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Artigos

0005/2024 - Recomendações para o fortalecimento da implementação da Política Nacional de Alimentação e Nutrição
Recommendations for strengthening the implementation of the National Food and Nutrition Policy

Autor:

• Gisele Ane Bortolini - Bortolini, G. A. - <gisele.bortolini@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7830-9134

Coautor(es):

• Camila Basso - Basso, C. - <camila.basso@usp.br>
ORCID: https://orcid.org/0009-0007-9569-0524

• Patrícia Constante Jaime - Jaime, P. C. - <constant@usp.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2291-8536



Resumo:

O presente estudo teve como objetivo elaborar recomendações para o fortalecimento da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), identificando possíveis inovações, ações e estratégias que possam ser feitas e/ou fomentadas em nível nacional para fortalecer sua implementação. Foi utilizada a metodologia qualitativa e a análise temática para explorar a opinião coletiva de um grupo de especialistas brasileiros, em alimentação e nutrição no setor saúde, sobre ações que poderiam ser realizadas em nível nacional para fortalecer a implementação da PNAN no país. Foram apresentadas 51 recomendações, agrupadas em 14 temas: financiamento, profissional nutricionista, formação, gestão, controle social, tecnologias, estrutura, sistemas de informação, avaliação e monitoramento, comunicação, conflito de interesse, agenda regulatória, agenda internacional e agenda intersetorial. Sendo que, a garantia de financiamento, a presença do profissional nutricionista e a formação foram temas que apareceram de forma transversal como orientação para fortalecimento da implementação de todas as diretrizes. As recomendações apresentadas neste estudo podem contribuir com a implementação da PNAN em nível local e para a melhoria das condições de saúde e nutrição da população brasileira.

Palavras-chave:

Política de Saúde, Política Pública, Programas de Nutrição, Política Nutricional, Segurança Alimentar

Abstract:

This study aimed to develop recommendations for strengthening the National Food and Nutrition Policy (PNAN), identifying possible innovations, actions and strategies that can be implemented and/or promoted at the national level to strengthen the implementation of the policy. Qualitative methodology and thematic analysis were used to explore the collective opinion of a group of Brazilian experts in food and nutrition in the health sector regarding actions that could be carried out at the national level to strengthen the implementation of PNAN in the country. 51 recommendations were presented, grouped into 14 themes: financing, professional nutritionist, training, management, social control, technologies, structure, information systems, evaluation and monitoring, communication, conflict of interest, regulatory agenda, international agenda and intersectoral agenda. The guarantee of funding, the presence of a professional nutritionist and training were themes that appeared across the board as guidance to strengthen the implementation of all PNAN guidelines. The recommendations presented in this study can contribute to the implementation of the PNAN at the local level and to the improvement of the health and nutrition conditions of the Brazilian population.

Keywords:

Health policy, public policy, Nutrition programs, Nutrition policy, Food security

Conteúdo:

Introdução:
No Brasil, a alimentação e a saúde são direitos sociais garantidos a todas (os) as (os) brasileiras (os) na constituição federal do país¹. No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a lei que o cria estabelece que compete à gestão federal a formulação, a avaliação e o apoio às políticas de alimentação e nutrição, cabendo às gestões estaduais coordenar em caráter complementar e executar ações e serviços de alimentação e nutrição e cabendo aos municípios a sua execução². Sendo a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), publicada em 1999 e atualizada em 2011, a definidora das diretrizes para organização das ações de alimentação e nutrição no SUS 3,4. A política tem como propósito as melhorias das condições de saúde e nutrição da população brasileira, sendo sua implementação no SUS a contribuição do setor saúde para a Segurança Alimentar e Nutricional.
Atualmente, em relação às condições atuais de saúde e nutrição da população brasileira, podemos destacar que o Brasil, apesar da redução na desnutrição no período pré-pandemia, ainda convive com as diferentes formas de má nutrição5,6. O excesso de peso é a condição mais prevalente, seguida das deficiências de anemia e hipovitaminose A em crianças, além da desnutrição, cujo baixo peso diminuiu e a baixa estatura se manteve nos mesmos patamares no período de 2006 a 2019. Apesar dos avanços na redução da anemia e hipovitaminose A em crianças, observou-se o reaparecimento de casos de Beribéri em população carcerária e indígena7,8.
Em relação ao consumo alimentar, determinante do estado nutricional no país, observamos que a base da alimentação dos brasileiros ainda é composta por alimentos in natura, minimamente processados e ingredientes culinários, porém, observa-se crescente aumento na disponibilidade familiar de alimentos ultraprocessados?. Importante destacar que já é conhecido que o consumo alimentar de uma população é influenciado pelos ambientes em que essas pessoas estão inseridas e pela disponibilidade de ações, estratégias e políticas estruturantes que impactam no acesso aos alimentos saudáveis, como renda, trabalho, educação e outros 10,11,12.
Até o presente momento, não foram identificados estudos de avaliação da implementação da PNAN publicados, que considerem todas as diretrizes no mesmo estudo, porém, estudos estão disponíveis e fazem a análise de diversas ações, estratégias e programas elaborados no contexto de uma ou mais diretrizes da política, apontando avanços e desafios 13,14,15,16,17,18,19. Recentemente, foi publicado um suplemento temático que permite reflexões de diversas ações da política e o artigo de debate aponta como principais avanços a descentralização de recursos para implementação da PNAN, a publicação dos Guias Alimentares, a vigilância alimentar e nutricional, o fomento à pesquisa e a construção coletiva das agendas regulatórias20.
No contexto de propor ações para ampliar e potencializar a implementação da política, a presente pesquisa teve como objetivo elaborar recomendações para o fortalecimento da PNAN, identificando possíveis inovações, ações e estratégias que possam ser feitas e/ou fomentadas em nível nacional.

Metodologia:
O presente estudo utilizou metodologia qualitativa, com uso de questionário que foi respondido por especialistas e a utilização da técnica de análise temática21 para propor as recomendações.
A seleção dos participantes da pesquisa, denominados especialistas, considerou os seguintes critérios: a experiência anterior ou atual em cargos na administração/gestão do SUS; ou pelo menos 10 anos de atuação na assistência, docência e pesquisa em Alimentação e Nutrição, com publicações relevantes na área; representantes da sociedade civil organizada, instituições de representação profissional e instâncias colegiadas com experiência e atuação na área por pelo menos 10 anos. Foram convidados 55 especialistas, por amostra de conveniência, sendo que responderam à pesquisa dentro do tempo previsto 49 especialistas.
Os especialistas foram convidados a responder um questionário aberto. O instrumento foi disponibilizado de forma on-line por meio da ferramenta google forms e os participantes foram direcionados a responder as perguntas sobre as diretrizes na área da sua experiência. A participação só era possível após concordância com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, onde os participantes eram identificados pelo nome e segmento de atuação/experiência dentro da PNAN. Não foi estabelecido limite de palavras para as respostas. O questionário permaneceu disponível aos participantes durante 40 dias, no período de dezembro de 2022 a janeiro de 2023.
Para a elaboração do questionário aberto, as diretrizes da PNAN foram utilizadas como referência, cujo conteúdo base de cada pergunta era: Quais estratégias, ações ou inovações você identifica que poderiam ser realizadas em âmbito federal para fortalecer a implementação da diretriz ? acrescida de cada uma das diretrizes.
O conjunto de respostas individuais a cada pergunta do questionário aberto foi exportado para o Excel. As respostas foram analisadas pela pesquisadora e revisadas por uma auxiliar de pesquisa utilizando a técnica de análise temática de Rosa & Mackedanz²¹ valendo-se das seis etapas a seguir: Familiarização com os dados, geração dos códigos iniciais, busca por temas, revisão dos temas, definição e denominação dos temas e produção das recomendações. Utilizando as etapas de Rosa & Mackedanz ²¹, o presente estudo incluiu:
Na primeira etapa, denominada familiarização com os dados, a leitura repetida dos dados coletados a procura por significados e padrões pela pesquisadora principal e pela auxiliar de pesquisa. A segunda etapa, denominada geração dos códigos iniciais, envolveu a produção de códigos iniciais a partir dos dados, em nível semântico e análise indutiva. Os dados foram codificados em 243 unidades. A terceira etapa, denominada busca por temas, iniciou após a codificação de todos os dados coletados e envolveu a triagem dos diferentes códigos em temas potenciais, em que alguns códigos foram agrupados ou passaram a formar temas principais ou subtemas ou descartados, quando não se relacionavam com a pergunta da pesquisa. A quarta etapa, denominada revisão dos temas, envolveu a revisão dos dados e o refinamento dos temas. A quinta etapa, denominada definição e denominação dos temas, iniciou quando foi observado que já havia um mapa temático satisfatório dos dados, com denominação dos temas, sendo as categorias temáticas nomeadas de forma a facilitar o entendimento do leitor. A sexta e última etapa, denominada produção do relatório, iniciou após o conjunto de dados terem sido totalmente explorados e resultou na apresentação da análise final de 51 recomendações em 14 categorias temáticas.
O projeto foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.
Resultados:
Participaram do estudo 49 especialistas, sendo que cada diretriz recebeu sugestões sobre estratégias, inovações e ações de pelo menos 5 especialistas. Entre os participantes, 11,5% eram profissionais do SUS, 15,4% gestores do SUS e 55,8% eram professor e/ou pesquisadores, sendo que 69,2% apresentaram 11 anos ou mais de experiência, 21,2% apresentaram entre 6 e 10 anos de experiência e 9,6% apresentaram entre 2 a 5 anos de experiência. A titulação predominante entre os especialistas foi doutor (tabela 1).
A partir das sugestões dos especialistas sobre possíveis inovações, ações e estratégias que poderiam ser feitas e/ou fomentadas em nível nacional para fortalecer a implementação da PNAN, utilizando análise temática, chegou-se a 14 temas e 51 recomendações. As recomendações, apresentadas na tabela 2, foram apresentadas de acordo com as unidades temáticas a saber: financiamento, profissional nutricionista, formação, gestão, controle social, tecnologias, estrutura, sistemas de informação, avaliação e monitoramento, comunicação, conflito de interesse, agenda regulatória, agenda internacional e agenda intersetorial.
A garantia de financiamento, a presença do profissional nutricionista e a formação foram temas que apareceram de forma transversal como orientação para fortalecimento da implementação de todas as diretrizes da PNAN. Uma série de recomendações foram apresentadas para fortalecer a gestão da política, com processos que visam o fortalecimento da atuação da rede de alimentação e nutrição do SUS, que inclui gestores e profissionais nas esferas estaduais e municipais, a definição de competências, habilidades e atitudes necessárias para a gestão da PNAN, apoio à elaboração de políticas estaduais e a cooperação horizontal. As instâncias de participação e controle social precisam ser fortalecidas, com mobilização para participação e debate sobre a agenda de alimentação e nutrição.
Foi identificado que a gestão federal precisa disponibilizar e fomentar a utilização de instrumentos, protocolos, diretrizes, linhas de cuidados, guias e manuais para organização da atenção nutricional, vigilância alimentar e nutricional e promoção da alimentação adequada e saudável no âmbito do SUS. Na temática de informação e comunicação, são destacadas recomendações sobre fortalecimento da comunicação entre os gestores e profissionais do sistema, com a população, com pesquisadores e entre eles e estratégias para difusão das mensagens dos Guias Alimentares.
Garantia da realização de inquéritos nacionais, fomento a estudos que identifiquem estratégias efetivas, a avaliação da implementação de ações, políticas, programas, a formação de redes e a disseminação dos resultados aparecem como recomendações. Além disso, a definição de indicadores a serem monitorados, o fortalecimento do sistema nacional de vigilância alimentar e nutricional (SISVAN), com qualificação dos sistemas, dos dados e uso dos dados, bem como a garantia da estrutura física para realização da Vigilância alimentar e Nutricional (VAN) foram destacadas.
A articulação intersetorial inclui a previsão da pactuação de uma agenda com diferentes atores para políticas públicas estruturantes e sinérgicas com foco nos principais agravos nutricionais e a indução do uso dos guias alimentares como norteadores de todas as políticas públicas de segurança alimentar e nutricional. Já a agenda internacional pode fortalecer e qualificar a PNAN no país.
Por fim, cabe a definição de protocolo para manejo de conflitos de interesse em alimentação e nutrição na saúde.

Discussão:
Este estudo aponta recomendações para o fortalecimento da implementação da PNAN por meio de inovações, ações e estratégias que podem ser lideradas pela gestão federal da política, de forma a contribuir com as atribuições previstas no artigo 16 da Lei Orgânica da Saúde ². No SUS, municípios e estados são autônomos, porém a gestão federal do sistema possui um papel importante na indução da agenda em nível local, sendo que o texto da política define uma série de responsabilidades para a gestão federal, estados e municípios, apontando diretrizes de atuação 4.
Como pilar estruturante, a garantia de financiamento para a agenda de alimentação e nutrição no SUS, em novos modelos e integrados aos modelos de financiamento da Atenção Básica (AB), que incorporem avaliação de desempenho e indicadores sociais e de equidade, aparece como uma recomendação que perpassa todas as diretrizes da PNAN e precisa ser garantido pela gestão federal. O ato normativo que a institui, define que é de responsabilidade do Ministério da Saúde (MS) garantir fontes de recursos federais para compor o orçamento da agenda de alimentação e nutrição em nível estadual, distrital e municipal. A descentralização crescente de recursos financeiros para implementação da PNAN em nível local foi destacada como um importante avanço em estudo que debate os 20 anos da política, além de ser evidenciado maiores percentuais de execução do orçamento disponível para a gestão federal da política nos anos mais recentes, mostrando um amadurecimento da gestão da política em nível federal²? .
O principal financiamento da política, criado em 2006, repassou recursos para estados, distrito federal e municípios maiores de 150 mil habitantes até 2016, sendo ampliado para municípios acima de 30 mil habitantes em 2017, totalizando 1320 municípios 20,22. Em 2021, o financiamento passou a incluir o monitoramento de indicadores relacionados à agenda de alimentação e nutrição na AB. Já em 2022, uma proposta de ampliação do financiamento para todos municípios, como componente estratégico do principal financiamento da AB, vinculado a critérios de desempenho e equidade, além da presença do profissional nutricionista, foi aprovado em grupo de trabalho de Atenção Básica, da Comissão Intergestores Tripartite (CIT), porém não implementada até o presente momento 22.
Nos últimos 20 anos, uma série de incentivos foram criados, focalizando municípios de acordo com prioridades definidas, porém poucas avaliações estão disponíveis 20. Em 2013, foi priorizada a agenda de intensificação da Atenção Nutricional à Desnutrição Infantil, repassando recurso para 212 municípios com menos de 150 mil habitantes e com recursos atrelados ao cumprimento de três metas. Avaliação mostrou que melhores desempenhos municipais foram atrelados ao município ter utilizado o recurso financeiro e possuir maior cobertura de AB e maior cobertura da VAN 23.
No âmbito da emergência em saúde pública de covid, ação realizada em 2021 e 2022, repassou recursos para todos os municípios na soma de 221 milhões, definindo indicadores de resultados, vinculando o repasse de recursos ao fortalecimento da agenda de prevenção e controle da obesidade na AB, cujo análise da sua implementação mostrou incremento de 74,8% na realização de ações, considerando o indicador de condição avaliada obesidade 24. Também foi identificado registro de aprovação no grupo de trabalho da CIT, em 2022, da inclusão de indicador de alimentação e nutrição no principal financiamento da AB, também não implementada até o momento 25. Outra avaliação, no âmbito da agenda de alimentação e nutrição, mostrou que o repasse de recursos incrementais, por meio do programa Crescer Saudável, vinculados a indicadores de desempenho de alimentação e nutrição resultou em incremento maior na realização de ações em nível local quando comparada aos municípios que não receberam tal incremento no âmbito do Programa Saúde na Escola 26 . Os poucos estudos que avaliaram o papel de financiamento para agenda de alimentação e nutrição no SUS, mostraram que a inclusão de indicadores da agenda de alimentação e nutrição com financiamento apresentam a capacidade de indução e incremento na realização de ações em nível local.
Pinto ²?, ao analisar as ações da Política Nacional para a Atenção Básica expressas no orçamento federal no período de 1996 até 2017, anterior à mudança no financiamento para apenas dois blocos, mostrou que o modo de repassar os recursos é parte central da estratégia dessa política, ao mesmo tempo que reproduz o modelo centralizado do federalismo brasileiro e entra em contradição com o princípio descentralização do SUS. De acordo com Mendes et al ²?, a portaria que definiu os dois blocos de financiamento em 2017, na tentativa de responder à extrema fragmentação dos recursos repassados aos municípios, que impactava negativamente na gestão em nível local, não promoveu mudanças no sentido de que o critério a ser usado devesse ser as necessidades de saúde, pois tratou-se apenas de agregar os blocos para facilitar a gestão local dos recursos repassados pelo MS, que avançou no sentido dos gestores fazerem remanejamentos, no entanto, no seu interior ainda são reforçadas as fragmentações e blocos. O autor defende que as novas modalidades de transferências federais, de acordo com portaria que criou os dois blocos, estejam associadas aos três eixos previstos em lei²?, a saber: necessidades de saúde medidas pela situação demográfica, socioeconômica, geográfica e epidemiológica, capacidade de oferta e produção de ações e serviços de saúde e desempenho técnico e financeiro anual das ações e serviços de saúde. Dessa forma, a política local de saúde seria fortalecida em relação às necessidades de saúde da população. Cabe destacar que o financiamento das ações da PNAN, até 2017, eram repassados em blocos separados, porém, desde a mudança, os recursos são repassados para um dos dois blocos e as propostas mais recentes aprovadas no grupo de trabalho da CIT, propunham incremento do financiamento da PNAN no contexto do financiamento macro da AB e não de forma isolada.
Os incentivos financeiros repassados às gestões estaduais e municipais de alimentação e nutrição têm apoiado a organização da agenda em nível local, apesar das dificuldades locais de operacionalização dos recursos financeiros em função de obstáculos administrativos, burocráticos e de gestão 20. A baixa capacidade das gestões municipais são recorrentes e registradas em diversas áreas, não apenas para a agenda de alimentação e nutrição ou saúde, sendo um desafio do federalismo brasileiro. Os municípios apresentam baixa capacidade técnica e de gestão, com recursos humanos e financeiros limitados, por isso, estratégias de apoio precisam ser disponibilizadas para aumentar a capacidade local de operacionalização e implementação de todas as políticas públicas 30.
A presença do profissional nutricionista, seja na gestão, nas equipes da saúde ou nas equipes multiprofissionais também apareceu como uma recomendação transversal e importante para a implementação de todas as diretrizes. Sobre esse ponto, existe divergência de opiniões, algumas correntes apontando como obrigatória e outras como não obrigatória a presença do profissional, no entanto, nesse estudo, a presença do profissional aparece como estratégica e fundamental para a agenda. Recentemente, as equipes multiprofissionais voltaram a ser priorizadas, com a possibilidade, não obrigatória, de inclusão do profissional nutricionista nas equipes que apoiam de 1 a 12 equipes de saúde, dependendo da modalidade 31. Cada equipe é responsável por 2000 a 3500 pessoas, sendo fundamental a realização de estudos de avaliação da capacidade de resposta do atual modelo frente ao cenário de que 7 em cada 10 adultos que entram numa Unidade Básica de Saúde apresentam má nutrição 32.
Estudo realizado por Orué 33 no estado do Mato Grosso do Sul, com os municípios locais, mostrou que ter nutricionista na equipe de gestores traz efeitos positivos, com maior participação em processos decisórios, com inclusão de ações e metas de alimentação e nutrição nos planos municipais de saúde. Outro estudo realizado em serviços de atenção primária, com e sem nutricionistas, mostrou que a presença do nutricionista foi estratégica, favorecendo a elaboração de projetos terapêuticos singulares, agendamento de consultas por critério de vulnerabilidade e acompanhamento de grupos, planejamento, divulgação e avaliação de ações coletivas, assim como o uso do Guia Alimentar para População Brasileira e publicações disponibilizadas para o MS para agenda de alimentação e nutrição 34.
Outro tema importante que apareceu com destaque foi a agenda de formação e a necessidade do nível federal intensificar parcerias para ampliar processos de formação em nível técnico, de graduação, de pós-graduação e de residência profissional, além de processos de educação permanente de gestores e de todas as categorias profissionais do SUS e SAN. Carvalho, 2021 35 sinaliza que a formação para organização da atenção nutricional é tão importante quanto a formação para a gestão de políticas de alimentação e nutrição, sendo que todo e qualquer processo de educação permanente não deve deixar de prescindir da tecnologia informacional, em função no tamanho do SUS e da necessidade de ganhar escala.
A avaliação de curso de promoção da alimentação saudável, no âmbito da PNAN, mostrou que a maioria dos participantes afirmou que a oferta auxiliou a prática profissional, que as estratégias apresentadas foram pertinentes à rotina de trabalho na APS e que mais da metade realizou ações de promoção da alimentação saudável no cotidiano de trabalho. A falta de tempo e a falta de estrutura adequada foram os principais motivos relatados pelos participantes que não concluíram o curso, com destaque para o desafio de definir estratégias para aumentar a taxa de conclusão dos cursos36. Outro estudo, realizado em 45 municípios paraibanos mostrou que profissionais que passaram por processos formativos favorecem a realização de ações de alimentação e nutrição com foco em crianças, porém as ações foram classificadas como desempenho intermediário e precisam ser fortalecidas. A formação de profissionais da APS para a agenda mostrou que o uso Guia alimentar aumentou durante as práticas dos profissionais não nutricionistas e em atividades não relacionadas à nutrição 37.
O investimento em processos de formação segue sendo evidenciado como uma estratégia que precisa de investimentos, capilaridade e envolvimento de todos profissionais do sistema de saúde, bem como a formação de redes com universidades e parceiros. Estudo que avaliou a atenção nutricional ofertada para pessoas idosas, realizada em 28 unidades de saúde, com presença de nutricionista em nove delas, mostrou que as ações de atenção nutricional orientavam-se pelo paradigma biomédico, eram fragmentadas, restritas ao manejo de doenças, imputado ao indivíduo a responsabilidade pelo próprio cuidado evidenciando a necessidade do investimento em processos formativos para o alcance da integralidade 38. Para o excesso de peso, agravo relacionado à alimentação mais prevalente em adultos, estudo realizado com 1320 profissionais brasileiros, identificou como barreiras para oferta do cuidado integral: alta demanda por atendimento curativo e individual, presença de comorbidades, ausência ou acesso insuficiente a materiais instrucionais, qualificação profissional e falta de apoio39. Também já havia sido identificado em estudo realizado com profissionais da atenção primária que uma das barreiras foi a falta de conhecimento de estratégias e ações para o cuidado integral às pessoas com obesidade 40. No período de 2020 a 2022, 160 mil profissionais realizaram um dos cursos de alimentação e nutrição disponíveis na universidade aberta do SUS, UNASUS, no entanto, a demanda por formação segue sendo uma das ações sinalizadas como necessárias pelos gestores locais, quando o tema é o cuidado das pessoas com obesidade 24.
A implementação da PNAN pressupõe o fortalecimento dos mecanismos de apoio institucional para a gestão da política em nível estadual e municipal, respeitando o pacto federativo. Foram identificados como temas que as gestões estaduais necessitam apoio: planejamento das ações, utilização dos recursos financeiros, articulação intersetorial e participação e atuação junto ao controle social 25, ou seja, existe uma demanda por apoio na gestão das ações e necessidade de saber operacionalizar a máquina pública, condição necessária para gestão de todas as políticas públicas. A gestão em nível local é um desafio, em função da não institucionalização das áreas técnicas, da baixa disponibilidade de equipe qualificada para implementar e monitorar as ações e da descontinuidade de ações em função da mudança de gestores. Estratégias para descentralização mais ampliada, como a elaboração de políticas estaduais e municipais, já foram sinalizadas como importantes estratégias para fortalecimento da gestão e priorização da agenda em nível local 41. A implementação de políticas sociais, que se dá em municípios com baixa capacidade de gestão, acontecerá com a priorização e ampliação de mecanismos de apoio e processos que facilitem as ações em nível local, além de incentivos financeiros adequados 30.
O fortalecimento de instâncias de controle social da agenda de alimentação e nutrição, como a comissão intersetorial de alimentação e nutrição, no conselho nacional de saúde e o fomento à institucionalização de tais comissões em estados e municípios e o diálogo sobre alimentação e nutrição em outras comissões se faz necessária para o fortalecimento da PNAN. Já foi registrada que a experiência de inscrição em curso de liderança, em alimentação e nutrição, condicionada à participação de um gestor e um representante do conselho de saúde, encontrou dificuldade de identificar conselheiros interessados e/ou envolvidos com a agenda, mostrando também a necessidade da agenda ser fortalecida nesses espaços 22. Com planejamento ascendente a atuação dos conselhos municipais e estaduais de saúde impacta diretamente nas recomendações que são debatidas nas conferências nacionais de saúde e por consequência na priorização das ações a serem recomendadas ao MS, pelo conselho nacional. A atuação dos conselhos também é evidenciada como importante para o acompanhamento e monitoramento das ações de alimentação e nutrição em nível local 39.
Em relação à pesquisa, foi identificado que nos 20 anos da PNAN o monitoramento e a avaliação focaram-se na situação alimentar e nutricional, identificado como insuficientes os mecanismos de avaliação para retroalimentar a política 20. A trajetória da PNAN é marcada pela priorização do fomento a estudos que apoiaram e apoiam a formulação e avaliação das ações e programas. Nesse estudo é reforçado o papel do MS no financiamento de grandes inquéritos, avaliação de estratégias efetivas, avaliação de ações em curso e fortalecimento de uma rede de pesquisa em alimentação e nutrição. O fortalecimento da relação entre pesquisadores e gestores contribui para o direcionamento das prioridades de pesquisa já documentadas e a ampliação da utilização das informações para aprimoramento das ações e programas. Configura-se ainda um desafio e recomendação deste estudo a ampliação da disseminação da informação tanto em relação ao estado nutricional e consumo alimentar da população avaliados na atenção básica, como os resultados das pesquisas que podem contribuir com a gestão dessas.
Em relação à VAN, são recomendações a garantia de estrutura física e equipamentos para realizar as ações, como a informatização das unidades básicas. Além do aprimoramento do sistemas de informação, a integração de sistemas e a disponibilização das informações de forma fácil para a tomada de decisão dos profissionais e gestores. Segundo Barbosa, et al, 2020 42, já foi demonstrado que a cobertura de avaliação do estado nutricional e do consumo alimentar vem aumentando ao longo dos anos, chegando a 32,2 milhões de brasileiros com estado nutricional avaliado em 2019, 23,7 milhões em 2020, ano da pandemia e, 47 milhões de brasileiros com estado nutricional avaliado em 2022 25. O aumento na descentralização de recursos financeiros, disponibilização de materiais e processos formativos, além de apoio institucional intensificado nos últimos anos podem ter influenciado tais resultados. Além do desafio de garantir à população a atenção nutricional, sendo a VAN um indicador de acesso na AB, já foi registrado que a maior parte dos municípios ainda não utiliza as informações do SISVAN para o planejamento, gestão e avaliação das informações, sendo o grande foco a coleta das informações 20.
Importante também destacar a recomendação da importância da gestão federal disponibilizar e fomentar a utilização de instrumentos, protocolos, diretrizes, linhas de cuidados, guias e manuais para organização da atenção nutricional, vigilância alimentar e nutricional e promoção da alimentação adequada e saudável no âmbito do SUS. Os Guias alimentares, são destacados como avanços não apenas no âmbito da saúde, mas também nos demais setores como uma estratégia potente para redução do consumo de ultraprocessados e a indução de políticas públicas da produção ao consumo 22.
A PNAN é uma política setorial, cujo papel no SUS ficou mais claro na sua segunda edição, que ao ter suas diretrizes implementadas no SUS, contribuirá com a segurança alimentar e nutricional da população. Como resultado deste estudo, uma série de recomendações foram feitas para que o setor saúde articule uma série de políticas, programas e ações com diversos setores de forma a incidir em determinantes sociais da saúde e apoiar a população brasileira na adesão às recomendações dos Guias Alimentares ao induzir políticas direcionadas para superação dos obstáculos para uma alimentação saudável. As recomendações deste estudo também sinalizam que a agenda internacional é vista não só como uma vitrine para o Brasil no exterior, mas também como uma estratégia potente para fortalecimento da política internamente.
Por fim, não menos importante, é a recomendação da necessidade, urgente, da definição e adoção de instrumentos para identificação e manejo de conflito de interesse no âmbito da política em nível federal, estadual e municipal. A Organização Pan-Americana de Saúde Pública disponibilizou ferramentas para que os Estados membros possam identificar, prevenir e gerenciar conflitos de interesse em programas de alimentação e nutrição, que podem ser incorporados em nível de Brasil 43. A adoção de mecanismos de manejo de conflito de interesse pode evitar interesses comerciais na definição de políticas públicas 44. Como limitações deste estudo, sinaliza-se a composição da amostra, uma vez que o estudo usou amostra por conveniência.

Considerações finais:
A implementação da PNAN em nível local pode ser fortalecida com a priorização da atuação da gestão federal na criação de mecanismos de gestão que foquem nas recomendações apresentadas nesse estudo. As recomendações incluem a garantia de incentivos financeiros para a implementação da política em nível local, em novos arranjos, que incluem critérios sociais e de equidade, indicadores de desempenho e a presença do profissional nutricionista. A manutenção e ampliação de processos de formação dos profissionais do SUS e SAN também aparecem como recomendação transversal a todas as diretrizes. Estratégias de apoio à implementação precisam ser ampliadas e priorizadas, com fortalecimento da rede de alimentação e nutrição do SUS e do controle social. O fomento à produção das evidências de avaliação e monitoramento precisam seguir sendo prioridade, com ampliação do escopo e da utilização das informações para retroalimentar a política. Os guias alimentares precisam ter seu uso fomentado nas ações de comunicação e induzir políticas em todos os setores para superação dos obstáculos da população no acesso à alimentação saudável. A manutenção do protagonismo internacional e implementação de protocolos para manejo de conflitos de interesse em ações e programas da política também fortalecerão a implementação da política.

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Bortolini, G. A., Basso, C., Jaime, P. C.. Recomendações para o fortalecimento da implementação da Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/jan). [Citado em 22/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/recomendacoes-para-o-fortalecimento-da-implementacao-da-politica-nacional-de-alimentacao-e-nutricao/19053?id=19053&id=19053

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