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0166/2024 - Associação entre saúde cardiovascular e depressão autorreferida: Pesquisa Nacional de Saúde de 2019
Association between cardiovascular health and self-reported depression: 2019 National Health Survey

Autor:

• Maria Luiza Sady Prates - Prates, M. L. S. - <malusady@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6199-7092

Coautor(es):

• Luís Antônio Batista Tonaco - Tonaco, L. A. B. - <luysantonio@yahoo.com.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9660-2900

• Mariana Santos Felisbino-Mendes - Felisbino-Mendes, M.S. - <marianafelisbino@yahoo.com.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5321-5708

• Jorge Gustavo Velásquez Meléndez - Velásquez Meléndez, J. G. - <guveme@ufmg.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8349-5042

• Deborah Carvalho Malta - Malta, D.C - <dcmalta@uol.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8214-5734

• Alexandra Dias Moreira - Moreira, A.D - <alexandradm84@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4477-5241



Resumo:

Objetivo: analisar a associação entre o escore de saúde cardiovascular ideal e o diagnóstico autorreferido de depressão em adultos brasileiros. Método: estudo transversal, com 57.898 adultos brasileiros da Pesquisa Nacional de Saúde de 2019. Desfecho: presença de depressão autorreferida. Exposições: escores comportamental (IMC, tabagismo, dieta, atividade física, ideal se ? 3 fatores ideais), biológico (tabagismo, dislipidemia, hipertensão e diabetes, ideal se ? 3 fatores ideais) e saúde cardiovascular (todos os fatores, ideal se ? 4 fatores ideais), com base no escore proposto pela American Heart Association. Foram categorizados em ruim/intermediário ou ideal. As associações foram testadas por meio de modelos de regressão logística ajustados por características sociodemográficas. Resultados: a prevalência de depressão foi de 11,1%. Todos os escores classificados como ideais foram inversamente associados à depressão após ajustes por variáveis sociodemográficas (Escore comportamental ideal: OR: 0,58 (IC95%: 0,48-0,70), biológico ideal: OR: 0,48 (IC95%: 0,43-0,53) e cardiovascular ideal: OR 0,53 (IC95%: 0,48-0,59). Conclusão: o escore de saúde cardiovascular ideal associou-se inversamente ao diagnóstico autorreferido de depressão entre adultos brasileiros.

Palavras-chave:

Depressão; Doenças Cardiovasculares; Fatores de Risco de Doenças Cardíacas; Inquéritos Epidemiológicos.

Abstract:

Objective: to analyze the association between the ideal cardiovascular health score and the self-reported diagnosis of depression in Brazilian adults. Method: cross-sectional study, with 57,898 Brazilian adultsthe 2019 National Health Survey. Outcome: presence of self-reported depression. Exposures: behavioral scores (BMI, smoking, diet, physical activity, ideal if ≥ 3 ideal factors), biological (smoking, dyslipidemia, hypertension and diabetes, ideal if ≥ 3 ideal factors) and cardiovascular health (all factors, ideal if ≥ 4 ideal factors), based on the score proposed by the American Heart Association. They were categorized as poor/intermediate or ideal. Associations were tested using logistic regression models adjusted for sociodemographic characteristics. Results: the prevalence of depression was 11.1%. All scores classified as ideal were inversely associated with depression after adjustments for sociodemographic variables (Ideal behavioral score: OR: 0.58 (95%CI: 0.48-0.70), ideal biological score: OR: 0.48 (95%CI : 0.43-0.53) and ideal cardiovascular health: OR 0.53 (95% CI: 0.48-0.59). Conclusion: the ideal cardiovascular health score was inversely associated with the self-reported diagnosis of depression among Brazilian adults.

Keywords:

Depression; Cardiovascular diseases; Heart Disease Risk Factors; Epidemiological Surveys

Conteúdo:

INTRODUÇÃO

No Brasil, estima-se que os transtornos depressivos atinjam cerca de 16,3 milhões de pessoas1. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o número de casos de depressão aumentou 18% entre os anos de 2005 e 20152. Essa condição é considerada um transtorno multifatorial evitável, caracterizado por tristeza ou irritabilidade, desinteresse ou desprazer, dificuldades cognitivas, sentimento de culpa ou baixa autoestima, distúrbios do sono ou apetite e ideias recorrentes de morte3, o que pode ser pontual ou perdurar por dias, meses ou anos2.
A depressão constitui-se um problema de saúde pública devido a sua alta prevalência, repercussões na saúde geral e o seu impacto psicossocial4. Em 2019, os transtornos depressivos levaram a um total global de mais de 125 milhões de anos vividos com incapacidades (YLD), sendo considerada a décima terceira principal causa de anos de vida ajustados por incapacidade (DALYs)5.
Os gastos globais equivalentes à produtividade perdida decorrente da ansiedade e depressão custam à economia global US $1 trilhão, estimando-se aumento para US $6 trilhões, aproximadamente, em 20306. As pessoas com transtornos mentais apresentam saúde física deficiente, por isso têm um risco maior de desenvolver doenças físicas, como doenças cardiometabólicas, obesidade, diabetes7, cardiopatias e problemas oncológicos8,9. Isso acarreta um elevado ônus social e econômico aos indivíduos, família, governo e sociedade.
Estudos prévios revelaram uma associação bidirecional entre doença cardiovascular (DCV) e a depressão10,11. A depressão é fator de risco para a mortalidade e morbidade cardiovascular, tanto na população saudável quanto naqueles com doenças cardiovasculares já estabelecidas12,13, e a morbidade cardíaca é fator de risco para a depressão14. A correlação entre essas doenças pode ser explicada devido ao aumento dos marcadores inflamatórios14,15, visto que a inflamação é um componente presente tanto na depressão, quanto nas doenças cardiovasculares16. Isso se deve ao estressor mental, característica comum entre DCV e a depressão, que causa alteração no sistema nervoso autônomo e contribui para a inflamação12.
Em 2010, a American Heart Association (AHA) propôs um escore de saúde cardiovascular para a redução da morbidade e da mortalidade por DCV. O escore contempla 7 fatores protetores para a saúde cardiovascular, os comportamentais (não fumar, praticar atividade física, ter Índice de Massa Corporal (IMC) abaixo de 25 kg/m2 e alimentação adequada) e biológicos (não ter hipertensão arterial e ter níveis glicêmicos e de colesterol adequados). A AHA considera a presença desses fatores como uma métrica do status ideal de saúde cardiovascular17.
Alguns estudos demonstram que a atividade física18,19, uma boa nutrição20, pressão arterial controlada21,22, a glicemia controlada23 e o não consumo de nicotina24 reduzem os sintomas de ansiedade e depressão. Por outro lado, a presença de depressão associa-se de forma independente à saúde cardiovascular ruim25,26,27.
Dados do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa-Brasil) demonstraram que o risco de depressão é triplicado na presença de saúde cardiovascular ruim10, considerando o escore proposto pela AHA17. Contudo, são escassas as publicações que relacionam esse escore com a ocorrência de depressão. Ressalta-se, ainda, que são necessárias publicações sobre essa associação em amostra representativa da população brasileira.
Com base no exposto, objetivou-se avaliar a associação entre o escore de saúde cardiovascular ideal e o diagnóstico autorreferido de depressão em adultos brasileiros, com dados da Pesquisa Nacional de Saúde 2019.

MÉTODOS

Trata-se de estudo transversal com dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2019, realizada pelo Ministério da Saúde em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A PNS é um inquérito nacional de base domiciliar contendo um questionário dividido em três partes: primeiro voltado para as características do domicílio, segundo para todos os moradores do domicílio e terceiro para um morador de cada domicílio selecionado que tenha 15 anos ou mais. Para se calcular o tamanho da amostra da PNS, foram considerados os valores médios, as variâncias e os efeitos do plano amostral, e se supôs uma taxa de não resposta de 20%. Outras informações mais detalhadas sobre a PNS encontram-se descritas em publicação específica28.
Para as análises do presente estudo, foram analisados os dados dos indivíduos de 18 anos ou mais, sendo considerado como desfecho a presença de depressão autorreferida (Não/Sim) e como exposição a saúde cardiovascular ideal. Dos 90.846 moradores selecionados, foram excluídas as participantes grávidas, as que não sabiam que estavam grávidas, indivíduos com faixa etária <18 anos e aqueles que não tinham informações completas sobre todas as variáveis que compõem esse estudo.
A saúde cardiovascular ideal foi analisada conforme proposto pela American Heart Association (AHA)17, a partir de escores autorreferidos, sendo três: 1) escore comportamental (IMC, tabagismo, dieta, atividade física); 2) escore biológico (tabagismo, dislipidemia, hipertensão e diabetes), sendo que, neste estudo, os escores comportamental e biológico foram considerados ideais na presença de 3 ou mais fatores e ruim/intermediário na presença de menos de 3 fatores; e 3) escore de saúde cardiovascular, composto pelos 7 fatores (IMC, tabagismo, dieta, atividade física, dislipidemia, hipertensão e diabetes). Neste estudo, foi considerada saúde cardiovascular ideal a presença de 4 ou mais fatores. Esse ponto de corte foi anteriormente associado à proteção cardiovascular e à redução da incidência de doença coronariana29,30. Ressalta-se que, conforme orientação da AHA, a variável tabagismo foi incluída tanto no escore comportamental, quanto no escore biológico, devido à importância de não fumar ou de cessar esse hábito para a promoção da saúde e prevenção de doenças cardiovasculares17. Dessa forma, as variáveis que compõem os escores foram classificadas como ruim/intermediário ou ideal. O escore de saúde cardiovascular autorreferido foi validado em relação ao aferido para a população brasileira em estudo prévio31.
A presença de depressão foi autorreferida por meio da pergunta: “Algum médico ou profissional de saúde mental (como psiquiatra ou psicólogo) já lhe deu o diagnóstico de depressão?”. A hipertensão, diabetes e o colesterol foram avaliados por meio das perguntas, respectivamente: “Algum médico já lhe deu o diagnóstico de hipertensão arterial (pressão alta)?”; “Algum médico já lhe deu o diagnóstico de diabetes?” e “Algum médico já lhe deu o diagnóstico de colesterol alto?”, sendo “não” a resposta considerada ideal para todas as perguntas.
A dieta foi avaliada a partir de quatro critérios: 5 porções de frutas, verduras e legumes (FLV) 5 vezes na semana; consumo de peixe 2 vezes na semana; não consumir refrigerante e consumir menos de 5g de sal por dia32, sendo ideal a presença dos 4 fatores. Devido a PNS 2019 não estimar a quantidade exata do consumo de sal na população brasileira, foi realizado adaptação da seguinte pergunta: “Considerando a comida preparada na hora e os alimentos industrializados, você acha que o seu consumo de sal é:”, tendo sido considerado o consumo superior a 5g de sal por dia aqueles que responderam “muito alto” e “alto”, e abaixo de 5g os que responderam “adequado”, “baixo” e “muito baixo”.
Na atividade física foram considerados ideais os indivíduos que realizaram pelo menos 150 minutos por semana de AF moderada ou pelo menos 75 minutos semanais de AF vigorosa33. O IMC ideal foi considerado menor ou igual a 25 Kg/m234, a partir de peso e altura autorreferidos, conforme proposto pela AHA17.
A avaliação do tabagismo se deu pelas seguintes perguntas: “Atualmente, o(a) Sr(a) fuma algum produto do tabaco?” “No passado, o(a) Sr(a) fumou algum produto do tabaco?”. Foram considerados na categoria ideal os indivíduos que não fumam atualmente e que relataram nunca terem fumado no passado.
Foram realizadas análises bivariadas da associação entre os escore comportamental, biológico e cardiovascular, bem como os fatores que os compõem, e depressão autorreferida, por meio do teste qui-quadrado, considerando nível de significância de 5%. As associações entre os escores de saúde cardiovascular e a depressão foram testadas com modelos de regressão logística ajustados por sexo, idade, raça/cor, escolaridade e estado civil. Essas variáveis de ajuste foram consideradas por se associarem tanto à exposição (saúde cardiovascular) quanto ao desfecho (depressão), segundo estudos anteriores35,36,37,38,39,40,41,42,43,44,45, e segundo análises do presente estudo. No modelo final, consideram-se associados os escores que tiveram o valor de p<0,05. Todas as análises foram realizadas com o software Stata versão 12.0 e foram levados em conta os pesos amostrais e de pós-estratificação.
O projeto da PNS foi aprovado na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (processo nº 3.529.376, de 23 de agosto de 2019) e todos os entrevistados assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido concordando participar da pesquisa no momento da entrevista.

RESULTADOS

Neste estudo, foram analisados os dados de 57.898 indivíduos, sendo que 52,5% (IC95%: 51,8-53,2) eram do sexo feminino, 59,0% (IC95%: 58,2-59,8) tinham idade entre 18-49 anos, 47,1% (IC95%: 46,3-48) se autodeclaram brancos, 40,2% (IC95%: 39,5-41) relatam que o ensino médio foi o curso mais elevado que frequentou e 48,8% (IC95%: 48,08-49,7) eram casados (dados não mostrados).
Dos adultos brasileiros, apresentaram o escore comportamental ideal 8,70% dos homens e 10% das mulheres. Em relação ao escore biológico, 78,80% homens e 76,70% mulheres foram classificados como ideal. Já para o escore cardiovascular, 65,00% dos homens e 64,00% das mulheres foram classificados como ideal. Esses resultados, bem como a descrição dos componentes dos escores por sexo são descritos na Tabela 1, considerando, ainda, a estratificação por faixa etária.
A prevalência de depressão foi 16,18% (IC95%: 15,42-16,98) em mulheres e 5,49% (IC95%: 5,03-5,99) em homens, 9,80% (IC95%: 9,15-10,41) em indivíduos com idade entre 18 a 49 anos, 13,20% (IC95%: 12,09-14,37) entre 50 a 59 anos e 12,90% (IC95%: 11,98-13,90) com 60 anos ou mais. Essas e demais prevalências de depressão por características sociodemográficas são descritas na Tabela 2.
Observa-se que a prevalência de depressão foi maior nas categorias ruim/intermediário para todos os escores. A prevalência de depressão foi mais elevada em indivíduos com o escore na categoria ruim/intermediário, sendo observado 15,27% (IC95%: 14,43-16,14) no escore de saúde cardiovascular, enquanto 8,77% (IC95%: 8,26-9,31) foram classificados na categoria ideal. No escore comportamental, 11,51% (IC95%: 11,01-12,02) de prevalência de depressão foi observada na categoria ruim/intermediário e 7,2% (IC95%: 6,12-8,46) na categoria ideal. No escore biológico, 17,51% (IC95%: 16,36-18,72) possuem depressão na categoria ruim/intermediário, e 9,27% (IC95%: 8,8-9,76) na categoria ideal (Tabela 2).
Identificou-se que possuir escores de saúde cardiovascular ideais associa-se inversamente ao diagnóstico autorreferido de depressão entre adultos brasileiros nos modelos de regressão logística não ajustados. Além disso, a significância estatística se manteve após ajustes por variáveis sociodemográficas (modelo 1), com os seguintes valores de OR de depressão autorreferida: 0,53 (IC95%: 0,48-0,59) para escore cardiovascular ideal vs. intermediário/ruim, 0,58 (IC95%: 0,48-0,70) para escore comportamental ideal vs. intermediário/ruim e 0,48 (IC95%: 0,43-0,54) para escore biológico ideal vs. intermediário/ruim (Tabela 3).



DISCUSSÃO

O estudo evidenciou que ter saúde cardiovascular ideal se associa inversamente ao diagnóstico autorreferido de depressão, em comparação a ter saúde cardiovascular intermediária/ruim. Essa relação foi significativa tanto para o componente biológico, quanto para o comportamental e de saúde cardiovascular, e se manteve mesmo após ajustes por variáveis sociodemográficas.
Em relação às variáveis que compõem o escore de saúde cardiovascular e a análise da associação com o diagnóstico de depressão, sabe-se que alguns estudos já mostraram os efeitos do exercício físico na prevenção e no tratamento da depressão46,47, assim como os efeitos de uma boa nutrição20, da pressão arterial controlada24,25 e da glicemia controlada26. Os componentes do escore de saúde cardiovascular apresentaram associações diretas e significativas dos comportamentos não saudáveis (tabagismo, inatividade física) com o diagnóstico de depressão48, corroborando com os achados desta pesquisa.
Há evidências de que existe uma associação bidirecional entre DCV e a ocorrência de depressão. A associação desses transtornos surge como resultado de uma série de fatores compartilhados; mecanismos biológicos, comportamentais e fatores de risco10,14. Os indivíduos com DCV têm duas a três vezes mais chances de desenvolverem depressão49, e indivíduos com depressão têm maior probabilidade de desenvolver DCV49,50.
Embora os estudos que abordem os mecanismos que envolvem o escore de saúde cardiovascular e o desenvolvimento da depressão sejam em geral escassos, existem estudos que abordam os mecanismos das variáveis isoladas do escore e a predisposição do desenvolvimento da depressão18,20,21,22,23,24,51. Um estudo evidenciou que a menor ingestão de FLV está relacionado aos sintomas depressivos52, devido a influência de minerais, vitaminas, aminoácidos, fitoquímicos e compostos antioxidantes, que em baixas concentrações interferem nos marcadores inflamatórios, no estresse oxidativo e na rigidez arterial53.
Neste estudo, o consumo da dieta ideal foi baixo em relação a 2 indicadores importantes, FLV e peixe, que demonstraram baixa prevalência (7,23% e 24,44%, respectivamente)(dados não mostrados). Por isso, faz-se necessário políticas públicas que viabilizem um maior acesso à alimentação saudável e, assim, promovam o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) e contribuam para o alcance das metas do desenvolvimento sustentável54.
Destaca-se que o escore de saúde cardiovascular ideal, composto por potenciais fatores de proteção para doenças cardiovasculares, e a associação inversa com depressão, encontrada neste estudo, é consistente com evidências nacionais e internacionais25,30,10. Um estudo prospectivo com 732 funcionárias finlandesas sem depressão inicialmente, avaliou as métricas ideais de saúde cardiovascular por meio de exame físico e laboratoriais, histórico médico e autoavaliação, e evidenciou maior risco de sintomas depressivos naquelas com saúde cardiovascular ruim/intermediária25.
Em Dallas, no Texas, foi realizado um outro estudo epidemiológico prospectivo entre 1987 e 1998 com 5.510 participantes do Aerobics Center Longitudinal Study. Os autores concluíram que os componentes ideais da saúde cardiovascular apresentam uma relação inversa com os sintomas depressivos, tendo sido significativa no caso de comportamentos de saúde cardiovascular, mas não para fatores de saúde cardiovascular, como o colesterol total, pressão arterial e glicemia de jejum30.
Adicionalmente, em concordância com os achados deste estudo, o Elsa-Brasil, investigação multicêntrica do tipo coorte com 15.105 servidores públicos ativos ou aposentados, de 35 a 74 anos, mostrou que a saúde cardiovascular deficiente antecede o desenvolvimento da depressão. Além disso, adultos sem o diagnóstico de depressão foram acompanhados em média por 3 anos e 8 meses, e evidenciou-se que a saúde cardiovascular deficiente triplicou o risco de depressão10.
Ressalta-se que a depressão é uma das condições que mais contribuem para a carga global das doenças relacionadas à saúde mental no mundo55, apesar do seu subdiagnóstico56. Devido à alta prevalência, repercussões na saúde geral e impacto psicossocial, constituem um grave problema de saúde pública57.
Na atualidade, a prevalência dos hábitos de vida não saudáveis e de sintomas depressivos podem estar aumentados em relação ao presente estudo. Além das mudanças nos estilos de vida, quanto ao consumo de tabaco e bebidas alcoólicas, alimentação e atividade física no período de restrição social consequentes à pandemia de COVID-19, estudos apontam o aumento do sentimento de tristeza, ansiedade e nervosismo, além de problemas relacionados ao sono49,58. Somente no primeiro ano de pandemia, a ansiedade e a depressão aumentaram mais de 25%,32.
No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) atende cerca de 190 milhões de pessoas, sendo que 71% delas têm exclusivamente assistência à saúde pela rede pública59. A Atenção Primária à Saúde (APS), primeiro nível da Rede de Atenção à Saúde e porta de entrada preferencial do cidadão aos serviços de saúde do SUS, é um espaço privilegiado para acolher o indivíduo e trabalhar ações de prevenção e controle dos transtornos mentais, que visem à promoção e proteção da saúde, prevenção de agravos, diagnóstico e tratamento e ações de reabilitação no âmbito individual e coletivo60. Apesar disso, é grande a lacuna entre a necessidade de tratamento de transtornos mentais e a oferta de cuidado56.
A saúde mental não está dissociada da saúde geral, por isso, reconhecer que as demandas de saúde mental estão presentes em diversas queixas relatadas pelos usuários dos serviços de saúde são fundamentais61. Salienta-se que estimular mudanças no estilo de vida e redução dos fatores de risco são intervenções úteis para a prevenção de agravos mentais e esse estímulo deve ser pactuado entre os usuários e os profissionais de saúde18,20,21,23,24, sempre pautado no princípio da equidade e no protagonismo do sujeito envolvido no seu processo de produção de saúde.
Entre as limitações do estudo, por se tratar de uma pesquisa baseada em autorrelato, os resultados estão sujeitos a limitações de memória e subdiagnóstico de hipertensão arterial, diabetes e dislipidemia, ou seja, uma parte dos entrevistados desconhecem a doença e não referem o diagnóstico62. Da mesma forma, infere-se que a prevalência do diagnóstico de depressão autorreferido pelos participantes pode estar subestimada, devido ser um indicador limitado para estimar a prevalência de depressão na população, que preferencialmente deve ser medida por meio de instrumento diagnóstico padronizado e validado ou avaliação clínica55.
Além disso, na PNS 2019 o consumo do sal não foi aferido por meio da relação sódio/creatinina em amostra de urina casual, mas através do autorrelato do participante, o que pode estar subestimada a sua prevalência. 80,59% relataram consumir pouco sal, entretanto, estudos de dados laboratoriais da PNS 2013 estimaram um consumo médio de 9,34g de sal por dia, no qual 95% da população adulta apresentaram consumo excessivo de sal63.
Neste estudo, na composição do escore de saúde cardiovascular, utilizamos para IMC ideal o ponto de corte de <25kg/m2, conforme recomendado pela AHA17 e utilizado em publicações nacionais e internacionais10,64. Por outro lado, existe a recomendação clínica de se considerar um ponto de corte diferenciado para idosos, considerando eutróficos aqueles com IMC <27 km/m2, pelo fato de a composição corporal do idoso ser diferente dos adultos, associada ao processo de envelhecimento65,66. Em análise de sensibilidade, a fim de testar possíveis impactos de um ponto de corte diferenciado para indivíduos idosos na determinação do escore de saúde cardiovascular e em sua relação com depressão, foi criado um escore de saúde cardiovascular considerando IMC ideal menor que 27kg/m2 para pessoas com 60 anos ou mais e menor que 25kg/m2 para indivíduos com menos de 60 anos. Em seguida, testou-se o modelo de regressão logística entre esse novo escore de saúde cardiovascular e depressão autorreferida, obtendo um OR ajustado por variáveis sociodemográficas de 0,56 (IC95%: 0,51-0,62) (dados não mostrados). Destaca-se que o OR ajustado, considerando o IMC ideal abaixo de 25kg/m2 para toda a população, foi de 0,53 (IC95%: 0,48-0,59), conforme demonstrado neste estudo. Verifica-se, portanto, uma diferença mínima nos OR em termos de magnitude, mantendo o sentido e a significância da associação. Logo, optou-se por manter o ponto de corte 25kg/m2 para a população geral para sustentar a comparabilidade dos achados com a literatura.
O presente estudo avança ao fazer referência a uma amostra representativa da população brasileira na avaliação da associação da saúde cardiovascular com depressão autorreferida. Ressalta-se, ainda, a robustez e o rigor metodológico da PNS, que configura a importância destes achados para enfatizar programas e políticas públicas direcionadas ao cuidado integral aos usuários dos serviços de saúde, o qual deve englobar ações interprofissionais direcionadas aos fatores modificáveis do escore.

CONCLUSÃO

A dimensão do escore de saúde cardiovascular ideal associou-se inversamente com o diagnóstico autorreferido de depressão entre adultos brasileiros. Nesse contexto, considera-se que a utilização deste escore, na prática clínica dos profissionais de saúde, poderá contribuir para auxiliar na conscientização sobre a importância de hábitos de vida saudáveis, que visem promover a saúde e prevenir agravos. Ademais, a implementação da avaliação do escore pode contribuir para a atenção integral à saúde individual e coletiva, por meio de intervenções que promovam a prevenção de agravos, investigação e rastreamento de condições crônicas.

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Prates, M. L. S., Tonaco, L. A. B., Felisbino-Mendes, M.S., Velásquez Meléndez, J. G., Malta, D.C, Moreira, A.D. Associação entre saúde cardiovascular e depressão autorreferida: Pesquisa Nacional de Saúde de 2019. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/abr). [Citado em 22/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/associacao-entre-saude-cardiovascular-e-depressao-autorreferida-pesquisa-nacional-de-saude-de-2019/19214?id=19214&id=19214

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