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0150/2025 - Factors associated with child and adolescent deaths due to road traffic accidents on Brazilian federal highways
Fatores associados ao óbito infanto-juvenil por acidentes de trânsito em rodovias federais brasileiras

Author:

• Ana Lice Mendes Costa - Costa, ALM - <analicemcosta1@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0009-0004-1445-0499

Co-author(s):

• Danielle Samara de Oliveira-Figueiredo - Oliveira-Figueiredo, DS - <danielle.samara@professor.ufcg.edu.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6513-6257
• Fabiana Lucena Rocha - Rocha, FL - <biannanurse@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3183-6663


Abstract:

Objective: To estimate the prevalence and factors associated with mortality among children and adolescents on Brazilian federal highways in 2022. Method: An epidemiological cross-sectional study based on secondary data related to traffic accidents occurring on Brazilian federal highways. The exposure variables included gender, age group, federative unit, type of accident, type of vehicle, victim's position, cause of the accident, time of occurrence, day of the week, and weather conditions at the time of the accident. The outcome was death. A descriptive analysis with proportions and confidence intervals, chi-square test, and logistic regression analysis was conducted to identify factors associated with death. The measure of association was the odds ratio (OR). Results: The highest proportions of accident-related deaths were in the South and Southeast regions of the country. Accidents that occurred in the Northeast region, under weather conditions partially affecting visibility, involving motorcycles or mopeds and bicycles, increased the chance of mortality among children and adolescents. Conclusion: Reducing traffic accident mortality in children and adolescents should consider regional differences, with education and enforcement actions focusing on the main factors associated with death in this age group.

Keywords:

Traffic accidents; Death; Adolescent; Child; Cross-Sectional Studies

Content:

INTRODUÇÃO
Os acidentes de trânsito (AT) se constituem na oitava causa de mortalidade no mundo entre todas as idades e a primeira causa de óbitos entre crianças e adultos jovens com idade ente 5 e 29 anos. As lesões e mortes causadas pelos AT são desproporcionalmente relacionadas aos usuários mais vulneráveis das rodovias (pedestres, ciclistas e motociclistas)¹.
Crianças e adolescentes representam um dos grupos mais suscetíveis no cenário do tráfego viário. No ano de 2019, aproximadamente 115.000 indivíduos com idades entre 10 e 19 anos perderam suas vidas em nível global devido os acidentes de trânsito2.
Entre 2000 e 2019 houve redução moderada na taxa de mortalidade atribuída aos AT na faixa etária de 5 a 19 anos. Contudo, há uma expectativa de desaceleração ainda mais acentuada ou mesmo de aumento nessa taxa, em virtude dos processos de urbanização e do aumento da motorização que se verifica em países de baixa e média renda³. Nesse contexto, é relevante ressaltar que a Agenda 2030 designou as crianças e adolescentes como uma prioridade, devido a sua importância enquanto agentes de mudança4.
No Brasil, no período compreendido entre 1990 e 2019, as taxas de mortalidade por lesões relacionadas ao trânsito foram notavelmente elevadas entre crianças e adolescentes de ambos os sexos. Em diversos estados, essas lesões ocupam a segunda ou terceira principal posição de óbitos por causas externas5. Além disso, quando se trata do uso de bicicletas, as crianças constituem o grupo etário mais suscetível a acidentes de trânsito6. Nos casos em que ocorrem acidentes, as lesões mais frequentes estão relacionadas à região da cabeça e do pescoço, seguidas por lesões musculoesqueléticas. As lesões na região da cabeça e do pescoço apresentam um risco mais acentuado de serem fatais, enquanto as lesões musculoesqueléticas estão associadas a significativos riscos de deficiências a longo prazo7.
A redução em 50% nas taxas de mortalidade padronizadas por idade decorrentes de lesões no trânsito até 2030 é meta estabelecida pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Contudo, há projeções indicando que o Brasil não atingirá esse intento se a vigilância não for reforçada5. Alguns países, a exemplo da Coreia do Sul, já conseguiram reduzir significativamente as taxas de mortes no trânsito, alcançando redução de 95% nos casos envolvendo crianças e adolescentes com menos de 14 anos de idade, apenas com educação e fiscalização em locais próximos às escolas¹.
A pesquisa sobre fatores associados ao óbito infanto-juvenil envolvendo acidentes de trânsito é limitada e restrita, no entanto, o Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) compilou uma série de fatores de risco relevantes. Estes incluem a idade, uma vez que crianças mais jovens demonstram menor capacidade de reação diante de possíveis acidentes. Além disso, o gênero desempenha um papel importante, uma vez que os meninos tendem a se envolver mais frequentemente em acidentes de trânsito. Outros fatores críticos envolvem a infraestrutura inadequada, a falta de sinalização, faixas de pedestres e fiscalização ineficiente, bem como a ausência de equipamentos de segurança e respostas inadequadas após os acidentes8.
Nesse contexto, torna-se evidente a necessidade de compreender os fatores associados ao óbito em rodovias na população infanto-juvenil. Dada a magnitude deste desafio em termos de saúde pública, englobando tanto os custos relacionados às incapacidades e mortalidade quanto os anos de vida potencialmente perdidos entre a população infanto-juvenil, justifica-se a realização de pesquisas direcionadas a esse grupo etário. A prevenção da mortalidade por causas evitáveis é parte da vigilância em saúde e deve envolver todos os atores sociais na promoção da saúde e segurança viária. Nesse sentido, objetivou-se estimar a prevalência de óbitos infanto-juvenis decorrentes de acidentes de trânsito em rodovias federais e os fatores associados.

MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal, analítico com dados secundários referentes aos acidentes de transportes terrestres nas rodovias federais brasileiras no ano de 2022. Foi utilizado um recorte referente aos casos ocorridos com indivíduos com idade entre 0 e 17 anos. Os dados são de acesso aberto e estão disponibilizados pelo Departamento de Polícia Rodoviária Federal (DPRF) em: https://www.gov.br/prf/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/dados-abertos-da-prf. Para este estudo foi utilizado o banco de dados agregado por pessoas.
O DPRF armazena dados sobre AT ocorridos em rodovias federais desde que ocorra o preenchimento do Laudo Pericial de Acidente de Trânsito (LPAT), antigo Boletim de Acidente de Trânsito (BAT). O preenchimento desse instrumento é orientado pelo Manual de Atendimento e Perícia de Acidentes de Trânsito - 015 da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para fins de padronização e sistematização dos procedimentos quanto ao registro de acidentes. No LPAT são registradas informações relativas aos indivíduos e veículos envolvidos, local e as circunstâncias em que o acidente ocorreu. Entre as informações registradas no LPAT destacam-se: os tipos de acidentes, os fatores contribuintes, as causas presumíveis e o estado físico dos envolvidos9.
Entre as variáveis disponíveis no banco de dados foram selecionadas aquelas de interesse para o estudo. As variáveis de exposição utilizadas foram:
- Sexo - sexo dos envolvidos no acidente (Feminino; Masculino);
- Grupo etário - o grupo etário foi dividido considerando as fases do desenvolvimento infantil: lactente (0-2 anos), pré-escolar (3-4 anos); escolar (5-10 anos) e adolescente (11-17 anos);
- Regiões: regiões geográficas brasileiras (Norte, Nordeste, Sudeste, Centro-oeste e Sul);
- Turno de ocorrência - Fase do dia em que ocorreu o acidente (Amanhecer; Pleno dia; Anoitecer ou Plena noite);
- Condição meteorológica - Condição meteorológica no momento do acidente (Condições meteorológicas que não oferecem comprometimento à visualização; Condições meteorológicas que comprometem parcialmente a visualização; Condições meteorológicas que comprometem gravemente a visão);
- Localização da rodovia federal (BR) - Descrição sobre as características do local do acidente no que diz respeito à área localização da BR (Rural ou Urbana);
- Tipo de veículo - Tipificação veicular de acordo com o Código de Trânsito Brasileiro10, porém agrupada para melhor apresentação dos dados: Automóvel, Camioneta e Caminhonete; Motocicleta e motoneta; Reboque, Semirreboque e Utilitário; Motocicleta; Bicicleta; Ônibus e micro-ônibus e Outros (Carro de mão, Caminhão trator, Reboque, Semirreboque, Carroça-charrete, Ciclomotor, Quadriciclo, Triciclo, Trator de rodas, Trator esteira, Trator misto, Trem-bonde, Utilitário, Micro-ônibus e Outros tipos não especificados).
- Causas presumíveis – Fator presumível que causou o acidente (Defeitos do veículo; Condutor-dependentes; Inerentes à via; Humanas externas ao condutor; Causadas pela natureza).
-Posição ocupada pela vítima- posicionamento da vítima no veículo no momento do acidente categorizada em: Condutor, Passageiro, Pedestre, Outros.
- Período da semana – Período da semana da ocorrência do acidente (Sábado/Domingo; Segunda a Sexta-feira);
- Tipo de acidente - Identificação do tipo de acidente categorizada em: Atropelamento de Pedestre; Colisão com Objeto estático em pista; Capotamento/tombamento; Colisão frontal; Colisão lateral mesmo sentido e sentido oposto; Colisão transversal; Colisão traseira; Queda de ocupante de veículo; Saída de leito carroçável e Outros.
Foi utilizada como variável desfecho o “Óbito” definido como a ocorrência de morte relacionada ao acidente que ocorreu na rodovia federal, categorizada de forma dicotômica em: sim (quando ocorreu óbito) e não (quando não ocorreu óbito). Ressalta-se que o banco de dados considerado contempla apenas os óbitos que ocorreram na rodovia, no momento do acidente. Assim, mortes decorrentes do acidente, mas que ocorreram posteriormente, seja durante o trajeto até o hospital ou já na unidade hospitalar, não são incluídas.
Os dados foram analisados usando estatística descritiva para caracterização dos acidentes, com as proporções e seus intervalos de 95% de confiança. Para verificar as associações entre exposição e desfecho foi utilizado o teste Qui-quadrado de Pearson. As variáveis que se associaram ao óbito com p (<0,20) foram escolhidas para a análise bivariada e múltipla. A força de associação foi estimada por meio da razão de chances (Odds Ratio).
Para a inserção das variáveis no modelo múltiplo foram consideradas aquelas cujo nível de significância na análise bivariada foi menor ou igual a 0,20. As variáveis foram inseridas no modelo múltiplo uma a uma e foram mantidas ou não considerando os critérios de significância estatística, ou teóricos, quando pertinente. No modelo final permaneceram as variáveis cujo nível de significância foi menor ou igual a 0,05. O ajuste do modelo foi verificado por meio do teste de Hosmer e Lemeshow. Estas análises foram realizadas utilizando o software Stata 17.
Esta pesquisa dispensou apreciação em Comitê de Ética por ter utilizado uma base de dados de acesso aberto.
RESULTADOS

Em 2022, 519.023 pessoas se envolveram em AT em rodovias federais brasileiras. Destas envolvidas, 31.288 (6,3%) eram crianças e adolescentes de diferentes idades. Neste estudo, verificou-se que a maior proporção de envolvidos eram do sexo masculino (56,8%; IC95%: 56,29-57,39) e adolescentes, entre 11 e 17 anos (63,6%; IC95%: 63,08-64,15). A maioria dos acidentes ocorreu na região Sul (30,1%; IC95%: 29,60-30,63) ou Sudeste (26,6%; IC95%: 26,14-27,13), em pleno dia (54,3%; IC95%: 53,75-54,86), em condições meteorológicas que não comprometiam a visualização do condutor (66,8%; IC95%: 66,22-67,27) e em rodovias localizadas em zona rural (68,23%; IC95%: 67,70-68,74). Quanto ao tipo de lesão, 62,03% (IC95%: 61,49-62,57) sofreram com algum tipo de lesão e 4,67% (IC95%: 4,44-4,92) foram a óbito. Do total de envolvidos, 82,71% (IC95%: 82,28-83,12) eram passageiros, enquanto 15,26% (IC95%: 14,86-15,67) eram condutores. A caracterização desses acidentes encontra-se na Tabela 1.

Tab. 1

A Tabela 2 mostra a caracterização dos acidentes em que as vítimas estiveram envolvidas. Assim, o “Automóvel/caminhonete/caminhoneta” foi a principal categoria de veículo utilizado pelos envolvidos (59,0%; IC95%: 54,48-59,58). No que diz respeito à causa do acidente, 74,97% (IC95%: 74,49-75,45) das vítimas estiveram envolvidas em acidentes com causas condutor-dependentes (relacionadas ao condutor), enquanto 11,19% (IC95%: 10,84-11,55), eram inerentes à via. No que diz respeito ao tipo de acidente, colisão com objeto estático e saída do leito carroçável representaram 19,8% (IC95%: 19,41-20,30) e 18,62% (IC95%: 18,19-19,06), respectivamente.

Tab. 2

A Tabela 3 mostra os resultados das associações entre as variáveis de exposição e o óbito. Com exceção da variável “Grupo etário” (p=0,216), todas as demais variáveis foram associadas ao óbito com diferenças significativas entre os grupos (p<0,001).

Tab. 3

A Tabela 4 mostra as estimativas brutas e ajustadas da análise de regressão. No modelo final ajustado perderam a associação com o óbito as variáveis “Causas presumíveis”, “Posição ocupada pela vítima” e “Período da semana”.
Ser do sexo feminino reduziu a chance de óbito (OR: 0,88; IC95%: 0,79-0,99), quando comparado ao sexo masculino. Além disso, acidentes ocorridos na região Sudeste (OR: 0,79; IC95%: 0,63-0,99), nos turnos de ocorrência em pleno dia (OR: 0,42 IC95%: 0,35-0,51), ao anoitecer (OR: 0,54; IC95%: 0,41-0,71), em plena noite (OR: 0,57; IC95%: 0,47-0,7), em condições meteorológicas que afetam gravemente a visualização pelo condutor (OR: 0,62; IC95%: 0,51-0,75), em rodovias urbanas (OR: 0,48; IC95%: 0,42-0,56) também reduziram a chance de óbito entre a população em estudo.
No que se refere aos tipos de acidentes, quando as categorias estudadas foram comparadas ao atropelamento de pedestres, todas foram avaliadas como fatores de que reduziram a chance de óbito o óbito: Colisão com Objeto (OR: 0,23; IC95%: 0,18-0,3), Capotamento/tombamento (OR: 0,31; IC95%: 0,23-0,41), Colisão frontal (OR: 0,67; IC95%: 0,52-0,87), Colisão lateral mesmo sentido e sentido oposto (OR: 0,22; IC95%: 0,16-0,3), Colisão transversal (OR: 0,19; IC95%: 0,14-0,26), Colisão traseira (OR: 0,15; IC95%: 0,11-0,2), Queda de ocupante de veículo (OR: 0,36; IC95%: 0,28-0,47), Saída de leito carroçável (OR: 0,32; IC95%: 0,25-0,41) e Outros (OR: 0,22; IC95%: 0,15-0,32) (Tabela 4).
Foram destacados como fatores associados positivamente à ocorrência do óbito: os acidentes ocorridos na região Nordeste (OR: 1,35; IC95%: 1,09-1,68), em condições meteorológicas que afetassem parcialmente a visualização pelo condutor (OR: 1,24; IC95%: 1,09-1,41), e que envolveram veículos do tipo motocicleta ou motoneta (OR: 1,89; IC95%: 1,62-2,2), ou bicicletas (OR: 3,03; IC95%: 2,19-4,18) (Tabela 4).


Tab. 4

DISCUSSÃO
Nesta pesquisa, observou-se que os óbitos por AT foram mais prevalentes entre crianças e adolescentes do sexo masculino, residentes na região Sul, cuja ocorrência foi ao amanhecer ou anoitecer, em condições que comprometeram parcialmente a visão, em rodovias localizadas em zona rural, envolvendo automóvel e motocicleta. Entre os fatores associados ao óbito destaca-se a ocorrência do óbito em rodovias localizadas na região Nordeste, em condições meteorológicas que afetaram parcialmente a visualização do condutor e envolvendo moto e bicicleta.
A maior prevalência de óbitos nos AT no sexo masculino é bem evidenciada na literatura5,11,12,13. Isso se deve em grande parte pelo comportamento de risco e impulsividade adotados por indivíduos do sexo masculino no trânsito em todas as idades5,6,11,12,13,14. Desde a infância, observa-se uma diferenciação nos padrões de comportamento social entre homens e mulheres: enquanto as garotas tendem a adotar um padrão que inclui andar em grupos, os garotos tendem a brincar mais e apresentar padrões de atividade com menor atenção em relação ao trânsito13.
Apesar da maior proporção de acidentes em 2022 ter ocorrido nas regiões Sul, a associação entre acidentes com vítimas fatais e a localização da rodovia na região Nordeste pode ser explicada não somente pela desigual diminuição das taxas de mortalidades por AT nas regiões do Brasil entre 1990 e 20195, mas também por essa região ter 4 dos 10 estados com maior proporção de mortes no trânsito brasileiro5.
Estudos mostraram tendência crescente nas taxas de mortalidade por AT de 2000 à 2015 na região Nordeste15. A exceção foi para os estados do Rio Grande do Norte15 e Pernambuco16. Estudo de tendência realizado com dados de todas as regiões do Brasil, no grupo etário de 05 a 29 anos, mostrou aumento nas taxas de mortalidade, que pode ser resultado do crescimento econômico e facilitação do acesso à aquisição de motocicletas na região5. Resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) mostraram que há menor adesão ao uso de capacetes entre estudantes, o que se associa com a prática precoce de direção por adolescentes na região Nordeste do país17.
Contrariamente, percebeu-se que acidentes que ocorreram na região Sudeste não foram associados ao óbito, isso se deve aos avanços de infraestrutura, fiscalização e medidas educativas, bem como à descentralização da regulação de tráfego que ocorreu nas capitais e cidades com maior densidade urbana e populacional5. Ademais, múltiplos estudos, relatam a região Sudeste com taxas de mortalidade em declínio em todos os estados, reforçando os achados desse estudo 5,15,16.
A associação do tipo de veículo, a exemplo da Motocicleta/motoneta e Bicicleta com o óbito, evidencia a vulnerabilidade que pedestres, ciclistas e motociclistas enfrentam por não possuírem a proteção metálica que outros tipos de veículos oferecem¹. Além do aumento do uso de bicicletas no Brasil entre 1990 e 2016, sem o investimento em educação no trânsito, ciclovias, sinalização adequada e fiscalização do uso adequado dos equipamentos de segurança dentro deste grupo5.
Neste estudo, os acidentes que ocorreram em pleno dia, ao anoitecer e em plena noite, tiveram menor chance de resultar em óbito quando comparado àqueles que ocorreram ao amanhecer. Algumas evidências vão de encontro a estes achados, mostrando que os óbitos nesse grupo etário ocorrem mais entre 12h00 e 16h0018 ou 12h00 e 20h0019, justificado por serem horários de saída da escola, dos escritórios e nos horários em que brincam na rua. Tal diferença pode resultar dos diferentes instrumentos utilizados entre os estudos para coletar essa informação. Destaca-se que nestes resultados, a estimativa do horário do acidente registrada no LPAT, pode ser influenciada pela percepção individual do policial durante o preenchimento.
Acidentes que ocorreram em rodovias localizadas em zona urbana foram fatores de proteção para a ocorrência de óbito quando comparado aos que ocorreram em áreas rurais. Em estudo realizado no Canadá, percebeu-se que medidas de redução de velocidade para veículos motorizados e para separar pedestres e ciclistas do tráfego de veículos motorizados, podem reduzir as lesões entre usuários vulneráveis das vias14. Na China, adolescentes que viviam em áreas urbanas maiores, realizam travessias mais seguras quando comparados aos seus pares que viviam em áreas urbanas menores ou em zonas rurais11.
As maiores densidades populacionais estão mais correlacionadas com o tráfego de pedestres e de transportes públicos do que de outros tipos de veículos20 e em zonas urbanas maiores há implementação de medidas regulatórias, tais como fiscalizações, lombadas, ciclovias, faixas de pedestres, quando comparadas as zonas rurais ou áreas urbanas menores15, justificando assim esse dado.
Quando comparamos outros tipos de AT como atropelamentos, todos foram percebidos como fatores de proteção, o que se deve a proteção do veículo anteriormente citada, bem como a incapacidade das crianças em medir a velocidade do veículo e outras informações relevantes para realização de julgamentos e decisões seguras no trânsito7,21 porque além de fatores cognitivos, os infantes apresentam comportamentos de risco como pedestres por tomar decisões com base em suas emoções do momento22. Crianças mais jovens também tendem a atribuir a responsabilidade de acidentes para os condutores, enquanto que adultos e crianças mais velhas, tendem a responsabilizar o pedestre, por ter maior capacidade de evitar acidentes23.
Assim, além das políticas de promoção da saúde e prevenção de acidentes, destaca-se a importância da educação de condutores e pedestres, da fiscalização, da aplicação mais rigorosa das legislações existentes, do investimento em infraestrutura adequada nas rodovias e da priorização de ações específicas para regiões com maior prevalência de óbitos.

Limitações do estudo
Dentre as limitações do estudo, merecem destaque algumas questões relativas à qualidade dos metadados fornecidos pelo DPRF, como a descrição presente no dicionário de variáveis e alguns dados disponibilizados no banco. No entanto, foram realizadas comparações entre as informações disponibilizadas no banco de dados e entre aquelas provenientes de relatórios oficiais já publicados pelo DPRF, o que contribuiu para atenuar essa limitação. No que tange aos registros referentes aos óbitos, no LPAT são registrados somente aqueles ocorridos no próprio local do acidente, não contabilizando os óbitos resultantes de lesões que venham a ocorrer posteriormente em serviços de saúde, tais como Serviço de Atendimento Móvel de Urgência e hospitais.
Considerando que o LPAT é um instrumento de registro de ocorrências de acidentes utilizado pela PRF, pode apresentar limitações quando empregado em análises desta natureza. Contudo, esta lacuna é comum quando se utiliza dados secundários e estudos que utilizam dados provenientes de sistemas de monitoramento devem ser estimulados, não só com o objetivo de melhoria no instrumento de coleta de informações, bem como quanto ao uso de dados de acesso aberto para vigilância de fatores associados à morbimortalidade.
Outra limitação é que o desenho transversal do estudo impossibilita estabelecer relações de causalidade entre exposição e desfechos. Contudo, os resultados são úteis por permitir o monitoramento e a vigilância dos acidentes no território nacional.
Conclusão
Os resultados deste estudo oferecem informações relevantes para especialistas em saúde pública, planejadores urbanos, formuladores de políticas, autoridades de transporte e o público em geral sobre os fatores associados ao óbito em crianças e adolescentes nas rodovias federais brasileiras. O estudo identifica fatores-chave a serem considerados sob uma perspectiva de prevenção da ocorrência de acidentes. Isso é oportuno, dado que a Década de Ação pela Segurança no Trânsito 2021-2030 mantém a meta de redução em 50% no número de mortos e feridos no trânsito24 e a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável com foco em priorizar o público juvenil.

Contribuições das autoras
Costa, A. L. participou da concepção, do delineamento, da análise e interpretação dos dados, da redação do artigo, da sua revisão crítica e da aprovação da versão final a ser publicada. Oliveira-Figueiredo, D. S. participou da análise e interpretação dos dados, da revisão crítica do artigo e da aprovação da versão final a ser publicada. Rocha, F. L. participou da concepção, do delineamento, da análise e interpretação dos dados, da redação do artigo, da sua revisão crítica e da aprovação da versão final a ser publicada.
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Costa, ALM, Oliveira-Figueiredo, DS, Rocha, FL. Factors associated with child and adolescent deaths due to road traffic accidents on Brazilian federal highways. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2025/May). [Citado em 24/06/2025]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/en/articles/factors-associated-with-child-and-adolescent-deaths-due-to-road-traffic-accidents-on-brazilian-federal-highways/19626?id=19626



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