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0393/2023 - Tendências temporais na incidência de câncer no estado de Mato Grosso de 2001 a 2016
Time trends in the incidence of cancer in the state of Mato Grosso2001 to 2016

Autor:

• Viviane Cardozo Modesto - Modesto, V. C. - <vivis.cardozo@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8643-0252

Coautor(es):

• Noemi Dreyer Galvão - Galvão, N. D. - <noemidreyer@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8337-0669

• Rita Adriana Gomes de Souza - de Souza, R. A. G. - <ritadriana@ibest.com.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0831-9302

• Mário Ribeiro Alves - Alves, M. R. - <malvesgeo@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8663-3364

• Maria Teresa Bustamante-Teixeira - Bustamante-Teixeira, M. T. - <teitabt@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0727-4170

• Amanda Cristina de Souza Andrade - Andrade, A. C. S. - <csouza.amanda@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3366-4423



Resumo:

O objetivo do estudo foi analisar a tendência temporal na incidência de câncer nas macrorregiões de saúde do estado de Mato Grosso de 2001 a 2016. Estudo ecológico de série temporal com dados do Registro de Câncer de Base Populacional de Mato Grosso. Foram calculadas as taxas de incidência padronizadas por idade desagregadas por ano, sexo, macrorregião e tipo de câncer. Para homens, a tendência foi crescente para o câncer de próstata para o estado e as macrorregiões Centro Noroeste, Leste, Oeste e Sul, e para o câncer colorretal na Norte; e decrescente para o câncer de estômago no estado e Centro Noroeste e Norte, para o câncer de pulmão na Leste, e para o câncer de esôfago na Centro Noroeste. Para mulheres, a tendência foi crescente para o câncer de mama no estado de 2009 a 2016; para o câncer de pulmão no estado (2008 a 2016) e na macrorregião Centro Norte (2001 a 216) e Sul (2007 a 2016); e decrescente para o câncer de colo do útero no estado e para todas as macrorregiões, e para o câncer de estômago no estado e na Centro Noroeste. O câncer colorretal apresentou tendência estável para o estado e todas as macrorregiões. As ações de vigilância, prevenção e controle do câncer no estado devem considerar as diferenças regionais e de magnitude na ocorrência da doença.

Palavras-chave:

Neoplasias; Incidência; Estudos de Séries Temporais; Sistemas de Informação

Abstract:

The objective of the study was to analyze the temporal trend in the incidence of cancer in the health macro-regions of the state of Mato Grosso2001 to 2016. An ecological time series study with datathe Mato Grosso Population-Based Cancer Registry. Age-standardized incidence rates were calculated, disaggregated by year, sex, macro-region and type of cancer. For men, the trend was growing for prostate cancer in the state and the Centro Noroeste, Leste, Oeste and Sul macro-regions, and for colorectal cancer in the Norte; and descending for stomach cancer in the state and Centro Noroeste and Norte, for lung cancer in the Leste, and for esophageal cancer in the Centro Noroeste. For women, the trend was increasing for breast cancer in the state2009 to 2016; for lung cancer in the state (2008 to 2016) and in the Centro Norte (2001 to 216) and Sul (2007 to 2016) macro-regions; and decreasing for cervical cancer in the state and for all macro-regions, and for stomach cancer in the state and in the Centro Noroeste. Colorectal cancer showed a stable trend for the state and all macro-regions. Surveillance, prevention and cancer control actions in the state should consider regional and magnitude differences in the occurrence of the disease.

Keywords:

Neoplasms; Incidence; Time Series Studies; Information systems

Conteúdo:

INTRODUÇÃO

O câncer é um importante problema de saúde pública em todo o mundo, devido à alta morbimortalidade e alto custo do tratamento, e apresenta tendência de aumento nas taxas de incidência nas últimas décadas. Esse crescimento pode ser explicado em parte pelo envelhecimento, pelo crescimento populacional, e, também, pela mudança na distribuição dos fatores de risco de câncer, especialmente os fatores modificáveis, como consumo de tabaco e álcool, inatividade física, sobrepeso e obesidade, alimentação inadequada, além das condições sociais, ambientais, políticas e econômicas1,2.
No mundo, em homens, o câncer mais incidente em países em desenvolvimento foi o câncer de próstata (11,3 por 100 mil/homens), seguido do câncer de pulmão (10,3 por 100 mil/homens), e para mulheres foi o câncer de mama (55,9 por 100 mil/mulheres), seguido do câncer colorretal (20,0 por 100 mil/mulheres)3. No Brasil (2023-2025), o câncer de próstata (55,49 por 100 mil/ homens), pulmão (12,43 por 100 mil/homens) e colorretal (12,43 por 100 mil/ homens) foram os mais incidentes entre homens, e para as mulheres o câncer de mama (41,89 por 100 mil/mulheres), colo de útero (13,25 por 100 mil/mulheres) e colorretal (11,06 por 100 mil/mulheres), excluindo os cânceres de pele não melanoma. Em Mato Grosso, entre homens, os tipos de câncer mais incidentes foram o câncer de próstata, colorretal e pulmão, e para mulheres o câncer de mama, colorretal e colo do útero4. No entanto, não há informações sobre a incidência dos vários tipos de câncer, no estado, desagregadas por região geográfica.
Análises desagregadas em unidades geográficas menores permitem investigar melhor as relações e interações entre a incidência de câncer e as mudanças das dimensões socioeconômicas, demográficas e da disponibilidade dos serviços de saúde. Além de contribuir para a identificação de prioridades no controle da doença, com o subsídio para o planeamento e gestão de serviços de saúde5.
Para a compreensão da magnitude do câncer os Registros de Câncer de Base Populacional (RCBP) têm sido uma importante fonte de dados secundária sobre todos os novos diagnósticos de câncer que ocorrem em populações dentro de uma área geográfica definida6. No Estado de Mato Grosso, os RCBP Cuiabá e Interior, apesar de sua complexidade operacional, permitem determinar, anualmente, a incidência e a distribuição do câncer no Estado, e em unidades geográficas menores, como macrorregiões de saúde, regiões de saúde e municípios7.
O estado de Mato Grosso é caracterizado por áreas geográficas heterogêneos e com desigualdades regionais8, além de transformações socioeconômicas e ambientais, que pode interferir nos processos de carcinogênese, ao combinar diferentes fatores de risco. A economia do estado baseia-se na produção de commodities agrícolas (soja, algodão, cana-de-açúcar e milho) por meio do modelo produtivo do agronegócio9, o que o torna o maior consumidor de agrotóxicos do Brasil nos últimos anos10. Nesse sentido, o objetivo do estudo foi analisar a tendência temporal na incidência de câncer nas macrorregiões de saúde do estado de Mato Grosso de 2001 a 2016.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo ecológico de série temporal dos cinco tipos de câncer mais incidentes por sexo, excluindo câncer de pele não melanoma, nas macrorregiões de saúde do estado de Mato Grosso, no período de 2001 a 2016.
O estado de Mato Grosso está localizado na Região Centro-Oeste do Brasil é composto por 141 municípios agregados em 6 macrorregiões de saúde (Centro Norte, Centro Noroeste, Leste, Norte, Oeste e Sul)11. A capital do Estado, Cuiabá, pertence à macrorregião Centro Norte, assim como Várzea Grande, que é o segundo município de maior população12.
As macrorregiões de saúde são marcadas por diferenças demográficas, socioeconômicas e de saúde, que refletem o perfil das regiões de saúde que as integram8,13. Os serviços de atenção especializada em oncologia se distribuem em cinco macrorregiões assistenciais, e sua oferta concentra-se na capital14. Na Tabela 1 são apresentadas as características das macrorregiões de saúde: a) população residente e 60 anos ou mais (2021); b) renda média domiciliar per capita (IBGE, 2010); c) taxa de analfabetismo (IBGE, 2010); d) percentual da população com 2º ciclo fundamental completo ou mais (IBGE, 2010); e) produto interno bruto per capita (PIB per capita) (IBGE, 2010); f) cobertura de equipes da atenção básica (2015); g) procedimentos ambulatoriais de média e alta complexidade por 100 habitantes (2015). As informações foram obtidas do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS)12,15.
Os dados dos casos novos de câncer foram obtidos através do RCBP-Interior e RCBP-Cuiabá. O período escolhido para o estudo foi definido com base nas informações atualizadas do Projeto de Extensão “Vigilância de Câncer e seus fatores associados: atualização dos registros de base populacional e hospitalar”. A população censitária de 2010 e as estimativas populacionais intercensitárias utilizadas como denominadores para os cálculos das taxas de incidência foram extraídas do Tabnet – DATASUS12.
Foram selecionados os cinco tipos de câncer mais incidentes, conforme a distribuição dos dados no Estado, excluindo câncer de pele não melanoma, segundo sexo e considerando a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10): (C61) próstata; (C33-C34) pulmão; (C18-C19-C20-C21) colorretal; (C16) estômago; e (C15) esôfago, para o sexo masculino e (C53) colo do útero; (50) mama; (C18-C19-C20-C21) colorretal; (C33-C34) pulmão; e (C16) estômago, para o sexo feminino. Foram excluídos todos os casos de neoplasia benignas, de comportamento incerto ou desconhecido (D00-D48).
Foram calculadas as taxas de incidência padronizadas por idade, por 100 mil habitantes, com base na população padrão mundial proposta por Segi16. Foi utilizado o método direto e estimadas a partir das taxas específicas por idade em intervalos de 10 anos, desagregadas por ano, sexo, macrorregião e câncer.
Para a análise de tendência da incidência foi utilizada a regressão por Joinpoint usando o ano calendário como variável regressora. A regressão de Joinpoint descreve a relação entre duas variáveis por meio de regressão linear por partes, onde as mudanças de padrão são conectadas por pontos de inflexão17. A autocorrelação serial foi verificada pelo teste de Durbin-Watson. A suposição de normalidade foi verificada pelo teste de Shapiro-Wilk e de homoscedasticidade pelo teste de Breusch-Pagan. A escolha do modelo de análise foi realizada a partir da verificação das suposições do modelo. Foram calculadas a variação percentual anual (APC - Annual Percent Change) e Variação Percentual Média Anual (AAPC - Average Annual Percent Change) - média geométrica ponderada das diferentes APC com peso igual ao tamanho do segmento para cada intervalo de tempo17. APC positiva significa tendência crescente, APC negativa significa tendência decrescente, e p-valor>0,05 significa tendência estável. Foi utilizado o software Joinpoint Regression Program, versão 8.3.6.1 (Statistical Research and Applications Branch, National Cancer Institute, Bethesda, Estados Unidos) para a análise de tendência e o software STATA, versão 16.0 para a análise descritiva e os gráficos.
O referido projeto está inserido em um projeto maior com o título “Câncer e Seus Fatores Associados: Análises de Registro de Base Populacional e Hospitalar de Mato Grosso”, encaminhado ao Comitê de Ética e Pesquisa de Saúde da UFMT com parecer de aprovação número 4.858.521, de 20/07/2021. O projeto possui parceria e financiamento do Ministério Público do Trabalho, 23ª Região, com vigência de julho de 2019 a julho de 2023.

RESULTADOS

No período de 2001 a 2016, o estado de Mato Grosso notificou 74.756 novos casos de câncer (incluindo câncer de pele não melanoma), 53,0% no sexo masculino. Os mais frequentes para homens foram, próstata (22,8%), pulmão (6,7%), estômago (5,5%), colorretal (5,0%) e esôfago (3,2%). Em mulheres foram mama (19,6%), colo do útero (13,2%), colorretal (5,6%), pulmão (4,0%) e estômago (3,0%).
A taxa de incidência entre homens aumentou para próstata (37,8 em 2001 para 44,9/100 mil homens em 2016) e colorretal (9,4 para 10,5/100 mil homens) e reduziu para pulmão (14,8 para 11,1/100 mil homens), estômago (14,0 para 8,9/100 mil homens) e esôfago (6,9 para 5,3/100 mil homens) (Figura 1). Em mulheres, a taxa aumentou para mama (31,1 para 39,4/100 mil mulheres) e colorretal (9,6 para 10,9/100 mil mulheres) e uma pequena redução para colo do útero (33,5 para 17,7/100 mil mulheres), pulmão (7,9 para 7,8/100 mil mulheres) e estômago (6,3 para 5,1/100 mil mulheres) (Figura 2).
A Tabela 2 apresenta as variações percentuais anuais das taxas de incidência para homens. Para o câncer de próstata foi observado aumento de 7,1% no período de 2001 a 2016 na macrorregião Leste, 5,9% na Oeste, 4,7% na Sul, 4,5% na Centro Noroeste e no estado de 1,7%. Para o câncer de pulmão houve redução de 3,5% da taxa de incidência na macrorregião Leste no período de 2001 a 2016 e de 4,1% no estado para o mesmo período. Para o câncer colorretal houve aumento de 4,3% na taxa de incidência na macrorregião Norte. Para o câncer de estômago no período de 2001 a 2016 foi observada redução de 2,7% na macrorregião Centro Noroeste, de 4,5% na Norte e de 3,3% no estado, enquanto que para a macrorregião Leste a redução foi observada redução no período de 2001 a 2009 (APC= -13,1%) e a Oeste nos períodos de 2001 a 2008 (APC= -9,6%) e 2011 a 2016 (APC= -8,7%). Para o câncer de esôfago a redução foi verificada somente para a macrorregião Centro Noroeste (AAPC = -4,5%).
A Tabela 3 apresenta as variações percentuais anuais das taxas de incidência para mulheres. Para o câncer de mama foi observada redução de 3,0% no período de 2001 a 2009 na macrorregião Centro-Norte e aumento de 6,8% no período de 2009 a 2016 para o estado. Para o câncer de colo do útero, no período de 2012 a 2016, a tendência foi decrescente para o estado (AAPC=-6,0%) e em quase todas as macrorregiões, Centro Noroeste (AAPC=-5,7%), Leste (AAPC=-7,6), Norte (AAPC= -7,0%), Oeste (AAPC=-5,2%), Sul (AAPC=-4,9%). A macrorregião Centro Norte apresentou tendência decrescente somente no período de 2003 a 2010 (APC=-11,2). Para o câncer de pulmão, a macrorregião Centro Norte apresentou tendência crescente (AAPC = 2,6%) e a Sul apresenta uma quebra na série, com tendência decrescente no período de 2001 a 2007 (APC=-8,4%) e crescente no período de 2007 a 2016 (APC=7,9%), e para o estado a tendência foi decrescente de 2001 a 2008 (APC=-2,9%), e crescente de 2008 a 2016 (APC=4,8%). Para o câncer colorretal foram observadas tendências estáveis para todas as macrorregiões e o estado. O câncer de estômago apresentou uma redução da tendência de incidência na macrorregião Centro Noroeste (AAPC = -5,9%) e no estado (AAPC = -2,5%) no período de 2001 a 2016.

DISCUSSÃO

No presente estudo foram apresentadas as tendências das taxas de incidência padronizadas dos cinco tipos de câncer mais frequentes, para ambos os sexos, no estado de Mato Grosso, e segundo as macrorregiões de saúde, no período de 2001 a 2016. Semelhante ao perfil global de câncer3, e também na América do Sul e Caribe18 os cânceres mais incidentes no estado foram próstata, mama, colorretal, pulmão e estômago. A carga de câncer no estado reflete a transição epidemiológica, com tipos de câncer associados às infecções e atribuídos ao desenvolvimento socioeconômico, bem como a hábitos de vida não saudáveis3,6,7.
Para os homens, o câncer de próstata apresentou tendência crescente para o estado e para quatro das seis macrorregiões estudadas (Centro Noroeste, Leste, Oeste e Sul). Estudo sobre a incidência e mortalidade do câncer de próstata em 89 países de 2000 a 2019, observou que a incidência aumentou em 65 países, se manteve estável em 15 e diminuiu em 9, e países com um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) muito alto apresentaram taxa de incidência duas vezes maior do que aqueles em países com baixo IDH. No Brasil, a tendência foi crescente no período (AAPC: 0,47), entretanto nos períodos de 2004 a 2007 e 2007 e 2017 apresentou tendência estável e decrescente, respectivamente19. Estudo realizado nos municípios de Cuiabá e Várzea Grande, no período de 2000 a 2016, observou tendência estável e uma quebra em 2006, com tendência decrescente no final da série20.
A diminuição ou estabilidade da taxa de incidência para o câncer de próstata está relacionada às mudanças recentes no uso do teste de antígeno prostático específico (PSA) para rastreamento. A maioria das agências reguladoras governamentais em países como Brasil, Argentina e Colômbia atualmente são contra a triagem de PSA21. O aumento da incidência do câncer de próstata pode estar relacionado à ocorrência dos principais fatores de risco modificáveis que, geralmente, se relacionam ao estilo de vida, como alimentação e atividade física, e a fatores não modificáveis como idade, aspectos hormonais e genéticos3 e na oferta de serviços de atenção à saúde22,23.
Para as mulheres, o câncer de mama apresentou tendência crescente no período de 2009 a 2016 para o estado, e decrescente na macrorregião Centro Norte no período de 2001 a 2009, resultado semelhante ao observado nos municípios de Cuiabá e Várzea Grande, que apresentaram aumento das taxas de incidência no período de 2000 a 201620, e nos países em desenvolvimento, que desde os anos 2000, tanto a incidência, quanto a mortalidade apresentam tendência de aumento3.
O aumento nas taxas de incidência do câncer de mama pode refletir a ocorrência dos fatores de risco reprodutivos, como o adiamento da gestação, menor número de filhos e menor período de aleitamento materno exclusivo, e estilo de vida, como ingestão de álcool, excesso de peso corporal, sedentarismo, além na oferta de recursos de saúde e melhora no rastreamento do câncer de mama3. Segundo as Diretrizes para a Detecção Precoce do Câncer de Mama no Brasil, o rastreamento mamográfico deve ser realizado em mulheres de 50 a 69 anos uma vez a cada dois anos24. Entretanto, é preciso considerar que o aumento do rastreamento pode indicar algum grau de sobrediagnóstico, e que há desigualdades na distribuição da oferta e utilização dos procedimentos de detecção precoce do câncer de mama nas regiões brasileiras25. As regiões com maior desigualdade, medida pelo índice de Gini, possuem menor acesso ao exame de mamografia26, e aquelas com maior IDH possuem maior proporção da realização de mamografia nos últimos dois anos27.
O câncer de colo do útero apresentou tendência de redução para o estado e quase todas as macrorregiões no período de 2001 a 2016, exceto a macrorregião Centro Norte em que houve tendência estável de 2000 a 2003 e 2010 a 2016, e redução de 2003 a 2010. No mundo, nas últimas décadas, tem sido observado declínio da taxa de incidência do câncer do colo do útero, sendo maior na América Latina e Ásia28. A tendência da incidência do câncer do colo do útero em dez capitais brasileiras, com dados do RCBP de 1996 a 2011, apresentou diminuição na maioria das capitais analisadas, destacando-se Curitiba, São Paulo e Goiânia29. Em um estudo realizado em Campinas, também foi observada redução na taxa de incidência padronizada do câncer do colo do útero, que passou de 16,08 casos/100.000 mulheres em 1991 a 1995 para 6,94 casos/100 mil mulheres em 2010 a 201430.
Melhoria no acesso aos serviços de saúde, aumento do nível de escolaridade ou campanhas educacionais para grupos populacionais vulneráveis, diminuição do risco de infecção pelo HPV (Papilomavírus Humano) e campanhas de prevenção são estratégias que podem contribuir para a redução da incidência do câncer de colo do útero3,30. No Brasil, a oferta de exames citopatológicos do colo do útero para mulheres de 25 a 64 anos vem aumentando desde 201531, e essa faixa etária é a recomendada para o rastreio, a cada três anos, conforme as diretrizes atuais32. De acordo com dados da Pesquisa Nacional de Saúde, em Mato Grosso, em 2019, o percentual de mulheres de 25 a 64 anos que realizaram o último exame preventivo para câncer de colo do útero há menos de 3 anos foi de 79,7%33. A realização de exames citológicos para diagnóstico precoce do câncer cervical produz impactos positivos nas taxas de morbimortalidade34.
O câncer de pulmão apresentou tendência de estabilidade em ambos os sexos no estado e em quase todas as macrorregiões de saúde, exceto a Leste para homens, que foi decrescente, e para mulheres, a Centro Norte de 2001 a 2016, que foi crescente, e Sul que foi decrescente de 2001 a 2007 e crescente de 2007 a 2016. Em relação ao estado, para as mulheres houve redução de 2001 a 2008 e aumento de 2008 a 2016. Diferente do estudo que analisou as tendências de incidência em Cuiabá e Várzea Grande, mostrou que para as mulheres houve estabilidade no período de 2000 a 2016 e aumento somente para a faixa etária de 50 a 79 anos, enquanto que para os homens foi decrescente para todas as faixas etárias35.
Em nível mundial, ao longo de dez anos, as tendências decrescentes de incidência foram identificadas no câncer de pulmão entre homens e crescente entre mulheres, podendo ser reflexo dos padrões de adesão e cessação do tabagismo. Para homens, os países com a queda mais significativa foram Bahrein (AAPC: -6,53), Colômbia (AAPC: -5,69) e Brasil (AAPC: -4,61). Para mulheres, houve um aumento mais drástico na Índia (AAPC: 4,34), Brasil (AAPC: 2,43) e Coreia do Sul (AAPC: 2,35)36.
A estimativa para 2050, é de que cheguem a cerca de 3,8 milhões de casos anuais de câncer de pulmão no mundo, mesmo com os atuais níveis de risco e taxas específicas por idade37, e recomendam-se maiores intervenções preventivas para as populações específicas38. Nos últimos 20 anos, a política de controle do tabagismo, no Brasil, atuou na queda acentuada da prevalência de fumantes, devido a mudanças legislativas, sociais e políticas que estimularam essa alteração de comportamento na sociedade, obtendo índices de cessação do tabaco em até 50%39.
O tabagismo é, de longe, o fator de risco mais significativo para o câncer de pulmão, não só no Brasil como também ao redor do mundo39,40. Apesar da diminuição do consumo de tabaco, o país gasta mais de três vezes o que arrecada com uso de tabaco, sendo R$17,5 bilhões com custos indiretos ao ano e R$39,4 bilhões com custos médicos ao ano41. Desde 2014, o cigarro eletrônico (mistura de aromatizantes, solvente, e nicotina líquida) ganhou espaço no mercado de consumo no mundo todo42. O mercado atual de cigarros eletrônicos apresenta desafios significativos para a formulação de políticas regulatórias, tendo em vista que cigarros eletrônicos não são regulamentados e com altos níveis de comercialização via internet, facilitando o acesso substancial ao produto36. Entretanto, os componentes presentes nas partículas no vapor do cigarro eletrônico podem causar danos inflamatórios nas vias aéreas e no pulmão, e danos a longo prazo43.
Para o câncer colorretal, em ambos os sexos, o estado e as macrorregiões apresentaram tendência de estabilidade, exceto a Norte para o sexo masculino, onde a tendência foi crescente. Resultado diferente do observado em São Paulo, que apontou um aumento na incidência do câncer colorretal entre as mulheres, até a faixa etária dos 60 anos e entre homens, a tendência da taxa de incidência foi crescente até 29 anos e nas faixas etárias a partir dos 40 anos foi estável para o total44. Em países de baixa e média renda a incidência de câncer colorretal tem aumentado, e em países de alta renda têm diminuído ou estabilizado40.
O câncer colorretal é considerado um marcador de desenvolvimento socioeconômico em países de renda baixa e média45. Contudo, em países de alta renda, as taxas de incidência apresentam comportamento diferente, principalmente para indivíduos com idade acima de 50 anos, tendo estabilidade e/ou redução40,46. As recomendações a serem adotadas para controle do câncer de colorretal implica em cuidados especializados, conciliados à execução de medidas e esforços contínuos para monitorar as tendências da incidência da doença40.
O câncer de estômago no estado de Mato Grosso demonstrou tendência decrescente em ambos os sexos e, também, para as macrorregiões Centro Noroeste e Norte para sexo masculino e Centro Noroeste para sexo feminino. No mundo, a diminuição das taxas de incidência do câncer de estômago teve início a partir de meados do século 20, começando na América do Norte e Europa, e em muitos outros países, incluindo os da Ásia e da América Latina47. Nos municípios de Cuiabá e Várzea Grande foi observada de 2000 a 2016, para os homens, tendência decrescente da taxa de incidência e para as mulheres estabilidade (SILVA et al., 2022). Em Fortaleza, entre 1990 e 2002, o câncer de estômago apresentou, para os homens, tendência de diminuição (APC=-1,9%) e para as mulheres aumento (APC=8,5%)48.
O câncer de esôfago apresentou tendência de estabilidade no estado em quase todas as macrorregiões de saúde, exceto a macrorregião Centro Noroeste que houve tendência de redução. No Brasil, a maioria dos casos é encontrada em homens, e obteve aumento de 69% em 2005 para 78% em 2015, com aumento na incidência de 12,8 para 19,1/100.000 homens no mesmo período, enquanto as taxas para as mulheres permaneceram estáveis durante o período. Destaca-se que os novos casos apresentaram maiores concentrações nas regiões ao Sul do Brasil49.
Apesar da presença dos fatores de risco como tabagismo, inatividade física, consumo alimentar inadequado e excesso de peso, em contrapartida, houve, também, redução no consumo de tabaco e da infecção por H. Pylori, acesso a melhores alimentos (vegetais crus, frutas cítricas), sendo fator de proteção para o câncer de estômago e esôfago50-52. Com o aumento de novas tecnologias de terapias e diagnóstico precoce, o esclarecimento adicional sobre fatores de risco ajuda a identificar várias oportunidades de prevenção e reduzir o impacto dos cânceres gastrointestinais52-54.
Este estudo forneceu informações sobre a tendência temporal dos cinco principais tipos de câncer em Mato Grosso, desagregadas por macrorregiões de saúde, demonstrando a importância do RCBP para a vigilância do câncer no estado. A análise de séries temporais da incidência de câncer é importante para auxiliar no planejamento e avaliação de políticas públicas de prevenção e controle da doença. Este estudo avançou ao analisar uma série histórica atualizada e com boa representatividade do câncer no estado de Mato Grosso. Em relação a qualidade dos dados do RCBP, para o período de 2001 a 2016, foi observado para o RCBP Cuiabá, percentual de casos registrados somente pela declaração de óbito (%SDO) menor que 20% (10,5% para sexo masculino e 8,7% para sexo feminino), enquanto que para o RCBP Interior foi de 25,8% para o sexo masculino e 19,4% para o sexo feminino. O percentual de verificação microscópica foi maior que 70% para registro da capital e interior55. Por se tratar de dados secundários podem apresentar problemas de subnotificação, erros de preenchimento e de codificação, que foram minimizados pela melhoria da qualidade das informações ao longo do tempo6.
O câncer mais incidente entre homens foi o câncer de próstata e apresentou tendência crescente para o estado e quatro macrorregiões, Centro Noroeste, Leste, Oeste e Sul, e para as mulheres foi o câncer de mama com tendência crescente para o estado e a macrorregião Centro Norte. Destaca-se, ainda, a tendência crescente do câncer de pulmão para o estado no período de 2008 a 2016 e as macrorregiões Centro Norte e Sul entre as mulheres e o câncer colorretal na macrorregião Norte entre homens. Para o câncer de colo do útero, estômago para ambos os sexos e esôfago para os homens houve redução das taxas de incidência no período de estudo.
As diferenças nas tendências da incidência dos cinco tipos de câncer entre as macrorregiões do estado podem refletir diferentes estágios da transição demográfica e epidemiológica8, assim como o perfil socioeconômico e a oferta de recursos de saúde9,11. Os resultados reforçam para a necessidade de ações específicas de vigilância, prevenção, controle e assistência ao câncer em todo o estado, para garantir a linha de cuidado e o acesso ao diagnóstico e à assistência oncológica por meio do fortalecimento e da expansão da rede de tratamento do câncer no Sistema Único de Saúde. É relevante ressaltar a importância de ações para aumentar o acesso à prevenção primária, diagnóstico precoce, tratamento e reabilitação, levando em consideração as disparidades sociais existentes nas macrorregiões de saúde no estado de Mato Grosso.

REFERÊNCIAS

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Modesto, V. C., Galvão, N. D., de Souza, R. A. G., Alves, M. R., Bustamante-Teixeira, M. T., Andrade, A. C. S.. Tendências temporais na incidência de câncer no estado de Mato Grosso de 2001 a 2016. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2023/dez). [Citado em 22/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/tendencias-temporais-na-incidencia-de-cancer-no-estado-de-mato-grosso-de-2001-a-2016/19019?id=19019&id=19019

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