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Artigos

0170/2024 - Atividade física e perfil lipídico em adolescentes: uma revisão sistemática de estudos observacionais
Physical activity and lipid profile in adolescents: a systematic review of observational studies

Autor:

• Arthur Oliveira Barbosa - Barbosa, A. O. - <b_arthuro@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5976-7287

Coautor(es):

• Alcides Prazeres Filho - Prazeres Filho, P. - <alcidespf@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2661-090X

• Ially Rayssa Dias Moura - Moura, I. R. D - <iallyrayssa@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8210-2059

• Juliana Maria da Penha Freire Silva - Silva, J. M. da P. - <juliana.mariapfs@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5854-7020

• Eduarda Cristina da Costa Silva - Silva, E. C. da C. - <eduarda.cris.silva@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5248-0059

• Diego Junio da Silva - Silva, D. J. - <diegosylva1@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0470-6217

• Gerfeson Mendonça - Mendonça, G. - <gerfeson_edf@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3606-2396

• Felipe Vogt Cureau - Cureau - <fvcureau@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7255-9717

• Eduardo Caldas Costa - Costa, E. C. - <ecc.ufrn@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2807-7109

• Jorge Mota - Mota, J. - <jmota@fade.up.pt>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7571-9181

• José Cazuza de Farias Júnior - Farias Júnior, J. C. - <jcazuzajr@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1082-6098



Resumo:

O objetivo desta revisão foi sumarizar os resultados dos estudos observacionais que analisaram a relação da prática de atividade física (AF) e de seus parâmetros com componentes do perfil lipídico em adolescentes de ambos os sexos, de 10 a 19 anos de idade e sem restrição quanto ao local onde o estudo foi realizado. As buscas foram realizadas no Scopus; Web of Science; PubMed; SciELO e LILACS, em língua inglesa, espanhola e portuguesa, de janeiro de 2008 a maio de 2021 (PROSPERO: CRD42020165650). A qualidade metodológica dos estudos foi avaliada por meio de um checklist de 17 itens. Foram incluídos 79 estudos, dos quais 36 (45,6%) apresentaram alta qualidade metodológica. A AF foi associada a menores níveis de não-HDL-c e CT/HDL-c nos estudos transversais; a valores mais baixos de TG e a mais altos de HDL-c nos longitudinais com alta qualidade. Na análise por parâmetros da AF, houve uma associação inversa entre o número de passos e o colesterol total (CT) e positiva entre o tempo de AF no lazer, de atividade física moderada a vigorosa (AFMV) e o HDL-c, nos estudos transversais e longitudinais, respectivamente. Adolescentes com maior prática de AF tendem a apresentar melhores concentrações para alguns componentes do perfil lipídico, sobretudo para o HDL-C devido à prática de AFMV.

Palavras-chave:

Atividade motora; Adolescência; Fatores de risco; Dislipidemia

Abstract:

The aim of this review was to summarize the results of observational studies that analyzed the relationship between physical activity (PA) and its parameters and lipid profile components in adolescents of both sexes, aged10 to 19 years, with no restriction for study site. Searches were conducted in Scopus; Web of Science; PubMed; SciELO and LILACS, in English, Spanish and Portuguese, between January 2008 and May 2021 (PROSPERO: CRD42020165650). Methodological quality was assessed using a 17-item checklist. Included were 79 studies, 36 of which (45.6%) exhibited high methodological quality. PA was associated with the lowest non-HDL-c and CT/HDL levels in the cross-sectional studies, while the lowest TG and highest HDL-c values were observed in high-quality longitudinal studies. Analysis of PA parameters showed an inverse relationship between the number of steps and total cholesterol (TC) and a positive association between leisure PA time, moderate-to-vigorous physical activity (MVPA) and HDL-c, in cross-sectional and longitudinal studies, respectively. Adolescents with greater PA tend to obtain better concentrations for some lipid profile components, especially for HDL-C, due to MVPA.

Keywords:

Motor activity; Adolescence; Risk factors; Dyslipidemia

Conteúdo:

Introdução
A dislipidemia é a alteração em níveis considerados desfavoráveis em um ou mais componentes do perfil lipídico como o triglicerídeo (TG), colesterol total (CT) e as lipoproteínas de alta (HDL-c) e baixa densidade (LDL-c)(1). Esta condição tem se mostrado elevada em adolescentes, ultrapassando 40% em alguns países(2, 3), o que pode representar um risco para o desenvolvimento precoce de doenças cardiovasculares (DCV)(4) resistência à insulina, pressão arterial elevada, hipertrofia ventricular(5), maior espessura médio-intimal da carótida e estrias gordurosas nas artérias em adolescentes(6). Baixos níveis de atividade física (AF) estão entre os fatores de risco para a dislipidemia em adolescentes(7-9), contudo, ainda não está estabelecido se a prática de AF realizada em situações do cotidiano dos adolescentes está associada a melhores concentrações dos componentes do perfil lipídico.
Revisões sistemáticas de estudos experimentais identificaram que o exercício físico aeróbico e de intensidade moderada reduziram os níveis de TG(10); exercícios combinados (exercício aeróbico + resistido) de intensidade alta reduziram a concentração de LDL-c(10) enquanto aumentaram a de HDL-c(11); quando foram realizados por longos períodos (? 24 semanas), também reduziram os níveis de CT e promoveram maior magnitude de diminuição no LDL-c(10). Em geral, a prática do exercício físico tem sido efetiva para promover melhores níveis dos componentes do perfil lipídico (HDL-c, LDL-c, CT e TG), embora esses efeitos pareçam variar conforme o tipo, a intensidade e a duração do exercício.
No entanto, revisões sistemáticas de estudos observacionais(7, 9) identificaram que a AF de intensidade moderada a vigorosa (AFMV)(7, 9) e AF total (AFT)(7) não se associaram aos componentes do perfil lipídico. Destaca-se que essas revisões sumarizaram os resultados dos estudos publicados até o ano de 2016, incluíram poucos estudos longitudinais e a maioria considerou apenas o tempo de AFMV como parâmetro da AF(7, 9).
Diferente dos estudos de intervenção, nos observacionais não há monitoramento ou controle de frequência, intensidade e duração da AF, de modo que a medida não permite discriminar a presença ou não da prática de exercício físico. Além disso, a AF pode ser expressar por diferentes parâmetros, por exemplo, gasto energético(12), tipo de AF praticada, frequência(13, 14), tempo por intensidade(15, 16) em um ou mais domínios da AF(17-20), atender às recomendações(21), de modo que têm sido adotadas várias formas de operacionalizar os parâmetros da AF e o nível de prática. Nesse contexto, deve-se considerar que é possível que as relações da AF com os componentes do perfil lipídico podem variar de acordo com o parâmetro da AF. Sendo assim, o objetivo desta revisão sistemática foi sumarizar os resultados dos estudos observacionais que analisaram a relação da prática de AF e de seus parâmetros com componentes do perfil lipídico em adolescentes de ambos os sexos e de 10 a 19 anos de idade.

Métodos
Trata-se de uma revisão sistemática de estudos observacionais que analisaram a relação entre a AF e componentes do perfil lipídico. Esta revisão seguiu as diretrizes do – PRISMA (Suplemento 1)(22) e foi registrada no International Prospective Register of Systematic Reviews – PROSPERO (protocolo CRD42020165650).

Estratégia de busca
As buscas foram realizadas no Scopus, Web of Science, PubMed, Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), usando descritores das plataformas de indexação MeSH (Medical Subject Headings) e DeCS (Descritores em Ciências da Saúde), e termos e/ou palavras-chave específicos.
A estratégia de busca foi estruturada como segue: 1) população: criança, adolescente, jovem, AND 2) exposição: atividade física OR atividade motora OR atividade física no tempo livre OR esportes OR exercício AND 3) desfecho: colesterol total, triglicerídeos, HDL-c, LDL-c, dislipidemia AND NOT 4) tipo de estudo: ensaio clínico randomizado, estudo clínico, modelo animal, estudo experimental, estudo de protocolo, estudo de intervenção. Detalhes sobre os descritores, termos e as estratégias de busca estão em material suplementar (Suplemento 2).

Critérios de inclusão
Os critérios de inclusão foram: estudos originais, publicados entre janeiro de 2008 e maio de 2021, em língua inglesa, espanhola e portuguesa. Foram revisados estudos conduzidos com adolescentes de ambos os sexos; de 10 a 19 anos ou média de idade no intervalo desta faixa etária e de qualquer país; que analisaram a associação entre pelo menos um parâmetro da AF mensurado de forma subjetiva e/ou objetiva, e um ou mais componentes do perfil lipídico como o CT, TG, HLD-c, LDL-c, não-HDL-c (não-HDL-c = CT - HDL-c), razões CT/HDL-c, TG/HDL-c e dislipidemia. Para fins desta revisão, os parâmetros da AF foram definidos a partir das medidas subjetivas e/ou objetivas que incluíram: frequência, duração, contexto, domínio, intensidade da AF.

Critérios de exclusão
Os critérios de exclusão foram: estudos com adolescentes com doença crônicas e/ou condição específica de saúde/doença, de modo que o resultado ficasse restrito a determinado subgrupo; que utilizaram medida de AF agregada a outra variável (por exemplo, fisicamente ativo + > 2 horas de tempo de tela); consideraram os componentes do perfil lipídico como escore de risco cardiometabólico; apresentaram resultados da associação entre AF e componentes do perfil lipídico estratificados por uma variável diferente do sexo ou idade; e os que não foi possível determinar o parâmetro da AF utilizado.

Seleção dos estudos
Os estudos identificados foram exportados para uma planilha Excel (Microsoft®) para realização da: exclusão dos artigos duplicados; leitura do título; leitura do resumo e; leitura do texto completo (Figura 1). A seleção, extração e avaliação da qualidade metodológica foram conduzidas em duplicata e de forma independente por quatro duplas (APF e IRM; JCFJr e GM; ECS e DJS; AOB e JM). Todas as discordâncias entre os pares foram resolvidas em consenso.

Extração dos dados
Foram extraídos os seguintes dados: autor; país; ano de publicação; tipo de estudo; tamanho e seleção da amostra; faixa etária; tipo de instrumento de medida e parâmetros da AF; componente do perfil lipídico e sua operacionalização, análise estatística e a medidas da associação utilizadas.
Os parâmetros da AF analisados foram: 1) medidas subjetivas – atividade física total – AFT (somatório da AF independentemente do domínio/contexto, tipo ou intensidade); combinada (prática em mais de um domínio); AF no deslocamento ativo; na escola; esportes; no lazer; atender às recomendações de prática de AF (?60 minutos/dia ou 300 ou 420 minutos/sem); 2) medidas objetivas – o tempo em atividade física leve (AFL) moderada (AFM), vigorosa (AFV), moderada a vigorosa (AFMV), total (AFT - total em minutos ou a quantidade de count/minuto), número ou tempo em bouts de AF, número de passos e atender às recomendações de AF.
Na análise do sentido e consistência das associações, optou-se por: contabilizar, como amostras independentes, os estudos que estratificaram os resultados por sexo e/ou idade; considerar, separadamente, o resultado da associação de cada parâmetro de AF (por exemplo: AFL e AFMV) com o componente do perfil lipídico; extrair as medidas de associação das análises ajustadas; considerar os resultados das análises de associação de estudos longitudinais em detrimento dos transversais.
A sumarização do sentido das associações foi realizada como segue: 1) associação positiva “+”; 2) negativa/inversa “-”; e 3) não associado “0”. Para a análise das associações, optou-se pela classificação utilizada por Sallis et al(23): número de associações em um determinado sentido (+, - ou 0), dividido pelo total de resultados analisados, multiplicado por 100. A consistência dos resultados foi classificada como: forte negativa “--” ou positiva “++” (75% a 100%); moderada negativa “-” ou positiva “+” (60% a 74%); inconclusiva “?” (34% a 59%) e não associado “0” (?33%)(23). Nos casos em que a associação entre o parâmetro de AF e do perfil lipídico foi analisada em menos de três amostras independentes, ela foi classificada como insuficiente (“IN”).

Qualidade metodológica dos estudos
Foi elaborado um checklist adaptados do National Heart, Lung, and Blood Institute (NHLBI)(24) e do Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE)(25). O checklist foi composto por 17 itens, dos quais dois foram exclusivos para estudos longitudinais (Suplemento 3). Foi gerado um escore por meio do somatório dos pontos atribuídos às respostas de cada item, variando de 0 a 17 pontos para os estudos longitudinais e de 0 a 15 para os transversais. O valor do percentual do somatório dos itens em relação ao total foi utilizado para classificar ((somatório da pontuação/17)*100) a qualidade dos estudos em: alta (70% a 100%); moderada (50% a 69%) e; baixa (<50%)(26).

Resultados

Descrição dos estudos
Foram identificados 7.448 estudos; após a exclusão dos duplicados (n = 823), leitura do título (n = 6.253), do resumo (n = 138) e do texto completo (n = 157), 79 foram incluídos nesta revisão(12-21, 27-95). Destes, 16 estratificaram os resultados por sexo, totalizando 95 amostras independentes (Figura 1).
A maioria dos estudos foi publicada de 2015 a 2021 (55,7%), tinham delineamento transversal (87,1%) e amostra composta por ?500 adolescentes (69,3%); a maior parte deles foi conduzida com adolescentes dos Estados Unidos e Canadá (27,1%), Europa (27,8%) e Brasil (25,3%). Nos estudos longitudinais (n = 10), o tempo médio de seguimento foi de 2,7 anos (desvio padrão = 1,82) e 60% deles analisaram duas ondas de coleta de dados (baseline + 1 follow-up). Do total de estudos, 11,6%, 45,6% e 43,0% foram classificados como de qualidade metodológica baixa moderada e alta, respectivamente (Suplemento 4).

Descrição das medidas de AF e componentes do perfil lipídico
Foi constatado que 48,1% e 45,6% dos estudos utilizaram medidas objetivas e subjetivas para mensurar a AF, respectivamente (Suplemento 5). O acelerômetro (43,6%) e o questionário (37,1%) foram os instrumentos mais utilizados. Nas medidas subjetivas, os parâmetros da AF mais analisados foram a AFT (53,1%%) e, nas objetivas, o tempo de prática de AFMV (72,1%). Os bouts de AF, o tempo de prática (minutos/dia) ou a participação (sim ou não) em esportes e o tempo de AF na escola (minutos/dia) representaram menos de 20% dos estudos (Suplemento 5). O TG (81,1%) e HDL-c (76,8%), e o CT/HDL-c (17,7%) e não-HDL-c (4,8%) foram os componentes de perfil lipídico mais analisados, respectivamente (Suplemento 5). Em virtude da diversidade de métodos empregados nos estudos, não foi possível realizar uma metanálise. Neste sentido, os autores relataram a síntese narrativa dos resultados.

Análise da associação entre a prática de AF e componentes do perfil lipídico
A AF apresentou uma associação inversa e com consistência moderada com os níveis de não-HDL-c(13, 55), CT/HDL-c(14, 64) nos estudos transversais com baixa qualidade metodológica (magnitudes variado de: ß = -0,09; a -0,03; mg/dL) – Tabela 1. Nos estudos longitudinais com alta qualidade, houve uma associação inversa e com consistência forte entre AF e os níveis de TG(18, 19, 21, 54) (magnitude variando de: ß = -0,006; a -0,120mg/dL) e positiva com consistência moderada com o HDL-c(19, 54) (magnitude variando de: ß = 0,019; a 0,120mg/dL) – Suplemento 6. Não houve associação entre AF e LDL-c independentemente do tipo de estudo e qualidade metodológica. Para os demais parâmetros da AF, não foram identificadas associações significativas com os componentes do perfil lipídico ou elas foram inconclusivas, a depender do tipo e qualidade metodológica dos estudos (Quadro 1). Detalhes sobre os resultados nos Suplementos 6 e 7.
O tempo de AF no lazer e de AFMV (medida objetiva) se associaram positivamente e com consistência moderada com HDL-c nos estudos transversais e longitudinais, respectivamente. O número de passos apresentou uma associação inversa e com consistência moderada ao CT nos estudos transversais (Quadro 2). Os demais parâmetros da AF analisados não apresentaram associações consistentes com o perfil lipídico (Quadro 2). Com exceção do tempo de AFMV, nos estudos longitudinais, não foi possível estabelecer o sentido e a consistência das associações entre os parâmetros da AF e os componentes do perfil lipídico, devido a ausência de estudos ou a quantidade inferior a três amostras independentes (Quadro 2). O Quadro 3 apresenta uma análise sumarizada dos principais resultados do presente estudo e os detalhes sobre a sumarização dos achados das associações da prática da AF e de seus diferentes parâmetros com os componentes do perfil lipídico estão nos materiais suplementares de 6 a 13.

Discussão
A prática de AF se associou a menores concentrações de não-HDL-c em estudos transversais e a CT/HDL-c em estudos transversais de baixa qualidade. Nos estudos longitudinais de alta qualidade, maior tempo de AF foi associado a menores níveis de TG e maiores de HDL-c. Ao considerar os diferentes parâmetros da AF, adolescentes com maior tempo de AF no lazer e AFMV apresentaram níveis mais elevados de HDL-c, nos estudos transversais e longitudinais, respectivamente, e aqueles com maior número de passos por dia tiveram menores níveis de CT, em estudos transversais. De forma geral, a AF não foi associada aos níveis de LDL-c e, para os demais resultados, as associações da AF e seus diferentes parâmetros com os componentes do perfil lipídico foram inconclusivas ou sem significância estatística.
Adolescentes com maior prática de AF apresentaram menores concentrações de TG e maiores de HDL-c, em estudos longitudinais de alta qualidade. Uma análise por parâmetro da AF mostrou que o tempo de AFMV (estudos longitudinais) e de AF no lazer (estudos transversais) foi associado a maiores concentrações de HDL-c. Esses resultados têm implicações importantes em termos de saúde pública, pois indicam que é possível obter benefícios para o perfil lipídico por meio da prática de AF realizada durante o cotidiano dos adolescentes, sem a necessidade de controle ou supervisão que é característica dos exercícios físicos sistematizados. Isso é relevante porque programas de exercícios podem exigir locais específicos, supervisão, horários programados e, por vezes, ter um custo financeiro, o que pode representar barreiras para a adesão dos adolescentes à prática de AF.
Embora as associações entre o tempo de AF no lazer e HDL-c tenham sido identificadas em estudos transversais, é importante considerar que grande parte do volume total da AF no lazer é praticada em intensidade moderada a vigorosa. Portanto, é possível que, se houvesse estudos longitudinais analisando a AF no lazer e HDL-c, essa associação também teria sido identificada. No mesmo sentido, é importante analisar a associação inconclusiva entre o tempo de AFMV e os níveis de TG. Esse resultado pode ter sido influenciado da inclusão pelo inclusão de estudos longitudinais com qualidade metodológica moderada(44, 66), que apresentaram limitações, como amostras compostas apenas por adolescentes do sexo masculino(66); ausência de dados de TG na linha de base(44); pouco tempo de seguimento(44); e utilização de análises estatísticas inadequadas para dados longitudinais(66). Estudos com essas limitações podem não captar as variações que ocorrem na AF e nos componentes do perfil lipídico ao longo do tempo, bem como em outras variáveis que possam influenciar essa relação.
Os maiores níveis de HDL-c em resposta à prática de AF podem estar relacionados ao aumento da expressão gênica de ATP-binding cassette transporter A-1 (ABCA1)(96), que atua na formação do HDL-c nascente (pré-ß HDL-c)(97), e ao aumento da atividade da enzima Lecitina colesterol aciltransferase (LCAT)(98), que contribui para o processo de maturação da HDL-c nascente(97). Esses processos favorecem o aumento da concentração e tempo de permanência do HDL-c na corrente sanguínea. Por outro lado, as menores concentrações de TG em adolescentes com maior prática de AFMV podem ser explicadas pela maior atividade da enzima lipase (LPL)(96), que aumenta a hidrólise de TG e a maior utilização de ácidos graxos durante e após a realização de AFMV(99).
É relevante destacar que o maior tempo de AF que foi associado a melhores níveis de TG e HDL-c variou de 23,6(19) a 65,9(18) minutos por dia, o que está bem próximo ao tempo recomendado de AF para otimizar a saúde de adolescentes(100). Isso também sugere que volumes menores de prática de AF podem trazer benefícios para a saúde dos adolescentes, corroborando a mensagem de que cada minuto conta (WHO)(100). Portanto, é importante incluir a prática de AF no cotidiano dos adolescentes, pois isso pode contribuir para o controle dos níveis dos componentes do perfil lipídico. No entanto, No entanto, é importante analisar esses resultados com cautela, considerando que há poucos estudos com alta robustez metodológica e que as associações identificadas são de baixa magnitude.
Adolescentes com maior prática de AF apresentaram menores concentrações de não-HDL-c e de CT/HDL-c. Do mesmo modo, os que apresentaram maior número de passos (entre 9.406 e 15.000)(35, 71) tiveram valores mais saudáveis de CT comparados aos que apresentaram um menor número de passos dados. Esses resultados possuem algumas particularidades que precisam ser destacadas, como o fato de todos serem estudos transversais e a relação entre AF e CT/HDL-c ter sido observada em estudos de baixa qualidade metodológica e apenas três estudos analisaram a associação entre a prática de AF e não-HDL-c(13, 60). Com relação ao CT, trata-se de um resultado de difícil explicação, tendo em vista que nenhum outro parâmetro da AF foi associado ao CT(35, 71). Portanto, a quantidade e os fatores metodológicos limitam a evidência e esses resultados precisão ser interpretados e aplicados com cautela.
A prática de AF e seus diferentes parâmetros não foram associados aos níveis de LDL-c. Em estudos longitudinais de alta qualidade metodológica (2 estudos), foi observada uma associação inversa entre a AF e o LDL-c. Embora esses resultados sejam insuficientes para estabelecer uma associação consistente (<3 amostras independentes), é possível que se houvesse mais estudos com essas características, os resultados fossem estatisticamente significativos. Esses dois estudos parecem indicar que a exposição a por um maior período à AF pode promover benefícios nos níveis de LDL-c dos adolescentes, conforme observado com a prática de exercício físico de longo prazo (>24 semanas)(8).
Nos estudos transversais, a associação entre os parâmetros da AF e os componentes do perfil lipídico foi, em sua maioria, estatisticamente não significativa ou inconclusiva. Esses resultados podem ser explicados pelo fato dos estudos incluídos nesta revisão terem sido realizados com amostras de adolescentes aparentemente saudáveis, o que implica em concentrações mais homogêneas dos componentes do perfil lipídico e próximas aos valores saudáveis. Além disso, a diversidade de instrumentos e operacionalizações utilizados para a variável AF dificulta a comparação e a sumarização dos achados. Esses estudos também não consideraram como os adolescentes acumulam seu tempo diário de prática de AF ao longo do dia ou da semana, mas apenas o tempo total de prática.
Por fim, não foi possível estabelecer a significância, o sentido e a consistência das associações entre vários parâmetros da AF e alguns componentes do perfil lipídico, como a AF na escola, o deslocamento ativo, a prática de esportes, o tempo ou número de bouts de AF e o cumprimento das recomendações de AF, devido à ausência ou ao baixo número de estudos (<3 amostras independentes). Esse cenário foi ainda pior nos estudos longitudinais, em que só foi possível analisar os resultados das associações do tempo de AFMV com o TG e HDL-c.
Uma das limitações desta revisão foi não ter realizado uma busca sistemática na literatura cinzenta (teses, dissertações, eprints). Os pontos fortes foram considerar artigos publicados em diferentes bases de dados e idiomas, abranger uma ampla faixa etária e ser o primeiro estudo a analisar as possíveis associações dos parâmetros de AF com os componentes do perfil lipídico em estudos transversais e longitudinais, levando em consideração a qualidade metodológica.
Para futuros estudos, recomenda-se adotar uma abordagem longitudinal, com alta qualidade metodológica, com maior período de acompanhamento e vários pontos de coleta; considerar diferentes parâmetros da AF, como os domínios da AF, a aderência às recomendações de AF, as intensidades de AF (AFM, AFV e AFMV) e os padrões de acumulação de prática (bouts, dias da semana e fins de semana, períodos do ano); avaliar outros componentes do perfil lipídico, como o não-HDL-c e o CT/HDL-c, uma vez que esses componentes estão mais relacionados ao risco cardiovascular do que o LDL-c, TG e CT(5); utilizar instrumentos com níveis adequados de reprodutibilidade e validade, especialmente para as medidas subjetivas da AF; realizar análises estatísticas sensíveis às mudanças nos parâmetros da AF e no perfil lipídico ao longo dos anos; e considerar diversos fatores de confusão, como maturação sexual, adiposidade e consumo alimentar.
Os resultados desta revisão demonstraram que os adolescentes que praticaram mais AF apresentaram níveis melhores de TG e HDL-c. No entanto, as evidências de que a AF praticada no contexto da vida cotidiana pode trazer benefícios para a maioria dos componentes do perfil lipídico ainda são muito limitadas, sendo necessárias mais pesquisas para confirmar os resultados encontrados, principalmente por meio de estudos longitudinais com alta qualidade metodológica.

Conflito de interesses
Não há conflito de interesses

Financiamento
Sem financiamento

Agradecimentos
Ao CNPq pela Bolsa de Produtividade em Pesquisa ao professor Dr. José Cazuza de Farias Júnior

Contribuição dos autores
Barbosa AO participou da concepção da ideia do estudo, das buscas e seleção dos estudos, da extração e análise dos dados e da redação do artigo; Prazeres Filho P, Moura IRD, Silva JMPF, Silva ECC, Silva DJ e Mendonça G participaram da seleção dos estudos, da extração, da análise dos dados e da revisão da redação do artigo; Cureau FV, Costa EC e Mota J participaram da revisão crítica do manuscrito; Farias Júnior JC participou de todas as etapas etapas do estudo.


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Barbosa, A. O., Prazeres Filho, P., Moura, I. R. D, Silva, J. M. da P., Silva, E. C. da C., Silva, D. J., Mendonça, G., Cureau, Costa, E. C., Mota, J., Farias Júnior, J. C.. Atividade física e perfil lipídico em adolescentes: uma revisão sistemática de estudos observacionais. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/abr). [Citado em 22/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/atividade-fisica-e-perfil-lipidico-em-adolescentes-uma-revisao-sistematica-de-estudos-observacionais/19218?id=19218&id=19218

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