0228/2024 - Estimativa de sobrevida e trajetória geográfica no anteparto de prematuros com desfecho de óbito neonatal
Survival estimate and geographic trajectory in the antepartum period of preterm infants with neonatal death outcome
Autor:
• Carolina Luiza Bezerra Silva Webster Barbosa - Barbosa, C. L. B. S. W. - <carolinaluizaa@gmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9080-4285
Coautor(es):
• Eliane Rolim de Holanda - Holanda, E. R. - <eliane.rolim@academico.ufpb.br>ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6433-9271
• Luciana Pedrosa Leal - Leal, L. P. - <luciana.leal@ufpe.br>
• Ana Paula Esmeraldo Lima - Lima, A. P. E. - <ana.plima@ufpe.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8447-4072
• Amanda Priscila de Santana Cabral Silva - Silva, A. P. S. C. - <amanda.cabral@ufpe.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2337-9925
• Vânia Pinheiro Ramos - Ramos, V. P. - <vpinheiroramos@uol.com.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4559-934X
Resumo:
Este estudo objetivou analisar a estimativa de sobrevida de prematuros com desfecho de óbito neonatal e a trajetória geográfica percorrida no anteparto entre os municípios do estado de Pernambuco. Trata-se de estudo de coorte com análise de sobrevida e ecológico, através da análise de fluxos, com 4.643 prematuros que não sobreviveram ao período neonatal entre os anos 2013-2019. Utilizou-se análise multivariada mediante modelo linear generalizado. Para analisar a trajetória geográfica percorrida no anteparto, recorreu-se ao padrão espacial de fluxos pelo método K-means. A sobrevida dos prematuros foi de 2 dias e 34% (n=1578) viveram menos de 1 dia. O tempo de sobrevida diminuiu em 16% quando a raça/cor das mães era parda. Em relação ao padrão espacial de fluxos entre residência-local de nascimento, os percursos com distância entre 0 e 61,3km e entre 61,3km e 163,5km foram responsáveis por 74,7% (n=2449) e 17,5% (n=572) dos óbitos, respectivamente. Houve divergência nos tempos de sobrevida nas diferentes mesorregiões do estado. Muitas mulheres ainda precisaram percorrer grandes distâncias para o nascimento dos seus filhos, o que foi associado com o menor tempo de sobrevida neonatal, principalmente em áreas mais distantes da região metropolitana.Palavras-chave:
Análise de sobrevida, Acesso aos serviços de saúde, Recém-nascido prematuro, Mortalidade neonatal precoce.Abstract:
The objective of this study was to analyze the estimated survival of preterm infants with a neonatal death outcome and the geographical trajectory traveled in the antepartum period between municipalities in the state of Pernambuco. This is a cohort study with survival and ecological analysis, using flow analysis, with 4,643 premature infants who did not survive the neonatal period2013 to 2019. Multivariate analysis was used using a generalized linear model. To analyze the geographic trajectory traveled by preterm infants in the antepartum period, a spatial flow pattern was used using the K-means method. Preterm birth survival was 2 days and 34% (n = 1578) lived less than 1 day. Survival time decreased by 16% when the mothers\' race/color were mixed race. With regard to the spatial pattern of flows between home and place of birth, routes between 0 and 61.3km and between 61.3km and 163.5km were responsible for 74.7% (n = 2449) and 17.5% (n = 572) of deaths, respectively. There were differences in survival times in the state\'s different mesoregions. Many women still had to travel long distances to give birth to their children, which was associated with shorter neonatal survival times, especially in areas further awaythe metropolitan region.Keywords:
Survival analysis, Health services accessibility, Infant, Premature, Early Neonatal MortalityConteúdo:
A mortalidade neonatal, importante componente da mortalidade infantil no Brasil e no mundo, é considerada um indicador sensível à qualidade de vida, ao desenvolvimento socioeconômico e ao acesso à saúde e serviços de uma determinada população. Apesar de sua diminuição importante nas últimas décadas, o Brasil ainda apresenta disparidade deste indicador entre diferentes regiões do país1.
Em Pernambuco, apesar da ampliação de importantes políticas públicas para o enfrentamento dos altos índices de mortalidade neonatal no estado, como o Programa Mãe Coruja Pernambucana (PMCP), ainda existem obstáculos a serem superados, como as desigualdades relacionadas ao desenvolvimento socioeconômico das regiões e ao acesso aos serviços de saúde2.
Os preditores da mortalidade neonatal são múltiplos e complexos, sendo a prematuridade fator preponderante associado ao óbito nesse período. Todo ano nascem em média 30.000 prematuros e, desses, 10% têm idade gestacional (IG) ? 32 semanas ou peso ao nascer (PN) ? 1.500 gramas, características limitantes no tempo de sobrevivência neonatal3. Apesar dos avanços no atendimento aos prematuros e do aumento da sobrevida, as taxas de mortalidade e a morbidade permanecem altas, particularmente nas idades gestacionais mais baixas4.
Muitos são os fatores de influência na sobrevivência neonatal descritos na literatura científica, sendo importante ressaltar os Determinantes Sociais em Saúde (DSS) associados a esse processo. Os DSS são definidos como as características sociais em que a vida transcorre, como os fatores ligados à renda, educação, condições de vida, de trabalho, disponibilidade de alimentos e acesso aos serviços de saúde, como a assistência pré-natal5.
O acesso aos serviços de saúde, considerado um DSS intermediário, é um importante indicador de atenção à saúde materna e neonatal e de organização estratégica de serviços e políticas de saúde, principalmente nos países em desenvolvimento6. A regionalização da assistência ao parto deve ser estruturada com o objetivo de redução da mortalidade nesses grupos, através da descentralização dos serviços de saúde. Ao adotar o planejamento regional de saúde, todos os níveis de atenção possuem uma relação de colaboração para melhorar a qualidade dos serviços de saúde dentro de uma região7.
A despeito da garantia legal brasileira de vinculação prévia à maternidade e do atendimento perinatal digno e de qualidade, a dificuldade de acesso das parturientes ainda persiste, seja por falta de regionalização coerente, por reduzido número de leitos obstétricos e neonatais ou falha no sistema de referência e contrarreferência. Embora haja diferenças regionais, a dificuldade de acesso a maternidades no Brasil esteve presente em 16,2% do total de parturientes no último inquérito nacional realizado, em 20128.
A trajetória desfavorável, quando há dificuldade de acesso, de transporte, e quando longas distâncias precisam ser percorridas em busca de uma assistência efetiva, é pior para as gestantes que não residem nas capitais. A peregrinação da mulher em busca de assistência ao parto pode chegar a quase 300 quilômetros, sendo frequente a passagem por mais de um serviço de saúde antes do internamento9,10.
Quando existe falha no processo de regionalização, os serviços de atenção ao parto e nascimento ficam desordenados, levando à ocorrência do parto em local diferente da região de saúde competente1. Nesse contexto, mulheres que são surpreendidas por um parto antes do tempo previsto ficam ainda mais vulneráveis a essa desordem de direcionamento aos serviços de saúde especializados5. Nesse sentido, o objetivo da pesquisa foi analisar a estimativa de sobrevida de recém-nascidos prematuros com desfecho de óbito neonatal e a trajetória geográfica percorrida no anteparto entre os municípios do estado de Pernambuco.
MÉTODOS
Trata-se de estudo epidemiológico, realizado em duas etapas: a primeira corresponde a um estudo de coorte retrospectiva com análise de sobrevida e a segunda, um estudo de abordagem ecológica utilizando análise espacial do padrão de fluxos. Foi realizado no estado de Pernambuco, localizado na região Nordeste do Brasil e a unidade de análise foram os 184 municípios pernambucanos. O Estado de Pernambuco ocupa uma área de 98.967,877 km² e possui uma população estimada de 9.058.155. É dividido em 12 Regiões de Saúde, que são organizadas por suas características socioeconômicas, geográficas e epidemiológicas e de oferta de serviços de saúde11.
A população foi composta por 4643 casos de óbitos neonatais de prematuros ocorridos no período de 2013 a 2019. Foram excluídos os casos de óbito neonatal duplicados, gestantes que evoluíram para abortamento, neonatos com idade gestacional maior ou igual a 37 semanas e mulheres que não residiam no estado de Pernambuco, a fim de avaliar exclusivamente recém-nascidos (RN) prematuros que evoluíram ao óbito e sua trajetória nos serviços de saúde em Pernambuco.
Os dados foram coletados em janeiro de 2021. Utilizaram-se os dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), fornecidos pela Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco (SES/PE). O banco original do SIM, referente aos óbitos neonatais, e o do SINASC, referente aos nascimentos no período estudado, foi de 5.904 e 968.762 casos, respectivamente. Após limpeza e tratamento dos dados, utilizou-se a técnica do linkage, empregando a extensão "Fuzzy LookUp" disponibilizada no software Microsoft® Office Excel, para a correlação de ambas as bases de dados12.
O linkage determinístico foi realizado a partir da identificação da variável unificadora comum aos dois sistemas (SIM-SINASC), que foi o número da declaração de nascidos vivos (DNV). Nesta etapa foram pareados 5.243 casos. Para os registros não pareados nessa fase - casos sem DNV (600 casos) ou DNV com números diferentes ou incompletos (61 casos) - recorreu-se ao linkage probabilístico, através da estratégia de múltiplos passos, utilizando similaridade com a variável ‘nome da mãe’, presente em ambos os bancos de dados, totalizando 661 casos.
Associou-se a essa etapa a revisão manual dos pares duvidosos, buscando classificá-los como pares verdadeiros ou não pares. Para comparação, utilizou-se o nome da mãe, a data de nascimento e o sexo do RN. Com isso, dos 661 casos da etapa do linkage probabilístico, 314 foram excluídos na inspeção manual, e os demais 347 casos foram acrescidos ao banco do 1º pareamento, totalizando o banco final com 5590 óbitos neonatais. Após aplicação dos critérios de exclusão, a amostra final foi composta por 4643 óbitos de prematuros no período considerado.
Foi realizada análise descritiva do perfil epidemiológico e obstétrico materno e das características biológicas e de atenção à saúde neonatal, com auxílio do programa “R” versão 4.0.3. Para avaliação das variáveis categóricas, foram calculadas frequências absolutas e relativas e para as variáveis numéricas, foram calculadas as medidas de posição, tendência central e variabilidade (média e desvio padrão).
A seguir, recorreu-se à análise de sobrevida a partir da data do nascimento. O evento de interesse foi o óbito dos recém-nascidos prematuros. A data que compôs a falha (consequentemente as censuras), foi a data do óbito ou 1 mês a frente da data de nascimento (censuras). O tempo de sobrevivência foi calculado em minutos. Para aqueles que tiveram um tempo de sobrevivência inferior a 1 dia (até 24h ou 1440 minutos), o tempo de sobrevida foi dado por zero. Ainda, o tempo até o óbito foi fixado em até 28 dias (período neonatal).
Realizou-se a análise bivariada e modelagem entre as variáveis do estudo e o tempo de óbito dos recém-nascidos prematuros. Nesta etapa do estudo, optou-se por excluir todos as linhas que continham dados faltantes, reduzindo o tamanho amostral para 2504 óbitos neonatais.
Na análise estatística bivariada, aplicou-se o teste Kruskal-Wallis. Para realizar a modelagem, utilizou-se o modelo linear generalizado a partir da distribuição de probabilidade normal inversa ajustada para um alto volume de zero, denominada como ZAIG (Zero Adjusted Inverse Gaussian)13.
A variável dependente foi o óbito neonatal de prematuros. As variáveis independentes foram as contidas nas fichas de DNV e Declaração de óbito (DO). As variáveis explicativas para modelar o tempo médio foram inseridas caso seu p-valor na análise bivariada fosse inferior a 0,2. Com a inserção de tais variáveis, o modelo passou pela fase de seleção de variáveis a partir do algoritmo stepwise para trás e para frente, utilizando GAIC (Generalized Akaike Information Criteria) como métrica.
A seleção de variáveis foi feita para cada parâmetro do modelo, pela seguinte ordem: parâmetro de variância em torno do tempo médio de vida, parâmetro que estima a probabilidade de viver menos de um dia e por fim, o parâmetro que estima o tempo médio de vida. As análises estatísticas foram calculadas no software R, versão 4.0.3. Para modelagem, utilizou-se o pacote gamlss versão 5.3-1.
Inseriu-se o componente espacial na análise visando ampliar a compreensão da dinâmica de parto e óbito dos prematuros, sendo esta uma medida essencial para evidenciar as desigualdades de acesso aos serviços de saúde e sua interface com o processo de nascimento e de heterogeneidade territorial das redes de atendimento. Levando em consideração a necessidade de incorporação de atributos capazes de captar as variações na mortalidade neonatal entre pré-termos, optou-se por estimar o deslocamento intermunicipal no anteparto como um elemento-chave para a caracterização do acesso aos serviços de saúde e da presença de polos de atenção.
Assim, para investigação do deslocamento percorrido pelos casos de óbito neonatal dos prematuros, empregou-se análise espacial dos padrões de fluxo entre o local de residência e o local de óbito; e, o local de residência e o local de nascimento. Para tanto, coletou-se as coordenadas geográficas dos locais de residência (no formato bairro, cidade, estado), local de nascimento e dos locais de ocorrência (no formato rua, bairro, CEP, cidade, estado) através da API do Google Maps.
Na análise espacial, optou-se por excluir os casos que apresentavam endereços de nascimento e ocorrência do óbito não preenchido ou com erros de formatação. Assim, o número de casos analisados foi reduzido para: fluxo da residência para o local de ocorrência (N = 3892) e fluxo entre local de residência e local de nascimento (N = 3279).
As ligações de fluxo que compõem o estudo foram hierarquizadas de acordo com o volume delas até o ponto de chegada, identificando-se, assim, os hospitais com maior frequência de nascimentos/óbitos. Utilizou-se análise de agrupamento mediante a distância euclidiana (em linha reta) entre os locais que compõem os fluxos analisados. Para tal, aplicou-se o método K-means, o qual gerou 4 grupos distintos. O número de grupos foi decidido pelo método Elbow. Os cálculos e gráficos foram feitos através do “R”, versão 4.0.3. O pacote ggmap versão 3 possibilitou o uso da API do Google Maps.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco, sob CAAE nº 34372620.8.0000.5208 e Parecer nº 4.497.260.
RESULTADOS
Identificaram-se 4643 óbitos neonatais de prematuros no período de estudo, elegíveis para análise. A idade mínima de morte foi de até 24 horas (tempo de vida igual a zero) e o máximo foi de 27 dias. A média foi de 2 dias. A Tabela 1 apresenta as características epidemiológicas e obstétricas maternas dos casos investigados.
Tab.1
A Tabela 2 apresenta as características biológicas e de assistência à saúde dos recém-nascidos prematuros, constituindo-se a maioria dos nascimentos hospitalar, no período da manhã; predomínio do sexo masculino; Apgar no 1º e 5º minuto abaixo de 7; apresentação cefálica; peso ao nascer extremamente baixo; e afecções originadas no período perinatal como causa básica do óbito.
Tab.2
Em relação à análise de sobrevida dos prematuros, o tempo variou de 0 a 27 dias, com média de 4,41 dias e mediana de 2 dias. Encontrou-se que 34% (n = 1578) dos óbitos investigados ocorreram em até 24 horas (por isso, tempo de vida igual a zero). O 1º quartil foi zero e o 3º quartil foi de 6 dias, o que representou prevalência de 76,1% (n = 3533) de óbitos em até 6 dias.
Na análise bivariada para as variáveis explicativas, os seguintes achados foram significativos e relacionados ao maior tempo de sobrevida: nascimento no período da madrugada (tempo de sobrevivência - TS=5,8 dias; p<0,001), idade materna >35 anos (TS=5,5 dias; p=0,02), gravidez dupla ou múltipla (TS=6,2 dias; p<0,001), parto não induzido (TS=5,1 dias; p<0,001), cesárea (TS=5,7 dias; p<0,001), ausência de anomalia congênita (TS=5,4 dias; p<0,001) e Apgar no 1º e 5º minutos maior ou igual a 7 (TS=7,8 e 7,2 dias, respectivamente; p<0,001).
O tempo de sobrevida também apresentou tendência de aumento tanto maior o tempo de estudo materno (p<0,001), o número de consultas de pré-natal (p<0,001), e a idade gestacional (p<0,001). A raça/cor materna parda foi associada ao menor tempo de sobrevida, com média de 4,8 em relação às demais, que foram superiores a 6 dias, em média (p = 0,01).
Quando as mães residem na Região Metropolitana do Recife (RMR), o tempo de vida médio é maior (p<0,001). Nascer em ambiente externo ao hospitalar aumenta em 8,85 vezes a chance de óbito em comparação ao nascimento em hospitais (p<0,001). Quando a causa básica do óbito foi de causas externas de morbidade e mortalidade, doenças do aparelho circulatório, doenças do aparelho respiratório e doenças do sistema nervoso, o tempo de sobrevida médio foi cerca de quatro vezes maior em relação às demais causas básicas (p<0,001).
Quanto ao modelo estatístico, a gravidez dupla ou tripla e o Apgar no 1º minuto e 5º minuto maior ou igual a sete foram responsáveis em aumentar o tempo médio de vida em 18%,18% e 27% respectivamente, em relação à classe de referência. Já quando a raça/cor da mãe foi parda, o tempo médio de sobrevida diminuiu em 16%, em relação à classe de referência (Tabela 3).
Quando o óbito ocorria pela manhã, tarde ou noite, as chances do RN sobreviver menos que 1 dia (0 dias) aumentam em 48% (p = 0,03), 167% (p<0,001) e 248% (p<0,001), respectivamente, em relação ao período da madrugada. O nascimento em estabelecimento não hospitalar aumentou em 8,85 vezes a chance de óbito em menos de 24 horas (p<0,001) (Tabela 3).
Tab.3
A figura 1 ilustra o padrão espacial de fluxos entre o local de residência e ocorrência dos óbitos. Os fluxos com distância entre 0 e 62,6km, correspondem a 60,9% dos casos (n = 2946), cujos fluxos apresentam uma concentração de um até 25 casos ao longo do período de estudo. Estimou-se 248 serviços de saúde neste segmento de distância, dentre os quais dez estabelecimentos somam 72,3% dos casos (n = 2135).
Quanto ao segmento com distâncias entre 62,6km e 164,3km, tem-se um total de 15,4% (n = 743) dos casos, em que os fluxos se repetem de um a 10 vezes. Para este segmento, foram encontrados 105 estabelecimentos distintos, onde cinco deles constituem 69,5% (n = 517) dos casos.
Tratando-se do segmento com distâncias entre 164,3km e 319,8km, tem-se um total de 9,9% (n = 478) dos casos, em que os fluxos mais frequentes se repetem seis vezes. Para este segmento, foram constatados 69 estabelecimentos, onde quatro deles representam 74,7% (n = 321) dos casos. Para o segmento com distâncias acima de 319,8km, o total de casos é de 2,23% (n = 108), em que o fluxo de maior frequência é de quatro vezes. Para este segmento, foram constatados 26 estabelecimentos, onde dois deles representam 63,9% (n = 69) dos casos, ambos localizados na capital do estado.
Fig.1
A figura 2 mostra os fluxos entre o local de residência e nascimento dos RNs. Para os fluxos com distância entre 0 e 61,3km, tem-se fluxos com uma concentração de um até 17 nascimentos ao longo do período de estudo, onde o total de nascimentos é de 74,7% (n = 2449). Um total de 110 estabelecimentos foram listados para este segmento de distância, onde destacam-se oito estabelecimentos que juntos somam 71,6% (n = 1764) dos casos.
Quanto ao segmento com distâncias entre 61,3km até 163,5km, tem-se um total de 17,5% (n = 572) dos casos, em que os fluxos se repetem de um a cinco vezes. Para este segmento, foram encontrados 27 estabelecimentos distintos, onde três deles constituem 75,1% (n = 430) dos casos, todos localizados na capital.
Entre 163,5km e 329,3km, tem-se um total de 5,9% (n = 194) dos casos, em que os fluxos mais frequentes se repetem quatro vezes. Para o segmento com distâncias acima de 329,3KM, o total de casos é de 1,95% (n = 64), em que o fluxo de maior frequência é de quatro vezes. Para ambas as distâncias, destacam-se três estabelecimentos, com 79,9% (n = 155) e 82,8% (n = 53) dos casos, respectivamente, todos da capital de Pernambuco.
Fig.2
DISCUSSÃO
Os casos de óbito neonatal de RN prematuros tiveram sobrevida média de dois dias, evidenciando a predominância da mortalidade neonatal precoce. Estudo que analisou o perfil da mortalidade neonatal no estado de Pernambuco no período de 2013 a 2017, também observou 76,19% dos óbitos neonatais no período neonatal precoce14. Estima-se que o risco de óbito nesse período é 30 vezes maior nos países de baixa renda, em comparação com os países de alta renda15.
Embora o Apgar no 1º e 5º minuto maior que sete tenham associação ao aumento do tempo médio de vida dos prematuros, chama-se a atenção que quase metade dos recém-nascidos que não sobreviveram apresentaram escores de Apgar ? 7 no quinto minuto, o que pode estar relacionado à qualidade da assistência neonatal e dificuldades de acesso a unidades de saúde especializadas16.
Em relação à raça/cor, observa-se que mães da cor parda, apresentam associação ao maior risco de mortalidade, com tempo de sobrevida neonatal menor em relação às mães de raça/cor branca. As desigualdades étnico-raciais refletem pontos importantes e ainda existentes na sociedade, o que evidencia a necessidade de adequação das políticas de saúde voltadas à população de negros, pardos e indígenas aos cenários locais de atenção ao parto e nascimento17. Achados semelhantes também foram observados em outros estudos17-18.
Em relação às causas de óbito neonatal, a maioria é considerada evitável, principalmente por ações dos serviços de saúde que prestam cuidado materno e neonatal, tais como a identificação de grupos de risco para a ocorrência do óbito e do parto prematuro, mulheres em situação de vulnerabilidade social, assistência pré-natal adequada, identificação de falhas nas redes de atenção obstétricas do estado e a capacitação de profissionais para atendimento de gestantes de alto risco e neonatos que precisam de cuidados intensivos19.
O nascimento no período da madrugada tem forte associação pelo maior tempo de sobrevida do estudo. Em contrapartida, neonatos que nascem no período da tarde ou noite possuem menores tempos de sobrevida. Esse achado talvez possa refletir as condições do tráfego urbano e sua influência no tempo para o acesso aos serviços de saúde especializados, já que durante a madrugada observa-se menor circulação urbana.
A relação entre o período de nascimento e a ocorrência do óbito neonatal ainda é pouco evidenciada na literatura, sendo necessários novos estudos de avaliação, principalmente a nível local e regional. O conhecimento do período do nascimento de maior ocorrência de óbito neonatal é um dado importante para a gestão da saúde, onde estratégias para a minimização de riscos podem ser empregados, a fim de evitar agravos.
A idade gestacional é um fator determinante do risco de morrer, como observado na relação inversamente proporcional entre as semanas de gestação e as chances de óbito. Quanto maior a idade gestacional, menor o risco de mortalidade neonatal, com destaque para o grupo de prematuros extremos (<28 semanas de gestação), evidenciado pela literatura como de maior associação ao óbito neonatal precoce20-21.
O cuidado à gestante durante o ciclo gravídico-puerperal, na realização do pré-natal e na assistência ao parto e puerpério, são iniciativas que favorecem a redução das taxas de mortalidade materna e neonatal. O número de consultas de pré-natal insuficientes, constitui-se um grave problema de saúde pública e fator associado ao desfecho de saúde neonatal não favoráveis, pois reflete a deficiência na cobertura da assistência obstétrica dos serviços de saúde22. Neste estudo, evidenciou-se associação entre o número de consultas pré-natais e o tempo de sobrevida dos recém-nascidos.
O local do nascimento também é fator crucial para melhores indicadores obstétricos e neonatais, conforme evidenciado pela maior chance de óbito quando o local de ocorrência corresponde a ambiente externo ao hospitalar. Este fato está diretamente relacionado às condições de nascimento e disponibilidade de recursos22.
Em relação à análise espacial do padrão de fluxos, observa-se que em grande parte dos casos os padrões espaciais observados no deslocamento das gestantes evidenciam que o local de nascimento ficava próximo ou em torno à residência materna. Entretanto, um percentual significativo de gestantes ainda percorre longas distâncias do local de residência ao local de nascimento, sendo a região metropolitana o ponto mais procurado, possivelmente por ser onde se localizam os grandes centros de referência ao neonato de alto risco.
A localização geográfica dos estabelecimentos de saúde com maior procura para a assistência ao parto, indica padrão de desigualdade na distribuição dos leitos obstétricos especializados em gravidez de alto risco, alternando escassez no fluxo em determinadas regiões mais interioranas e excesso em outras (RMR). Este fato pode refletir falhas no acesso aos serviços de saúde especializados em gravidez de alto risco e da organização das redes de assistência obstétrica no estado, contribuindo com a peregrinação de mulheres em busca de assistência especializada e com maiores taxas de óbito neonatal nos centros de referência23. Longas distâncias não previstas e percorridas pelas parturientes evidenciam a necessidade de intervenções sobre o planejamento e a regulação dessas redes e sobre o monitoramento da mortalidade neonatal.
Apesar da maioria da amostra do estudo ser de residentes na RMR, observa-se que os casos que residem na mesorregião do São Francisco, apresentam tempo de sobrevida bastante inferior aos demais (3,4 dias). A dificuldade no acesso aos serviços de saúde de referência, contribui com a peregrinação de mulheres em busca de assistência especializada7. Estudo de caso controle que avaliou a peregrinação de mulheres no anteparto, indentificou associação da peregrinação com a mortalidade neonatal1.
A organização das redes de atenção ao parto e nascimento, obedecendo as diretrizes da regionalização e descentralização e o fortalecimento da assistência obstétrica e neonatal qualificada e baseadas em evidências científicas por parte dos profissionais de saúde, podem favorecer a adequação dos serviços de saúde no estado para o cuidado materno-infantil, possibilitando a diminuição dos agravos à saúde e dos índices de mortalidade neonatal.
Há um espectro de disparidades que influenciam uma gestação. Apesar dos aspectos biológicos serem importantes, as condições de renda, moradia e arranjos familiares podem influenciar em maiores riscos na saúde do binômio. As políticas de saúde devem ser abrangentes e estruturadas, e possibilitar aos gestores a sensibilização e capacitação dos profissionais que atuam na ponta com o objetivo de redução dos indicadores sociais que impactam no óbito evitável19.
O preenchimento incompleto dos dados relacionados ao nascimento e óbito fornecidos pelo SIM e SINASC, que coletam os dados das DNV e DO, foi uma importante limitação do estudo. Além disso, infere-se que a utilização da distância linear entre os municípios pode não corresponder às condições reais de deslocamento percorrido no anteparto dos neonatos, o que pode dificultar a comparação entre a localização geográfica e os fatores associados.
As diferentes realidades dos municípios no interior, a influência política e cultural e os modos de vida nestas localidades em detrimento da RMR também são fatores limitantes para as divergências nos tempos de sobrevida entre as regiões. Os fatores associados não significam relação de causalidade dos óbitos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados apresentados evidenciaram mortes neonatais em sua maioria por causas evitáveis, principalmente no período neonatal precoce e com grande porcentagem de óbitos no primeiro e segundo dia. Além disso, os tempos de sobrevida divergiram nas diferentes mesorregiões do estado, com destaque para a região metropolitana e do São Francisco, responsáveis pelo maior e menor tempo de sobrevida neonatal, respectivamente.
Muitas mulheres ainda precisaram percorrer grandes distâncias para o nascimento dos seus filhos, o que foi associado com o menor tempo de sobrevida neonatal, principalmente em áreas mais distantes da região metropolitana. Os resultados evidenciam a necessidade de aperfeiçoar fluxos de serviços voltados à atenção materno-infantil, conforme os princípios de regionalização e descentralização do SUS, com atendimento especializado.
O conhecimento das variáveis associadas ao óbito neonatal e sua trajetória possibilita aos profissionais e gestores, o planejamento de ações direcionadas à redução da mortalidade e a agilidade no atendimento a grupos de risco. Além disso, estratégias de capacitação de profissionais da saúde que atuam nos diferentes níveis de complexidade que envolvem o cuidado materno-infantil, nas ações de acolhimento e melhoria do cuidado especializado, podem favorecer a redução da mortalidade neonatal.
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