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0079/2024 - Um coletivo de pensamento psicanalítico no âmbito da psiquiatria: impactos para consideração da subjetividade
A psychoanalytic thought collective in the psychiatric setting and its impact on subjectivity

Autor:

• Rodrigo Lage Leite - Leite, R. L. - <rodrigolageleiter@gmail.com, rodrigolage@usp.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9263-2715

Coautor(es):

• Gustavo Bonini Castellana - Castellana, G. B. - <gbcastellana@yahhoo.com.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5179-5198

• Geraldo Busatto Filho - Busatto Filho, G. - <geraldo.busatto@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4749-4602



Resumo:

Psiquiatria e psicanálise são saberes distintos que integram o campo da Saúde Mental. A despeito da interface científica, tensões históricas sempre existiram entre elas. Os conceitos de coletivo de pensamento e estilo de pensamento, de Ludwik Fleck, serviram de referencial teórico para uma pesquisa qualitativa, cujo objetivo foi compreender as circunstâncias, motivações e sentidos da presença dos referenciais psicanalíticos, no âmbito da psiquiatria contemporânea. A pesquisa foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas, aplicadas a 47 profissionais de um curso de aprofundamento psicanalítico no IPq-HC/FMUSP. A análise de dados seguiu a Metodologia de Análise de Conteúdo de Bardin. Os fragmentos significativos foram identificados, codificados e organizados em 5 categorias temáticas, por meio do software ATLAS.ti. O presente artigo apresenta as 4 maneiras por meio das quais a presença de um coletivo de pensamento psicanalítico impacta a psiquiatria contemporânea, no que concerne à consideração da subjetividade: (1) estímulo à escuta clínica ampliada, não reducionista; (2) valorização da experiência subjetiva do profissional como fator formativo; (3) percepção dos limites da racionalidade médica Moderna; (4) ação como interrogante crítico no campo da saúde mental.

Palavras-chave:

Psiquiatria. Psicanálise. Coletivo de Pensamento. Pesquisa Qualitativa. Saúde Mental.

Abstract:

Psychiatry and psychoanalysis are distinct knowledges that integrate the mental health field. Despite the scientific interface, historical tensions have always existed between them. Ludwik Fleck concepts of thought collective and thought style served as a theoretical framework for qualitative research, whose objective was to understand the circumstances, motivations and meanings of the presence of psychoanalytic references, within contemporary psychiatry. The research was carried out through semi-structured interviews, applied to 47 professionalsan in-depth psychoanalytic course at IPq-HC/FMUSP. Data analysis followed Bardin\'s Content Analysis Methodology. The significant fragments were identified, coded and organized into 5 thematic categories, using the ATLAS.ti software. This article presents the 4 ways in which the presence of a psychoanalytic collective thought impacts contemporary psychiatry, regarding the consideration of subjectivity: (1) encouragement of expanded, non-reductionist clinical listening; (2) valuing the professional’s subjective experience as a formative factor; (3) understanding the limits of Modern medical rationality; (4) action as a critical question in the field of mental health.

Keywords:

Psychoanalysis; Psychiatry; Thought collective; Qualitative research; Mental health

Conteúdo:

Introdução
Psiquiatria e psicanálise são saberes que fazem parte do amplo campo da saúde mental. Apesar da inequívoca interface científica e dos objetos comuns de observação e intervenção, sempre existiram tensões entre elas, o que evidencia as dificuldades de comunicação e troca nesse campo. Além da pluralidade de referenciais teóricos no âmbito interno de cada uma delas1,2, as dificuldades para uma abordagem não reducionista das diferentes vertentes de investigação do sofrimento psíquico (biológicas, psicológicas, sociais), desafiam ainda mais a comunicação entre diferentes saberes e práticas em saúde mental.
Contextos e experiências de maior ou menor aproximação entre psiquiatria e psicanálise permitem indagar sobre os ganhos e perdas da sustentação desse diálogo. Nesse contexto, o pensamento de Ludwik Fleck (1896-1961), especialmente seus conceitos de coletivo de pensamento (CP) e estilo de pensamento (EP), oferece um referencial teórico potencialmente interessante para a observação desse complexo campo de interação, bem como das dificuldades e potencialidades desse diálogo.
Fleck foi um médico polonês que, para além da atividade como bacteriologista, dedicou-se intensamente à epistemologia da ciência. O pensamento dele tem sido usado como referencial teórico para a abordagem de temas desafiadores nos debates sobre ciências no âmbito da medicina, do ensino médico e da saúde mental1,3,4,5.
Sobre CP, Fleck o define como “a comunidade das pessoas que trocam pensamentos ou que se encontram numa situação de influência recíproca de pensamentos”6. Cada coletivo seria “um portador do desenvolvimento histórico de uma área de pensamento, de um determinado estado do saber e da cultura, ou seja, de um estilo específico de pensamento”6 (p.82). Sobre EP, Fleck o define como uma “determinada atmosfera (...) a disposição (Bereitschaft) para um sentir seletivo e para um agir direcionado correspondente (...) marcado por características comuns dos problemas, que interessam a um coletivo de pensamento; dos julgamentos, que considera como evidentes e dos métodos, que aplicam como meios do conhecimento”6 (p.149).
Duas decorrências dos conceitos são fundamentais para essa reflexão. Primeiramente, o reconhecimento da incomensurabilidade entre CPs, o que está relacionado com os diferentes determinantes sócio-históricos de cada CP ou EP e indica que nenhum deles é detentor de uma “verdade maior”, hierarquicamente superior ao outro. Em segundo lugar, a consequência disso é o modo como CP e EP direcionam o olhar do pesquisador para pontos de interesse pré-determinados, produzindo também, no contrapelo, a diminuição da capacidade de se enxergar os pontos situados fora do horizonte circunscrito por aquele CP e EP.
No campo da saúde mental, são comuns as adesões maciças a determinados CPs e EPs, provocando um verdadeiro eclipsamento de fenômenos que seriam mais bem observados por outras perspectivas ou pela combinação de várias delas. Szajnbok7, por exemplo, ao discutir sobre a exclusão da psicanálise e da psicopatologia fenomenológica do cerne de programas de residência médica em psiquiatria, questiona o “modo por vezes um pouco ingênuo” como jovens médicos aderem às diretrizes nosográficas sem um conhecimento maior dos fatores sociopolíticos que as determinam7 (p.92).
Alguns elementos históricos permitem situar o status atual das relações entre psiquiatria e psicanálise, bem como justificar o interesse na compreensão dessa interface. A recepção e assimilação da psicanálise pela psiquiatria é objeto de vários estudos orientados para as particularidades em diferentes lugares, épocas e culturas, destacando diversos modos de interação, além de premissas, perspectivas e concepções variadas, por vezes, antagônicas8,9,10.
Entretanto, é na retomada do fenômeno de “incorporação” da psicanálise pela psiquiatria norte-americana, na primeira metade do século XX, bem como do reverso, algumas décadas depois, com sua exclusão e quase banimento da teoria e nosografia psiquiátrica, que se pode compreender a atual refratariedade de boa parte do mainstream da psiquiatria aos aportes psicanalíticos.
Na primeira metade do século XX, os referenciais psicanalíticos foram amplamente adotados pelos psiquiatras norte-americanos, após a visita de Freud à Clarck University, em 1909, e, sobretudo, graças ao afluxo de psicanalistas europeus egressos da Europa, vítimas da perseguição nazista. Naquele período, observou-se a maior aproximação entre as disciplinas ocorrida até o momento. Entretanto, do ponto de vista epistemológico, a tentativa de “aplicação” maciça da psicanálise à psiquiatria, sobretudo, por meio da fúria explicativa dos transtornos mentais a partir de teorias psicogênicas, norteou a relação entre os campos.
Nessa perspectiva, as proposições metapsicológicas e a ética própria à psicanálise, que pretendiam oferecer à subjetividade e ao sofrimento psíquico um olhar ao mesmo tempo racional e singular, ancorado em aspectos particulares do sujeito e seu inconsciente, eram solapadas por explicações etiopatogênicas reducionistas e dogmáticas, adaptadas para finalidades médicas, diagnósticas e terapêuticas. Em carta a Schnier, de 1938, Freud já alertava para a “tendência americana de transformar a psicanálise em empregada doméstica da psiquiatria”11 (p.300).
A mistura indiscriminada de pressupostos e objetivos distintos entre os campos e os atropelos epistemológicos decorrentes, associados às transformações técnico-científicas da psiquiatria, em meados do século XX, e aos os fatores socioeconômicos e político-institucionais relacionados, produziram um amálgama insustentável, acirrando as relações entre psiquiatria e psicanálise, contribuindo para a guinada epistemológica ocorrida com a publicação do DSM-III (1980) e a expulsão dos referenciais psicanalíticos dos sistemas nosográficos norte-americanos12.
Lieberman13 afirma que dessa forma “a teoria psicanalítica foi banida para sempre do diagnóstico psiquiátrico e das pesquisas psiquiátricas”13 (p. 139) e Russo e Venâncio14 ressaltam a globalização dos novos referenciais da psiquiatria americana, “confirmada na reformulação do capítulo relativo às doenças mentais da Classificação Internacional das Doenças, produzida pela Organização Mundial da Saúde”14 (p.465). Essas transformações significaram, em grande medida, uma reorientação da psiquiatria rumo aos fundamentos e métodos das ciências naturais e da biologia e um distanciamento da psicanálise e de outras vertentes humanistas, como a fenomenologia1. Zorzanelli et al.15 discutem o aprofundamento dessa perspectiva, explicitada em 2013, às vésperas da publicação do DSM-V, quando, nos EUA, o então presidente do National Institute of Mental Health (NIMH), Thomas Insel, questionara publicamente a validade científica do DSM, sustentando a ideia de que “o sentido de validade científica é de uma inscrição biológica definida”. Para Insel, “mental disorders are biological disorders involving brain circuits that implicate specific domains of cognition, emotion, or behavior”15 (p.329).
Dessa maneira, alguns desenvolvimentos teóricos e práticos da psiquiatria acompanham o movimento observado no âmbito da medicina de maneira geral. Guedes et al.4, ao investigar o lugar da subjetividade na medicina, aponta o fato de que apoiada na racionalidade médica Moderna – método anátomo-clínico, anatomia patológica e classificações diagnósticas – a medicina situa “o saber e a prática médica no interior do modelo das ciências naturais. Com isso, a medicina faz sua opção pela naturalização de seu objeto através do processo de objetivação, ou seja, o de fazer surgir a objetividade da doença, com a exclusão da subjetividade e a construção de generalidades”4 (p.1095).
Por outro lado, sobretudo, nas últimas duas décadas, estudos na interface entre neurociências, psiquiatria social e diferentes abordagens psicoterápicas, incluindo a psicanálise, vêm apontando a importância de diferentes fatores ambientais na gênese e no desenvolvimento dos transtornos mentais, assim como das interações destes com fatores genéticos ressituando os fatores subjetivos neste debate16,17,18. As contribuições advindas da neurobiologia e das ciências naturais têm sido cotejadas em diálogo profícuo e inovador com outros campos, relacionados às ciências humanas, às psicoterapias e à psicanálise.
Com o objetivo de melhor compreender as interações entre psiquiatria e psicanálise na contemporaneidade, propôs-se a pesquisa original que embasa este artigo. O uso da metodologia qualitativa e de entrevistas semiestruturadas com profissionais de saúde mental dedicados a essa zona de interface, busca compreender, por meio da narrativa em primeira pessoa, o modo como os profissionais desse grupo específico experienciam e enxergam estas possibilidades de troca.
Uma condição especial do contexto institucional em que a pesquisa foi realizada, possibilitou sua execução. O Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC/FMUSP) integra um Sistema de Saúde complexo, com atividades de assistência médica, pesquisa e ensino, e um Programa de Pós-Graduação, com produção expressiva nas áreas de epidemiologia psiquiátrica, neurociências, psicofarmacologia e outros tratamentos biológicos.
A tradição acadêmica assinalada acima convive há doze anos com a existência do curso de aprofundamento teórico-clínico em psicanálise “A escuta da subjetividade do paciente psiquiátrico: exercício psicanalítico”, criado em 2011, por supervisores do Núcleo de Psicanálise (NP) do Serviço de Psicoterapia do IPq, e dirigido a profissionais com diferentes formações prévias, psiquiatras, psicólogos e psicanalistas leigos, em diferentes momentos da trajetória profissional.
O curso inclui atividades semanais de atendimento clínico e supervisão, assim como atividades teóricas mensais, em torno de um eixo principal, variável a cada ano. Vários participantes o frequentam por vários anos. Além desse curso, o NP desenvolve uma série de iniciativas, como supervisão de médicos-residentes de psiquiatria, atividades na Faculdade de Medicina da USP (Liga de Psicanálise, Disciplina Optativa de Psicanálise), dentre outras, o que aponta para a existência de um CP específico, voltado para o saber psicanalítico no âmbito da psiquiatria contemporânea.
Discutir os impactos da existência de um coletivo de pensamento (CP) psicanalítico no âmbito da psiquiatria contemporânea, no que concerne à consideração da subjetividade na clínica em saúde mental, bem como às consequências disso para o indivíduo e para a coletividade, é o eixo deste artigo. Investigar as motivações, circunstâncias e sentidos da sustentação, nos dias de hoje, da interface entre psiquiatria e psicanálise no campo da saúde mental, foi o objetivo principal da pesquisa qualitativa original que embasa este artigo.

Metodologia
A presente pesquisa faz parte de um estudo empírico-fenomenológico, de base metodológica qualitativa, realizado por meio de entrevistas semiestruturadas aplicadas a 47 profissionais participantes do curso “A escuta da subjetividade do paciente psiquiátrico: exercício psicanalítico”, realizado pelo NP do IPq da FMUSP.
Trata-se de uma amostra não probabilística. Foram convidados 50 participantes do curso e os critérios de inclusão foram: a participação regular por pelo menos 1 ano, até 3 anos antes da entrevista, a formação prévia (psiquiatria, psicologia ou outras) e a posição ocupada no curso, como aluno ou supervisor.
Todos os supervisores foram incluídos (amostra de contingência n=18). Os alunos foram indicados pelos supervisores, seguindo o método de bola-de-neve (Snowball). Entre os entrevistados havia 27 homens e 20 mulheres. Para definição do tamanho da amostra, o critério utilizado foi o da saturação teórica.
As entrevistas foram realizadas pelo pesquisador principal, gravadas após anuência dos participantes e transcritas por profissionais de um escritório especializado, sendo posteriormente revisadas. A duração das entrevistas foi, em média, 53:55h, variando de 18:29 a 2:01:14h.
O roteiro pré-definido versava sobre: 1) motivações para frequentar o curso; 2) motivações para o investimento teórico-clínico em psicanálise; 3) percurso prévio em saúde mental; 4) modos de compreensão das tensões históricas entre saberes no campo da Saúde Mental; 5) modos de compreensão sobre o que seria “essencial” e “constitutivo” do referencial psicanalítico; 6) motivações para aprofundamento psicanalítico no âmbito da psiquiatria.
Além da entrevista, foram coletados dados biográficos e referentes à formação e experiência teórico-clínica prévias. Esses dados foram registrados em uma ficha complementar.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da FMUSP (Certificado de aprovação - CEP 4.227.011).
A análise dos dados levou em conta a metodologia de Análise do Conteúdo proposta por Bardin, especificamente a Análise Categorial Temática19.
A primeira etapa incluiu a leitura, seleção dos fragmentos significativos das entrevistas (citações) e codificação de cada uma dessas citações por meio do software ATLAS.ti. Version 9.1.3 (2089). Cinco categorias temáticas principais foram propostas a partir dos objetivos específicos e dos resultados da pesquisa: (1) motivações para a aproximação dos profissionais à psicanálise e (2) ao curso oferecido, (3) modos de compreensão sobre o que seria essencial e constitutivo do campo psicanalítico, (4) motivações para a manutenção da psicanálise no Hospital Psiquiátrico e (5) os modos de compreensão das interações entre psiquiatria e psicanálise.
A segunda etapa da análise incluiu a revisão de códigos e categorias temáticas. O pesquisador principal, responsável pela primeira etapa, apresentou aos dois outros pesquisadores as escolhas realizadas, as quais foram revisadas quanto à pertinência e à adequação. A diferença dos referenciais teórico-clínicos dos pesquisadores (apenas o pesquisador principal é psicanalista) favoreceu o rigor da análise de conteúdo e a validação dos resultados, permitindo que os códigos e as categorias temáticas se ativessem essencialmente ao conteúdo dos depoimentos.
Por fim, os resultados foram interpretados e discutidos, levando-se em conta os referenciais teóricos de base.

Resultados
Os fragmentos apresentados neste artigo foram selecionados dentre os 229 fragmentos da pesquisa original. São 13 trechos de entrevistas que permitem compreender a maneira como esse grupo específico percebe a importância e os impactos da existência de um CP psicanalítico no âmbito da psiquiatria contemporânea, com relação à consideração da subjetividade. Apresentamos abaixo 4 aspectos específicos relacionados aos resultados principais, depreendidos da análise das 5 categorias temáticas da pesquisa original.

1 – Busca por uma escuta clínica ampliada, que valorize a subjetividade dos pacientes e evite reducionismos e simplificações nas práticas em saúde mental.

Fragmento 1
Eu acho importante esse trabalho conjunto justamente por conta de não olhar pro sujeito de uma forma só, como a gente estava falando, organicista. Tem um sujeito. (...) Ele não é um zumbi, não é uma máquina (...) até mesmo pra: ‘como é que ele está lidando com o fato de estar tomando medicamento?’ (...) Eu acho que num hospital psiquiátrico (...) acho que cria condições (...) para (psiquiatria e psicanálise) estarem mais próximas, porque a gente está lidando com o sujeito e a gente está lidando com dor psíquica, com dor emocional. Então eu acho que o trabalho pede pra ser em conjunto, pra ser em dupla.

Fragmento 2
Essa paciente, por exemplo, ela sempre teve uma relação supercomplicada com a família dela (...) a partir da análise que a gente pôde conversar disso também, porque antes de conversar disso, das angústias dela (...) ficava uma coisa muito do sintoma assim, ela ficava descrevendo sintoma o tempo todo e ficava medicando sintoma. E aí toda semana ela vinha, ela tinha um sintoma novo, aí medicavam de novo. (...) Precisa sair um pouco do sintoma, né? (...) Escutar alguma coisa pra além do sintoma pra apostar nessa via reversa também, né?

Fragmento 3
Enxergar o humano incluindo essas necessidades de vínculo, de envolvimento, de vida afetiva e vida imaginária e inconsciente e o inconsciente, eu acho que isso aí, isto é medicina da alma, é isto. Então eu acho que estas pessoas que são os operários desse canto aí não podem abandonar a medicina, sabe? (...) porque senão está todo mundo operando o cérebro, achando que está tudo no cérebro e é claro que está, mas também você tem que olhar de um outro jeito, de um jeito que só os humanos reivindicam.

2 – Descrição dos modos de apreensão da importância dos aspectos subjetivos por meio da experiência pessoal e da atividade clínica

Fragmento 4
Você tem que ter vivido na sua própria carne. (...) Então é menos a coisa intelectual e mais a práxis. (...) Você precisa experienciar por dentro, de dentro essa experiência de análise. (...) É a experiência emocional. (...) Você pode falar de amor, você pode dar exemplos de amor, você pode contar dos amores mais remotos até os mais modernos, mas se você nunca passou por uma experiência de amor, o seu conto será um conto... nenhuma experiência.

Fragmento 5
Acho que isso ao longo da residência foi ficando mais evidente assim, que eram diagnósticos que me diziam muito pouco sobre quem era aquela pessoa assim, sabe? (...) Então, por exemplo, quando eu via (...) diagnóstico (...) de depressão, transtorno depressivo recorrente... Nossa, caramba, né? E aí eu ia vendo que quando você conversava com a pessoa, você ia compreendendo outras coisas que aconteceram na vida dela e que se relacionavam com essa tristeza. E o quanto você dizer que ela tinha depressão, enfim, podia ser de alguma forma muito alienante.

Fragmento 6
Teve um caso de um garoto que eu atendi (no ambulatório, durante a residência médica) (...) desanimado com a faculdade (...) risco de jubilar (...) muito desanimado, não acordava a tempo de ir pra aula (...). mas por outro lado ele fazia um estágio (...) que ele gostava muito, ele ia muito bem, tinha amigos lá, e tal, a (faculdade) ali era uma questão pra ele. E aí (...) tinha um aluno em psicologia, estava fazendo não lembro se era mestrado ou doutorado, mas ele estava aplicando o questionário de “Beck” (...) uma escala de depressão, assim. (...) Aí ele pediu, perguntou se eu podia apresentar ele ao paciente, tal, eu fui discutir o caso (...) Aí eu discutindo o caso com o supervisor, das minhas impressões, “eu não acho que é uma depressão, não acho que precisa de medicação, tem um sofrimento, tem uma angústia, seria interessante ser trabalhado em terapia, mas não é uma depressão”. E aí quando (...) encontro com esse estudante (...) ‘nossa, apliquei o questionário e deu 30 e tantos pontos, é uma depressão muito grave, tal, tal’, e eu fiquei assim, né? (...) Qual que é a validade? (...) é uma amostra do estudo dele, que vai virar doutorado, talvez seja publicado numa revista científica (...) qual a validade desse número que a gente tá chamando de depressão?

Fragmento 7
Fiquei um ano no X. (ambulatório de sexualidade) também, achando que aquele era um lugar em que a sexualidade, óbvio, sempre norteado também, questões subjetivas, próprias, sofrimentos. E aí você ia lá escutar um casal com problemas sexuais, um cara impotente, uma mulher com vaginismo etc. E a recomendação era ficar passando um manual de exercícios. (...) Modelo médico, assim, anamnese e sintoma e o tratamento é esse. Ou, de repente, você vai dar um antidepressivo pra retardar a ejaculação. Só que você se sentava na sala, fechava a porta com o casal e o casal começava a falar, era nítido que tinha esse sintoma, mas tinha um mundo por trás daquilo, assim, que, evidentemente, construía o sintoma.

3 – Percepção dos limites da “super-objetividade” da racionalidade médica Moderna, sobretudo, em Saúde Mental.

Fragmento 8
A medicina tem uma lógica que é ter por referente muito claro o que ela considera como saúde, não é? Ela não esconde isso de ninguém, mas aí quando a gente entra no âmbito de algo que escapa do meramente orgânico, digamos assim, (...) aí a coisa se complica, por que o que é saúde? Inclusive se complica eticamente porque que que eu sei sobre você, o que que você sabe sobre mim? É uma postura muito autoritária dizer que eu sei o que é melhor pra você. O ortopedista, ele pode dizer isso de uma maneira muito clara, ele tem uma margem de segurança enorme pra dizer isso. Nós não. E aí a psiquiatria é um desafio em si, né? (...) eu acho que os desafios epistêmicos da psiquiatria são maiores do que os nossos (dos psicanalistas), é muito desafiador.

Fragmento 9
Ir pro biológico, pra algo mais técnico (...) que eu acho que não é só da psiquiatria, eu acho que é da medicina como um todo que vai ficando mais técnica, que vai fazendo uma prática mais baseada em protocolos, em guidelines. Enfim, aí eu vejo por um lado a área da psiquiatria e da medicina num sentido de uma hipermedicalização e de um discurso que vai dar um nome para uma doença, que eu acho que fecha, assim, pra significados que diminuem a possibilidade da pessoa mesmo ir entendendo o significado do sintoma na vida dela.

Fragmento 10
(A psicanálise) vai ganhando corpo enquanto se específica pra uma outra área (...) que envolve outras manifestações do humano (...) E tem uma questão que é a vida, essa vida que acontece, que muitas vezes ela não respeita simplesmente essas leis. Até na biologia, né? Tem variações biológicas que são incompreensíveis, num certo sentido, pelas leis da matemática, da genética. Imagina isso colocado num circuito de relações entre as pessoas, a multiplicidade de possibilidades e de singularidades que é a vida de cada um de nós. Num limite, a gente poderia pensar que seria impossível estudar um campo, formar um campo de conhecimento, dada a multiplicidade de coisas

4 – Psicanálise como interrogante crítico de excessos e reducionismos que propiciem a exclusão da subjetividade na medicina e na psiquiatria

Fragmento 11
Então hoje, como eu vejo? E o que que eu tento fazer na minha prática clínica? Tentar alcançar o que é possível da psiquiatria, o que que a psiquiatria trouxe de avanços. Então sim, temos medicações, temos coisas que podem aliviar um sofrimento em determinadas situações, podem amenizar angústia (...) mas a minha compreensão do sujeito é muito mais do ponto de vista psicanalítico. Então se você não compreendeu o que te levou até a essa questão, o que que na sua história autobiográfica, que que são as forças que te trouxeram até aqui, não adianta nada você tomar sedativos e medicações. (...) Então, hoje, a minha clínica eu baseio nisso (...) o que nessa terapêutica você pode usar pra beneficiar que esses pacientes consigam alcançar de fato a compreensão daquilo que os faz sofrer.

Fragmento 12
A gente (os psiquiatras) tem contato com volumes de pacientes numa residência de psiquiatria que é absurdo, assim, em diferentes contextos. CAPS, internação, ambulatório, UBS, enfim. Então isso dá uma segurança (...) essa validação tem um efeito potente de poder dizer: ‘olha, psiquiatria tem seu lugar, tem seu papel, mas faça o que você faz ali, aqui é psicanálise mesmo, é psicanálise no hospital psiquiátrico’. (...) Apostar numa formação de psiquiatras que tenham, pelo menos, uma ciência, uma consciência, dessa ética própria da psicanálise, dessa relação com o sintoma e etc., dessa abertura em relação à medicina, na tradição anatomopatológica, que possam se tornar psiquiatras mais sensíveis a isso, assim, à subjetividade (...) oferecer pros residentes esse espaço em que eles podem olhar pra psicopatologia de uma outra forma, pra mim, é muito importante, assim, então manter a psicanálise dentro do hospital psiquiátrico pensando na formação de futuros psiquiatras, assim, pra que não se tornem todos psiquiatras autoritários ou ditatoriais.

Fragmento 13
Se a psicanálise não tivesse entrado na minha vida, eu acho que os meus atendimentos, a minha prática seria muito diferente do que é hoje. E eu acredito que de uma forma muito pior. Eu acho que a psicanálise mostrou essa valorização do singular, do que é do indivíduo, do que é estranho, enfim, e que eu acho que você ouvir, você prestar atenção é um jeito de você olhar pra esse indivíduo, o que é muito importante.


Discussão
A ênfase sobre a importância da subjetividade para os saberes e práticas médicas, e mais especificamente, para o campo da saúde mental, bem como sobre o impacto do CP psicanalítico para a valorização desses aspectos subjetivos no âmbito da psiquiatria contemporânea, aparece na fala dos entrevistados, com diferentes vértices e enfoques. Partiremos de um ponto que se apresenta como confluência deles, a defesa de uma modalidade de escuta clínica ampliada, atenta à subjetividade (fragmentos 1, 2), aos fenômenos compreendidos como inconscientes e às especificidades do psiquismo e do sofrimento humano (fragmento 3).
Dessa forma, uma escuta não reduzida aos fenômenos inerentes ao corpo biológico, ao orgânico (fragmento 1), que inclua a subjetividade e os sentidos singulares subjacentes aos sintomas (fragmento 2) corresponde a uma proposta técnica do grupo avaliado, que inclui uma posição ética frente ao desafio epistêmico de se observar e intervir sobre fenômenos complexos, muitas vezes, multideterminados (fragmento 8).
Nos fragmentos 5, 6 e 7, os entrevistados descrevem situações em que observam a redução dos pacientes a diagnósticos formais, em uma perspectiva classificatória que desconsidera as singularidades do sujeito. Esses relatos foram frequentes no subgrupo específico dos psiquiatras entrevistados (n=20), cujas percepções oriundas da atividade clínica, frequentemente estavam atreladas a críticas aos Programas de Residência Médica em Psiquiatria, apoiadas no que nomeiam como “frustração” com as modalidades de escuta e manejos clínicos ali propostos.
Essas críticas e a consequente busca da psicanálise, como caminho para tentar sanar a falta de instrumentalização para lidar com a subjetividade, corroboram a impressão de autores que descrevem o empobrecimento da prática clínica quando os fatores subjetivos e singulares não são adequadamente considerados. Segundo esses autores, a exclusão ou periferização da psicanálise e da fenomenologia dos programas de residência médica em psiquiatria, favorece tal empobrecimento20,21,22.
Dessa forma, o objetivo subjacente à busca de uma escuta ampliada, diz respeito à possibilidade de contenção do sofrimento psíquico, de considerá-lo e, eventualmente, oferecer os recursos médicos disponíveis, sem, entretanto, pretender exterminar a dor psíquica, antes de reconhecer os sentidos subjacentes a ela, no contexto singular de cada sujeito. Tal proposta se contrapõe ao “furor curandis” que, em determinados contextos, recai na medicalização de experiências psíquicas constitutivas da vida dos seres humanos. Nos fragmentos 2 e 9, os entrevistados apontam o risco de hipermedicalização dos pacientes, quando os fatores subjetivos e os fenômenos inconscientes são ignorados.
Um segundo ponto que os resultados permitem compreender é que a demanda por uma escuta ampliada em saúde mental corresponde a uma reação a práticas consideradas reducionistas, que tentam aproximar a psiquiatria, de maneira acrítica e simplificadora, ao modelo biomédico e ao que se entende como racionalidade médica Moderna4. No fragmento 10, o entrevistado chama à atenção para a singularidade e multiplicidade de fatores envolvidos na “vida de cada um de nós”, vida biológica ou vida psíquica, e que por isso não podem ser reduzidas às grandes leis gerais e universais.
Nesse sentido, Aguiar1 discute algumas particularidades da produção do conhecimento em medicina, que são diferentes do campo das ciências naturais e, portanto, não reduzíveis a ela. A autora enfatiza a limitação das generalizações no âmbito da medicina, de maneira geral, e a inviabilidade de transformar as categorias observadas em “modelos ideais típicos que possam ser generalizáveis”: “O interesse do conhecimento, na medicina, não é voltado para fenômenos regulares, ‘normais’, mas antes para as irregularidades, a saber, os estados patológicos dos organismos. Por isso, a articulação de regularidades entre os fenômenos patológicos e a definição de entidades nosológicas só é possível com alto grau de abstração em relação às observações individuais (...) As entidades nosológicas de doenças (...) colocam o saber médico numa dificuldade constante de enquadrar idiossincrasias complexas a modelos ideais típicos”1 (p.229-230).
Essa particularidade do campo médico é ainda mais marcante no caso da psiquiatria, que exige metodologias científicas mais aptas a lidar com o singular, o irregular e o subjetivo. Nos fragmentos 11, 12 e 13, os entrevistados defendem a importância da psicanálise no desenvolvimento de suas capacidades de compreensão e escuta destes fatores.
Os profissionais entrevistados estão de amplo acordo com a proposição de Gabbard22, para quem “a psiquiatria contemporânea corre o risco de perder a noção de ‘pessoa’ ao priorizar o diagnóstico formal”22 (p.183). Para o autor, “‘pessoa’ diz respeito ao que é único e idiossincrático ao indivíduo, enquanto o diagnóstico psiquiátrico atual prioriza características comuns de um grupo de pessoas, o que permite que elas sejam colocadas numa mesma categoria”22 (p.183).
Essa afirmação dialoga ativamente com as proposições de Pereira23,24 sobre a pertinência e utilidade de uma psicopatologia de orientação psicanalítica, nomeada como “psicopatologia do sujeito singular”. No eixo dessa proposta, está a premissa de que a nosologia e a nosografia não são os únicos determinantes da condição patológica de um sujeito. A maneira como esse sujeito irá conjugar diferentes fatores, determinando ou não a instalação de um quadro mórbido a ser tratado, é, segundo essa perspectiva, absolutamente única e singular, devendo ser objeto de séria consideração pela psicopatologia e pela psiquiatria. Pereira24 aprofunda esta ideia ao apresentar as balizas teóricas psicanalíticas, consideradas por ele, de grande utilidade para este trabalho: “A teoria freudiana é aquela que provavelmente mais avançou em relação à necessidade de se estudar a patologia enquanto fenômeno relativo a um sujeito singular: a técnica da livre-associação sob transferência permite evidenciar as redes associativas relativas à produção das significações próprias a cada sujeito (...) as modalidades de satisfação erótica dependem da fantasia inconsciente de cada um; as ideias de ‘equação etiológica’ e de ‘séries complementares’ permitem conceber de forma individualizada a eclosão da patologia mental em um sujeito singular, sem que se necessite recusar a participação de fatores naturais nos processos nela implicados etc.”24 (p.503).
Neste ponto, vale ressaltar que, se por um lado, os dados apresentados neste artigo revelam uma perspectiva praticamente consensual, entre os diferentes subgrupos pesquisados, sobre os impactos do CP psicanalítico para consideração dos aspectos subjetivos no âmbito da psiquiatria, outros dados da pesquisa original, a serem contemplados em publicações futuras, indicam formas diferentes de se compreender as interações possíveis entre psiquiatria e psicanálise. A maior experiência teórica-clínica dos supervisores em relação aos alunos, por exemplo, revela visões mais complexas sobre as possibilidades de convívio, apostando numa visão de suplementariedade, ao invés de complementariedade entre os campos. Não foram observadas, entretanto, propostas de ruptura absoluta entre eles, ou de aplicações maciças de um saber sobre o outro, algo compatível com as características da amostra, constituída por profissionais que buscam ativamente o trabalho na zona de interface.
Por fim, outro aspecto da subjetividade abordado pelos entrevistados diz respeito aos modos como profissionais de saúde mental adquirem convicção da importância dela no âmbito da clínica, bem como da expertise da psicanálise para abordá-la. É por meio da análise pessoal (fragmento 4), ou de “intuições” a partir do atendimento clínico de pacientes (fragmentos 5, 6 e 7), que o olhar para os aspectos subjetivos é reconhecido por esse grupo como fundamental para diferentes abordagens em saúde mental, e que as ferramentas psicanalíticas são vistas como clinicamente úteis para facilitar esse olhar.
O valor atribuído à psicanálise e a busca por conhecê-la melhor, passam por uma forte experiência pessoal, isto é, “na própria carne” (entrevista 35). Esses relatos estão de acordo com o Moretto25, para quem “não é exatamente pela essência do que é a psicanálise que ela se torna alvo de elogios ou de insultos. É, geralmente, pela força de seus efeitos, sejam eles positivos ou negativos, que ela se faz presente como tema central nos distintos contextos em que as pessoas, cada uma ao seu modo, se empenham em transmitir algo de sua experiência com a psicanálise”25 (p.191).
Para Yakeley et al.21, um ponto de grande importância nesse debate, diz respeito à centralidade da experiência emocional do médico. Desconsiderar a própria emoção e subjetividade, seria desperdiçar uma importante ferramenta de compreensão e intervenção sobre o sofrimento do paciente. Como exemplo, lembram que “reconhecer a contratransferência é importante” e que “nossas reações emocionais subjetivas, das quais podemos não estar conscientes, podem afetar nosso julgamento objetivo, com consequências potencialmente graves”21 (p.99).
Neste ponto, retomamos o pensamento de Fleck para uma reflexão sobre os esforços de comunicação entre CPs assentados em EPs distintos em saúde mental. Löwy26 relembra que: o “processo de aprendizagem não é, de maneira alguma, extensível ad infinitum, mas limitado pelas capacidades cognitivas do cérebro humano. Durante a socialização na maneira de ver de uma especialidade médica não se perde apenas o ‘olhar ingênuo’ sobre fenômenos observados, mas também, pelo menos, uma parte do treinamento que leva a perceber o mesmo objeto no ‘estilo’ de um outro coletivo de pensamento”26 (p.10).
É nesse paradoxo, que os resultados aqui apresentados, reforçam a importância da sustentação dos diálogos entre psiquiatria e psicanálise, de maneira que cada um dos campos funcione como interrogante crítico do outro. Os depoimentos permitem compreender o risco que o debate no campo da saúde mental corre ao negligenciar dimensões complexas de seus objetos de observação e intervenção. Nomearemos como “arrogância epistêmica” aquilo que, em sua forma extrema, pode chegar à condição de “cegueira epistêmica”, capaz de forcluir da zona de reflexão em saúde mental, aspectos centrais e complexos, cuja compreensão necessite de conhecimentos oriundos de outros campos do saber.
Abordagens simplificadoras e reducionistas podem levar a consequências deletérias para as os indivíduos e para a coletividade. Calazans & Lustoza27, ao revisar as premissas da medicina baseada em evidências, criticam o que seria uma “extensão abusiva deste modelo para o campo das psicoterapias e da psicanálise”, especificando as limitações do modelo quando tratamos de sintomas psíquicos, sob risco de “acentuar a miséria do sujeito, desconhecendo justamente sua implicação no sintoma”27 (p.18). Esse ponto de vista corrobora as ideias de Stanguellini & Broome28 sobre a necessária discriminação psicopatológica dos sentidos subjacentes às queixas e aos sintomas dos pacientes, marcados pelos aspectos inconscientes deles, e inapreensíveis por abordagens generalizantes.
Em síntese, os resultados permitem compreender como a existência de um CP psicanalítico no âmbito da psiquiatria contemporânea, pôde favorecer, por meio do diálogo interdisciplinar, a valorização dos aspectos subjetivos na prática clínica em saúde mental, prevenindo-se, assim, reducionismos clínicos e extrapolações epistemológicas.

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Leite, R. L., Castellana, G. B., Busatto Filho, G.. Um coletivo de pensamento psicanalítico no âmbito da psiquiatria: impactos para consideração da subjetividade. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/Mar). [Citado em 06/10/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/um-coletivo-de-pensamento-psicanalitico-no-ambito-da-psiquiatria-impactos-para-consideracao-da-subjetividade/19127?id=19127

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