade de equipamentos nesta base não é compulsória, percebe-se um cenário propício para a ampliação da infraestrutura relacionada à MN. Ciabattari e Menezes avaliaram a distribuição dos equipamentos de PET/CT no território brasileiro em 2020, levando em consideração o número de indivíduos potencialmente atendidos por esses equipamentos a uma distância máxima de 100 km35. Seriam necessários 385 equipamentos adicionais (148 em locais que já possuem PET/CT e 237 em locais que não possuem nenhum equipamento) para atingir a média recomendada por Paez et al. de 500 mil habitantes por equipamento36. Um ponto importante a se considerar é que equipamentos de SPECT e SPECT/CT e, por outro lado, de PET, PET/CT e PET/MR são bastante diferentes quanto às necessidades de infraestrutura, manutenções e de treinamento de pessoal especializado. Como consequência, apresentam eficácia e efetividade clínica diferentes para cada procedimento adotado5,6. No âmbito da CNEN ou ANVISA, essas consequências não são consideradas, sendo a CONITEC a responsável pela sua análise para fins de incorporação das tecnologias mais custo-efetivas.
No presente trabalho, chama a atenção a redução do número total de gama-câmaras e aumento do de equipamentos PET em uso no Brasil de 2015 a 2021. Não é possível obter o número real de quipamentos disponibilizados ao SUS pois essa informação não é requerida aos estabelecimentos de saúde. Ainda assim, pode-se afirmar que o percentual estimado de gama-câmaras em uso no SUS no período estudado se manteve, enquanto que o de equipamentos de PET teve redução de aproximadamente 10%, sendo que a quantidade de procedimentos por equipamento se manteve estável. Esse resultado é corroborado pelo fato de que o número total de procedimentos de MN contratados pelo SUS também sofreu queda nesse período, enquanto que o de PET aumentou. Ou seja, estes resultados sugerem que o tempo de equipamento dedicado a procedimentos ressarcidos pelo SUS se manteve.
Dos procedimentos diagnósticos em MN, em torno de 80% correspondem às cintilografias miocárdicas em stress e repouso e à varredura óssea. Este resultado pode ser entendido considerando-se que, no Brasil, as doenças cardiovasculares e o câncer são duas das principais causas de morte não violenta37. Ressalta-se que o estudo regionalizado e estratificado por procedimento não foi objeto deste trabalho, mas seria importante para maior compreensão das tendências e necessidades.
Já a quantidade de procedimentos de PET ressarcidos pelo SUS em nivel federal vem crescendo desde sua aprovação pela CONITEC, mesmo durante a pandemia de COVID-19. Portanto, para as indicações aceitas para reembolso pela União, este aumento pode ser um bom indicador de que os objetivos da Lei no 13896/ 201938 , estejam sendo alcançados para esses casos, ao menos nos locais com acesso à tecnologia. Entretanto, é necessário também investigar se o aumento de diagnósticos proporcionado pelo PET tem resultado em maior acesso a tratamento, no prazo de 60 dias, preconizado pela Lei no 12732/ 201239.
Segundo o SIGTAP, os procedimentos terapêuticos não se limitam à iodoterapia. Quanto à quantidade aprovada de procedimentos terapêuticos, a região Sul se sobressai entre todas as outras regiões. Com base nos dados40 sobre incidência de câncer de tireóide nas diferentes regiões brasileiras, pode-se inferir que um grande número de casos ambulatoriais (dor óssea ou condições benignas como hipertireoidismo) estão sendo tratados nessa região. Seria importante avaliar a distribuição de cada procedimento terapêutico para maior entendimento do cuidado ofertado à população de acordo com suas necessidades.
Praticamente todos os equipamentos e insumos utilizados na MN são importados, resultando num déficit de aproximadamente U$30 milhões ao ano na balança comercial do CEIS. É importante notar que esse resultado foi obtido antes da alteração da Constituição Federal que autorizou a produção e comercialização de Radiofármacos para a iniciativa privada em 20228. Até essa data, o IPEN CNEN-SP era o principal fornecedor destes insumos, com facilidades tributárias de importação por ser um órgão público e preços estabelecidos pela CNEN. A maior parte dos radiofármacos para MN convencional deixou de ser ofertada pelas instituições públicas e hoje é comercializada por um número pequeno de empresas privadas que praticam a livre negociação e têm isenção de vários impostos como mostrado aqui, o que impacta no repasse aos municípios (IPI) e na seguridade social (PIS e COFINS).
Com a falta de reposição de pessoal e entraves associados à gestão pública de um centro de produção de radiofármacos ligado à agenda de ciência e tecnologia, o principal ente estatal, responsável pelo abastecimento de insumos para a área de MN vem perdendo sua capacidade de pesquisa, desenvolvimento e produção de maneira vertiginosa41. Em 2021, diante da possibilidade de desabastecimento devido à inexistência de alocação de recursos do governo federal ao IPEN CNEN-SP, a ANVISA permitiu, em regime excepcional, a importação de radiofármacos sem o devido registro por órgãos e entidades públicas e por pessoas jurídicas de direito privado, incluindo os estabelecimentos e serviços de saúde42. Esta resolução foi sendo anualmente prorrogada e hoje vale até 31 de março de 202443. Diante desse cenário, é provável que o déficit da balança comercial cresça nos próximos anos. Por outro lado, o projeto de construção do Reator Multipropósito Brasileiro pretende extinguir a dependência externa de insumos radioativos para MN e radioterapia, mas não deve ocorrer antes de 5 anos, mesmo com sua inclusão no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)44 em 2023.
Os equipamentos de imagem são comercializados por empresas estrangeiras com representação no país. Ainda que a comercialização de equipamentos usados e recondicionados já seja regulamentada45, para aumentar o parque tecnológico, a redução de possíveis vazios assistenciais aliada ao desenvolvimento tecnológico e produtivo poderia ocorrer adaptando o plano de expansão da radioterapia (PER-SUS)25. Este plano licitou a compra de 80 aceleradores de partículas novos em 2012, mas exigiu um acordo de compensação tecnológica para redução das vulnerabilidades contemplando transferência de tecnologia, desenvolvimento de fornecedores locais, instalação de unidade fabril e centro de treinamento.
Conclusão
A MN é uma área multidisciplinar, de alta complexidade, regulada de diferentes formas pelo Estado brasileiro. Este trabalho mostra a necessidade, presente desde o início do período estudado, de se reunir os dados administrativos ligados ao cumprimento das leis e normas dos estabelecimentos radiativos e de saúde em um banco de dados integrado.
A oferta de novos radiofármacos para PET aumentou a partir da Emenda Constitucional Nº 49/2006. Mas isso só se traduziu em maior acesso da população pelo SUS a partir da incorporação desse procedimento à Tabela Unificada em 2014 em que é usado o radiofármaco [18F]FDG. Nenhum dos outros seis radiofármacos disponíveis para PET é usado de maneira rotineira no SUS, o que sugere a necessidade de estudos de ATS para decisão de incorporação. Os Estabelecimentos que disponibilizam equipamentos PET ao SUS reservam ao mesmo uma parte pequena do tempo de uso, o que pode ser inferido pelo baixo número de procedimentos aprovados por equipamento estimado neste trabalho.
O parque tecnológico se manteve com aproximadamente metade dos equipamentos disponibilizados ao SUS. O número de equipamentos de imagem disponíveis ao SUS por milhão de habitantes é baixo, o que pode resultar em desigualdade de acesso a tecnologias de MN. A alta complexidade para a implementação e gestão de gama câmaras e PET/CT exige estratégias robustas de difusão para que a oferta no SUS ocorra em condições de equidade. A adoção e publicação de critérios técnicos e parâmetros assistenciais para oferta no SUS de gama câmaras, como ocorre com PET/CT, pode contribuir no uso racional dessas tecnologias.
Os procedimentos da MN reembolsados pelo componente federal do SUS continuam sendo os mesmos, inclusive com a descrição de radiofármacos usados e protocolos defasados, o que indica necessidade de revisão de indicação de incorporação.
A necessidade de expandir o acesso aos procedimentos de MN, o grande deficit da balança comercial mantido ao longo do período estudado, com possibilidade de aumento com a saída do produtor público de radiofármacos, aliada à grande dependência tecnológica indicam a urgência de se estabelecer uma força tarefa para avaliação do papel da MN no contexto específico da saúde pública.
Agradecimentos
A Bernardo Bahia Cesário e demais colegas da Coordenação de Ações Prospectivas da Presidência / Grupo de Inovação em Saúde CP-GIS/Fiocruz nos dados da balança comercial. Também à Niege Tavares Ucha Rodrigues, Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias do MS, pela revisão, comentários e contribuição nos temas de situação fiscal.
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