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0205/2024 - FATORES ASSOCIADOS AO ÓBITO EM GESTANTES E PUÉRPERAS INDÍGENAS E NÃO INDÍGENAS HOSPITALIZADAS POR COVID-19, NO BRASIL
FACTORS ASSOCIATED WITH DEATH IN INDIGENOUS AND NON-INDIGENOUS PREGNANT AND POSTPARTUM WOMEN HOSPITALIZED FOR COVID-19 IN BRAZIL

Autor:

• Adryelle Katheline D\'Elia de Moura - Moura, A. K. D - <adryelle.moura@eaportal.org>
ORCID: https://orcid.org/0009-0004-0061-0041

Coautor(es):

• Glenio Alves de Freitas - Freitas, G. A. - <glenioa2000@yahoo.com.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9818-6090

• Renata Palópoli Pícoli - PícolI, R. P. - <renata.picoli@fiocruz.br, renata.picoli@anhanguera.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3753-6832



Resumo:

O objetivo deste manuscrito é analisar a associação entre as características sociodemográficas e de hospitalização com o desfecho de gestantes e puérperas indígenas e não indígenas e fatores associados aos óbitos entre as indígenas hospitalizadas por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) pela COVID-19, no Brasil. Trata-se de estudo transversal e analítico, com dados secundários de gestantes e puérperas em idade reprodutiva, classificadas em raça/cor da pele (indígena e não indígena), extraídos do Observatório Obstétrico, que usa dados do Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe. Foram analisadas as variáveis com o desfecho, por meio do teste do qui-quadrado ou Exato de Fisher e realizada regressão logística para os fatores associados ao óbito de indígenas. A maior proporção de óbito ocorreu entre as mulheres não indígenas que estavam no 2º trimestre de gestação (99,7%), residiam em zona urbana/periurbana (99,8%) e nas regiões Sul/Sudeste (99,8%) e Nordeste (99,5%). As indígenas que residiam em zona rural e nas regiões Norte e Centro-Oeste, possuem maiores chances de óbito, quando comparada às indígenas da zona urbana e das regiões Sul/Sudeste. A pandemia agudizou e aprofundou as desigualdades sociais e étnico-raciais no Brasil.

Palavras-chave:

Saúde de populações indígenas, Gestantes, Período Pós-Parto, COVID-19.

Abstract:

The objective of this article is to analyze the association between sociodemographic and hospitalization characteristics with the outcome of indigenous and non-indigenous pregnant and postpartum women and factors associated with deaths among indigenous women hospitalized for Severe Acute Respiratory Syndrome (SARS) due to COVID-19 in Brazil. This is a cross-sectional and analytical study, with secondary data of pregnant and postpartum women of reproductive age, classified into race/skin color (indigenous and non-indigenous), extractedthe Obstetric Observatory, which uses datathe Influenza Epidemiological Surveillance Information System. The variables with the outcome were analyzed using the chi-square test or Fisher\'s exact test and logistic regression was performed for the factors associated with the death of indigenous people. The highest proportion of deaths occurred among non-indigenous women who were in the 2nd trimester of pregnancy (99.7%), lived in urban/peri-urban areas (99.8%) and in the South/Southeast (99.8%) and Northeast (99.5%) regions. Indigenous people who lived in rural areas and in the North and Midwest regions increase the chances of death when compared to indigenous people in the urban area and in the South/Southeast regions. The pandemic has sharpened and deepened social and ethnic-racial inequalities in Brazil.

Keywords:

Health of indigenous populations, Pregnant women, Postpartum Period, COVID-19

Conteúdo:


Introdução
As políticas públicas de atenção à saúde materna e infantil se destacam na agenda brasileira, especialmente no que diz respeito ao pré-natal e ao parto, com vista à redução da morbimortalidade materna e infantil1. No entanto, a pandemia da COVID-19 repercutiu direta e negativamente nos desfechos maternos e indiretamente, na interrupção dos serviços pré-natais e nas dificuldades de acesso aos cuidados intensivos para gestantes com COVID-192,3. Houve também um agravamento nos determinantes sociais da saúde que afetaram as gestantes e puérperas de diferentes grupos étnicos, exacerbando as disparidades étnico-raciais na incidência de morte e complicações maternas associadas à COVID-194.
Essas desigualdades se tornam evidentes nas diferenças de evolução dos óbitos entre os grupos étnico-raciais e nas desigualdades na distribuição de serviços de saúde, como a disponibilidade de leitos em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), com repercussões diretas nas oscilações dos períodos críticos de doença entre regiões brasileiras5.
Vale destacar que em junho de 2020, a mortalidade materna era maior que a mortalidade geral no Brasil, evidenciando que a COVID-19 não era apenas a causa direta do óbito de gestantes e puérperas, mas também a causa indireta, por criar adversidades para a assistência ao ciclo gravídico-puerperal, como o acompanhamento inadequado de pré-natal6.
Em 2021, o impacto foi ainda maior, as mortes semanais de gestantes e puérperas subiram mais do que o dobro quando comparadas ao ano 2020, apresentando um aumento de 151,0%, enquanto o número de mortes da população em geral alcançou acréscimo de 60,5%7.
No campo da saúde indígena, as desigualdades sociais e as deficiências na cobertura e qualidade de atenção à saúde da mulher no pré-natal, têm ampla magnitude dos desfechos desfavoráveis e na elevada ocorrência de óbito materno em todo o território nacional8,9.
Salienta-se que a população indígena, no contexto do enfrentamento da pandemia da COVID-19, vivenciou um aprofundamento da invisibilização e elevada gravidade, em termos de mortalidade e letalidade da doença10,11.
Embora o número de óbitos pela COVID-19 entre a população indígena seja preocupante, o alto índice de transmissão representa um desafio ainda maior. O estilo de vida comunitário, caracterizado por casas multifamiliares, intenso compartilhamento de objetos e limitado acesso à saúde, torna as comunidades indígenas mais vulneráveis à rápida disseminação do vírus. A ocorrência da pandemia traz consequências para a vida cotidiana nas comunidades, incluindo impactos nas atividades econômicas em geral12.
A persistência de desigualdades étnico-raciais que comprometem a saúde de gestantes e puérperas indígenas8 e a relativa escassez de estudos científicos sobre o desfecho do óbito materno por COVID-193, reforçam a importância deste estudo.
Neste sentido, este estudo tem por objetivo analisar a associação entre as características sociodemográficas e de hospitalização com o desfecho de gestantes e puérperas indígenas e não indígenas e fatores associados ao óbito entre as indígenas hospitalizadas por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) pela COVID-19, no Brasil.

Métodos
Trata-se de estudo epidemiológico e analítico sobre a ocorrência de gestantes e puérperas indígenas e não indígenas (branca, amarela, preta e parda) hospitalizadas com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) por COVID-19, referente ao período 9ª semana de 2020 (02/02/2020) e a 35ª semana de 2022 (03/09/2022), do Calendário Epidemiológico. O Brasil, possui uma população de 203.000.000 pessoas, destas, 1.693.535 são indígenas. Destes, vivem na Região Norte 753.357 indígenas, na Região Nordeste 528.800, na região Centro Oeste 199.912, na Sudeste 123.369 e na Sul 88.097¹³.
Foram consideradas elegíveis para o estudo, as mulheres no 1°, 2° e 3° trimestre gestacional ou idade gestacional ignorada e puérperas, em idade fértil de 10 a 49 anos, segundo raça/cor da pele indígena e não indígena cujo desfecho da hospitalização fosse cura ou óbito e com confirmação laboratorial da infecção pela Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) pela COVID-19, em hospitais públicos e privados, residentes no Brasil. Para as participantes não indígenas considerou-se o agrupamento da variável raça/cor da pele branca, preta, parda e amarela. O referido agrupamento foi adotado neste estudo, com a finalidade de identificação das disparidades raciais, em especial das vivenciadas pelas mulheres indígenas, no processo de atenção à gestação, parto e puerpério na ocorrência de COVID-19.
Os critérios de exclusão foram: grávidas e puérperas que não tinham registro de raça/cor da pele e as com idade superior a 49 anos, totalizando 5.174 casos.
A SRAG é definida como a pessoa de qualquer idade que apresente síndrome gripal, caracterizada por febre, tosse ou dor de garganta, e pelo menos um dos seguintes sintomas: cefaleia, mialgia ou artralgia associado a um quadro de dispneia ou saturação de oxigênio SpO2 < 95%14.
A coleta de dados foi realizada em setembro de 2022 e foram oriundos do Observatório Obstétrico Brasileiro COVID-19 (OOBr COVID-19)15, que extrai dados do Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe), incluindo dados da COVID-19 e armazenados em planilha do programa Microsoft Excel 2016.
Foram analisadas as variáveis sociodemográficas: idade em anos (10- 19, 20-34, 35 a 49), escolaridade (nenhuma, fundamental - sendo agrupados fundamental 1 e 2, Médio, Superior), período gestacional (1ºtrimestre, 2º trimestre, 3º trimestre) e puerpério, região de residência (Sudeste, Nordeste, Norte, Centro-Oeste, Sul) e zona de residência (rural e urbana/periurbana, tiveram seus valores agrupados). Para as comorbidades, considerou-se a variável dicotômica (sim, não) para a ocorrência de: diabetes mellitus, doença cardiovascular e pneumopatia.
Para as variáveis relacionadas aos dados clínicos considerou-se a variável dicotômica (sim, não) para dispneia, desconforto respiratório e saturação de O2 ? 95%. As variáveis de gravidade da doença (sim, não), foram consideradas: necessidade de internação em UTI e de suporte ventilatório.
A análise entre as variáveis relacionadas aos determinantes sociodemográficos, comorbidades, sintomas e características de hospitalização, com o desfecho de cura ou óbito de gestantes e puérperas indígenas e não indígenas, hospitalizadas por SRAG pela COVID-19, foi realizada por meio do teste do qui-quadrado ou Exato de Fisher.
Posteriormente, foram calculadas as razões de chances (Odds Ratio -OR) e intervalo de confiança de 95% (IC 95%) pelo modelo de regressão logística, onde a análise bivariada e todas as variáveis que apresentaram p<0,25 foram inseridas no modelo múltiplo. A multicolinearidade e a qualidade do ajuste foram verificadas.
O modelo ajustado foi considerando apenas para as indígenas. A análise estatística foi realizada utilizando-se o software R, versão 4.1.2, considerando um nível de significância de 5%.
As gestantes e puérperas que apresentaram informação de raça/cor da pele e desfecho (critério de inclusão), mas que não apresentaram informação (NA) de outra variável pontualmente, tiveram apenas este item excluído, ou seja, não entrou na análise apenas da variável sem informação, porém, a participante foi mantida por apresentar outros dados de variáveis importantes para este estudo.
A pesquisa utilizou dados secundários extraídos do Observatório Obstétrico Brasileiro COVID-19 (OOBr COVID-19), de acesso público, sem identificação dos participantes da pesquisa, sendo dispensado de apreciação pelo Comitê de Ética em Pesquisa, conforme Resolução nº 51016.

Resultados
Foram internadas por SRAG pela COVID-19 18.582 gestantes e puérperas no período da 9ª Semana de 2020 a 35ª semana de 2022. Deste total, 156 (0,8%) ocorreram entre as gestantes e puérperas indígenas e 18.426 (99,2%) entre as não indígenas. Entre as indígenas, 90,4% (141) evoluíram para a cura e 9,6% (15), para o óbito. Em se tratando de não indígenas, 16.618 (90,2%) obtiveram a cura e 1.808 (9,8%), óbito. Destaca-se, a diferença percentual da ausência de registro quanto ao setor de internação, para as não indígenas foi 9,7% (1.790) e para as indígenas, 25% (39) (Figura 1).
A Tabela 1 expõe que o maior número de gestantes e puérperas internadas por SRAG pela COVID-19 ocorreu na faixa etária de 20 a 34 anos (66,1%), com ensino médio (26,4%), não indígenas (99,1%), no 3° trimestre de gestação (51,1%), residentes em zona urbana/periurbana (85,5%) e na região Sudeste (38,1%). A maioria das mulheres não possuía comorbidades. No que se refere aos sintomas, 47,3% das mulheres apresentaram saturação O2 <95% e 49,7%, quadro de dispneia.
A Tabela 2 apresenta que a maior proporção de óbito ocorreu entre as mulheres não indígenas com idade entre 35 e 49 anos (99,5%), que cursaram ensino médio/superior (99,6%), estavam no 2º trimestre de gestação (99,7%), residiam em zona urbana/periurbana (99,8%), nas regiões Sul/Sudeste (99,8%) e Nordeste (99,5%) e não possuíam comorbidades (98,1%).
A diferença entre as proporções de óbito foi estatisticamente significativa para as indígenas na faixa etária de 10 a 19 anos, ensino fundamental, mulheres no puerpério, que residiam na zona rural, na região Norte e sem comorbidades (Tabela 2).
As mulheres indígenas que residiam na zona rural possuíam 33,08 vezes mais chance de óbito (IC95% 8,91- 165,05), quando comparadas as que residiam na zona urbana/periurbana e ajustada pelas demais variáveis. No que se refere à região de residência, indígenas que residiam na região Centro-Oeste (OR 12,45; IC95% 1,13-276,96) e na região Norte (OR 10,83; IC95% 1,85-206,55), possuíam chance maior de óbito quando comparadas às indígenas que residiam nas regiões Sudeste/Sul, ajustada pelas demais variáveis do modelo (Tabela 3).


Discussão
O estudo evidenciou que as gestantes e puérperas indígenas que moravam em área rural e nas regiões Centro-Oeste e Norte do Brasil tiveram suas chances aumentadas de óbito materno por COVID-19, evidenciando que a disseminação da pandemia da COVID-19 entre as indígenas agravou as iniquidades em saúde, em uma população que já enfrenta menor acesso e qualidade do pré-natal e piores razões de mortalidade materna (RMM)8,9.
A importante ocorrência de óbitos de gestantes e puérperas indígenas e não indígenas por SRAG pela COVID-19 registradas nas regiões Norte e Nordeste e na zona rural dão visibilidade às desigualdades sociais em saúde históricas, caracterizadas pela maior ocorrência de óbitos maternos em regiões do Brasil que concentram piores indicadores de saúde, menores recursos de saúde e maiores desigualdades socioeconômicas17.
Destaca-se ainda, que nestas regiões houve inúmeras dificuldades na reorganização do sistema de saúde para atender os casos de SRAG pela COVID-19, demonstrando as regiões em vazio assistencial não contempladas com a abertura de novos leitos para COVID-19, o que caracterizou a violação dos direitos à saúde no acesso aos serviços de atenção hospitalar18,19,20.
Em países de baixa e média renda, o aumento da mortalidade materna por COVID-19 se deve a desorganização dos serviços de saúde e as dificuldades na reorganização frente à pandemia, caracterizadas por inúmeras barreiras enfrentadas por gestantes para acessar os serviços de pré-natal e de referência para o tratamento da COVID-1921,22.
No Brasil, as mortes maternas por causa direta e indiretamente relacionada à COVID-19, em 2020, foi maior entre as mulheres negras, que residiam na área rural e que foram internadas em municípios fora de sua residência, o que demonstra o efeito sinérgico das desigualdades já registradas na mortalidade materna, independentemente da pandemia23.
Para a gestante e puérpera indígena, que residente em área rural e nas regiões do Brasil com maior vulnerabilidade socioeconômica, esta sinergia também amplifica as dificuldades de acesso aos serviços de atenção primária nos territórios indígenas e nos serviços de média e alta complexidade, o que podem refletir em desassistência ou no atraso da prestação de assistência pré-natal adequada e em tempo oportuno, com implicações e desfechos negativos 8,11.
Uma das estratégias de prevenção de complicações da COVID-19 em gestantes parte do pressuposto de que a vacinação no primeiro trimestre da gravidez é eficaz para protegê-las nos trimestres seguintes. No entanto, estudos indicam uma menor cobertura da vacinação das gestantes à vacinação contra a COVID-19. Ainda assim, os benefícios positivos da vacinação só foram observados no segundo semestre de 202118,24.
Para a população indígena houve menor cobertura da vacinação contra a COVID-19 quando comparada à população não indígena, porém com eficácia semelhante em ambas as populações, trazendo o contexto das barreiras de acesso e de prestação de cuidados primários em saúde, como agravantes para a ocorrência de óbitos25.
Salienta-se ainda que a investigação da ocorrência de óbito por COVID-19 entre indígenas e não indígenas deve ser compreendida por desigualdades relacionadas às situações de vulnerabilização, menor acesso ao saneamento básico e água, o que implica em menores chances de adotar as medidas para evitar a propagação da COVID-1926.




As gestantes e puérperas indígenas e não indígenas com presença de cardiopatia, saturação de O2 < 95%, internação em UTI e uso de suporte ventilatório tiveram maiores ocorrências de óbito materno. Estes achados são semelhantes aos identificado em outros estudos27,28,29. Resultados semelhantes sobre o maior acometimento da COVID-19 no período gestacional21,29,30 e a apresentação dos mesmos sintomas e complicações hospitalares21,29,31 reafirmam os achados do presente estudo.
Os óbitos maternos por SRAG pela COVID-19 sugerem que as indígenas jovens, com ensino fundamental, no puerpério, que residiam na zona rural e na região Norte tendem a ter piores determinantes sociais de saúde, tornando-as mais susceptíveis aos cuidados em saúde no pré-natal e no parto e nas dificuldades no referenciamento para os serviços de média a alta complexidade dos municípios.
O Primeiro Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas identificou que a região Norte teve a maior proporção de mulheres que não realizaram o pré-natal e apenas 30% iniciaram o pré-natal no 1º trimestre8.
A pandemia de COVID-19 coloca em evidência as iniquidades em saúde e as vulnerabilidades política, social e ambiental vivenciada pela população indígena brasileira, caracterizadas pela violação do direito à terra, à segurança alimentar e ao acesso e qualidade de atenção à saúde32,33.
Neste sentido, é necessário avançar em políticas de proteção social e fortalecer serviços de atenção primária executados pelo SASI-SUS nos territórios indígenas, para que sejam culturalmente apropriados e desenvolvam ações de prevenção, diagnóstico e tratamento COVID-19 para as gestantes e puérperas.
Cumpre pontuar que limitações ao estudo são inerentes ao uso de banco de dados secundários pela qualidade dos dados, caracterizados pela incompletude e inconsistência e ainda pelo fato da análise dos casos de notificação de gestantes e puérperas com SRAG pela COVID-19 serem apenas das internações. Cabe destacar que não foi utilizado os dados do Sistema de Atenção à Saúde Indígena (SIASI), visto não ser um banco de dados de acesso público, não ter interface com os demais sistemas nacionais de informação em saúde e o referido sistema registra, estreitamente, dados dos indígenas que habitam territórios demarcados e oficialmente reconhecidos pelo governo brasileiro.
Contudo, é importante salientar que os achados do estudo evidenciam as iniquidades em saúde na oferta de assistência entre as regiões com maior vulnerabilidade socioeconômica, como a Norte e a Nordeste, e o agravamento das iniquidades étnico-raciais com a disseminação da pandemia da COVID-19 na população indígena, com gravidade para os óbitos maternos de indígenas residentes em área rural e nas Regiões Centro Oeste e Norte do país.
A pandemia reforça a necessidade de fortalecer as políticas públicas de saúde para a garantia do direito à saúde da gestante e puérpera indígena ter uma assistência pré-natal e para o diagnóstico e manejo adequado dos casos de COVID-19, nos territórios indígenas. Soma-se ainda a necessidade de maior integração do SASI-SUS com os serviços de referência, para que minimizem os obstáculos no encaminhamento das gestantes indígenas com COVID19 para os serviços de referência, a fim de prestar cuidados em saúde adequados.


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Moura, A. K. D, Freitas, G. A., PícolI, R. P.. FATORES ASSOCIADOS AO ÓBITO EM GESTANTES E PUÉRPERAS INDÍGENAS E NÃO INDÍGENAS HOSPITALIZADAS POR COVID-19, NO BRASIL. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/Mai). [Citado em 06/10/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/fatores-associados-ao-obito-em-gestantes-e-puerperas-indigenas-e-nao-indigenas-hospitalizadas-por-covid19-no-brasil/19253?id=19253

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