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0163/2024 - PADRÕES ALIMENTARES E SUA RELAÇÃO COM DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS NO TEMPO
DIETARY PATTERNS AND THEIR ASSOCIATION WITH CHRONIC NON-COMMUNICABLE DISEASES OVER TIME

Autor:

• Giovanna da Conceição Nepomuceno - Nepomuceno, G. C. - <giovannanepo@outlook.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4709-2980

Coautor(es):

• Bruno Francisco Teixeira Simões - Simões, B. F. T. - <bruno.simoes@unirio.br>

• Alessandra da Silva Pereira - Pereira, A. da S. - <alessandra.pereira@unirio.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9382-4724



Resumo:

É de conhecimento público que o excesso ou falta de alimentação podem trazer prejuízos à saúde humana. Objetivo: Identificar padrões alimentares a nível global, obtendo as mudanças que ocorreram aos padrões alimentares desde 1961 até 2018 e encontrar a correlação com as mudanças climáticas e com a obesidade para cada um dos 171 países. Metodologia: Foi utilizada a técnica de Análise Fatorial não paramétrica para a obtenção dos padrões alimentares. O método de Regressão Quantílica Múltipla foi utilizado para explorar a relação entre os padrões encontrados e a prevalência de DCNTs nos países. Resultados: O método de AF não paramétrica permitiu a identificação de padrões alimentares a nível global, além de permitir a visualização da distribuição geográfica através dos mapas gerados e a determinação da transição nutricional que ocorreu desde 1961. O método de Regressão Quantílica Múltipla permitiu encontrar a relação entre os padrões obtidos e as DCNTs, assim como possibilitou a observação por percentil, podendo avaliar de forma mais individual como cada padrão se comporta em cada país. Conclusão: A ciência da nutrição é fundamental para controlar os danos causados pelo aumento no índice de obesidade, diabetes e outras DCNTs que são afetados e influenciados pela alimentação.

Palavras-chave:

Transição Nutricional; Padrões Alimentares; Dcnts; Análise Fatorial; FAO;

Abstract:

It is common knowledge that too much or too little food can be harmful to human health. Objective: To identify dietary patterns at a global level, obtaining the changes that have occurred in dietary patterns1961 to 2018 and finding the correlation with climate change and obesity for each of the 171 countries. Methodology: Non-parametric factor analysis was used to obtain the dietary patterns. The Multiple Quantile Regression method was used to explore the relationship between the patterns found and the prevalence of NCDs in the countries. Results: The non-parametric PA method allowed the identification of dietary patterns at a global level, as well as allowing the visualization of geographical distribution through the maps generated and the determination of the nutritional transition that has occurred since 1961. The Multiple Quantile Regression method made it possible to find the relationship between the patterns obtained and NCDs, as well as making it possible to observe them by percentile, enabling a more individual assessment of how each pattern behaves in each country. Conclusion: The science of nutrition is fundamental to controlling the damage caused by the increase in the rate of obesity, diabetes and other NCDs that are affected and influenced by diet.

Keywords:

Nutrition Transition; Dietary Patterns; NCDs; Factor Analysis; FAO;

Conteúdo:

INTRODUÇÃO
O artigo 25 da Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que a alimentação é uma necessidade básica do ser humano, sendo assim, é assegurada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Aliado a isso, é de conhecimento público que o excesso ou falta de alimentação podem trazer prejuízos à saúde humana1.
A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) cita a disponibilidade de alimentos como um dos fatores essenciais para o direito à alimentação saudável que respeita os direitos humanos2. Há diversas ferramentas utilizadas para medir o consumo de alimento pelos humanos. Uma delas é o cálculo da disponibilidade de alimentos, pela sua capacidade de expor hábitos alimentares3. A FAO é um dos órgãos das Nações Unidas que faz a apuração da disponibilidade de alimentos, dividindo-os em diversos grupos e categorias, tendo dados disponíveis desde a década de sessenta até os dias atuais. As medidas de disponibilidade de alimentos per capita para consumo humano são úteis e muito utilizadas para a análise de tendências e verificação de mudanças que ocorrem ao longo dos anos3. A essas mudanças dos padrões alimentares dá-se o nome de transição nutricional.
Os padrões alimentares de cada país vão ser um dos fatores primordiais para a construção da sua identidade coletiva, isso pois cada nação possui seus costumes e valores. A alimentação é cercada por hábitos culturais, sendo definida por crenças, tabus, distinções, política e protocolos que se diferem entre os países4. Os padrões tendem a se alterar com o passar do tempo, e é essa alteração que caracteriza a transição nutricional. Uma das problemáticas observadas na transição nutricional é o aumento de produtos processados, ultraprocessados, com aditivos químicos e com maior teor de gordura e açúcar.
Como citado anteriormente, o excesso ou falta alimentação e nutrição se relacionam com alterações na homeostase do corpo humano, podendo levar ao desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, como a obesidade. Logo, o consumo alimentar tem impacto direto na saúde da população mundial5.
Outro determinante dos padrões de consumo são os sistemas alimentares, que são todos os processos relacionados à alimentação, como plantio, produção, processamento, distribuição, preparação e por fim, o consumo. Os sistemas alimentares têm influência direta nas mudanças climáticas, ao mesmo tempo, também são fortemente afetadas por elas6.
A sindemia global é um conceito novo, que refere-se ao encontro de três epidemias mundiais: mudanças climáticas, obesidade e desnutrição. Elas coexistem e são fatores sinérgicos entre elas7. Swinburn (2022)7 afirma que o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados e processados está ligado diretamente à sindemia. Um estudo da FAO, feito em 2013, afirma que as doenças relacionadas à má nutrição, como diabetes e obesidade, estão diretamente associadas à alimentação.
O estudo teve como principal objetivo a identificação de padrões alimentares a nível global, utilizando dados da Folha de Balanço Alimentar (FBA) disponível na FAO, obtendo as mudanças que ocorreram aos padrões alimentares desde o ano de mil novecentos e sessenta até o ano de dois mil e dezoito (1960 a 2018). Outro objetivo do estudo foi avaliar a correlação dos padrões alimentares observados com as mudanças climáticas e com a obesidade para cada um dos 171 países.

MÉTODOS
Trata-se de um estudo ecológico, utilizando-se de dados secundários, obtidos de banco de dados de acesso aberto, compreendendo 171 países cadastrados na ONU, abrangendo o período de 1961 a 2018 de cada país. As variáveis são de disponibilidade alimentar e foram obtidas através do site da FAO, o FAOSTAT. Os dados obtidos se encontram na seção de Folhas de Balanço Alimentar (FBA). Os dados foram obtidos per capita por quilograma (kg), e são dezessete grupos de alimentos distintos.
Os dados dos grupos alimentares foram organizados e limpos, retirando possíveis problemas de formatação. Nas análises, foram utilizados os valores exatos de cada ano disponibilizado pela FAO. Sob estes valores foi realizada a padronização pelo método de z-scores, para uniformização dos dados. Esse processo descrito foi realizado com todos os grupos alimentares, totalizando cinquenta e oito blocos de anos, com 171 linhas cada (referentes aos anos da análise). O nível de significância usado na pesquisa foi de 0,05. Por fim, para o processamento de todos dados foi utilizado o software R, versão 3.4.6.
Depois foi aplicado primeiramente um método de análise estatística multivariada chamado de Análise Fatorial não-paramétrica, que é uma técnica de análise estatística para variáveis aleatórias cuja distribuição de probabilidades conjunta não é normal multivariada. A Análise Fatorial (AF) é uma técnica estatística multivariada que permite a redução de variáveis, uma vez que agrupa as que possuem alto grau de correlação, gerando uma nova variável definida como fator8. Na AF ocorre a rotação dos fatores, distribuição das cargas fatoriais das variáveis originais, o que permite uma melhor visualização dos dados.
Nesta pesquisa foi aplicado o Teste de Mardia para a verificação da normalidade multivariada9. O método de AF não-paramétrica é usado para os casos em que o pressuposto da normalidade é violado, a distribuição multivariada das variáveis é assimétrica10,11. Neste caso, utilizou-se o método de rotação oblíqua Geomin para uma melhor distribuição das cargas fatoriais, isso porque o método permite que os fatores se correlacionem12. O pacote utilizado foi EFAutilities.
Uma vez utilizada a matriz de correlação para estimação/extração dos fatores (composto pelos grupos alimentares correlacionados), o número ideal de fatores foi obtido aplicando a Regra de Kaiser, que retém apenas aqueles que possuírem um autovalor maior do que uma unidade13,14. Neste trabalho, cada fator obtido representa um padrão alimentar distinto. Sob cada padrão retido também foram desenvolvidos mapas para a sua representação espacial no tempo, utilizando o pacote rworldmap15. Essa análise foi feita por ano, sendo elaborado um mapa para cada ano, desde os anos sessenta até os anos dois mil e dezoito.
Para verificar a adequacidade do método de Análise Fatorial não-paramétrica, foi aplicado o teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) em todos os anos da série temporal. Este é um critério para identificar se um modelo de Análise Fatorial está sendo utilizado de forma adequada e ajustada aos dados, resultando num valor que indica a proporção de variância comum a todas as variáveis. O pacote utilizado para a obtenção do KMO foi o Efatools16.
Para avaliar a relação da transição nutricional com a obesidade, a variável foi obtida através do site da Organização Mundial da Saúde (World Health Organization - WHO)17, referente aos anos de 2000 a 2014. A Organização Mundial da Saúde define a obesidade como o excesso de gordura corporal, sendo que a pessoa é considerada obesa quando seu Índice de Massa Corporal (IMC) é maior ou igual a 30 kg/m² (WHO)17. Após isso, foi aplicado o teste de normalidade Shapiro-Wilk, para identificar se a variável segue distribuição normal univariada. O teste de Shapiro-Wilk foi escolhido por sua melhor aplicabilidade em amostras grandes, como neste caso.
Também foi avaliado a relação da mudança de temperatura com a transição nutricional e com a obesidade. As variáveis de temperatura foram obtidas no site da World Bank Group, que obteve os dados através do Climate Change Knowledge Portal. As séries temporais foram obtidas por média anual de cento e setenta (170) países e para fins de análise, foi calculada a diferença entre um ano e outro, para que pudesse ser avaliado e observado o impacto da mudança da temperatura de ano para ano. Os dados de temperatura foram obtidos desde o ano 1961 até 2018 (mil novecentos e sessenta e um a dois mil e dezoito).
Em seguida, com as variáveis independentes, foi aplicado o modelo de Regressão Quantílica Múltipla (RQM), que consiste em uma análise estatística que permite investigar e modelar o relacionamento entre as variáveis a uma determinada variável resposta18. Este é o método mais apropriado para analisar variáveis respostas com distribuição assimétrica, presença de outliers e pode ser favorável quando há possível heterocedasticidade. No caso desta pesquisa, a variável resposta utilizada foi a obesidade e as variáveis de ajustes do modelo foram os padrões alimentares obtidos pela AF e as mudanças de temperatura, de ano para ano. O pacote utilizado foi o quantreg19.
Para avaliar a precisão do modelo de regressão quantílica (MRQ) foram usadas as métricas do Erro Quadrático Médio (MSE) e Raiz do Erro Quadrático Médio (RMSE). O MSE é usado para medir a proximidade entre o valor obtido na análise e do valor verdadeiro (acurácia) do modelo, e é bastante sensível à presença de outliers (valores discrepantes). O RMSE é obtido pela raiz quadrada do MSE20.

RESULTADOS
Nesta seção são mostradas as análises das séries temporais das variáveis referentes à produção dos grupos alimentares e a prevalência de obesidade nos países para os anos de 1961 a 2018.
Os países que compõe a amostra são: Afghanistan, Albania, Algeria, Angola, Antigua and Barbuda, Argentina, Armenia, Australia, Austria, Azerbaijan, Bahamas, Bangladesh, Barbados, Belarus, Belgium, Belize, Benin, Bermuda, Bolivia, Bosnia and Herzegovina, Botswana, Brazil, Brunei Darussalam, Bulgaria, Burkina Faso, Cabo Verde, Cambodia, Cameroon, Canada, Central African Republic, Chad, Chile, China, Colombia, Congo, Costa Rica, Cote dIvoire, Croatia, Cuba, Cyprus, Czechia, Denmark, Djibouti, Dominica, Dominican Republic, Ecuador, Egypt, El Salvador, Estonia, Ethiopia, Fiji, Finland, France, French Polynesia, Gabon, Gambia, Georgia, Germany, Ghana, Greece, Grenada, Guatemala, Guinea, Guinea-Bissau, Guyana, Haiti, Honduras, Hungary, Iceland, India, Indonesia, Iran, Iraq, Ireland, Israel, Italy, Jamaica, Japan, Jordan, Kazakhstan, Kenya, Kiribati, Kuwait, Kyrgyzstan, Lao, Latvia, Lebanon, Lesotho, Liberia, Lithuania, Luxembourg, Macedonia, Madagascar, Malawi, Malaysia, Maldives, Mali, Malta, Mauritania, Mauritius, Mexico, Moldova, Mongolia, Montenegro, Morocco, Mozambique, Myanmar, Namibia, Nepal, Netherlands, Netherlands Antilles (former), New Caledonia, New Zealand, Nicaragua, Niger, Nigeria, North Korea, Norway, Oman, Pakistan, Panama, Paraguay, Peru, Philippines, Poland, Portugal, Romania, Russia, Rwanda, Saint Kitts and Nevis, Saint Lucia, Saint Vincent and the Grenadines, Samoa, Sao Tome and Principe, Saudi Arabia, Senegal, Serbia, Sierra Leone, Slovakia, Slovenia, Solomon Islands, South Africa, South Korea, Spain, Sri Lanka, Sudan, Suriname, Sweden, Switzerland, Tajikistan, Tanzania, Thailand, Timor-Leste, Togo, Trinidad and Tobago, Tunisia, Turkey, Turkmenistan, Uganda, Ukraine, United Arab Emirates, United Kingdom, United States of America, Uruguay, Uzbekistan, Vanuatu, Venezuela, Viet Nam, Yemen, Zambia e Zimbabwe. Não houve perdas devido à falta de informações sobre nenhum país analisado.
O resultado do Teste de Mardia mostrou que a distribuição de probabilidades conjunta da produção dos grupos alimentares não é uma normal multivariada (p-valor<0,01). O p-valor máximo encontrado foi de 0,000316 e o mínimo foi de 0,0000009119.
Para verificar a adequacidade do método de AF Não-paramétrica, foi aplicado o critério KMO em todos os anos avaliados. Valores acima de 0,5 indicam que a Análise Fatorial é adequada aos dados utilizados. Dito isso, os critérios de KMO obtidos deram um resultado mínimo de 0,767 no ano de 1973 e máximo de 0,871 no ano de 2001, demonstrando a adequação do método.
Com a AF, foram extraídos três fatores, respeitando também a regra de Kaiser. Na Tabela 1 são apresentadas as composições e mudanças dos padrões alimentares, com base nos resultados da Análise Fatorial, ao longo das décadas em relação aos alimentos para caracterizar a transição nutricional, exemplificando 5 dentre todos os 58 anos analisados. Os fatores foram nomeados de Padrão Ocidental (Fator 1), Padrão Agrícola (Fator 2) e Padrão Mediterrâneo (Fator 3).
Após essa etapa foram obtidos os mapas para a melhor visualização do comportamento dos fatores nos países. Para cada ano foram feitos três mapas, cada um referente a um componente, portanto, deram no total 174 mapas, referentes a cada fator e a cada ano da pesquisa. Para fins de melhor fluidez e a fim de não cansar o leitor, serão mostrados aqui só um exemplo para cada fator, referente aos anos de 1961 e 2011, representados pela Figura 1. Os scores dos fatores nos países são mostrados pelos tons de cinza, quanto maior o score do fator no país, mais escura é a tonalidade.
Foi feito o teste de normalidade Shapiro-Wilk em todos os anos avaliados para a variável obesidade e a hipótese nula foi rejeitada, com o p-valor de 0.000002291 no ano 2012 (este foi o valor máximo encontrado dentre os obtidos na série temporal).
A prevalência de obesidade é uma variável assimétrica, com presença de alguns outliers. Então, para avaliar o efeito do padrão ocidental na prevalência de obesidade foi aplicado o modelo de regressão quantílica. Aqui serão mostrados apenas um exemplo para cada gráfico, referente ao ano de 2000 e 2013, observados na Figura 2. O eixo y são as estimativas da regressão quantílica para a prevalência da obesidade, onde a área cinza representa o intervalo de confiança para as estimativas em vários percentis, representados pelo eixo x.
O MSE e o RMSE obtidos podem ser vistos na Tabela 2, sendo obtidos pelas diferenças dos valores previstos e observados. É possível observar que os menores valores estão na faixa do percentil 40 ao percentil 60. Nesta faixa é onde ocorre o melhor ajuste do modelo ao conjunto de dados.

DISCUSSÃO
Por meio da Análise Fatorial Não-paramétrica foi possível a identificação de três padrões alimentares distintos. Esses indicadores ao serem contextualizados com a literatura existente corroboram com os achados sobre a transição nutricional que ocorre desde 1961. Neste estudo as mudanças climáticas juntamente com os indicadores obtidos têm impacto direto sobre a prevalência de obesidade, levando a um aumento do quadro geral de obesidade nos países no tempo, sendo melhor detalhado adiante.
É possível identificar na Tabela 1 a adição dos grupos alimentares “Açúcar” e “Bebidas alcoólicas” ao padrão 1 (F1). Os alimentos que compõem o F1 são mais consumidos pela população do ocidente, por isso, o padrão será denominado de padrão ocidental. Seguindo, é possível ver uma ocidentalização ao longo dos anos. É possível observar ao analisar os mapas do F1 (Figura 1), que há um aumento na disponibilidade per capita dos alimentos que o constituem.
Pingali21 discute uma situação parecida, ao afirmar que houve um aumento no consumo de carnes pela China e na Índia, especialmente na China. Oggioni22 também teve achados parecidos. Seu estudo, apesar de ter uma metodologia diferente do presente trabalho, utilizou-se de dados de disponibilidade alimentar per capita, onde o autor caracteriza um padrão alimentar agrícola com alimentos parecidos com os obtidos no padrão 2 (F2). Desta forma, o F2 foi aqui nomeado de padrão agrícola, que é composto majoritariamente por alimentos básicos e ricos em amido. Já o padrão ocidental encontrado por Oggioni22 também possui semelhanças ao encontrado neste trabalho, uma vez que ele relata alimentos com maior processamento e com maior densidade calórica, que são exemplificados pelos grupos de gordura animal, açúcar e bebidas açucaradas, além de incluir os alimentos de origem animal, como as carnes e gordura animal, e também as bebidas alcoólicas. Ele também identifica um menor consumo de alimentos básicos, como os cereais, pelos países que consomem mais o padrão ocidental.
Foi analisado que o F3 traz semelhanças com a dieta mediterrânea, sendo aqui intitulada de Possível Padrão Mediterrâneo. A dieta mediterrânea é caracterizada pelo consumo de alimentos in natura, minimamente processados e sem grandes quantidades de aditivos e açúcar23. A dieta do mediterrâneo possui algumas particularidades, como o baixo consumo de carnes vermelhas, dando prioridade ao consumo de peixes, aves e ovos. Uma das vantagens desse estilo de alimentação é a forma equilibrada com a qual os macronutrientes são incluídos na alimentação, além disso também tem alto consumo de gorduras monoinsaturadas, enquanto que no ocidente o maior consumo é de poliinsaturadas23.
Monteiro24 discute que o aumento da urbanização e globalização houve uma universalização do acesso aos alimentos e produtos industrializados, com isso, levando a uma desvalorização dos alimentos in natura e minimamente processados. Ferreira25 corrobora com a opinião, ao afirmar que há um estímulo ao consumo de alimentos ricos em açúcar, gordura e sal. Isso pode ser visto ao avaliar a Tabela 1 junto com a Figura 1, que mostra adição de açúcar ao padrão ocidental e os mapas corroboram mostrando o aumento da disponibilidade alimentar desses grupos alimentares ao longo dos 50 anos. Ferreira25 ainda explica que o aumento do consumo desses alimentos tem associação direta com o aparecimento de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT).
A Organização Mundial da Saúde considera as DCNTs como um dos principais desafios na área da saúde, tendo sido responsáveis por 38 milhões de mortes em 2012. A OMS ainda faz uma projeção de que cerca de 50 milhões de pessoas vão morrer em decorrência de DCNT em 203026. Com isso, o estudo das DCNT é um objeto de importância global. Os resultados obtidos através da Regressão Quantílica corroboram com os estudos citados anteriormente. Por exemplo, Ferreira25 associou o consumo elevado de açúcar ao aumento de obesidade. A Figura 2 mostra que há uma associação positiva da disponibilidade alimentar per capita dos grupos alimentares que compõem o padrão ocidental, como o açúcar, em 2000, países que tem média a elevada prevalência de obesidade tiveram associações positivas entre a obesidade e o consumo elevado de proteínas, gordura e açúcar.
Um estudo feito com a população chinesa, mostrou que um consumo elevado de proteínas e gordura animal está mais associado à obesidade do que uma dieta à base de alimentos agrícolas, validando os achados neste trabalho26. Rouhani27 traz uma meta-análise com revisão sistemática sobre a associação do consumo de carnes vermelhas e processadas com a obesidade. Através da meta-análise foi concluído que o consumo de carne vermelha e carne processada tinham associação positiva com a prevalência de obesidade. Além disso, mostrou que indivíduos que consumiam maior quantidade de carne vermelha e carne processada tinham Índice de Massa Corporal (IMC) maior do que os que consumiam menos. O mesmo também ocorreu em relação a Circunferência da Cintura (CC), que mostrou que indivíduos com CC mais elevados tinham o hábito de consumir mais carne. Com isso, Rouhani27 defende que o consumo elevado dos alimentos que compõem o padrão ocidental está associado a maior risco de desenvolvimento de obesidade e maior IMC e CC, o que pode ser visto na Figura 2.
Além disso, ao observar a Figura 2 junto com a Tabela 2, é possível observar que o percentil 40 é onde há a maior influência do padrão ocidental na prevalência de obesidade, desta forma, os países que compõem essa faixa, como o Azerbaijão, Moldávia, Mongólia, Países Baixos, Paraguai, Ruanda e outros, são os países mais afetados pelo aumento do consumo dos grupos alimentares que compõem o Fator 1 em relação ao aumento desta prevalência. Essa associação é importante pois é útil para a realização e aplicação de políticas públicas mais individualizadas para cada país.
No que se refere às mudanças climáticas, Butler28 traz o início da discussão no que diz respeito à segurança alimentar e nutricional, isso porque a frase neutra, de 1994 a 2005, estudiosos acreditavam que as mudanças não causariam danos à segurança nutricional, que a produção alimentar se adaptaria às alterações. Depois de 2005, e até hoje, sabe-se que as modificações causadas pelo efeito estufa são fator importante para a questão da fome no mundo. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, em 2014, afirma que o aumento da variabilidade, que leva a inundações e secas mais frequentes, tem associação direta com a diminuição da produtividade das plantações e com a alteração da composição química do solo, causando também prejuízos às plantações.
Faisal29 observa que alguns grupos alimentares são mais sensíveis às mudanças climáticas do que outros, por exemplo, ele traz no estudo que o arroz sofre menos com essas alterações do que o trigo. Campos30 traz uma reflexão ao afirmar que um aumento de cerca de 3% na temperatura do país, pode levar a uma queda de até 25% no pastoreio para os bovinos de corte, levando a um aumento de até 45% nas carnes por ser necessário entrar com suplementação. Além disso, as mudanças climáticas podem levar a uma diminuição da qualidade da carne, uma vez que podem causar alterações por conta da disponibilidade de água e estresse no gado por conta do calor.
Uma limitação do estudo é que o método utilizado pela FAO para obter os dados de disponibilidade alimentar, a Folha de Balanço Alimentar (FBA), possui algumas limitações intrínsecas. Isso pois não leva em consideração algumas perdas e ganhos que acontecem ao longo da cadeia produtiva, como por exemplo, às perdas por deterioração, o desperdício, os restos após consumo, os diferentes métodos de preparo, além de não levar em consideração a quantidade que é produzida localmente.

CONCLUSÃO
A Análise Fatorial Não-paramétrica permitiu a identificação de padrões alimentares a nível global, além de permitir visualizar sua distribuição geográfica através dos mapas gerados e a determinação da transição nutricional que ocorreu desde 1961. O Modelo de Regressão Quantílica Múltipla permitiu encontrar a relação entre os padrões obtidos e a prevalência da obesidade, evidenciando-a por percentil, podendo avaliar de forma mais individual como cada padrão se comporta em cada país, podendo ser favorável na construção de políticas públicas particularizadas.
As análises possibilitaram observar como o padrão alimentar ocidental piora do ponto de vista nutricional ao longo dos anos. Por exemplo, a adição dos grupos alimentares açúcar e bebidas alcoólicas, mostram como a população passa a consumir mais alimentos de caráter nocivo. Os mapas possibilitaram observar como há uma expansão geográfica do padrão ocidental.
Como visto através da MRQ, este padrão está relacionado diretamente com o aumento da prevalência de obesidade, que é fator de risco para diversas doenças cardiovasculares e pode levar a óbitos prematuros, diminuição da qualidade de vida, além de gerar gastos na saúde pública que poderiam ser evitados. Portanto, o estudo dos padrões alimentares e sua relação com a obesidade é imprescindível para a criação de políticas públicas.
Conclui-se, portanto, que há relação entre as mudanças do padrão alimentar, com adoção do estilo ocidentalizado com as mudanças climáticas e com a obesidade.


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Nepomuceno, G. C., Simões, B. F. T., Pereira, A. da S.. PADRÕES ALIMENTARES E SUA RELAÇÃO COM DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS NO TEMPO. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/Abr). [Citado em 06/10/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/padroes-alimentares-e-sua-relacao-com-doencas-cronicas-nao-transmissiveis-no-tempo/19211?id=19211&id=19211

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