0360/2025 - Adolescent nutrition and characteristics of the PNAE according to government sphere
Alimentação de adolescentes e características do PNAE segundo esfera governamental
Author:
• Juliana Cesário Aragi - Aragi, JC - <juliana.aragi@gmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8878-517X
Co-author(s):
• Daniela Silva Canella - Canella, DS - <daniela.canella@uerj.br> +ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9672-4983
• Daniel Henrique Bandoni - Bandoni, D.H - <dbandoni@unifesp.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1638-1437
Abstract:
This study sought to examine differences between federal and state high schools and their students regarding the provision of meals and food, sociodemographic variables, and student nutrition. Data from the 2023 School Census and the 2019 National School Health Survey (PeNSE) were used. The variables of interest were the physical and functional data of the schools, presence and consumption of food offered by the cafeteria, consumption of school meals and food, and dietary routine. Regarding their structure, state schools had more kitchens, pantries, and food preparation professionals. There was an indication of a lack of school meals in federal schools over 60%, while only 6.16% in state schools. Differences were found in the regular consumption of school meals, the presence and consumption of food in the cafeteria, and their relationship with students' food consumption. The federal sphere had a lower prevalence of school meals and a higher number of cafeterias, which seems to influence students' food consumption. The results indicate that there are differences between spheres that are reflected in the supply and consumption of school meals by students.Keywords:
National School Feeding Program (PNAE); School feeding; Public food and nutrition policies; Federal Institutes.Content:
Os Programas de Alimentação Escolar ganharam uma atenção significativa como impulsionadores da alimentação saudável e do desempenho acadêmico, sendo exemplos de iniciativas públicas que colaboram com o cumprimento de alguns dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas1. Segundo dados do relatório da Pesquisa Global de Programas de Alimentação Escolar de 2021 2, o país com o maior número de estudantes atendidos é a Índia, seguida pelo Brasil.
Apesar da sua importância, a taxa de oferta de alimentação escolar (AE) entre estudantes acima da escola primária, principalmente nos países de baixa renda é baixa, sendo uma lacuna nos programas de alimentação escolar, dada a influência que eles podem ter na saúde, estado nutricional e desenvolvimento de crianças e adolescentes 2.
No Brasil, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é a política pública direcionada para a alimentação mais abrangente e duradoura, com uma trajetória de mais de 60 anos, sendo uma das políticas públicas de proteção social e de segurança alimentar e nutricional mais antiga do país 3,4,5. O programa, desde 2009, atende de forma universal aos estudantes do ensino básico público brasileiro 4,5. Entretanto, o consumo desta alimentação é desigual. A adesão por parte dos estudantes, principalmente do ensino médio, é baixa 6. Esta se deve a fatores socioeconômicos, nível de escolaridade materna, idade, situação de segurança alimentar e determinantes do contexto escolar 7,8,9,10.
Ademais, na prática, nem todos os estudantes do ensino básico são atendidos pelo programa e, apesar do recurso do PNAE ser de caráter suplementar, os valores descentralizados pela União acabam sendo a principal fonte de verba para sua execução em muitas entidades executoras, gerando uma discrepância e dependência deste recurso pelos entes federativos para a garantia deste direito aos seus beneficiários 10,11.
O diferente contexto das esferas governamentais (municipal, estadual e federal) pode interferir no que é ofertado aos estudantes e, consequentemente, impactar no acesso e consumo das refeições ofertadas nas escolas. Algumas diferenças entre o ensino federal e os demais, por exemplo, são que estes possuem autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didático-pedagógica, além de receberem o recurso descentralizado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) em parcela única, o que não ocorre nos estados e municípios em que a gestão é feita pelas secretarias de educação e prefeituras, sendo o recurso repassado em até oito parcelas anuais 12,13. No entanto, não há estudos que comparam estes determinantes do consumo e a oferta entre as principais esferas de oferta de ensino no país e na América do Sul 14.
Assim, o objetivo deste trabalho é explorar potenciais diferenças entre as esferas federal e estadual de ensino médio brasileiro, quanto a oferta, variáveis sociodemográficas, de consumo e rotina alimentar e a adesão à AE, a fim de evidenciar as desigualdades e conformidades entre elas, para contribuir com o acesso igualitário e com o direcionamento e estratégias de gestão do programa nas instituições públicas de ensino brasileiras.
MÉTODOS
Base de dados e amostra utilizada
O estudo utilizou os dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) realizada em 2019, conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com o Ministério da Saúde e com o apoio do Ministério da Educação e do Censo Escolar de 2023, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).
A PeNSE 2019 investigou fatores do ambiente escolar e do nível individual dos estudantes do 7º ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio, em escolas públicas e privadas do Brasil, localizadas nas zonas urbana e rural.
A pesquisa realizou um plano amostral complexo, dimensionada para estimar parâmetros populacionais dos estudantes de 13 a 17 anos de idade, dos seguintes níveis geográficos: Brasil, Grandes Regiões, Unidades da Federação, Municípios das Capitais e Distrito Federal. Para determinação das escolas participantes, levou-se em consideração a localização geográfica e se estava localizada em uma capital ou não, sendo obtido assim 53 estratos geográficos, dois para cada Estado e um para o Distrito Federal. As escolas foram organizadas segundo a dependência administrativa (pública ou privada) dentro de cada estrato geográfico, totalizando 106 estratos de dimensionamento 15.
A seleção das turmas para cada escola foi feita por amostragem aleatória simples e de acordo com o número de turmas que deveria ser selecionado para cada estrato que as escolas pertenciam. Todos os alunos das turmas selecionadas em cada uma das escolas presentes no dia da coleta dos dados da turma foram automaticamente convidados para responder ao questionário da pesquisa 15. No total, 4.242 escolas, 6.612 turmas, 183.264 alunos frequentes participaram. A amostra totalizou um retorno de 159.245 questionários válidos.
As análises deste estudo consideraram apenas os estudantes do ensino médio, matriculados em escolas estaduais e federais, por estas serem as principais esferas de oferta deste nível de ensino no Brasil, com obrigatoriedade de execução do PNAE. Assim, foram excluídos do banco inicial, nesta ordem: 88.475 estudantes do ensino fundamental ou que não informaram seu nível de ensino, 31.118 estudantes de escolas privadas e 196 estudantes do ensino médio matriculados em escolas municipais.
O Censo Escolar se trata de uma pesquisa realizada anualmente pelo INEP em articulação com as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação. A pesquisa levanta dados sobre a escola, professores, gestores, turmas e alunos de todas as etapas e modalidades de ensino da educação básica 16.
Nesta pesquisa foram utilizados os dados apenas das escolas estaduais e federais, que estavam em funcionamento em 2023 e que possuíam estudantes matriculados no ensino médio.
Variáveis de estudo
As variáveis utilizadas neste estudo foram retiradas do questionário direcionado aos estudantes sobre informações gerais e alimentação, bem como do questionário do ambiente escolar que foi respondido pelo diretor ou responsável pela escola (variável de existência ou não de cantina na instituição), da PeNSE 2019.
A variável de interesse do presente trabalho é o consumo da AE pelos estudantes, que foi coletada pela pergunta presente no questionário do aluno no módulo de alimentação: “Você costuma comer a comida/merenda oferecida pela escola?”. Para as análises, as respostas foram agrupadas em duas categorias: consumo regular da alimentação escolar, em que foram consideradas as respostas “sim, todos os dias e sim, 3 a 4 dias por semana” e não consome regularmente a alimentação escolar, em que foram incluidas as respostas “sim, 1 a 2 dias por semana; raramente e não”.
As variáveis independentes do estudo foram as características sociodemográficas, em que foram analisadas as informações sobre sexo, idade, raça e cor, quantidade de pessoas na residência e a escolaridade materna, bem como sobre a rotina alimentar, em que se analisou todas as variáveis presentes no módulo alimentação do questionário do estudante.
Para as variáveis “costuma comprar alimentos ou bebidas na cantina dentro da escola?” e “costuma comprar alimentos ou bebidas de vendedores de rua (camelô ou ambulante) na porta ou ao redor da escola?”, as respostas foram agrupadas em “sim, pelo menos 1 vez/semana; não ou raramente ou não tem cantina ou vendedores de rua próximo da escola”. As perguntas “costuma tomar o café da manhã?”; “costuma almoçar ou jantar com sua mãe, pai ou responsável?” e “costuma comer fazendo alguma outra coisa (assistindo à TV, mexendo no computador ou no celular)?”, foram agrupadas da seguinte forma: “sim, de 5 a 7 dias/semana; sim, de 1 a 4 dias/semana e não ou raramente”.
Além disso, para as variáveis de análise de consumo de alimentos e bebidas nos últimos sete dias, as respostas foram subdivididas em consumo regular “sim e não”, sendo categorizadas em sim, quando foi indicado o consumo de quatro a todos os dias na semana e não de três a nenhum dia na semana.
As variáveis do Censo Escolar utilizadas foram extraídas do formulário referente à escola e os dados coletados foram referentes a dependência governamental da escola, a existência de cozinha, despensa, refeitório, nutricionista na unidade escolar, profissionais de preparação e segurança alimentar, cozinheiro(a), merendeiro(a) e auxiliar de cozinha, além da indicação de oferta de alimentação escolar, de escolas em funcionamento, com oferta de ensino médio.
Análise estatística
Os dados foram analisados segundo esfera de ensino (federal ou estadual). Foram realizadas análises descritivas da amostra, com valores brutos e porcentagem.
O consumo de AE e o comportamento alimentar dos estudantes foi analisado segundo as características sociodemográficas e por esfera de ensino (federal ou estadual). A análise descritiva foi realizada a partir da caracterização da rotina alimentar e dados sociodemográficos dos estudantes. Para verificar as diferenças entre as duas esferas de ensino com as demais variáveis, foi realizado o teste qui-quadrado de Pearson e foram considerados como significativos os valores de p < 0,05.
Análises de associação entre consumo regular da alimentação escolar e aquisição de alimentos na cantina (desfechos) e comportamento e consumo alimentar, segundo a esfera de ensino, foram obtidas por modelos de regressão de Poisson que geraram razões de prevalência e seus respectivos intervalos de 95% de confiança (IC95%). Para avaliar tais associações, os modelos foram ajustados pelas variáveis sociodemográficas que foram significativamente associadas ao consumo regular de alimentação escolar (p < 0,05).
Todas as análises foram realizadas utilizando-se o programa Stata versão 14.2 (StataCorp LP, College Station, Estados Unidos), sendo considerado o desenho em conglomerados da amostra.
RESULTADOS
Os dados físicos e de recursos humanos das escolas estaduais e federais, são apresentadas na Tabela 1. Aproximadamente 100% das escolas estaduais que participaram do Censo Escolar de 2023 indicaram que possuem a oferta de alimentação escolar, enquanto 71% foi relatado na esfera federal.
Quanto a estrutura física, a ocorrência de presença de cozinha e despensa nas escolas estaduais foi maior, já a presença de refeitório ocorreu em maior parte nas escolas federais. A presença de nutricionista na escola foi maior na esfera federal, no entanto a presença de profissionais de preparação e segurança alimentar, cozinheiro(a), merendeiro(a) e auxiliar de cozinha foi maior entre as escolas estaduais.
No total, no que diz respeito aos dados da PeNSE, 39.456 estudantes do ensino médio foram incluídos no presente estudo, sendo 1.650 da esfera federal e 37.806 estadual. 61,27% dos estudantes das escolas federais indicaram que não ocorre a oferta de AE, enquanto nas estaduais apenas 6,16% relataram tal situação. Entre as escolas federais, 83,94% indicaram possuir cantina e apenas 30,78% das escolas estaduais (dados apresentados em material suplementar). O consumo regular da AE foi relatado mais frequentemente entre os estudantes do ensino estadual (40,88%) do que na esfera federal (20,18%).
A presença de cantina na escola está associada a diminuição do consumo de AE em ambas as esferas, enquanto comprar alimentos deste estabelecimento apenas apresentou associação na gestão estadual, onde foi maior a prevalência de estudantes que não consomem a AE regularmente e adquirem alimentos na cantina, pelo menos uma vez na semana (Tabela 2).
Quanto à rotina alimentar e ao consumo regular de AE, tomar café da manhã se associou apenas à gestão estadual. O ato de almoçar ou jantar com os responsáveis, pelo menos uma vez por semana, apresentou maior prevalência de consumo regular de AE e comer realizando outras atividades apresentou relação com o consumo de AE nas duas esferas. Os marcadores de consumo alimentar dos estudantes associados ao consumo regular da AE em ambas as esferas são apresentados na Tabela 3.
Com relação ao consumo de alimentos e bebidas no dia anterior, ter tomado refrigerante e suco de caixinha ou lata, se associou com o consumo de AE em ambas as esferas, sendo a maior a prevalência entre os estudantes que indicaram não ter consumido estes produtos. Apresentou associação apenas na esfera federal o consumo de salgadinho de pacote ou biscoito e bolacha salgados, em que a maior prevalência de consumo de AE ocorreu entre os que indicaram haver consumido estes alimentos. Na esfera estadual o consumo de refresco em pó, bebidas achocolatadas, pães e molhos industrializados, se associou ao consumo da AE, no entanto foi maior a prevalência de não consumo regular da AE entre os estudantes que indicaram o consumo destes produtos.
Quanto à ingestão de alimentos e bebidas durante a semana anterior ao questionário, apenas o consumo de feijão se associou com a adesão à AE nas duas esferas. Ter consumido legumes e verduras, guloseimas doces, frutas frescas ou salada de frutas, refrigerante ou em lanchonete e fast food se relacionou com o consumo regular de AE no ensino estadual apenas (Tabela 3).
A tabela 4 mostra as razões de prevalência (RP) ajustadas pelas variáveis sociodemográficas do consumo regular da AE em relação ao consumo e o comportamento alimentar dos estudantes, de acordo com a esfera de ensino. O menor consumo de alimentação escolar entre os estudantes da rede federal se associou ao consumo mais frequente de refresco em pós, salgadinho de pacote (chips) ou biscoito/bolacha salgada e comer realizando outra atividade.
Na tabela 5 são apresentadas as razões de prevalência (RP) ajustadas pelas variáveis sociodemográficas da aquisição de alimentos na cantina escolar em relação ao consumo e o comportamento alimentar dos estudantes, de acordo com a esfera de ensino. Os resultados mostram significância entre adquirir alimentos na cantina e o consumo de refrigerante, feijão, e comer em lanchonetes, barracas de cachorro-quente, pizzaria, fast food em ambas as esferas de ensino e apenas na federal o consumo de refresco em pó e o comportamento de almoçar ou jantar com os responsáveis regularmente.
DISCUSSÃO
O PNAE possui importante papel na efetivação do direito humano à alimentação adequada dos estudantes do ensino básico público no Brasil. O programa é executado em todo o território nacional e em todas as esferas de gestão pública de educação, situação que faz com que ocorram diferenças significativas em sua condução, mesmo que todos sejam respaldados pela mesma legislação.
No presente trabalho, foram evidenciadas diferenças entre as duas principais esferas de oferta de ensino médio público do Brasil, tanto no contexto escolar, quanto no perfil individual dos estudantes de cada tipo de instituição. A oferta de AE foi relatada por menos de 40% dos estudantes de escolas federais, ao mesmo tempo em que mais de 80% destas instituições informaram possuir cantina. Quando verificado o consumo da AE nas escolas federais, a porcentagem de estudantes que realizam suas refeições na escola foi praticamente a metade do que o observado na esfera estadual.
A universalização da oferta de AE ocorreu em 2009, ou seja, antes deste período, os estudantes do ensino médio não tinham o direito de receber alimentos durante o período escolar 4. As escolas estaduais - por ofertarem também o ensino fundamental - já realizavam a execução do PNAE, no entanto, os Institutos Federais (IFs), que são os principais responsáveis pela oferta do ensino médio na rede federal de ensino, foram criados no final 2008, sendo esta lei um marco na expansão da rede no território nacional, atualmente cerca de 300 mil estudantes cursam o ensino médio na rede federal, o que representa aproximadamente 4% do total de matrículas do ensino médio brasileiro 16,17,18.
Este pode ser um dos motivos para a baixa oferta de AE nestas instituições, devido ao fato de serem criados, ainda que em um período próximo, antes da universalização do PNAE, bem como com a grande expansão que ocorreu nos anos seguintes de sua criação, utilizando, em muitos casos, espaços cedidos ou a partir de escolas técnicas federais já existentes e que foram transformadas em institutos federais, sem estrutura apropriada para a oferta de alimentação. Como evidenciado no Censo Escolar de 2023, em que a presença de cozinhas e despensas foi menor nas escolas federais 16. Estudo realizado com os IFs indicou que, em 2019, aproximadamente 35% das unidades que participaram da pesquisa não ofertava nenhum tipo de alimentação aos seus estudantes, enquanto em 2023 aproximadamente 71% das escolas federais indicaram que realizam a oferta da alimentação escolar 16,19.
A presença de cantina nas escolas impacta negativamente o consumo regular da AE pelos estudantes. Entre as escolas federais houve uma maior proporção da presença de cantinas, o que pode estar relacionado ao fato da baixa oferta da AE por estas instituições. O consumo de alimentos em cantinas escolares vem sendo associado ao maior consumo de alimentos não saudáveis e ao menor consumo da AE pelos estudantes, uma vez que os alimentos ali ofertados acabam por competir com o que é ofertado pela escola 7.
No presente estudo, adquirir alimentos na cantina influenciou no consumo de alimentos considerados não saudáveis, como refrigerante e guloseimas doces. No entanto, o que é ofertado pela escola na AE também pode contribuir para o consumo de alimentos de menor valor nutritivo pelos estudantes. Estudo realizado no âmbito dos IFs mostrou que itens como biscoitos e bolachas foram adquiridos da agricultura familiar e ofertados aos alunos, além de outros alimentos processados, como sucos, pães, polpa de frutas e leite e derivados 19.
De acordo com os resultados, o consumo regular da AE se associou ao consumo de suco de fruta em caixinha ou lata, refresco em pó e salgadinho de pacote ou biscoitos e bolachas salgadas na esfera federal, indicando a possibilidade de oferta destes alimentos nas refeições e lanches ofertados pela escola.
Este cenário de oferta acaba por favorecer o consumo de alimentos com alta densidade energética, com grande quantidade de aditivos e baixo valor nutricional, tornando as escolas locais que não estimulam o consumo de alimentos saudáveis. Uma análise dos cardápios do IF São Paulo (IFSP) de 2019, verificou que algumas unidades da instituição possuíam mais de 30% do seu cardápio composto por alimentos ultraprocessados 7,20.
Tal situação pode ter como uma possível explicação a dificuldade de execução do PNAE devido à baixa disponibilidade de recurso financeiro, que acaba por interferir na qualidade dos cardápios, bem como na disponibilidade de mão-de-obra 20,21. Nos resultados do Censo de 2023, menos da metade das escolas federais indicaram a presença de profissionais de preparação e segurança alimentar, cozinheiro(a), merendeiro(a) e auxiliar de cozinha 16.
O recurso descentralizado pelo FNDE, ainda que seja de caráter suplementar e que tenha sofrido um reajuste em 2023, ainda é baixo (R$ 0,50 para estudantes que permanecem na escola em período parcial e R$ 1,37 para o período integral), fazendo com que as entidades tenham que subsidiar altos valores para a complementação dos custos com a alimentação, o que pode diminuir a oferta para as entidades executoras do programa com baixos recursos, ficando a cargo de cada gestor em cada esfera da federação a função de suplementar os recursos, uma vez que não existe uma legislação específica que determine um valor para esta suplementação22,23,24.
Em estudo realizado no IFSP, foi encontrado que a complementação orçamentária para o PNAE em 2019 foi de 40%, sendo a maior fonte do recurso a Ação 20RL, que é destinada a manter o funcionamento dos campi, porém que sofre constantes contingenciamentos 20. O alto comprometimento dos valores para o funcionamento da instituição pode ser um dos fatores para a não execução do programa na esfera federal, sendo evidenciado pela devolução dos recursos destinados pelo FNDE, que em 2022, foi de 11% 25.
O consumo regular de AE se mostrou associado com fatores sociodemográficos, como sexo, raça/cor, número de pessoas residentes no domicílio, escolaridade materna e comportamentais, como adquirir alimentos na cantina ou de vendedores externos, bem como se alimentar realizando outras atividades, o que também foi verificado em estudos que fizeram o levantamento da adesão da AE em amostras anteriores da PeNSE 7,9. Além disso, estudos tem associado a AE com a segurança alimentar dos estudantes, além de um maior consumo de alimentos in natura e minimamente processados 6,26.
A execução e a universalização do PNAE são de extrema importância para os escolares. Instituições como IFs em que, por lei, no mínimo 50% de suas matrículas são para alunos de baixa renda, oriundos de escolas públicas, de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência, atendem elevado número de estudantes em vulnerabilidade social, tornando a alimentação ainda mais importante para a concretização tanto do direito à alimentação adequada, quanto à educação 27,28.
Este estudo apresenta algumas limitações que devem ser consideradas. O estudo utilizou dados da PeNSE de 2019, no entanto tal pesquisa não coleta informações sobre o cardápio que é ofertado nas escolas, assim não é possível delimitar que o consumo da AE é o responsável pela oferta dos alimentos marcadores de uma alimentação saudável ou não.
Por fim, a importância deste estudo se dá ao trabalhar com a PeNSE e o Censo Escolar, que representam a população de estudantes brasileiros de todas as macrorregiões, sobretudo com uma perspectiva de compreender melhor as dinâmicas alimentares das diferentes esferas de ensino de um país com reconhecida diversidade como o Brasil. O estudo foi pioneiro na análise do PNAE no ensino médio, segundo esfera governamental, por este motivo, inicialmente foi realizada uma caracterização nacional. No entanto, um levantamento para diagnóstico comparativo entre regiões e estados, poderia contribuir com a promoção da equidade para o programa e pode ser considerado como perspectiva futura de análise.
Assim, conclui-se que os achados do presente trabalho evidenciam que existem diferenças entre as duas esferas de gestão do ensino, que se refletem na oferta e consumo da alimentação escolar pelos estudantes. As diferenças estruturais e administrativas das duas esferas federativas de ensino podem ser os fatores geradores de tais distinções.
O fato de as escolas federais ofertarem menos a AE e possuírem em maior prevalência cantinas em suas unidades, mostrou influenciar tanto a adesão ao que é ofertado pela escola, bem como ao que é consumido pelos estudantes. No entanto, a legislação está colocada para todas as modalidades de ensino básico público do Brasil, independentemente de sua esfera de oferta, assim se torna imprescindível a participação e conhecimento por parte dos gestores para a efetivação da lei e do direito à alimentação escolar.
REFERÊNCIAS
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26. Aragi JC, Bandoni DH. Segurança alimentar e Alimentação Escolar: consumo e comportamento alimentar de estudantes de uma instituição federal de ensino. Cien Saude Colet 2025/abr). Disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/seguranca-alimentar-e-alimentacao-escolar-consumo-e-comportamento-alimentar-de-estudantes-de-uma-instituicao-federal-de-ensino/19566
27. Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Diário Oficial da União. 30 Ago 2012. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm
28. Decreto nº 7.824, de 11 de outubro de 2012. Regulamenta a Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio. Diário Oficial da União. 15 Out 2012. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/decreto/d7824.htm


