0182/2025 - ANÁLISE DOS CASOS DE MPOX EM MINAS GERAIS, BRASIL, NOS ANOS DE 2022 A 2023: A QUEBRA DE PARADIGMAS EM UMA EMERGÊNCIA EM SAÚDE PÚBLICA
ANALYSIS OF MPOX CASES IN MINAS GERAIS, BRAZIL, FROM 2022 TO 2023: BREAKING PARADIGMS IN A PUBLIC HEALTH EMERGENCY
Autor:
• Paula Luciana Gonçalves Pereira - Pereira,PLG - <paulalgpereira@gmail.com>Coautor(es):
• Thales Philipe Rodrigues da Silva - Silva, TPR - <thalesphilipe27@hotmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7115-0925
• Maíza Diniz Souza - Souza, MD - <maizadiniz30@gmail.com>
ORCID: maizadiniz30@gmail.com
• Hugo Fernandes - Fernandes, H - <hugo.fernandes@unifesp.br>
• Eva Lídia Arcoverde Medeiros - Medeiros, ELA - <eva.medeiros@saude.mg.gov.br>
• Mercedes Neto - Neto, M - <mercedesneto.uerj@gmail.com>
• Alexandra Dias Moreira - Moreira, AD - <alexandradm84@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4477-5241
• Fernanda Penido Matozinhos - Matozinhos, FP - <nandapenido@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1368-4248
Resumo:
O surto recente de mpox causou preocupação para a saúde pública mundialmente e continua a representar desafios significativos. Este artigo visa analisar o cenário epidemiológico (incidência e distribuição nos subgrupos) dos casos confirmados e prováveis de mpox, e descrever as características demográficas relacionadas à atividade sexual, tipo de contato com caso suspeito, sintomas, comorbidades, características da lesão e evolução do caso, no estado de Minas Gerais, Brasil, de junho de 2022 a maio de 2023. Estudo epidemiológico, transversal, com casos confirmados e prováveis de mpox em Minas Gerais, Brasil. Foram notificados 759 casos confirmados e prováveis de infecção pelo mpox, sendo 81,16% confirmados e 18,84% prováveis. Foram identificadas associações significativas (pPalavras-chave:
Mpox, Epidemiologia, Notificação de doenças, Saúde Pública, Doenças Transmissíveis EmergentesAbstract:
The recent mpox outbreak has caused public health concern worldwide and continues to represent significant challenges. This article aims to analyze the epidemiological scenario (incidence and distribution in subgroups) of confirmed and probable cases of mpox, and describe the demographic characteristics related to sexual activity, type of contact with a suspected case, symptoms, comorbidities, characteristics of the lesion and evolution of the case, in the state of Minas Gerais, Brazil, from June 2022 to May 2023. Epidemiological, cross-sectional study, with confirmed and probable cases of mpox in Minas Gerais, Brazil. 759 confirmed and probable cases of mpox infection were reported, with 81.16% confirmed and 18.84% probable. Significant associations (pKeywords:
Mpox, Epidemiology, Diseases notification, Public Health, Emerging transmissible diseases.Conteúdo:
A varíola foi uma das principais causas infecciosas de mortalidade na história da humanidade3. Contudo, após a sua erradicação, em 1980, por meio de programas de vacinação mundiais intensivos, o vírus da mpox (MPXV) emergiu como o Ortopoxvírus mais importante em virtude do aumento na incidência de casos, da ampliação de sua distribuição geográfica nos últimos anos e seu possível impacto na saúde coletiva e pública3,5.
O MPXV foi descrito, a princípio, entre macacos, em um laboratório dinamarquês em 19582,6,7. O primeiro relato de infecção por mpox em humanos foi em 1970, na República Democrática do Congo. Tratava-se de uma criança, único membro de sua família sem vacinação contra a varíola. Desde então, o vírus causou infecções e surtos esporádicos em alguns países da África Ocidental e Central, onde afetou, principalmente, crianças em zonas rurais e de floresta tropical, populações economicamente desfavorecidas e não vacinadas contra a varíola2.
Em 7 de maio de 2022, foi detectado um caso confirmado de mpox no Reino Unido. No dia 20 do mesmo mês, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um alerta sobre o aumento da notificação da doença em países não endêmicos: Austrália, Bélgica, Canadá, França, Alemanha, Itália, Portugal, Espanha, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos. No Brasil, o primeiro caso foi observado em São Paulo em maio de 20228,9. Em Minas Gerais, a primeira notificação da doença foi em junho de 20228,9.
Em 23 de julho de 2022, havia 16 mil casos notificados, em 75 países, e cinco óbitos10, o que evidencia a rapidez com que o vírus se disseminou, devido a mudanças nos seus aspectos biológicos e à falta de evidências e informações relevantes sobre o assunto9. Com isso, a OMS declarou a mpox como uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII)11. Em setembro do mesmo ano, o agravo foi incluído como notificação imediata (em até 24 horas) na Lista Nacional de Notificação Compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública nos serviços de saúde públicos e privados em todo o território brasileiro12.
Uma importante forma de transmissão do vírus ocorre pelo contato com a lesão viral e fluidos corporais, relacionado principalmente ao encontro sexual12,13, o qual foi relatado com maior frequência no atual surto da doença14. Outros modos de disseminação desse patógeno ocorrem pelo contato com materiais contaminados e por meio de gotículas respiratórias, sendo necessária uma exposição prolongada para a transmissão, uma vez que essas gotículas percorrem apenas curtas distâncias2,14,13.
Os sintomas da mpox descritos na literatura apresentam, em grande parte, semelhanças com infecções causadas por outros membros do gênero Orthopoxvírus, a exemplo do vírus da varíola e do vírus da varíola bovina15. Nesse sentido, as principais manifestações clínicas relatadas são: pródromo viral, febre, mialgias e dores nas costas, acompanhado de exantema e erupção maculopapular16. Em certos grupos populacionais, como crianças, gestantes e pessoas imunossuprimidas, os sintomas da doença ainda podem se agravar7. As complicações variam, mas podem ser, principalmente: infecções secundárias, sepse, encefalite, broncopneumonia e inflamação da córnea, que se não tratadas, podem levar ao óbito17.
Em 11 de maio de 2023, com o declínio de novos casos confirmados, a OMS declarou o fim da ESPII, porém ressaltou que a mpox continua a representar desafios significativos à saúde pública, os quais necessitam de uma resposta robusta, proativa e sustentável18. Assim sendo, dados atualizados indicam que até 31 de maio de 2024, foram registrados, mundialmente, cerca de 97.745 casos confirmados e 203 mortes, em 116 países, sendo mais de 10 mil casos e mais de 60 mortes um ano após a declaração do fim da ESPII12.
No cenário brasileiro, estatísticas recentes apontam que até 30 de janeiro de 2024 houve, aproximadamente, 11.212 casos confirmados, 425 classificados como prováveis e 16 óbitos pela doença19. Foram registrados 753 novos casos confirmados de mpox no decorrer de oito meses após a declaração do fim da ESPII. O maior registro de casos confirmados ou prováveis ocorreu em agosto de 2022, com 3.690 notificações. A maior concentração dos casos aconteceu na região Sudeste do país, onde o maior número de casos confirmados e prováveis ocorreu no estado de São Paulo, seguido do Rio de Janeiro e, após, Minas Gerais19.
Em 2024, observou-se um aumento dos casos de mpox na República Democrática do Congo (RDC) e em outros países da África, associado, ainda, à propagação de uma nova cepa do vírus, o clado 1b. Em julho deste ano, foram notificados mais de 100 casos do clado 1b confirmados laboratorialmente em outros quatro países próximos à RDC e que não tinham notificado anteriormente a enfermidade: Burundi, Quênia, Ruanda e Uganda. As notificações da mpox em 2024 já ultrapassaram o total de 2023, com mais de 15.600 casos e 537 mortes. Isso impõe uma série de preocupações a nível global, o que motivou a OMS a declarar a doença, novamente, como uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII), em agosto de 202420.
Diante do atual surto da doença, observado a partir de 2022, com aumento significativo em alguns países no ano de 2024, e que teve o contato sexual como uma forma de transmissão notória, esse trabalho se faz indispensável para compreender quais são as características epidemiológicas mais relevantes da mpox em Minas Gerais. Assim, o objetivo do estudo é analisar o cenário epidemiológico (incidência e distribuição nos subgrupos) dos casos confirmados e prováveis de mpox, e descrever características demográficas relacionadas à atividade sexual, tipo de contato com caso suspeito, sintomas, comorbidades, características da lesão e evolução do caso, no estado de Minas Gerais, Brasil, no período de junho de 2022 a maio de 2023.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo epidemiológico, observacional transversal, com os casos confirmados e prováveis de infecção pelo mpox no estado de Minas Gerais, Brasil, de junho de 2022 a maio de 2023, até quando foi declarada o fim da ESPII18. Foram apresentadas as características demográficas relacionadas à atividade sexual, tipo de contato com caso suspeito, sintomas, comorbidades, características da lesão e evolução do caso. Utilizou-se o instrumento STROBE (Strengthening the reporting of observational studies in epidemiology)21.
O estado de Minas Gerais é composto por 853 municípios, distribuídos em uma área territorial de 586.528 km2, com uma população de 20.539.989 habitantes no ano de 2022, configurando-se como o segundo estado mais populoso do Brasil. O Plano Diretor de Regionalização da Saúde de Minas Gerais propõe uma divisão administrativa do território em 14 macrorregiões de saúde, com o objetivo de organizar e planejar a atenção à saúde em suas respectivas áreas de abrangência22.
Desde outubro de 2022, todos os casos de mpox passaram a ser notificados em até 24 horas pelos profissionais de saúde de serviços públicos ou privados via Sistema de Informação de Agravos de Notificação, denominado “e-SUS” (https://esussinan.saude.gov.br/login), do Ministério da Saúde. Sendo assim, a coleta de dados aconteceu por meio da notificação via sistema “e-SUS Sinan” e RedCap. O REDCap (Research Eletronic Data Capture) é uma plataforma para coleta, gerenciamento e disseminação de dados de pesquisas e serve para criar pesquisas e bancos de dados online23, sendo utilizada para notificação dos casos de mpox até setembro de 2022.
Considera-se casos prováveis 24: “caso que atende à definição de caso suspeito, que apresenta um ou mais dos seguintes critérios, com investigação laboratorial de mpox não realizada ou inconclusiva e cujo diagnóstico de mpox não pode ser descartado apenas pela confirmação clínico laboratorial de outro diagnóstico e que tiveram contato nos 21 dias anteriores ao início dos sinais e sintomas;
a) Exposição próxima e prolongada, sem proteção respiratória, ou contato físico direto, incluindo contato sexual, com parcerias múltiplas e/ou desconhecidas; e/ou
b) Exposição próxima e prolongada, sem proteção respiratória, ou história de contato íntimo, incluindo sexual, com caso provável ou confirmado de mpox; e/ou
c) Contato com materiais contaminados, como roupas de cama e banho ou utensílios de uso comum, pertencentes a com caso provável ou confirmado de mpox; e/ou
d) Trabalhadores de saúde sem uso adequado de equipamentos de proteção individual (EPI) com história de contato com caso provável ou confirmado de mpox.” (Brasil, 2022, p. 13)
Os casos confirmados são definidos como: “caso suspeito com resultado laboratorial "Positivo/Detectável" para vírus da mpox por diagnóstico molecular (PCR em Tempo Real e/ou Sequenciamento).” (Brasil, 2022, p. 13).
Os dados foram analisados por meio do pacote estatístico Statistical Software for Professional (Stata), versão 17.0. A descrição da população deste estudo foi realizada e as estimativas foram apresentadas em proporções (%). Para as variáveis quantitativas, depois de verificada a assimetria pelo Teste Shapiro-Wilk, os dados foram apresentados por meio de média e desvio padrão quando paramétricas e mediana e intervalo interquartílico (IQ) se não paramétricas. Posteriormente foi verificada a diferença das proporções segundo casos prováveis e casos confirmados por meio do Teste Qui-Quadrado de Pearson. Para as variáveis contínuas, depois de verificada a simetria utilizaram-se os testes ANOVA para comparar diferenças entre médias e para as assimétricas o teste o Kruskal-Wallis. Foi considerado o p-valor <0,05 para análises com significância estatística.
Os dados utilizados nesse estudo foram solicitados e liberados pela Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais via e-SIC, sob o protocolo 01320000055202364. Todas as análises apresentadas neste trabalho foram desenvolvidas utilizando-se dados notificados nos sistemas oficiais de vigilância da mpox no estado, porém sem considerar quaisquer variáveis que permitissem a identificação dos indivíduos, respeitando a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Para isso, foi atribuído pela Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais um código a todos os casos, visando garantir sigilo e confidencialidade de cada indivíduo notificado. Reforça-se, portanto, que os dados deste estudo são não nominais, dispensando-se a necessidade de submissão ao Comitê de Ética.
RESULTADOS
No estado de Minas Gerais, durante o período analisado, foram notificados 759 casos de infecção pelo mpox, sendo que, destes, 81,16% foram confirmados e 18,84% eram prováveis.
A tabela 1 apresenta as seguintes associações (p<0,05) entre os casos confirmados e prováveis de mpox de acordo com as variáveis demográficas: sexo ao nascimento, escolaridade, identidade de gênero, orientação sexual, comportamentos sexuais e parcerias múltiplas. Observa-se uma diferença na proporção segundo o sexo ao nascimento entre casos confirmados e prováveis (97,24% e 69,93%, respectivamente), com diferença significativa. Entre os grupos confirmados e os grupos prováveis, a maioria dos casos registrados foram em homens cisgêneros (92,53% e 68%, respectivamente). No que tange o comportamento sexual, tanto para os casos confirmados, quanto para os casos prováveis, a maior parte foi em indivíduos que tinham relações sexuais com homens (82,25% e 64,44%, respectivamente). 74,59% dos indivíduos de casos confirmados se declaravam homossexuais, enquanto 62,07% dos casos prováveis eram heterossexuais. Em relação a parceria múltipla, observa-se que casos confirmados apresentam maior proporção de parcerias múltiplas quando comparadas com casos prováveis, com diferença estatisticamente significativa.
Tabela 1
A tabela 2 apresenta as seguintes associações estatisticamente significativas (p<0,05) entre os casos confirmados e prováveis de mpox, e as variáveis: exposição próxima e forma provável de transmissão. A variável outra, disponível na ficha de notificação no campo de forma provável de transmissão se refere a: do animal para o homem (1 caso confirmado), associado ao cuidado de saúde (3 confirmados e 2 prováveis), transmissão em laboratório, devido a exposição profissional (1 provável) e contato com material contaminado como roupas, lençóis e objetos (4 confirmados e 7 prováveis).
Tabela 2
A tabela 3 apresenta as seguintes associações significativas (p<0,05) entre os casos confirmados e prováveis de mpox e as variáveis: imunossupressão e pessoas vivendo com vírus da imunodeficiência humana (HIV). Observa-se uma diferença na proporção quanto a presença de imunossupressão entre casos confirmados e prováveis (39,89% e 19,69%, respectivamente).
Tabela 3
Por fim, salienta-se que os sintomas mais prevalentes foram febre de início súbito (40,18%) e erupção cutânea (82,21%). No período em estudo, Minas Gerais teve duas gestantes notificadas, sendo que uma estava no terceiro trimestre (confirmada laboratorialmente) e a outra no segundo trimestre da gestação (classificada como provável). Quanto à evolução dos casos, quatro evoluíram a óbito por mpox, sendo todos indivíduos imunossuprimidos.
DISCUSSÃO
Este estudo descreveu as características epidemiológicas e clínicas de 759 casos confirmados e prováveis de infecção pelo mpox em Minas Gerais. As análises evidenciaram associação entre exposição próxima e forma provável de transmissão. A maioria dos indivíduos deste estudo foram homens que fizeram sexo com homens. Além disso, observou-se maior prevalência de indivíduos infectados com múltiplos parceiros.
O aumento das notificações de mpox em 2022 excedeu o número de casos confirmados já registrados anteriormente em áreas não endêmicas. Contudo, diferente dos outros relatos da doença, a forma de transmissão observada nesse surto não está ligada a viagens para áreas endêmicas ou contato com animal doente, mas sim a interações próximas e prolongadas, com destaque para o contexto das relações sexuais 14. Outros estudos corroboram com os achados em Minas Gerais, evidenciando taxas mais altas de infecção entre pessoas que relatam múltiplos parceiros sexuais25,13. Autores destacaram que determinados contextos sociais e comportamentais (como a participação em eventos com grande aglomeração de pessoas e o menor uso de preservativo) podem ter favorecido a disseminação do vírus 26.
Contudo, Thornihill et al., 202227, afirmam que apesar do atual surto impactar desproporcionalmente homens homossexuais ou outros homens que mantêm relações sexuais com homens, qualquer indivíduo pode ser infectado, sendo imprescindível a vigilância ao examinar erupções cutâneas incomuns.
Um caso confirmado em Minas Gerais referiu que a forma provável de transmissão foi do animal ao homem. A Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) publicou, em 2022, que a Fundação Ezequiel Dias (Funed) detectou um resultado positivo para mpox em amostra de um cão. O resultado detectável foi em exame de biologia molecular (qPCR)28. É de conhecimento que o MPXV pode infectar diversos mamíferos, incluindo cães, macacos e humanos, e que a transmissão de animais para humanos pode acontecer por mordidas, arranhões, processamento de caça e contato direto ou indireto com fluidos corporais ou lesões. Em contrapartida, trabalhos recentes também indicam a probabilidade de transmissão de humanos para cães, assim como a disseminação de humanos para animais é observada em outros Orthopoxvírus, a exemplo da varíola bovina e do vírus vaccínia29, 30.
Em relação às manifestações clínicas dos casos notificados, os sintomas mais prevalentes foram febre de início súbito e erupção cutânea. Esses achados estão em conformidade com outros estudos, os quais mostram que os sinais e sintomas predominantes da doença incluem erupção cutânea e febre31. Os grupos populacionais identificados com maior propensão a desenvolver formas graves da MPX são: crianças menores de 8 anos, pessoas imunossuprimidas (independentemente da causa) e gestantes32.
Neste estudo, houve associação entre o agravo, imunossupressão e pessoas vivendo com HIV, principalmente porque os óbitos que ocorreram em Minas Gerais foram de indivíduos imunocomprometidos. A gravidade e a persistência da doença nesses indivíduos, na qual a mpox se comporta como uma infecção oportunista com curso grave e prolongado, ocorre devido à ausência de uma resposta imune eficaz33. Esse cenário reforça a importância de medidas específicas para esses grupos de maior risco. Entretanto, embora tenham sido observadas formas graves da enfermidade em pessoas com deficiência significativa do sistema imunitário, ainda são necessários mais estudos para aprimorar a compreensão dessa relação.
A infecção por mpox em gestantes pode aumentar o risco de abortamento, óbito fetal, prematuridade e outras alterações ligadas ao acometimento fetal e elas podem apresentar quadro clínico mais grave que não gestantes. A transmissão materno-fetal é reconhecida pela OMS, ocorrendo tanto pela passagem placentária, como pelo contato próximo durante e após o parto, mas não há evidências de transmissão via leite materno. Poucas evidências estão disponíveis sobre recomendações para recém-nascidos de mães infectadas, por isso, a estratégia de prevenção inclui evitar contato direto com a mãe infectada e com lesões ativa 32, 34, 35.
Diversas ações globais têm sido desenvolvidas e demonstram a urgência na contenção e controle desse agravo. Tendo em vista que identificação precoce da doença é primordial para a contenção do agravo, a inclusão da mpox na Lista Nacional de Notificação Compulsória pelo Ministério da Saúde do Brasil, em 2022, foi fundamental para o aprimoramento das ações de vigilância nos serviços de saúde e a detecção de possíveis casos suspeitos e consequente controle da enfermidade11,27.
Em agosto de 2023, dois meses após a declaração do fim da ESPII, a OMS referiu um aumento significativo de casos de mpox na Ásia e África, nos meses de junho e julho de 2023. Com isso, foram propostas sete diretrizes essenciais para todos os países, com o objetivo de lidar com o aumento de casos de mpox e alcançar a sua eliminação. Essas diretrizes enfatizam a erradicação da transmissão, vigilância ativa, proteção comunitária, combate ao estigma e discriminação, pesquisa, informações aos viajantes, acesso equitativo às vacinas, testes e tratamentos de alta qualidade para a mpox, priorizando aqueles em maior risco ou que necessitam de cuidados específicos36.
Mesmo diante dessas ações, é evidente que a mpox ainda representa um desafio, principalmente com o surgimento do clado 1B em 2024, a sua rápida propagação na RDC e a notificação de casos em países vizinhos, o que demanda esforços coordenados para elaboração de novas medidas de contenção do MPXV20.
Salienta-se que esse estudo possui algumas limitações, como o fato de serem utilizados dados retrospectivos, o que impossibilita a realização de coleta de dados de algumas variáveis, inclusive sobre as manifestações clínicas, de forma mais detalhada. Outra limitação seria o sistema de informações que, apesar de ágil e seguro, pode ter permitido a notificação de casos tardiamente (após a coleta) e dificultado o registro de informações detalhadas, como dos sinais e sintomas, localização das lesões, outras formas de evolução e outras variáveis. Ademais, o número de pacientes em algumas categorias das variáveis variou devido a perda de informação por não preenchimento das notificações.
Apesar das limitações expostas, o estudo traz importantes contribuições ao avanço da ciência à medida que permite apresentar as características de uma doença ainda pouco conhecida na literatura científica. Os achados permitem que melhorias possam ser implementadas no sistema de informação (incluindo maior transparência em todas variáveis) e contribuem com o planejamento de medidas preventivas futuras, por meio do subsídio de políticas públicas, tais como a vacinação para aqueles em maior situação de risco e vulnerabilidade, sobretudo diante de uma nova ameaça global imposta pelo surgimento de um novo clado do vírus.
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