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0230/2024 - Prevalência de vacinação contra influenza antes e durante a pandemia de Covid-19 em um município do Sul do Brasil: estudos de base populacional
Prevalence of influenza vaccine before and during the Covid-19 pandemic in a city in Southern Brazil: population-based studies

Autor:

• Renata Pizzolo Fontanella - Fontanella, R. P. - <renatapfontanella@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5683-6400

Coautor(es):

• Antônio Augusto Schäfer - Schäfer, A.A - <antonioaschafer@ unesc.net>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8834-0434

• Camila Dallazen - Dallazen, C. - <camiladallazen@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9733-9486

• Fernanda Daminelli Eugênio - Eugênio, F. D. - <fefedaminelli@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1372-8055

• Fernanda Oliveira Meller - Meller, F.O - <fernandameller@unesc.net>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1174-4721



Resumo:

Este estudo objetivou avaliar a prevalência da vacinação contra a influenza antes e durante a pandemia e seus fatores associados na população adulta e idosa de um município do sul do Brasil. Trata-se de um estudo transversal realizado com dados de duas pesquisas de base populacional realizadas em Criciúma-SC. A amostragem foi realizada em duas etapas: seleção aleatória dos setores censitários e dos domicílios. Foram avaliadas as prevalências de vacinação contra influenza antes e durante a pandemia de Covid-19, além de variáveis sociodemográficas, de saúde e comportamentais. Foram estudados 820 indivíduos antes da pandemia e 863 durante a pandemia. A maioria era do sexo feminino, de cor da pele branca e sem plano de saúde. A prevalência de vacinação contra influenza reduziu 18% na pandemia (59,7% vs 49,0%). Antes da pandemia, maior percentual de vacinação foi observad o nos idosos. Durante a pandemia, além dos indivíduos idosos, naqueles que apresentavam multimorbidade e que tinham plano de saúde, a prevalência também foi maior. Observou-se uma queda importante na prevalência de vacinação contra influenza durante a pandemia de Covid-19. Os achados reforçam a necessidade de desenvolver estratégias de saúde pública, como forma de aumentar as coberturas vacinais contra a influenza.

Palavras-chave:

Vacina; Influenza; Imunização; Pandemia de COVID-19; Programa Nacional de Imunização.

Abstract:

This study aimed to evaluate the prevalence of influenza vaccination before and during the Covid-19 pandemic as well as its associated factors in the adult and elderly population in a city in southern Brazil. This is a cross-sectional study conducted with datatwo populationbased surveys carried out in Criciúma-SC. The sampling process was carried out in two stages: random ion of census tracts and households. We analyzed the prevalence of influenza vaccination coverage before and during the Covid-19 pandemic, as well as sociodemographic, health, and behavioral variables. A total of 820 individuals before the pandemic and 863 during the pandemic were studied. Most of them were female, white skin color and had no health insurance. The prevalence of influenza vaccination reduced by 18% during the pandemic (59.7% vs. 49.0%). Before the pandemic, higher percentage of vaccination was observed in the elderly people. During the pandemic, besides elderly individuals, those with multimorbidity and who had health insurance also showed a higher prevalence. It was observed a reduction in the influenza vaccination coverage during the Covid-19 pandemic. The findings reinforce the need to develop public health strategies to increase the influenza vaccination coverage.

Keywords:

Vaccine; Influenza; Immunization; COVID-19 pandemic; National Immunization Program.

Conteúdo:

INTRODUÇÃO
A vacina é uma estratégia de prevenção individual e coletiva que pode ser considerada um investimento em saúde devido ao seu baixo custo, efetividade e impacto na prevenção das doenças1. A vacinação constitui um serviço essencial e deve ser planejada como parte integrante das ações oferecidas pela rede de serviços de saúde2. Apesar da importância da imunização no fortalecimento da saúde coletiva, em mais da metade das cidades brasileiras a cobertura vacinal é aquém do esperado, colocando seu calendário vacinal em risco3.
A gripe influenza é uma infecção viral, de alta transmissibilidade, que afeta o sistema respiratório. O vírus circula durante todo o ano, mas é mais frequente no outono e no inverno, quando as temperaturas são mais baixas, principalmente no Sul e no Sudeste do país4. Indivíduos com doença crônica, em especial doença pulmonar crônica, são os mais suscetíveis às complicações graves causadas pela gripe5.
Com a pandemia de Covid-19, muitas pessoas evitaram ir até às unidades básicas de saúde para se vacinar contra a influenza, devido à grande preocupação com a disseminação do vírus da Covid-19 e a influência das fake news6,7, que estimulavam a população a recusarem a imunização. Assim, a cobertura vacinal que já estava aquém do esperado reduziu ainda mais3. Dessa forma, o incentivo e o monitoramento da vacinação se tornam essenciais a fim de ampliar a cobertura e, consequentemente, reduzir/evitar o surgimento de doenças, internações hospitalares e gastos públicos8.
Diante do exposto, é fundamental investigar se ocorreu uma diminuição na cobertura vacinal contra a gripe durante a pandemia de Covid-19 e compreender os fatores associados à não vacinação. Esse conhecimento é crucial para embasar decisões e implementar estratégias direcionadas, principalmente, aos indivíduos mais vulneráveis, com o objetivo de expandir a abrangência da vacinação7. Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi estimar a prevalência de vacinação contra a influenza antes e durante a pandemia e os fatores associados na população adulta e idosa de um município do sul do Brasil.

MÉTODOS
Desenho do estudo
Trata-se de um estudo transversal realizado com dados derivados das pesquisas “Saúde da População Criciumense” que ocorreu entre março a dezembro de 2019 e “Mental Covid” que ocorreu entre outubro de 2020 e janeiro de 2021. Os estudos foram realizados no município de Criciúma, Santa Catarina. O município está localizado a cerca de 200 km ao sul de Florianópolis, capital do estado, e possui em torno de 234,865 km² de área territorial e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,7889. Criciúma apresenta uma população com 217.311 habitantes, sendo a cidade mais populosa do Sul Catarinense10.
Amostragem e população estudada
A amostragem tomou como base o Censo Demográfico de 201011, sendo realizada em duas etapas, com a definição dos setores censitários - que são as unidades primárias - e dos domicílios - que são as unidades secundárias. Primeiramente, foram listados em ordem e conforme código determinado, todos os 306 setores censitários que estavam localizados na área urbana do município e possuíam propriedades privadas. Após, 25% destes setores foram sorteados, finalizando com um total de 77 setores censitários, nos quais foram identificados 15.218 domicílios.
Posteriormente, dentro dos setores sorteados, foram selecionados sistematicamente cerca de 600 domicílios para participar de ambas as pesquisas (“Saúde da População Criciumense” e “Mental Covid”). Todos os indivíduos residentes na área urbana de Criciúma, com idade maior ou igual a 18 anos dos domicílios selecionados foram convidados a participar do estudo.

Coleta de dados
A coleta de dados da “Pesquisa Saúde da População Criciumense” foi realizada de forma presencial, utilizado questionário padronizado em papel que continha questões sobre dados sociodemográficos, comportamentais, antropométricos e de saúde. Na pesquisa Mental Covid, foi utilizado o software RedCap para a coleta dos dados, o questionário continha questões referentes a hábitos de vida, comportamentos e questões de saúde mental. Todos os entrevistadores foram treinados para a aplicação do instrumento de coleta de dados. Durante a pesquisa “Mental Covid” todos os equipamentos de proteção individual necessários foram utilizados devido à situação pandêmica. O tempo médio de aplicação dos questionários de ambas as pesquisas (“Saúde da População Criciumense” e “Mental Covid”) foi de 30 minutos.
Para permitir a qualidade e a checagem dos dados foi realizada dupla digitação dos dados no software EpiData 3.1.

Variáveis
A vacinação contra a influenza nas duas pesquisas (antes e durante a pandemia de Covid-19) foi avaliada pela pergunta: O(a) senhor(a) tomou vacina contra gripe neste ano? Com as opções de resposta “não” e “sim”.
Além disso, foram avaliadas as seguintes variáveis sociodemográficas: sexo (masculino, feminino), idade (coletada em anos completos e categorizada em 18-59, 60 ou mais), cor da pele (branca, preta, parda), escolaridade (coletada em anos completos e categorizada em 0-4, 5-8, 9-11, 12 ou mais), renda mensal per capita (?1000,00, 1001,00-2000,00, >2000,00 reais), estado civil (solteiro (a), casado (a), união estável, separado (a), divorciado (a), viúvo (a)), mora sozinho(a) (não, sim) e número de moradores (1-2, 3-4, 5 ou mais), de saúde e de uso de serviços: plano de saúde (sim, não), percepção da saúde (muito boa, boa, regular, ruim, muito ruim), número de morbidades (0, 1-2, 3 ou mais) e setor de recebimento da vacina (setor público, setor privado).

Análise de dados
Foram realizadas análises descritivas de todas as variáveis estudadas, por meio da apresentação das frequências absolutas (n) e relativas (%), bem como seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%).
Análises brutas e ajustadas da associação entre a vacinação e as variáveis de exposição foram realizadas através de Teste Qui-quadrado de Pearson e Regressão de Poisson, respectivamente, utilizando nível de significância de 5%.
Para a análise ajustada foi construído um modelo hierárquico dos fatores associados à vacinação considerando três níveis de determinação. No nível 1 (distal) foram incluídas as variáveis demográficas; no nível 2 (intermediário), as variáveis socioeconômicas; e no nível 3 (proximal), foram inseridas as variáveis de saúde (Figura 1). O modelo backward foi utilizado para selecionar as variáveis do modelo ajustado. Variáveis com nível de significância de 20% (p-valor <0,20) foram mantidas no modelo final como potenciais fatores de confusão. A razão de prevalência (RP) foi apresentada como medida de efeito juntamente ao seu respectivo IC95%.
O programa Stata versão 17.0 foi utilizado para todas as análises estatísticas12. A fim de considerar o efeito do desenho amostral, utilizou-se o conjunto de comandos “svy” do programa.

Aspectos éticos
O projeto “Saúde da População Criciumense” foi iniciado após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Humanos da Universidade do Extremo Sul Catarinense sob protocolo nº 3.084.521. A pesquisa “Mental Covid” recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Rio Grande (RS) sob protocolo n° 4.055.737. Os indivíduos que participaram da pesquisa autorizaram sua realização por meio da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).

RESULTADOS
A pesquisa realizada previamente à pandemia de Covid-19 envolveu 820 indivíduos (taxa de resposta de 86,1%). A maioria era do sexo feminino (63,8%), casado(a)/união estável (60,4%) e reportou ter cor da pele branca (82,5%). Ademais, 45,0% tinham 60 anos ou mais de idade e cerca de um terço deles tinha de 9-11 anos de escolaridade (32,5%). Referente às variáveis de saúde, a maioria dos participantes não tinha plano de saúde (72,0%) e quase metade deles relataram percepção de saúde muito boa/boa (49,6%). Além disso, 18,3% apresentavam 3 ou mais morbidades (Tabela1).
Durante a pandemia de Covid-19, na pesquisa “Mental Covid”, foram estudados 863 indivíduos (taxa de resposta de 75%). Mais da metade dos entrevistados era do sexo feminino (58,4%), casado(a)/união estável (55,9%) e reportou ter cor de pele branca (83,2%). Cerca de um quarto tinha escolaridade maior ou igual a 12 anos (22,9%) e quase um terço tinha 60 anos ou mais de idade (29,7%). Quanto às características relacionadas à saúde, a maioria não tinha plano de saúde (72,4%) e três quartos relataram percepção de saúde muito boa/boa (25,0%). Além disso, 6,6% dos indivíduos apresentavam três ou mais morbidades (Tabela1).
A prevalência de vacinação antes da pandemia foi de 59,7% (IC95% 56,2 – 63,0) e durante a pandemia teve uma redução significativa para 49,0% (IC95% 45,7 – 52,4) (dados não apresentados em tabela).
Quanto ao serviço utilizado para a imunização, antes da pandemia, 95,1% dos indivíduos reportaram ter recebido a vacina no serviço público de saúde, percentual similar ao observado na pesquisa realizada durante a pandemia (92,0%) (Figura 2).
Na Tabela 2 são apresentadas as análises bruta e ajustada da associação entre a vacinação contra influenza e as variáveis sociodemográficas e de saúde antes e durante a pandemia de Covid-19. Observa-se que antes da pandemia, as variáveis relacionadas à vacinação contra influenza foram: idade, escolaridade, número de moradores e número de morbidades. Após análise ajustada, a vacinação permaneceu associada apenas à idade, ou seja, idosos (60 anos ou mais) tiveram maior prevalência de vacinação contra influenza quando comparados aos adultos (18 a 59 anos) (RP: 1,87; IC95% 1,66; 2,10). Por outro lado, durante a pandemia de Covid-19, a vacinação esteve associada à idade, escolaridade, número de moradores, plano de saúde, percepção da saúde e número de morbidades. Na análise ajustada, permaneceram associadas à vacinação as seguintes variáveis: idade, plano de saúde e número de morbidades. Indivíduos idosos (60 anos ou mais) (RP: 1,37; IC95% 1,14; 1,64), que tinham plano de saúde (RP: 1,17; IC95% 1,02;1,38) e que apresentavam três ou mais doenças crônicas (RP: 1,36; IC95%1,08;1,71) foram os que apresentaram maiores prevalências de vacinação quando comparados aos adultos (18 a 59 anos), que não tinham plano de saúde e não tinham morbidade.



DISCUSSÃO
Este estudo, que teve como objetivo avaliar a prevalência da vacinação contra a influenza antes e durante a pandemia de Covid-19, evidenciou importantes resultados. A prevalência da vacinação, no município de Criciúma, reduziu 18% durante a pandemia (59,7% vs 49,0%). Além disso, antes da pandemia, apenas os indivíduos idosos tiveram maior prevalência de vacinação contra influenza, enquanto durante a pandemia, indivíduos idosos, aqueles que tinham plano de saúde e que apresentavam três ou mais doenças crônicas foram os que apresentaram maiores prevalências de vacinação.
Tais resultados mostraram que as prevalências de vacinação contra influenza tanto antes quanto durante a pandemia estiveram aquém das metas de 90% para cobertura vacinal de grupos prioritários determinadas pelo Ministério da Saúde13-15 e das coberturas vacinais evidenciadas na região Sul do Brasil antes (93,5%)16 e durante a pandemia de Covid-19 (73,4%)17.
Além das baixas prevalências de vacinação em ambos os períodos, os resultados do presente estudo indicaram uma diminuição de 18% na prevalência da vacinação contra influenza, alcançando menos da metade da população (49%) durante o contexto pandêmico. Outros estudos realizados na China18 e em países americanos19 também identificaram menores taxas de vacinação contra influenza durante esse período quando comparados aos períodos precedentes, em grupos-alvo diversos, como crianças, gestantes, idosos, pessoas com doenças crônicas19 e profissionais da saúde18, 19. Especificamente no período da pandemia de Covid-19, organizações em saúde alertaram a população com relação aos possíveis riscos da queda na vacinação para influenza20. No entanto, medidas de isolamento adotadas para minimizar os efeitos da pandemia podem ter influenciado negativamente na busca pela vacina21. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, diversos motivos contribuem para o declínio da vacinação durante a pandemia de Covid-19, sendo eles: relutância para sair de casa, interrupções de transporte, dificuldades econômicas ou medo de ser expostas a pessoas com Covid-1922. A partir disso, é importante destacar que, devido ao impacto mundial que a pandemia teve, principalmente nas metas de cobertura vacinal contra a gripe, espera-se que haja um fortalecimento do Programa Nacional de Imunização (PNI) e maior valorização da importância da vacinação contra a influenza.
Apesar de a vacina contra a gripe não ter eficácia contra a Síndrome Aguda Respiratória Grave (SARS-CoV-2), ela pode auxiliar os profissionais da saúde na exclusão do diagnóstico de Covid-19, já que os sintomas podem ser parecidos e, dessa forma, reduzir a busca por serviços de saúde23. A sobreposição dessas doenças pode causar repercussões importantes nos sistemas de saúde. Por esse motivo, a vacinação contra a influenza é essencial para redução do número de pacientes que necessitam de hospitalização e pode ajudar no diagnóstico diferencial em caso de sintomas semelhantes aos da gripe24. Ademais, revisão da literatura que investigou a associação entre a vacinação contra influenza e o risco de infecção por SARS-CoV-2, doença grave e morte, aponta que pessoas vacinadas contra influenza são menos propensas a desenvolver a forma grave de Covid-19 em comparação às pessoas não vacinadas24.
No que diz respeito aos fatores relacionados à vacinação contra influenza antes e durante a pandemia, no presente estudo, indivíduos idosos tiveram maior probabilidade de receber a vacina do que os adultos. Similarmente, estudos que investigaram fatores associados à adesão da vacina no período pré-pandêmico também verificaram o aumento da idade como preditor de vacinação contra influenza25-27. Em estudo realizado com 2452 chineses foram identificadas maiores prevalências de vacinação entre os idosos de 65 a 74 anos (49,1%) e 75 ou mais (69,9%) do que nos adultos (13,9%)27. Em estudo realizado no sul do Brasil também foi verificado que idosos apresentaram uma menor taxa de não vacinação que adultos jovens (27,9% e 65,5%, respectivamente)28. Resultados de pesquisas realizadas nos Estados Unidos29 e no Canadá30 durante a pandemia, além de corroborarem os achados do presente estudo, mostraram que, com o aumento da idade, as chances de os indivíduos planejarem receber a vacina da influenza foram maiores.
Alguns fatores podem estar relacionados à maior taxa de vacinação à medida em que idade aumenta. Há indicativos de que o fato de o número de morbidades aumentar com a idade31, implica no maior contato com o sistema de saúde32 e, consequentemente, na maior probabilidade de vacinação. Assim, supõe-se que esse grupo esteja mais atento às informações sobre campanhas de vacinação e outras ofertas do serviço público de saúde, e possivelmente estão mais propensos a terem os profissionais de saúde como fonte mais confiável de informação sobre vacinação contra influenza33. Por outro lado, é possível que os adultos apresentem uma confiança maior em sua própria capacidade de imunização e subestimem o risco de ser infectado27.
Essa diferença nas prevalências de vacinação contra influenza entre os subgrupos evidencia a necessidade de intensificação das campanhas e promoção da vacinação entre usuários dos serviços de saúde, sobretudo para a população adulta jovem. Nesse sentido, há indicativos de que a mídia seja um importante meio para lembrar o início e a duração das campanhas de vacinação contra influenza, assim como a recomendação pelos profissionais de saúde também é um importante fator para a adesão à vacinação. Portanto, recomenda-se maior valorização da importância da vacinação pelo serviço de saúde e o incentivo desta pelos profissionais, de modo que haja o fortalecimento das campanhas de vacinação de maneira universal34.
Outro achado do presente estudo foi que indivíduos que tinham três ou mais doenças crônicas apresentaram maior prevalência de vacinação contra influenza durante a pandemia de Covid-19. Similarmente, pesquisa realizada nos Estados Unidos com indivíduos da mesma faixa etária estudada no presente estudo identificou maior cobertura de vacinação contra influenza à medida que o número de comorbidades aumentou35. Uma possível explicação inclui o fato de que os indivíduos com multimorbidade têm maior conscientização sobre sua susceptibilidade à gripe36. Esses indivíduos, que há muito tempo têm recomendações formais para se vacinar, também possuem vínculos estreitos com profissionais da atenção básica, fundamentais na implementação de intervenções no cuidado primário37.
Indivíduos que tinham plano de saúde também apresentaram maiores prevalências de vacinação durante a pandemia de Covid-19. Esse resultado vai ao encontro dos achados que indicam aumento da prevalência de vacinação no setor privado quando comparados os períodos antes e durante a pandemia. Pesquisa realizada em 133 cidades brasileiras, que estimou a prevalência de vacinação por meio de provedor privado, aponta que este setor foi mais utilizado na região Sul e, a nível nacional, em indivíduos com melhor condição socioeconômica21. Este fato pode ser atribuído à melhor posição socioeconômica desta região, refletindo no maior acesso aos serviços de saúde e direcionamento com relação à vacinação38.
Além disso, o presente estudo mostra que apesar de haver um aumento de vacinação contra influenza no setor privado durante a pandemia de Covid-19, o Sistema Único de Saúde (SUS) prevalece como principal fonte de obtenção de vacinas. Na literatura nacional há concordância quanto à rede pública ser o principal setor de recebimento de vacinas39. Estudo de base populacional aponta que menos de 3% das vacinas foram adquiridas no setor privado, sendo mais frequente na região Sul do Brasil21.
Algumas limitações do presente estudo precisam ser destacadas. O delineamento transversal não permite inferir causalidade entre os achados. Ademais, a informação sobre a realização da vacina contra influenza foi autorreferida, não sendo confirmada por meio da caderneta ou comprovante de vacinação. No entanto, um estudo de validação mostrou que o autorrelato de vacinação contra influenza é altamente sensível40. Além disso, apesar da alta sensibilidade do autorrelato, não se pode descartar o viés de recordatório. Por fim, o período de tempo em que foram realizadas as pesquisas podem ter influenciado na prevalência de vacinação encontrada.
Dentre as fortalezas do estudo, destaca-se que se refere a pesquisas de base populacional com alto rigor metodológico, o que possibilitou a obtenção de amostras representativas da população adulta e idosa antes e durante a pandemia de Covid-19. Além disso, é importante ressaltar que as entrevistas realizadas durante a pandemia de Covid-19 foram feitas face a face, sendo um diferencial quando comparado a boa parte dos estudos desenvolvidos no mesmo período que coletaram dados de forma online.
Em conclusão, os resultados do presente estudo mostraram uma queda de 18% na prevalência de vacinação contra influenza durante a pandemia de Covid-19 quando comparada a dados coletados antes da pandemia. A vacinação contra influenza antes da pandemia foi associada ao aumento da idade, ou seja, indivíduos idosos apresentaram maior probabilidade de se vacinar. Já, durante a pandemia, indivíduos idosos, com plano de saúde e que apresentavam três ou mais doenças crônicas apresentaram maior prevalência de vacinação.
Tais achados reforçam a necessidade de prevenção primária por meio da vacinação contra influenza especialmente entre os idosos, cujo sistema imunológico pode estar comprometido devido à idade avançada e à maior ocorrência de doenças crônicas. A vacinação nesse grupo pode prevenir complicações e reduzir as taxas de mortalidade relacionadas à síndrome gripal. Entre os adultos, a vacinação pode auxiliar na redução da propagação do vírus e da ocorrência de manifestações graves da gripe.
Dentre as estratégias recomendáveis para aumentar a prevalência da vacinação contra influenza, pode-se incluir a intensificação das campanhas de conscientização sobre a importância da vacinação, a melhoria do acesso às vacinas em comunidades carentes e remotas, a implementação de programas de vacinação em locais de trabalho, e a oferta de incentivos para profissionais de saúde promoverem a vacinação ativamente. Tais medidas têm o potencial de diminuir significativamente as complicações e óbitos decorrentes da infecção viral e reduzir o ônus sobre o sistema de saúde.

Financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (FAPERGS).
Declaração de interesse: Nenhum.












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Fontanella, R. P., Schäfer, A.A, Dallazen, C., Eugênio, F. D., Meller, F.O. Prevalência de vacinação contra influenza antes e durante a pandemia de Covid-19 em um município do Sul do Brasil: estudos de base populacional. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/jun). [Citado em 22/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/prevalencia-de-vacinacao-contra-influenza-antes-e-durante-a-pandemia-de-covid19-em-um-municipio-do-sul-do-brasil-estudos-de-base-populacional/19278?id=19278&id=19278

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