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0148/2025 - Dual sensory loss and cognitive decline: evidence from the EpiFloripa Aging study
Perda sensorial dupla e declínio cognitivo: evidências do estudo EpiFloripa Idoso

Author:

• Danúbia Hillesheim - Hillesheim, D - <nubiah12@yahoo.com.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0600-4072

Co-author(s):

• Thamara Hubler Figueiró - Figueiró, TH - <thamara.hf@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6502-1396
• Viviane Nogueira de Zorzi - Zorzi, VN - <vivianedezorzi24@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6555-8772
• Anna Quialheiro - Quialheiro, A - <annaqas@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4168-6585
• Ana Luiza Curi Hallal - Hallal, ALC - <anacuri@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4761-0001
• Eleonora d´Orsi - d´Orsi, E - <eleonora.dorsi@ufsc.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2027-1089


Abstract:

The aim of this study was to estimate the association between dual sensory loss (hearing and vision) and cognitive decline in older adults in southern Brazil. This cross-sectional research used data from the 3rd wave of the EpiFloripa Elderly Study (2017/2019), involving individuals aged 60 years or older living in urban areas of Florianópolis, SC. The dependent variable was cognitive decline, assessed using the Mini-Mental State Examination, while the main independent variable was sensory loss. Logistic regression analysis was performed. A total of 1,335 older adults participated, with a higher frequency of women (63.0%) and white individuals (88.3%). Regarding sensory loss, 10.8% presented dual sensory loss, and 20.5% showed cognitive decline. In the final model, individuals with dual sensory loss had a 4.21 times higher chance (95% CI: 2.06–8.59) of cognitive decline. Those with isolated hearing loss (OR: 1.98; 95% CI: 1.13–3.45) also showed a higher likelihood of the outcome. Older adults with combined hearing and visual impairments had a 321% higher chance of experiencing cognitive decline. These findings suggest that simultaneous loss of two sensory functions may exacerbate the impact on the cognitive capacity of older adults.

Keywords:

Sensory Deprivation; Cross-Sectional Studies; Cognition; Aged; Aging.

Content:

INTRODUÇÃO

Projeções indicam que, até 2030, uma em cada seis pessoas terá 60 anos ou mais1. No Brasil, em 2021, esse grupo etário já representava 14,7% da população residente, totalizando aproximadamente 31,23 milhões de pessoas idosas2. Essa transformação na estrutura etária populacional está impondo desafios para os sistemas de saúde e políticas sociais em escala global3.
O processo de envelhecimento é geralmente acompanhado por um declínio nas funções físicas, imunológicas e sensoriais4,5,6, especialmente no que diz respeito à capacidade auditiva e visual. Com o envelhecimento, há uma tendência crescente de perda auditiva e visual7, sendo que mais de 65% das pessoas com 60 anos ou mais apresentam algum grau de perda auditiva8. Além disso, projeta-se um aumento expressivo no número de indivíduos afetados por condições visuais associadas ao envelhecimento. Estima-se que os casos de glaucoma cresçam 25,5%, passando de 76 milhões em 2020 para 95,4 milhões em 20309. Da mesma forma, a prevalência de degeneração macular relacionada à idade deverá aumentar 24,4%, alcançando 243,4 milhões de pessoas até 2030, em comparação aos 195,6 milhões registrados em 20209.
Essas perdas sensoriais não só prejudicam a qualidade de vida10, como também estão fortemente associadas a uma série de outras condições de saúde, incluindo o declínio cognitivo7, uma condição prevalente entre a população idosa. Em 2019, no Brasil, havia 1.757.480 pessoas idosas vivendo com demência, além de pelo menos 2.271.314 indivíduos enfrentando algum grau de comprometimento cognitivo11.
Estudos anteriores destacam que tanto a perda auditiva quanto a perda visual, isoladamente, são fatores de risco para o declínio cognitivo12-15. A atualização de 2024 da Lancet Commission on Dementia incluiu a perda de visão não tratada entre os fatores de risco modificáveis para demência, como a perda auditiva, previamente reconhecida. Essa inclusão destaca a relevância de preservar a saúde sensorial como estratégia fundamental para reduzir o risco de desenvolvimento da condição16.
No entanto, evidências internacionais sugerem que a coexistência de perdas auditiva e visual, condição que é conhecida como perda sensorial dupla (DSL - dual sensory loss) ou deficiência sensorial dupla (DSI - dual sensory impairment)7, pode amplificar substancialmente o risco de declínio cognitivo em pessoas idosas17. Não foram encontrados estudos que explorassem essa relação específica na população idosa brasileira, nem que investigassem a prevalência da perda sensorial dupla nesse contexto. Além disso, há uma lacuna de evidências em países de baixa e média renda, visto que as características e desafios enfrentados por essas populações podem diferir significativamente daqueles observados em nações de alta renda7.
Diante deste contexto, o objetivo deste estudo foi estimar a associação entre perda sensorial dupla (auditiva e visual) e declínio cognitivo em pessoas idosas do sul do Brasil.

MÉTODOS

Delineamento e tipo de estudo
Estudo transversal realizado com dados da coorte EpiFloripa Idoso (https://epifloripaidoso.paginas.ufsc.br). O EpiFloripa Idoso é uma coorte de base populacional e domiciliar realizada com pessoas de 60 anos ou mais que vivem em áreas urbanas do município de Florianópolis, em Santa Catarina, Brasil. Os dados utilizados para esse estudo foram coletados na terceira onda, que consistiu em entrevistas domiciliares realizadas entre 2017 e 2019 com 1.335 idosos. Foram utilizados apenas os dados desta onda, pois foi a única em que foram coletadas informações sobre a autopercepção da visão dos participantes.
Informações detalhadas sobre o plano amostral, os aspectos operacionais das entrevistas domiciliares e as estratégias empregadas na terceira onda da pesquisa (2017-2019) foram descritas previamente por Confortin et al., (2023)18.

Variável dependente
A variável dependente deste estudo foi o declínio cognitivo, avaliado por meio do Mini Exame do Estado Mental19. Foram considerados com declínio cognitivo os idosos sem escolaridade que obtiveram pontuação ?19 no teste e aqueles com alguma escolaridade que obtiverem pontuação ?2320.

Variável independente
A variável independente principal foi a perda sensorial composta pela autopercepção auditiva21 e autopercepção da visão, avaliada por meio de uma escala Likert, seguindo publicações prévias22-23. A autopercepção auditiva foi avaliada com a pergunta: “Em geral, o(a) Sr(a) diria que sua audição é [considerando o uso de aparelho auditivo]” com as opções: excelente; muito boa; boa; regular; ruim; muito ruim. A autopercepção da visão foi avaliada pela pergunta: “Em geral, o(a) Sr.(a) diria que sua visão é [considerando o uso de óculos]:” com as opções: excelente; muito boa; boa; regular; ruim; muito ruim. Essas duas medidas das funções auditiva e visual foram utilizadas para criar a variável perda sensorial. Neste estudo, as categorias “excelente”, “muito boa” e “boa” foram consideradas como sem perda sensorial, enquanto as categorias “regular”, “ruim” e “muito ruim” foram consideradas como tendo perda sensorial. Em seguida, criou-se a variável “perda sensorial” que categorizou os resultados da seguinte forma: sem perda sensorial (visão ou audição), perda auditiva isolada, perda visual isolada e perda sensorial dupla.

Covariáveis
Com base na literatura24,25, foram selecionadas como fatores de confusão as variáveis sexo (masculino; feminino), faixa etária (60 a 69; 70 a 79; 80 anos ou mais), raça/cor da pele (branca; parda; preta; amarela; indígena) e renda per capita em salários mínimos (?1; 1,1 - 5; 5,1 - 10; 10 ou mais). Ainda, tanto aspectos sensoriais quanto a função cognitiva podem ser afetados por comportamentos e estado de saúde26-29. Diante disso, foram incluídas as variáveis tabagismo, consumo indevido de álcool, grau de incapacidade nas Atividades de Vida Diária (AVD), presença ou não de hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus, além da atividade física no lazer.
A variável tabagismo foi avaliada pela pergunta “O(a) Sr(a) fuma ou fumou cigarros?” (não; ex-fumante; fumante) e o consumo indevido de álcool, investigado pelo The Alcohol Use Disorders Identification Test-Concise (AUDIT-C)30, contendo três perguntas que totalizam 12 pontos, com pontuações de seis ou mais indicando alto risco e definido neste estudo como consumo indevido de álcool para ambos os sexos. A presença de algum grau de incapacidade nas Atividades de Vida Diária (AVD) foi avaliada por meio do Questionário Brasileiro de Avaliação Funcional Multidimensional adaptado do questionário Old Americans Resources and Services (BOMFAQ/OARS)31, criou-se a variável dependência moderada ou grave nas AVDs (não; sim [?4 AVDs]). A presença de Diabetes Mellitus (não; sim) e Hipertensão Arterial Sistêmica (não; sim) foram investigadas mediante a pergunta: “Algum médico ou profissional de saúde já disse que o(a) Sr(a) tem/teve:”. Por fim, a atividade física moderada a vigorosa (AFMV) no lazer, foi considerada quando o participante referiu realizá-la por pelo menos 150 minutos na semana (insuficiente ativo; ativo)32.

Análise dos dados
Para a descrição das variáveis qualitativas, os dados foram representados por meio de frequências absolutas e relativas, com seus respectivos Intervalos de Confiança de 95% (IC95%). Para verificar a diferença de proporções entre as características da amostra em relação ao declínio cognitivo, utilizou-se o teste Qui-quadrado de Pearson. Quando os pressupostos do teste não foram atendidos, utilizou-se o Teste Exato de Fisher. Além disso, para caracterizar a amostra, as características dos participantes também foram descritas de acordo com o status sensorial.
A Odds Ratio (OR) foi empregada como medida de associação, estimada por meio de análise de Regressão Logística. A variável de exposição principal foi ajustada por todas as covariáveis do estudo, independentemente do valor de p, sendo utilizado o método de entrada ‘enter’. O nível de significância adotado foi de 5%. A análise dos dados foi conduzida no software Stata versão 14.0 (https://www.stata.com), considerando-se o delineamento do estudo e o peso amostral no banco de dados (comando svy). Análise pós-estimação foi conduzida verificando-se o resultado do teste de Hosmer-Lemeshow, que indicou o ajuste adequado do modelo (Prob > chi2 = 0.9519).

Aspectos Éticos
A terceira onda do projeto EpiFloripa Idoso foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH) da UFSC em 9 de março de 2017 sob o CAAE 16731313.0.0000.0121, ementa 1.957.977, e foram respeitados os princípios da Resolução n° 466, do CNS, de 12 de dezembro de 2012. Todos os participantes que aceitaram participar do estudo assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

RESULTADOS

O estudo contou com 1.335 idosos, sendo a maioria do sexo feminino (63,0%), de raça/cor branca (88,3%) e com renda per capita na faixa de 1,1 a 5 salários-mínimos (56,0%). Ainda, a maioria apresentava até 79 anos de idade (73,9%). Mais da metade dos participantes não era tabagista (59,8%) e não apresentava consumo indevido de álcool (94,6%). Além disso, 34,4% dos participantes apresentavam dependência moderada ou grave nas atividades da vida diária (AVD) e apenas 12,0% eram ativos (atividade física moderada a vigorosa no lazer) (Tabela 1).
Com relação às comorbidades, 25,7% referiram diabetes mellitus e 59,5% hipertensão arterial. Quanto à perda auditiva e visual, 10,8% apresentaram perda sensorial dupla e 20,5% foram considerados com provável declínio cognitivo. No que tange à prevalência de declínio cognitivo, observou-se maior prevalência em mulheres (22,1%), pessoas com 80 anos ou mais (38,6%), pessoas autodeclaradas pretas (38,6%) e com menor renda (36,7%) (Tabela 1).
Ainda, verificou-se maior prevalência de declínio cognitivo entre indivíduos com dependência moderada ou grave nas atividades da vida diária (39,8%), em comparação àqueles sem dependência (10,3%) (p<0,001). A presença de diabetes mellitus e hipertensão arterial também esteve associada a frequências mais elevadas do desfecho, com prevalências de 26,2% (p=0,012) e 23,1% (p=0,009), respectivamente, em comparação aos indivíduos sem essas condições. Observou-se ainda que pessoas insuficientemente ativas apresentaram maior prevalência de declínio cognitivo (21,0%) do que aquelas fisicamente ativas (9,0%) (p=0,001). Indivíduos com perda sensorial dupla apresentaram prevalência de 46,5% de declínio cognitivo, significativamente superior à observada entre aqueles sem perda sensorial (9,2%) (p<0,001) (Tabela 1).



A Tabela 2 apresenta a distribuição da amostra conforme a ocorrência de perdas sensoriais. Entre os indivíduos com 80 anos ou mais, 19,8% apresentavam perda sensorial dupla, enquanto na faixa etária de 60 a 69 anos, esse percentual foi de apenas 6,2%. Em relação à raça/cor, os participantes pardos apresentaram maior frequência do desfecho (24,5%). Entre aqueles com menor renda per capita (?1 salário mínimo), 16,7% apresentaram perda sensorial dupla. Quando analisados os dados sobre o estado cognitivo, observou-se que entre os indivíduos com provável declínio cognitivo, 29,2% apresentavam perda sensorial dupla, um percentual maior do que os 7% observados entre aqueles sem sinais de declínio cognitivo (Tabela 2).



A Tabela 3 apresenta os resultados da regressão logística bruta e ajustada com o intuito de investigar a associação entre perda sensorial e declínio cognitivo, com destaque para a perda sensorial dupla. Na análise bruta, indivíduos com perda sensorial dupla apresentaram uma chance 8,62 vezes maior (IC95%: 4,60 – 16,14) de declínio cognitivo em comparação aos indivíduos sem perda, diferença que foi estatisticamente significativa. Idosos com perda visual isolada (OR: 2,84; IC95%: 1,77 – 4,55) ou perda auditiva isolada (OR: 2,85; IC95%: 1,65 – 4,93) também apresentaram maior probabilidade de declínio cognitivo.
Na análise ajustada, a magnitude da associação entre perda sensorial dupla e declínio cognitivo reduziu-se, com uma razão de chances (OR) de 4,21 (IC95%: 2,06-8,95), ocorrendo um estreitamento dos intervalos de confiança, sugerindo maior precisão nas estimativas. Além da perda sensorial dupla, a perda auditiva isolada permaneceu significativamente associada ao desfecho, com OR de 1,98 (IC95%: 1,13-3,45). As medidas de associação brutas e totalmente ajustadas também podem ser visualizadas graficamente na Figura 1 (Tabela 3 e Figura 1).



DISCUSSÃO

A prevalência de declínio cognitivo entre os indivíduos do estudo EpiFloripa Idoso em 2017/2019 foi de 20,5%. Além disso, 10,8% dos participantes apresentaram coexistência de perda auditiva e visual. Observou-se que idosos com perda sensorial dupla apresentaram uma probabilidade significativamente maior de declínio cognitivo. De maneira semelhante, aqueles com perda auditiva também apresentaram chance aumentada de declínio cognitivo, embora em menor magnitude.
A prevalência de 20,5% de declínio cognitivo observada neste estudo está de acordo com estudos brasileiros que utilizaram o mesmo instrumento para rastreio de declínio cognitivo33,34. Por exemplo, entre idosos da Bahia, foi identificada uma prevalência semelhante de 18,7%33, enquanto em Bagé, no Rio Grande do Sul, a prevalência foi consideravelmente maior, atingindo 34,1%34. Ao comparar os achados do presente estudo com pesquisas internacionais, verificou-se que na Coreia do Sul, a prevalência de declínio cognitivo foi de 11,4% entre os participantes do Korean Longitudinal Study of Aging35. Uma revisão sistemática mundial revelou uma ampla variação nas prevalências de declínio cognitivo, oscilando entre 5,1% e 41%, com uma mediana de 19,0%, destacando a diversidade dos contextos estudados, diferentes métodos de rastreio e a complexidade de estabelecer comparações diretas36.
Ainda, na presente pesquisa, foi observada uma prevalência de 10,8% de perda sensorial dupla. Em contraste, a análise de dados europeus realizada por Viljanen et al. (2014)37, envolvendo indivíduos com 50 anos ou mais, encontrou uma prevalência geral de 5,9% para a mesma condição. Quando os países europeus foram avaliados isoladamente, a Itália (10,3%) e a Espanha (9,4%) apresentaram prevalências semelhantes às identificadas no contexto brasileiro, enquanto a Suíça (1,6%) e a Suécia (1,7%) registraram prevalências consideravelmente mais baixas. Além disso, nos Estados Unidos, o estudo realizado com a coorte Health and Retirement Study (HRS), que incluiu 19.618 participantes, revelou uma prevalência de 5% de perda sensorial dupla24. Esses achados sugerem que as prevalências de declínio cognitivo e de perda sensorial dupla, previamente mencionadas, podem variar entre diferentes regiões e populações. Essas variações possivelmente refletem diferenças culturais, socioeconômicas, de acesso aos serviços de saúde, além de particularidades metodológicas relacionadas à forma como os dados foram coletados.
Indivíduos com perda sensorial dupla apresentaram uma maior probabilidade de desenvolver declínio cognitivo (OR: 4,21) em comparação com aqueles sem perda sensorial. A magnitude dessa associação foi superior à observada para a perda auditiva (OR: 1,98) ou visual (OR= 1,75) de forma isolada, sugerindo uma possível interação aditiva entre essas perdas sensoriais no aumento da chance de declínio cognitivo. A perda auditiva isolada associada a uma maior probabilidade de declínio cognitivo (OR:1,98), foi um achado esperado e corroborado por pesquisa anterior com dados do EpiFloripa Idoso21. Estes resultados estão em consonância com estudos realizados em outras populações idosas, incluindo os Estados Unidos38, Coreia do Sul35 e China22. Pesquisa realizada com uma amostra representativa a nível nacional, envolvendo mais de cinco milhões de americanos idosos (65 anos ou mais), demonstrou que a deficiência sensorial dupla estava associada a um risco substancialmente elevado de comprometimento cognitivo, com uma probabilidade oito vezes maior de ocorrência dessa condição (OR= 8,16; IC95%= 8,07, 8,25)17.
Os resultados deste estudo podem ser compreendidos através de diferentes mecanismos, incluindo a hipótese de privação sensorial, defendida por pesquisadores em estudo longitudinal britânico39. Segundo essa hipótese, a perda visual e auditiva pode impactar negativamente o funcionamento cognitivo ao longo do tempo, ao reduzir as oportunidades de envolvimento em interações cognitivamente estimulantes com o ambiente, o que, por sua vez, pode acelerar o declínio das funções cognitivas40,41. Outra hipótese refere-se à degradação da informação, que ocorre quando os sinais sensoriais estão comprometidos, como na perda auditiva ou visual. Nesse cenário, o cérebro requer recursos cognitivos adicionais para interpretar essas informações prejudicadas. Como resultado, há uma redução dos recursos disponíveis para outras tarefas cognitivas, o que pode levar a um pior desempenho cognitivo. Essa hipótese se concentra mais no impacto imediato da qualidade da entrada sensorial sobre a capacidade cognitiva, sugerindo que o esforço cognitivo adicional exigido para processar sinais sensoriais degradados sobrecarrega o sistema cognitivo41,42.
Apesar dessas explicações, a literatura ainda não esclareceu completamente esses mecanismos e suas direções. Um estudo com dados de uma coorte britânica observou que indivíduos com comprometimento cognitivo na onda anterior apresentaram um aumento de 10% na chance de relatar má audição ao longo do tempo43. Isso aponta para uma complexa interação entre comprometimento cognitivo e percepção auditiva, ressaltando a necessidade de pesquisas adicionais, especialmente longitudinais, para elucidar melhor essas relações e seus impactos.
Apesar dessas complexidades não totalmente esclarecidas, dificuldades visuais e auditivas podem servir como indicadores precoces de declínio cognitivo39 e devem ser reconhecidas como fatores de risco modificáveis12. Portanto, é fundamental que os serviços de saúde monitorem atentamente o surgimento da perda sensorial dupla em pessoas idosas, considerando-as um grupo de risco para o declínio cognitivo. Deve-se investir em intervenções que ofereçam suporte terapêutico, como o uso de aparelhos de amplificação sonora individual (AASI) com a devida adaptação, e estratégias para aprimorar a saúde visual, que abrangem tanto abordagens clínicas quanto procedimentos cirúrgicos. Tais medidas podem contribuir para uma melhor qualidade de vida e possível preservação da saúde cognitiva em pessoas com perdas sensoriais.
Uma metanálise identificou que o uso de aparelho de amplificação sonora individual (AASI) foi identificado como um fator protetor contra o declínio cognitivo, com uma redução de 19% no risco de declínio cognitivo de longo prazo e uma melhora de 3% nas pontuações de testes cognitivos de curto prazo que avaliaram a cognição geral44. Além de sua associação com a cognição, o uso de aparelhos auditivos também está vinculado à redução dos sintomas depressivos e à melhoria da qualidade de vida45. No que tange à perda visual, no Japão, pesquisadores identificaram que após a cirurgia de catarata o grau de comprometimento cognitivo melhorou em pacientes idosos46 e foi positivamente associada a uma menor taxa de declínio cognitivo entre adultos mais velhos na Inglaterra ao longo de 13 anos de acompanhamento47.
É fundamental destacar que o presente estudo possui algumas limitações. Devido ao seu delineamento transversal, existe o risco de viés de causalidade reversa, uma vez que a análise longitudinal não foi viável, considerando que a coleta de dados sobre a autoavaliação visual dos participantes ocorreu apenas na terceira onda do estudo. Ainda, foram utilizadas medidas autorreferidas, como a autopercepção auditiva e visual. No entanto, estudos anteriores já verificaram que o autorrelato pode ser uma alternativa válida, com bons valores de sensibilidade e especificidade48,49. Como potencialidade, este é o primeiro estudo baseado em dados brasileiros a investigar a relação entre perda sensorial dupla e declínio cognitivo em idosos, e oferece uma base para o desenvolvimento de intervenções direcionadas e políticas públicas adequadas para esta população.
Os resultados indicam que existe associação entre a perda sensorial dupla e o declínio cognitivo em pessoas idosas em uma região do sul do Brasil. Participantes com perda auditiva e visual apresentaram uma chance 321% maior de ter declínio cognitivo. Esses resultados sugerem que a combinação dessas duas condições pode ter um impacto maior do que cada uma delas isoladamente em uma amostra de pessoas idosas de Florianópolis. São necessários mais estudos para investigar essas longitudinais, fornecendo evidências que sustentem intervenções capazes de prevenir ou retardar as perdas sensoriais e preservar as funções cognitivas em pessoas idosas.

AGREDECIMENTOS
Agradecemos ao Economic and Social Research Council (ESRC) pelo financiamento que viabilizou a realização da terceira onda do estudo, bem como a todos os participantes pela sua colaboração. Além disso, expressamos nossa gratidão à CAPES/Brasil pelo apoio por meio de bolsas concedidas aos estudantes de pós-graduação.

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Hillesheim, D, Figueiró, TH, Zorzi, VN, Quialheiro, A, Hallal, ALC, d´Orsi, E. Dual sensory loss and cognitive decline: evidence from the EpiFloripa Aging study. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2025/May). [Citado em 21/06/2025]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/en/articles/dual-sensory-loss-and-cognitive-decline-evidence-from-the-epifloripa-aging-study/19624?id=19624



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