0417/2023 - Uso de dietas especiais no Brasil: II Inquérito Nacional de Alimentação 2017-2018
Use of special diets in Brazil: II National Food Survey 2017-2018
Autor:
• Beatriz Salari Bortolot - Bortolot, B. S. - <bia_salari@hotmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2895-874X
Coautor(es):
• Eliseu Verly Junior - Verly Junior, E. - <eliseujunior@gmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1101-8746
• Marina Araujo - Araujo, M. - <mcamposaraujo@gamil.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7980-6618
Resumo:
O objetivo do presente estudo foi estimar a prevalência do uso de dietas especiais e analisar o perfil sociodemográfico, o estado nutricional e uso de sal, açúcar e adoçantes em brasileiros que realizam dietas especiais. Trata-se de um estudo transversal utilizando dados do segundo Inquérito Nacional de Alimentação 2017/2018 (n=45.689 indivíduos com pelo menos 10 anos de idade). Foi questionado o uso de dietas para hipertensão, diabetes, colesterol, doença do coração e para emagrecer. Foi estimada a prevalência do uso de dietas de acordo com características sociodemográficas e estado nutricional, e modelos de regressão logística foram utilizados para avaliar os fatores associados à realização de dietas. Todas as análises consideraram o desenho da amostra e os fatores de expansão. A prevalência do uso de dietas especiais foi de 14,3%, sendo as dietas para emagrecer (5,2%) e pressão alta (4,6%) as mais prevalentes. As mulheres, idosos, indivíduos de maior renda e com obesidade tiveram maiores chances de realizarem qualquer tipo de dieta especial quando comparados aos seus pares.Palavras-chave:
Dietas especiais; Inquérito Nacional de Alimentação; Nutrição.Abstract:
The objective of the present study was to estimate the prevalence of the use of special diets and to analyze the sociodemographic profile, nutritional status and eating habits of the Brazilian population that uses special diets. This is a cross-sectional study using data from the second National Food Survey 2017/2018 (n=45,689 individuals aged at least 10 years). The use of diets for hypertension, diabetes, cholesterol, heart disease and weight loss were questioned. The prevalence of diet use was estimated according to sociodemographic characteristics and nutritional status, and logistic regression models were used to assess factors associated with dieting. All analyzes considered sample design and expansion factors. The prevalence of the use of special diets was 14.3%, with diets for weight loss (5.2%) and high blood pressure (4.6%) being the most prevalent. Women, the elderly, individuals with higher incomes and those with obesity were more likely to follow any type of special diet when compared to their peers.Keywords:
Special diets. National Food Survey. Nutrition.Conteúdo:
Dados do estudo Global Burden of Disease estimaram que, em 2019, as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) foram responsáveis por 74% do total de óbitos no mundo1. Em 2018, segundo dados do Ministério da Saúde (MS), os quatro principais grupos de DCNT (câncer, diabetes, doenças pulmonares e cardiovasculares) foram responsáveis por 55% do total das mortes no Brasil. Na maioria das DCNT, foram observadas maiores taxas de mortalidade entre homens, e entre adultos e idosos. Homens apresentaram os maiores riscos de morte prematura por DCNT, sendo o maior risco observado para as doenças cardiovasculares (166 por 100 mil indivíduos)2.
Mudanças no estilo de vida, em particular na alimentação, são estratégias importantes para controle das DCNT e seus fatores de risco, reduzindo o risco de mortalidade prematura3-5. Neste sentido, a adoção de dietas especiais é associada a escolhas alimentares mais saudáveis e normalmente faz parte das orientações prescritas por profissionais de saúde para indivíduos portadores de DCNT, tanto para o tratamento quanto para a prevenção de desfechos de saúde desfavoráveis6. Entre as evidências que suportam o uso de dietas específicas para melhorar a saúde e diminuir os sintomas de doenças crônicas, destacam-se a dieta mediterrânea, para reduzir os principais eventos de doenças cardiovasculares, e a dieta DASH, para reduzir a pressão arterial e níveis de colesterol7-9.
Dentre os poucos estudos que avaliaram o uso de dietas especiais em populações6,9-12, observam-se diferenças em relação a características dos indivíduos, como sexo, faixa etária e estado nutricional11,12. Considerando que a ocorrência de DCNT é mais frequente em determinados estratos da população, como indivíduos com excesso de peso, de maior idade e piores condições socioeconômicas13 conhecer a distribuição do uso de diferentes tipos de dietas segundo estas características permite avaliar o alcance do uso das dietas como forma de controle das DCNT nos grupos de maior risco. Não foi identificado, até o momento, nenhum estudo de representatividade nacional avaliando a prevalência do uso de dietas especiais na população brasileira. Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi estimar a prevalência do uso de dietas especiais na população brasileira e analisar a associação entre perfil sociodemográfico e estado nutricional com o uso de dietas especiais na população brasileira a partir dos dados do II Inquérito Nacional de Alimentação 2017- 2018. Além disso, foi avaliado o uso de sal, açúcar e adoçantes de adição entre os indivíduos que realizam dietas especiais. Estas variáveis serão utilizadas como marcadores de adesão às dietas, uma vez que são componentes que usualmente são abordados nos diferentes tipos de dietas especiais.
MÉTODOS
Foram utilizados dados do módulo de características das dietas, coletado no segundo Inquérito Nacional de Alimentação (INA), que corresponde ao Bloco de Consumo Alimentar Pessoal da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), conduzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre 2017 e 2018. Para a POF 2017-2018 foram selecionados 57.920 domicílios. A amostra para o INA correspondeu 34,7% dos domicílios amostrados para a POF 2017-2018, totalizando 20.112 domicílios selecionados. Todos os moradores com pelo menos 10 anos de idade dos 20.112 domicílios amostrados responderam as questões relativas ao uso de dietas especiais, totalizando 46.164 indivíduos14. Para este estudo, houve a exclusão dos indivíduos amarelos e indígenas (n=475), totalizando o total de 45.689 indivíduos.
Descrição das variáveis
Realização de dietas especiais - INA – POF 2017-2018
A variável investigada foi obtida a partir das seguintes perguntas do Bloco de consumo alimentar pessoal da POF 2017-2018:
• “Faz alguma dieta?”: “sim” ou “não”
• “Dieta para”: “emagrecer”, “pressão alta”, “colesterol”, “diabetes”, “doença do coração” e “outra necessidade”.
O entrevistado poderia informar a condição de estar submetido a uma dieta que atendesse a múltiplos propósitos, ou seja, era possível marcar mais de uma opção dentre as dietas apresentadas. Não havia opção para informar qual a dieta que se referia a “outra necessidade”.
A fim de identificar se era realizado, concomitantemente, mais de um tipo de dieta especial, foi categorizado a quantidade de tipos de dietas em: apenas um tipo de dieta, dois tipos e três tipos ou mais de dietas.
Características sociodemográficas
Foram coletadas informações sobre sexo (masculino e feminino); idade, posteriormente categorizada em adolescentes (<20 anos), adultos (20 a 59 anos) e idosos (60 anos ou mais); raça/cor da pele (branca, preta, amarela, parda ou indígena); escolaridade e renda domiciliar per capita.
A renda domiciliar per capita foi calculada como a renda total do domicílio dividida pelo número de residentes e convertida em salários-mínimos segundo valor vigente no período de referência do estudo (R$ 954,00, janeiro de 2018). A seguir foi categorizada como “?0,5 salário-mínimo per-capita”, “>0,5 e ?1”, “>1 e ?2”, “>2 e ?3”, “>3 e ?4” e “>4”.
A escolaridade foi avaliada pela questão “Qual foi o curso mais elevado que frequentou anteriormente?”. Foram utilizadas as categorias: até primário completo, fundamental completo, médio completo e superior completo ou mais.
Para a variável raça/cor de pele, as opções de resposta eram: “branca”, “preta”, “parda”, “amarela” ou “indígena”. Estas duas últimas, amarela e indígena, não foram incluídas nas análises por apresentarem percentual baixo (1,2%) na amostra.
Estado nutricional
O índice de massa corporal (IMC) foi calculado a partir do peso e altura autorreferidos. Foram utilizados os pontos de corte recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS, 1998)15 para adultos e idosos, considerando <18,5kg/m2 (abaixo do peso), >18,5 até 24,9kg/m2 (peso adequado), ?25 até 29,9kg/m2 (sobrepeso) e >30,0kg/m2 (obesidade). Para adolescentes, foram adotados os valores de IMC em escore z para idade e sexo recomendados pela OMS (2007)16, utilizando-se o Software WHO Anthro-Plus versão 1.0.4, considerando as seguintes classificações do índice IMC para idade: escore-z < -2 (baixo peso), escore-z ? -2 e escore-z < 1 (eutrofia), escore-z ? 1 e escore-z < 2 (sobrepeso) e escore-z ? 2 (obesidade).
Uso de sal, açúcar e adoçante de adição
O questionário também incluiu questões sobre o uso de sal de adição (se tinha o hábito de adicionar sal ao prato de comida) e açúcar de adição (se o uso mais frequente era de açúcar, adoçante ou ambos). Para a variável sal de adição o entrevistado podia assinalar “sim” ou “não”. Já para a variável açúcar e adoçante de adição, o entrevistado podia assinalar o uso: i) somente de açúcar, ii) somente de adoçante, iii) açúcar e adoçante. Para este estudo considerou-se o uso somente de açúcar e somente de adoçante.
Análise estatística
Foram estimadas as prevalências e seus respectivos intervalos de confiança de 95% do uso de dieta especial e sua finalidade (emagrecer, pressão alta, diabetes, colesterol e doença do coração) de acordo com a faixa etária e sexo, estado nutricional, estratos de renda, escolaridade e raça/cor. Além disso, foi estimada a prevalência e intervalo de confiança de 95% do uso de sal, açúcar de adição e adoçante segundo a realização dos tipos de dietas especiais. Foram consideradas diferença estatisticamente significativas entre as prevalências quando não houve sobreposição de seus respectivos IC95%.
Modelos de regressão logística foram utilizados para avaliar os fatores associados ao uso de dietas especiais, sendo um modelo para cada variável dependente: i) realizar qualquer tipo de dieta; ii) dieta para pressão alta; iii) dieta para emagrecer; e iv) dieta para diabetes. Cada um dos modelos foi mutuamente ajustado pelas seguintes variáveis: sexo, faixa etária, estado nutricional, renda domiciliar per capita, escolaridade e raça.
As análises foram realizadas nos Programas R versão 4.1.0 e SAS OnDemand for Academics, considerando o desenho amostral complexo e os seus fatores de expansão.
Aspetos éticos
O presente estudo utilizou banco de dados secundários da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-201814, sendo este de acesso público e irrestrito, no qual os microdados estão disponibilizados gratuitamente no site da instituição (https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/24786-pesquisa-de-orcamentos-familiares-2.html?edicao=28523&t=sobre). Sendo assim, o presente trabalho dispensa apreciação pelo Comitê de Ética em Pesquisa.
RESULTADOS
A amostra foi composta em sua maioria por mulheres (52,1%), adultos (62,9%), pardos (44,9%), eutróficos (45,5%), indivíduos com ensino médio completo (26,4%) e residindo em domicílios com renda domiciliar per capita de um a dois salários-mínimos por mês (31,6%) (Tabela 1).
O uso de dietas especiais foi relatado por 14,3% dos indivíduos. A prevalência foi maior entre as mulheres (17,8%; IC95% 17,0-19,0) quando comparada aos homens (9,6%; IC95% 9,0-10,0); entre os idosos (27,3%; IC95% 25,7-28,9) em comparação às demais faixas etárias; em indivíduos de maior renda (22,7%; IC95% 20,9-25,7) quando comparados ao estrato inferior de renda; e entre os indivíduos com obesidade (21,6%; IC95% 20,1-23,2) em comparação aos demais estados nutricionais. As maiores prevalências de realização de dietas foram observadas nos indivíduos de menor escolaridade (até primário completo) (Tabela 1).
Dentre a população estudada (n=45.689), a dieta para emagrecer foi a mais prevalente na população (5,2%; IC95% 4,8-5,5), seguida da dieta para pressão alta (4,6%; IC95% 4,3-5,0), diabetes (3,5%; IC95% 3,3-3,8), colesterol (2,9%; IC95% 2,7-3,2) e dieta do coração (0,8%; IC95% 0,7-0,9). A dieta para pressão alta foi mais prevalente nos homens (3,7%; IC95% 3,3-4,0) e a dieta para emagrecer mais prevalente nas mulheres (7,4%; IC95% 6,9-7,9). A prevalência da realização de qualquer tipo de dieta foi maior entre os idosos, tanto para homens (22,4%; IC95% 20,3-24,6) quanto para mulheres (31,2%; IC95% 29,1-33,3), destacando-se as dietas para pressão alta e diabetes nesta faixa etária. Entre os adultos e adolescentes, a dieta para emagrecer foi a mais prevalente, tanto para homens quanto para mulheres. Dentre as pessoas que faziam dieta, a maioria da população estudada (70,1%; IC95% 69,1-72,7) afirmou realizar apenas um tipo de dieta especial (Tabela 2).
Observou-se maior prevalência da prática de diferentes tipos de dieta entre indivíduos com excesso de peso e obesidade e os de maior renda, e uma redução entre os de maior escolaridade. A exceção foi em relação à dieta para emagrecer que foi mais prevalente entre os de maior escolaridade, 10,4%; IC95% 9,1-11,7, vs. 2,6%; IC95% 1,8-3,5 em indivíduos com até primário completo. Não foi observado um padrão definido de realização de dietas segundo a cor da pele (Tabela 3).
A prevalência do uso de açúcar foi menor entre os indivíduos que relataram realizar qualquer tipo de dieta comparados àqueles que não realizaram nenhum tipo de dieta (homens: 53,1%; IC95% 49,7-56,5 vs. 85,4%; IC95% 84,4-86,4; mulheres: 51,1%; IC95% 48,6-53,5 vs. 81,9%; IC95% 80,8-82,9). No entanto, a prevalência do uso de adoçante foi maior entre os indivíduos que realizaram dieta, 28,2%; IC95% 25,2-31,2 (homens) e 28,4%; IC95% 26,3-30,4 (mulheres), comparados àqueles que não realizaram nenhum tipo de dieta, 4,5%; IC95% 4,0-5,1 (homens) e: 6,7%; IC95% 6,0-7,4 (mulheres). Esta diferença foi mais predominante entre os indivíduos que realizavam dieta para diabetes, quando comparados àqueles sem dieta. O uso do sal de adição, em sua maioria, foi menos prevalente entre os que realizavam dieta, principalmente entre as mulheres (9,6%; IC95% 8,4-10,9), sendo a menor prevalência entre os indivíduos que realizavam dieta para pressão alta (homens: 6,3%; IC95% 3,8-8,8; mulheres: 5,9%; IC95% 4,3-7,5) (Tabela 4).
Na análise com os modelos da regressão logística, os idosos apresentaram maiores chances de uso de dietas especiais comparados aos adultos, exceto em relação a dieta para emagrecer. As maiores magnitudes das associações foram observadas em relação às dietas para pressão alta e diabetes (OR=3,9; IC95% 3,2-4,7 e OR=4,7; IC95% 3,8-5,8, respectivamente). Indivíduos com obesidade apresentaram maior chance de realizar os diferentes tipos de dietas testados, com maior associação observada para dietas para emagrecer (OR=4,2; IC95% 3,4-5,0). O efeito da renda sobre a realização de qualquer tipo de dieta foi observado, de forma geral, em quase todas as categorias comparadas à de menor renda. Especificamente em relação à dieta para pressão alta e diabetes, não foram observadas diferenças entre os estratos de renda. Indivíduos com maior escolaridade apresentaram maior chance de realizar dieta para emagrecer. Por outro lado, os de menor escolaridade apresentaram maior chance de realizar dietas para pressão alta e diabetes (Tabela 5).
Discussão
O presente estudo estimou que aproximadamente 15% da população brasileira acima de 10 anos de idade realizava dietas especiais, sendo a dieta para emagrecer a mais prevalente, seguida pela dieta para pressão alta, diabetes, colesterol e dieta do coração. Verificou-se que, de forma geral, as mulheres, os idosos, indivíduos com obesidade, e indivíduos com maior renda tiveram maior chance de realizar dietas em comparação aos seus pares.
Já é conhecido que as mulheres tendem a procurar mais os serviços de saúde, o que corrobora para maior prevalência do uso de dietas entre as mulheres quando comparado aos homens. De acordo com a última edição da PNS 2019, 82,3% das mulheres se consultaram um médico nos 12 meses anteriores à entrevista em comparação à 69,4% dos homens17. Além disso, segundo a PNS (2019)18, a proporção de diagnóstico de DCNT aumenta com a idade, o que explica a maior prevalência de realização de dietas entre os idosos, uma vez que este grupo tende a necessitar mais de estratégias para manutenção da saúde.
A maior prevalência de realização de todos os tipos de dietas entre os indivíduos com sobrepeso e obesidade pode ser em parte explicada pela atenção maior aos cuidados com saúde direcionadas a estes grupos em vista do risco aumentado para outras comorbidades19,20. No entanto, representa um percentual pequeno em relação ao total de indivíduos com excesso de peso na população, que está em torno de 60% 18. Por outro lado, indica também uma intenção de mudança no estado de saúde 21, o que é um diagnóstico positivo, ainda que em uma pequena parcela da população. Somado a isso, motivações de ordem estéticas, independentemente de questões relativas à saúde, provavelmente explicam uma parte considerável destes resultados, especialmente entre as mulheres 22.
A segunda dieta mais relatada na população estudada foi a dieta para pressão alta (4,9%), principalmente entre os idosos (11,6% entre os homens e 17,2% entre as mulheres). Espera-se que as pessoas diagnosticadas com pressão alta recebam alguma recomendação sobre sua alimentação e sejam capazes de efetivar tais orientações visando o controle da hipertensão. Neste estudo não sabemos se as pessoas que fazem dietas para hipertensão de fato foram diagnosticadas com hipertensão (embora seja bem razoável assumir que sim, pelo menos para a grande maioria). Da mesma forma, não sabemos se todas as pessoas já diagnosticadas já receberam alguma orientação sobre adotar alguma dieta. De todo modo, a prevalência de uso de dieta para pressão alta observada é substancialmente inferior à prevalência de hipertensos estimada no Brasil (23,9% da população, sendo 46% entre os idosos, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde)18. Isto implica que a dieta como uma estratégia importante para o controle da hipertensão é pouco utilizada. Situação um pouco mais otimista é observada para a diabetes. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde, a prevalência de diabetes varia de 6,6% a 9,4% dos brasileiros, dependendo do critério utilizado para diagnóstico23, diante de aproximadamente 4% da população que relatou o uso de dieta para esta finalidade.
Foi observada menor utilização de sal e açúcar de adição entre quem relatou fazer uso de dietas, indicando a importância que estes componentes geralmente recebem nas orientações sobre alimentação. Neste estudo não foi avaliada a qualidade nutricional das dietas. No entanto, fazer o uso das dietas especiais parece ter tido um efeito benéfico na escolha (e consequentemente no consumo) de sal e açúcar na população, que são itens abordados nas dietas para pressão alta e diabetes, e importantes no controle das respectivas doenças.
A maior chance de realizar dietas entre os de maior rendimento segue o já conhecido efeito da renda no acesso aos serviços de saúde24. O mais provável é que este grupo tenha tido maior acesso ao diagnóstico, maior acesso a profissionais com condições e recursos para dar orientações sobre alimentação, ou mesmo terem maior condições para seguir as orientações recebidas. No entanto, chama a atenção o fato de as maiores prevalências terem sido observadas, de forma geral, entre os de menor escolaridade, particularmente indivíduos com até o primário completo, mesmo após o ajuste por faixa etária (considerando que os idosos são os com maior prevalência de DCNT e também os de menor escolaridade). Uma das explicações é a maior prevalência de DCNT observada entre os indivíduos de menor escolaridade13, e isto parece ser um determinante importante independente da renda e da faixa etária.
Ao comparar com estudos internacionais semelhantes, as prevalências de uso de dietas observadas no Brasil foram maiores que as observadas nos Estados Unidos, com base nos dados do National Health Interview Survey de 201211, com 34.525 americanos acima de 18 anos. Entre os americanos, a prevalência do uso de dietas foi 7,5%. Dentre os que fizeram dietas especiais, a maior parte era do sexo feminino (60,6%), entre 50 e 64 anos de idade (36,1%), em indivíduos com sobrepeso e obesidade (62,5%). Além disso, o estudo encontrou maior prevalência de uso de dietas em indivíduos brancos não-hispânicos (74,6%) e entre aqueles que cursaram ensino superior (58,4%). Também foi observado maior prevalência entre os que tiveram algum histórico de doença: hipertensão (30,3%), diabetes (10,4%), alguma doença do coração (3,5%).
Outro estudo conduzido com a população americana, no entanto, as prevalências foram mais próximas às observadas no presente estudo. Stierman et al12, usando dados do National Center for Health Statistics (NCHS) observou que aproximadamente 17% dos adultos norte-americanos com 20 anos ou mais relataram estar em qualquer tipo de dieta especial entre 2015 e 2018, novamente com um percentual maior entre as mulheres (19% entre as mulheres vs. 15% entre os homens). A prevalência também foi maior entre os indivíduos com 40 a 59 anos (19,2%) e com 60 anos ou mais (19,3%). O percentual de adultos em uma dieta especial aumentou com a escolaridade, o que não foi, entretanto, observado no presente estudo. O padrão dos tipos mais comuns de dietas especiais variou de acordo com a idade, no entanto, o tipo mais comum de dieta especial considerando todas as faixas etárias foi a dieta para perda de peso ou dieta de baixa caloria.
Cabe mencionar aqui algumas limitações do presente estudo: o conceito do que se entende por dieta pode variar entre os indivíduos, não sendo possível saber se a dieta referida representa uma mudança dietética de curto ou longo prazo e não há dados que permitam avaliar a indicação necessária ou diagnóstico prévio que justifique a finalidade da dieta adotada. Porém, como pontos fortes do estudo, destaca-se o fato de ser um trabalho inédito e a nível nacional, por avaliar a prevalência do uso de dietas especiais em uma amostra representativa da população brasileira.
Concluindo, aproximadamente 15% da população relatou uso de algum tipo de dieta especial, sendo mais frequente em mulheres, idosos, indivíduos com excesso de peso e de maior renda. As prevalências do uso de dietas para hipertensão e diabetes foram substancialmente inferiores ao percentual da população que relata diagnóstico destas condições.
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