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0200/2025 - Factors correlated with mortality from violence in Latin America and the Caribbean, 2000-2021: an ecological study
Fatores correlacionados à mortalidade por violência na América Latina e Caribe, 2000-2021: um estudo ecológico

Author:

• Jeferson dos Santos Gomes - Gomes, JS - <jefesg@yahoo.com.br>
ORCID: https://orcid.org/0009-0000-2407-327X

Co-author(s):

• César Augusto Oviedo Tejada - Tejada, CAO - <cesaroviedotejada@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8120-5563
• Lívia Madeira Triaca - Triaca, LM - <liviamtriaca@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7192-6554


Abstract:

The aim of this study was to analyze the factors correlated with the mortality rate from violence in Latin America and the Caribbean (LAC). Data were used for 24 LAC countries between 2000 and 2021. A fixed-effects model was estimated, reporting the coefficients and their 95% confidence intervals, to assess the effect of changes in demographic indicators (median age of the population) and socioeconomic indicators (annual rate of change in GDP, unemployment rate, infant mortality rate and average schooling) on the intentional homicide rate (THI) and on the interpersonal violence mortality rate (TMVI). In addition, the existence of distinct effects was evaluated when TMVI is analyzed by sex. Overall, the results showed that worse socioeconomic indicators (lower annual rate of change in Gross Domestic Product (GDP), higher unemployment rate, and higher infant mortality rate) are correlated with higher THI and TVMI. In addition, the results also suggest that the trend of population aging in LAC is favorable to an alleviation of mortality due to violence (for TMVI: coefficient -7,53%, CI95%: -0.1184; -0,0322). These findings suggest that public policy strategies should adopt a multidimensional approach in order to promote the security and well-being of society.

Keywords:

Interpersonal violence, Homicides, Latin America and the Caribbean.

Content:

INTRODUÇÃO

A região da América Latina e Caribe (ALC) fez importantes progressos socioeconômicas nas últimas décadas: registrou altas taxas de crescimento econômico, grandes reduções das taxas de pobreza, melhorias na saúde da população e níveis de educação mais altos.1 No entanto, a violência e a criminalidade aumentaram e a ALC continua a ser a região mais violenta do mundo, com uma taxa de 24 homicídios por 100.000 habitantes em 2017, quase quatro vezes maior que a média global. A violência ameaça a estabilidade social e é um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento socioeconômico1,2. Um estudo estima que um aumento de um desvio-padrão nas taxas de homicídio na ALC reduz o crescimento do produto bruto interno (PIB) da região em 0,14 pontos percentuais e que fechar o hiato entre a taxa de criminalidade da ALC e a taxa média mundial aumentaria a taxa anual de crescimento do PIB da ALC em 0,5 pontos percentuais.3 Algumas estimativas mostram que a criminalidade custa em termos econômicos, em média, para os países da ALC, 3,55 % do PIB da região3. Além disso, a exposição à violência aumenta os riscos de lesões, doenças infecciosas, problemas de saúde mental, problemas de saúde reprodutiva e doenças não transmissíveis4.
A violência é frequentemente conceituada como um fenômeno complexo que engloba comportamentos que causam danos físicos, psicológicos ou emocionais a uma pessoa ou grupo de pessoas. Essa definição abrange uma ampla gama de comportamentos que vão desde agressões físicas diretas até formas mais sutis de coerção e intimidação. É importante ressaltar que nem toda violência constitui um crime, uma vez que nem todos os comportamentos violentos são considerados ilegais de acordo com as leis estabelecidas por uma sociedade. A criminalidade refere-se à violação das normas legais estabelecidas, resultando em comportamentos considerados ilegais e passíveis de punição jurídica. Embora a violência muitas vezes esteja associada à criminalidade, é crucial reconhecer que nem toda violência é necessariamente criminal e nem toda criminalidade envolve violência direta.
Optamos pela definição de “violência” em detrimento de “criminalidade”. Mais especificamente, a análise do presente estudo concentra-se em desfechos onde a violência, necessariamente, resulta em óbito e que envolve o uso intencional de força física ou poder contra outras pessoas por um indivíduo ou pequeno grupo de indivíduos. No entanto, diferentes perspectivas teóricas sobre violência e criminalidade são consideradas no estudo, entre elas: Abordagem da teoria econômica do crime, abordagem das teorias criminológicas e sociológicas e a abordagem em saúde pública. A partir de fundamentos econômicos, Becker5 analisou a criminalidade dando origem à teoria econômica do crime. Segundo ela, as decisões sobre a alocação de tempo do sujeito são tomadas com base em uma análise custo-benefício. Os custos são dados pelas penalidades impostas aos criminosos apreendidos, enquanto os benefícios são dados pela diferença entre os potenciais ganhos e os custos de oportunidade. Custos de oportunidade são dados pelos potenciais ganhos de atividades legais (salários no mercado de trabalho ou retornos ao microempreendedorismo)6,7.
As abordagens das teorias criminológicas e sociológicas voltam-se ao estudo tanto da criminalidade como da violência. O cenário criminológico foi dominado, durante as décadas de 1960 e 1970, pelas teorias sociopsicológicas ou de nível individual dos comportamentos criminosos e/ou desviantes. Contudo, no final da década de 1970 começaram a surgir estudos empíricos e discussões teóricas sobre os correlatos ecológicos da criminalidade a partir de várias perspectivas teóricas. Essas contribuições reunidas levaram a uma mudança na teoria criminológica, passando do foco no indivíduo (nível micro) para o foco no agregado (nível macro)8. As perspectivas teóricas de nível micro enfatizam atributos psicológicos e biológicos individuais e interações interpessoais, enquanto teorias de nível macro focam fatores de coletividades sociais e/ou áreas geográficas9 .
Por último, há a abordagem da saúde pública. A concepção de violência como um problema de saúde pública tem obtido crescente reconhecimento, fundamentando-se em três características: a aplicação da metodologia científica, a ênfase à prevenção e o encorajamento à colaboração10. Nessa perspectiva, a violência é abordada como um agravo à saúde, por um lado, apresentando potenciais características de contágio11,12 e, por outro, destacando a possibilidade de prevenção. Alguns estudos nessa linha apoiam-se em um modelo ecológico13–15 que possibilita examinar o comportamento violento através de fatores que se relacionam e interagem em níveis (sociedade, comunidade, relações, indivíduo), não necessariamente, fornecendo uma compreensão abrangente das causas da violência, mas permitindo identificar fatores de risco que possam ser modificados16.
A interação contínua entre contribuições teóricas e empíricas tem estimulado uma evolução no sentido de considerar fatores sociais que podem ajudar na explicação de crimes ao longo do tempo e sua propagação em comunidades17. Como a definição de violência é demasiadamente ampla e abrange grande diversidade de comportamentos em todo o mundo15, a análise empírica do presente estudo se limita a investigar homicídios e mortes por agressões, definidos como aqueles que são infligidos por outro indivíduo ou por um pequeno grupo de indivíduos.
Diante desse quadro, este estudo formula a seguinte pergunta de pesquisa: em que medida as mudanças nos indicadores demográficos e socioeconômicos explicam as variações na mortalidade por violência na América Latina e no Caribe?
Apesar dos elevados índices de violência, são escassos os estudos ecológicos sobre a ALC18,19. Assim, o principal objetivo do artigo é analisar os fatores correlacionados à mortalidade por violência na América Latina e Caribe no período 2000-2021. Com base na revisão de literatura, selecionamos variáveis demográficas e socioeconômicas considerando que elas podem influenciar as taxas de violência social20. Para este fim, adotamos uma perspectiva multidisciplinar com ênfase no enfoque da saúde pública.

MÉTODO

Dados e variáveis

Foi construído um painel de dados com informações dos 24 países da América Latina e do Caribe (Argentina, Bahamas, Barbados, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, República Dominicana, Equador, El Salvador, Guatemala, Guiana, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela) durante o período de 2000 a 2021, totalizando 528 observações país-ano. Foram analisados quatro desfechos relacionados a violência: taxa de homicídios intencionais (THI), taxa de mortalidade por violência interpessoal (TMVI), taxa de mortalidade por violência interpessoal feminina (TMVIF) e taxa de mortalidade por violência interpessoal masculina (TMVIM). Todos os quatro desfechos são taxas por 100 mil habitantes e foram padronizadas por idade. As análises para THI abrangem todo o período, 2000-2021, enquanto para TMVI, TMVIF e TMVIM restringem-se ao período de 2000-2019, devido à disponibilidade de dados consolidados.
A THI tem como base a definição da Classificação Internacional do Crime para Fins Estatísticos (ICCS) e considera três elementos para caracterizar o homicídio de uma pessoa como homicídio intencional: (1) o homicídio de uma pessoa por outra pessoa (elemento objetivo); (2) a intenção do agressor de matar ou ferir gravemente a vítima (elemento subjetivo); e (3) a ilicitude do homicídio (elemento jurídico)4. Para fins de registro, todos os homicídios que cumprem estes critérios são considerados intencionais, independente das definições fornecidas pelas legislações ou práticas nacionais. Dessa forma, mortes causadas por atividades terroristas, por exemplo, são contabilizadas. Essa informação foi obtida na base de dados do Estudo Global sobre Homicídios (EGH) através do código ICCS 0101, pertencente à Classificação Internacional de Crimes para Fins Estatísticos (ICCS), desenvolvida pelo escritório das Nações Unidas sobre drogas e crime (UNODC). A ICCS é um sistema para padronizar a coleta, análise e comparação de dados criminais em nível global.
A TMVI baseia-se em mortes resultantes do uso intencional de força física ou poder por parte de outra pessoa ou grupo, não incluindo forças militares ou policiais. Estão incluídas nessa definição os CID-10: X85–Y08.9, Y87.1–Y87.2 e estas informações possuem como fonte os dados do Estudo Carga Global de Doenças 2017 (CGD) do Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde (IHME). Essa informação também estava disponível por sexo, sendo assim também foram utilizadas as TMVIM e TMVIF como desfechos. Ambas as bases de dados empregam métodos de retificação para lidar com inconsistências e fragilidades nos registros de óbito, assegurando a padronização e a comparabilidade internacional dos indicadores utilizados.
As variáveis independentes foram organizadas em dois grupos, variáveis demográficas e socioeconômicas. Em demográficas incluiu-se a variável “idade mediana da população” que possui como fonte a base da Divisão de População das Nações Unidas (UNPD). Em relação às socioeconômicas, foram incluídas variáveis na área de educação, mercado de trabalho, privação e atividade econômica. Para educação, obtivemos na base UNPD a média de anos de escolaridade, que possui uma escala de 0 a 15. Em relação ao mercado de trabalho, foi incluída a variável taxa de desemprego, que é definida como a população que está sem emprego, mas está disponível e em busca de um trabalho, e possui como fonte o banco de dados do Banco Mundial. Para privação, foi utilizada como proxy a variável taxa de mortalidade infantil, que indica o número de óbitos no primeiro ano de vida a cada 1.000 crianças nascidas vivas. Essa informação foi obtida junto aos dados do Grupo Interagencial das Nações Unidas para Estimativa da Mortalidade Infantil (UN IGME). Por fim, para analisar a atividade econômica, foi incluída nos modelos a variável taxa percentual anual de crescimento do PIB que possui como fonte o banco de dados do Banco Mundial. Os dados foram escolhidos de acordo com a literatura e a disponibilidade para o período e região analisada.

Análise estatística
Este estudo emprega uma abordagem ecológica utilizando análise de regressão multivariada para investigar os fatores correlacionados a taxas de mortalidade por violência interpessoal na América Latina e Caribe. Para mitigar possíveis influências de observações extremas em determinados países, adotou-se uma estratégia de efeitos fixos nos modelos de regressão, incorporando efeitos fixos de países e de ano, como apresentando abaixo, na equação (1):

M_it=?_i+?_1 X_1it+?+?_k X_kit+?_t+?_it (1)

M_it é a variável resposta referente a taxa de mortalidade por violência – THI, TMVI, TMVIM e TVMIF – baseada na informação do i-ésimo país i (i=1, …,24) no ano t (t=2000, …, 2021); ?_i é o efeito fixo dos países, que controla para características dos países invariantes no tempo; X_kit representa as variáveis independentes, que incluem os fatores demográficos e socioeconômicos de interesse; ?_k são os coeficientes das variáveis independentes; ?_t representa os efeitos fixos dos anos, que controla por fatores que variam uniformemente entre os países ao longo do tempo; e ?_it é o temo de erro.
Inicialmente, foram gerados os resultados para a análise bruta, estimando separadamente a correlação de cada covariável com cada um dos quatro desfechos; em seguida, procedeu se à análise ajustada, na qual todas as variáveis foram inseridas simultaneamente no modelo de efeitos fixos, conforme a equação (1). Verificou-se a multicolinearidade por meio dos fatores de inflação da variância (VIF), e o valor máximo obtido foi de 3,63, indicando uma colinearidade apenas moderada. Em todas as análises, a variável de desfecho foi empregada em logaritmo natural, os erros-padrão robustos foram agrupados no nível do país e adotou se nível de significância de 5%, equivalente à apresentação dos coeficientes com intervalos de confiança de 95%. Os dados foram analisados usando o software Stata, versão SE 17.0 (Stata Corporation).

RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta a média para diferentes pontos do tempo de todas as variáveis utilizadas nas análises. As estatísticas mostraram uma estabilidade das taxas de mortalidade por violência no período, com um aumento de 2000 a 2010 e uma queda para o ano mais recente, 2021 (2019). Em relação as variáveis demográficas e socioeconômicas, foi possível constatar avanços na escolaridade média, com aumento de 7,24 para 9,41 anos, e na taxa mortalidade infantil, que apresenta uma redução de 24,32 para 12,78. A idade mediana da população apresentou um aumento, refletindo envelhecimento da população, enquanto a taxa de desemprego oscilou e o PIB apresentou forte crescimento em 2021.

Tab.1

A Tabela 2 mostra a relação entre fatores demográficos e socioeconômicos e os quatro desfechos analisados, considerando os 24 países da amostra. Inicialmente, são apresentados os resultados para a taxa de homicídios intencionais (THI). Na análise bruta foram observadas correlações estatisticamente significativas para as variáveis taxa de desemprego, média de anos de escolaridade e taxa de mortalidade infantil. As mesmas relações são observadas para as variáveis taxa de desemprego, taxa de mortalidade infantil e média de anos de escolaridade na análise ajustada, porém também é possível observar uma relação estatisticamente significativa para taxa anual de variação do PIB. O aumento da taxa de desemprego em um ponto percentual foi correlacionado a um aumento de 1,95% na THI (coeficiente: 0,0195, IC95%: 0,0066; 0,0324). Por outro lado, a variável escolaridade média apresentou uma relação negativa com a THI – um aumento de um ano adicional na escolaridade média está correlacionado a uma redução na THI de 9,12% (coeficiente: -0,0912, IC95%: -0,1647; -0,0176). A taxa anual de variação do PIB também apresentou uma correlação estatisticamente significativa e negativa com a THI (coeficiente: -0,0063, IC95%: -0,0124; -0,0001), sugerindo que um ambiente econômico favorável pode desempenhar um efeito protetor na redução dos homicídios na ALC. Já para a taxa de mortalidade infantil, o efeito apresenta sinal positivo, demonstrando que um aumento nesta variável está correlacionado a uma elevação nas taxas de homicídio (coeficiente: 0,0110, IC95%: 0,0011; 0,0209).

Tab.2

Para mortes violentas interpessoais (TMVI), na análise bruta foi observado uma relação estatisticamente significativa para as variáveis taxa anual de variação do PIB, taxa de desemprego e taxa de mortalidade infantil. Na análise ajustada, a variável taxa anual de variação do PIB perde a significância estatística e a variável idade mediana da população se torna estatisticamente significativa, apresentando uma relação negativa com a TMVI. A variável taxa de desemprego apresentou uma correlação positiva (coeficiente: 0,0222 , IC95%: 0,0118; 0,0327), com um efeito de maior magnitude quando comparado a THI. A taxa de mortalidade infantil também apresentou uma correlação estatisticamente significativa e positiva com a TMVI (coeficiente: 0,0239, IC95% 0,0158; 0,0321). Já a variável idade mediana da população apresenta uma correlação negativa, demonstrando que um aumento de um ponto percentual na mediana reduz a TMVI em 7,53% (coeficiente: -0,0753 , IC95%: -0.1184; -0,0322).
Ao analisar os resultados da taxa de mortalidade por violência interpessoal por sexo foi possível observar pequenas diferenças no padrão das correlações. Os resultados para a TMVIM na análise bruta mostram o mesmo padrão observado anteriormente para TMVI para taxa anual de variação do PIB, taxa de desemprego e taxa de mortalidade infantil. Na análise ajustada, os resultados seguem os observados para a TMVI, apresentando apenas pequenas diferenças na magnitude das correlações. Já os resultados para TMVIF apresentam algumas diferenças. Diferentemente do observado anteriormente, os coeficientes da taxa anual de variação do PIB e da idade mediana da população mostraram-se estatisticamente significativos e negativos tanto na análise bruta quanto na análise ajustada, demonstrando que um aumento de um ponto percentual na idade mediana da população resulta em uma redução de 9,79% na TMVIF (coeficiente: -0,0979, IC95%: -0,1404; -0,0553). As variáveis taxa de desemprego e taxa de mortalidade infantil seguem o mesmo comportamento apresentado anteriormente, correlações positivas e estatisticamente significativas com TVMIF.

DISCUSSÃO

Este estudo explorou dados de 24 países da América Latina e do Caribe e analisou a correlação de fatores demográficos e socioeconômicos com as taxas de mortalidade causadas por violência. De maneira inovadora, foram utilizadas simultaneamente classificações provenientes do campo criminal (ICCS) e da saúde (CID-10), ampliando a robustez da análise ao considerar distintas dimensões do registro da violência. Quatro desfechos foram analisados, taxa de homicídio intencional (THI), taxa de mortalidade por violência interpessoal (TMVI), taxa de mortalidade por violência interpessoal masculina (TMVIM) e taxa de mortalidade por violência interpessoal feminina (TMVIF). Os resultados mostraram que tanto fatores demográficos quanto socioeconômicos estão correlacionados às taxas de mortalidade analisadas.
Em termos de fatores demográficos, os coeficientes referentes à idade mediana da população sugeriram uma forte correlação do envelhecimento populacional com menores taxas de mortalidade por violência interpessoal nos países da ALC. Este achado está em concordância com evidências existentes na literatura. Da literatura da saúde pública, por exemplo, Wolf et al.21, de forma semelhante, encontraram uma relação inversa entre idade mediana da população e taxa de homicídios em uma análise para 140 países (de alta, média e baixa renda) no período de 2003-2008. Quando a estimação foi realizada para uma subamostra de países (excluindo os pertencentes à OCDE) e incluindo a variável Índice de Pobreza Multidimensional, a relação observada se tornou ainda mais forte. Similarmente, uma pesquisa longitudinal com dados de 83 cidades dos EUA no período 1970-2000 revelou a ocorrência de uma correlação positiva do percentual de população de 15 a 29 anos com um aumento na taxa de homicídios22. Em outra pesquisa para uma amostra de 26 países (cinco países são da ALC) no período de 1960 a 2015, uma análise de regressão multivariada revelou uma forte correlação positiva do percentual de população de 15 a 29 anos de idade com a taxa de homicídios23 . Desta forma, o resultado observado no presente estudo, e corroborado pela literatura, mostra que a tendência de envelhecimento da população na ALC seria, possivelmente, favorável a um alívio da mortalidade por violência interpessoal nas próximas décadas. Entretanto, temos razões para interpretar estes resultados com cautela, uma vez que elevados níveis de forças criminogênicas podem se sobrepor à influência pacificadora do envelhecimento da população, como parece ser o caso de alguns dos maiores países da ALC, como Brasil, México e Venezuela23 . Ademais, embora o envelhecimento da população sugira uma tendência favorável à redução da mortalidade por violência, é importante considerar que efeitos de coorte podem modular essa relação. Diferentes gerações podem carregar propensões distintas à violência, associadas a condições sociais, econômicas e institucionais específicas durante seu período formativo. Assim, mesmo com o avanço da idade média, coortes expostas a elevados níveis de violência e fragilidade social no início da vida podem manter padrões elevados de homicídio ao longo do tempo24,25.
Em termos de variáveis socioeconômicas destacam-se taxa de desemprego e taxa de mortalidade infantil. Os resultados para a taxa de desemprego apresentaram uma correlação positiva com as taxas de mortalidade analisadas. Tais resultados indicam que um ambiente econômico com baixa capacidade de absorção de trabalhadores pode ter contribuído para uma taxa de homicídios mais elevada. Da literatura da saúde pública, resultados obtidos para 26 países da União Europeia, para o período 1970-2007, por meio de análise de regressão multivariada, sugerem que um aumento na taxa de desemprego estava correlacionado a uma elevação na mortalidade por homicídios26. De forma semelhante, mas da literatura da criminologia, outra análise para 40 países de todo o mundo, para o período 1962-2008, observou uma correlação positiva entre a taxa de desemprego e a taxa de homicídios quando considerados os óbitos em todas as idades e, também, quando considerados, exclusivamente, os óbitos no grupo etário jovem de 15 a 29 anos de idade27. Contudo, há resultados divergentes em estudos que não encontraram relações significantes entre desemprego e homicídios18,22. Para a taxa de mortalidade infantil, os resultados demonstraram uma correlação positiva significativa com as taxas de mortalidade por violência. Da literatura da criminologia, Pridemore28 argumenta que a mortalidade infantil pode ser um indicador direto da pobreza ou privação econômica absoluta, no entanto, Messner et al.29 contestam essa visão, propondo que ela possa refletir, em vez disso, uma privação econômica e social relativa. Independentemente das nuances interpretativas, é evidente que essa medida revela a vulnerabilidade das regiões afetadas. Nesse contexto, a correlação observada com as taxas de mortalidade por violência ressalta a importância de abordagens preventivas e intervenções direcionadas para mitigar os efeitos adversos sobre as populações mais vulneráveis.
Encontramos também uma correlação negativa entre a taxa anual de crescimento do PIB e as taxas de homicídios intencionais (THI) e de mortalidade por violência interpessoal feminina (TMVIF). Na literatura, as evidências para esta relação são mistas. Em alguns estudos, estes indicadores não parecem predizer variações nos homicídios11,30,31. Para Fajnzylber et al.30 e Chioda11, que utilizam, respectivamente, o PNB per capita e o PIB per capita como medidas de atividade econômica, as evidências são de que estes indicadores não parecem predizer variações nos homicídios. O mesmo fato é observado na metaanálise de Nivette31. No entanto, apesar de encontrar diferentes resultados em diferentes modelos, Rivera18 destaca dois resultados que sugerem que um país com menores níveis de PIB per capita apresentará mais elevadas taxas de assassinatos. Assim como Schargrodsky e Freira32 que observam um efeito negativo da variação do PIB na taxa de homicídios em uma análise para 125 países. A inconsistência de resultados observada na literatura pode ser atribuída à possibilidade de que o efeito do PIB na mortalidade por violência interpessoal não se manifeste de forma direta, mas sim por meio da mediação de outros fatores, como desemprego, desigualdade e pobreza11,18,19. Do ponto de vista teórico, a relação é similarmente ambígua, pois, na perspectiva de criminosos em potencial, mais renda implica em mais oportunidades para crimes economicamente motivados e maior consumo de bens criminogênicos, mas, por outro lado, há maior investimento em segurança de vítimas em potencial, menor necessidade de crime entre potenciais perpetradores e custos de oportunidade mais alto para delitos.
O resultado para escolaridade média apenas apresentou efeito na análise da THI, apresentando um efeito negativo. De forma convergente, resultados obtidos sobre a análise de 19 países da América Latina para o período 1980-2010 também concluíram que a realização educacional exerce um efeito negativo sobre taxas de homicídios18. Por outro lado, da literatura econômica, outros estudos para um conjunto de países não encontram coeficientes estatisticamente significantes para a média de anos de escolaridade21,30.
Ao analisar separadamente as taxas de mortalidade por violência interpessoal masculina e feminina foi possível observar algumas diferenças. Para ambos os sexos, a taxa de desemprego e a mortalidade infantil apresentaram correlações positivas, no entanto, apenas entre as mulheres o crescimento do PIB mostrou correlação negativa estatisticamente significativa, sugerindo maior sensibilidade da violência letal feminina às condições econômicas. A idade mediana da população teve correlação negativa para ambos, mas com efeito mais pronunciado entre as mulheres, indicando que o envelhecimento populacional pode ter um efeito diferenciado na redução da mortalidade por violência segundo o sexo.
O estudo apresenta algumas limitações e os resultados observados devem ser interpretados com cautela, devendo-se observar que não foram apontadas relações de causalidade, mas sim de correlação. Nos modelos estimados, a inclusão de outras variáveis explicativas, como medidas de desigualdade social, rendimentos da população e indicadores da atuação do sistema judicial (a fim de dimensionar os efeitos dissuasórios), seriam de grande relevância, entretanto, não foram consideradas por indisponibilidade na base de dados. As TMVI, oriundas do CGD, foram geradas por um processo de modelagem computacional sendo afetadas pela ausência de dados nas bases que alimentam estes sistemas. Em termos metodológicos, a escolha do modelo de efeitos fixos para os países traz vantagens, no entanto impossibilita a estimação de coeficientes para preditores invariantes no tempo. Por esta razão ficou prejudicada a utilização de algumas variáveis binárias categóricas que seriam interessantes para a análise. Além disso, a utilização de duas fontes distintas, uma médica e outra criminal, embora tenha enriquecido a análise ao ampliar a compreensão do fenômeno, envolve limitações decorrentes da sobreposição apenas parcial entre as classificações. Enquanto a CID-10 registra causas médicas de morte, a ICCS categoriza eventos conforme a tipificação penal, levando a divergências ou lacunas na correspondência entre as bases. Ademais, como as taxas oriundas da saúde não distinguem de forma sistemática mortes por intervenção legal, há o risco de subestimação das taxas de mortalidade por violência interpessoal, o que deve ser ponderado na interpretação dos resultados.
Apesar das limitações, os resultados deste estudo oferecem insights valiosos sobre os fatores determinantes da violência na América Latina e no Caribe. A ausência de um fator dominante em nossa análise destaca a complexidade e interconexão dos determinantes da violência nessa região. Nesse contexto, os achados sugerem a necessidade de abordagens abrangentes e multidimensionais na formulação de políticas públicas de prevenção à violência. Estratégias que abordem não apenas os determinantes econômicos, mas também os sociais, educacionais e de saúde, especialmente voltadas para proteger os grupos mais vulneráveis, podem representar uma abordagem eficaz para enfrentar esse desafio persistente e promover a segurança e o bem-estar da sociedade.

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
Conceituação: Jeferson dos Santos Gomes e Cesar Augusto Oviedo Tejada. Metodologia: Jeferson dos Santos Gomes e Lívia Madeira Triaca. Análise formal e investigação: Jeferson dos Santos Gomes e Lívia Madeira Triaca. Redação - elaboração do rascunho original: Jeferson do Santos Gomes, Cesar Augusto Oviedo Tejada e Lívia Madeira Triaca. Redação - revisão e edição: Jeferson do Santos Gomes, Cesar Augusto Oviedo Tejada e Lívia Madeira Triaca.

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Gomes, JS, Tejada, CAO, Triaca, LM. Factors correlated with mortality from violence in Latin America and the Caribbean, 2000-2021: an ecological study. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2025/Jun). [Citado em 03/08/2025]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/en/articles/factors-correlated-with-mortality-from-violence-in-latin-america-and-the-caribbean-20002021-an-ecological-study/19676?id=19676



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