0313/2025 - From Ceará to Brazil: Historical perspective and challenges of the Community Health Agents – interview with Carlile Lavor
Do Ceará para o Brasil: Perspectiva histórica e desafios da experiência dos Agentes Comunitários de Saúde - entrevista com Carlile Lavor
Author:
• Anya Pimentel Gomes Fernandes Vieira-Meyer - Vieira-Meyer, APGF - <anyavieira10@gmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4237-8995
Co-author(s):
• Antonio Carlile Holanda Lavor - Lavor, ACH - <anyavieira10@gmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4237-8995
Abstract:
The pioneering experience of the Health Agents (HA) had a significant impact on reducing infant mortality and became a national reference, leading to the creation of the Community Health Agents Program (PACS) across the country and, subsequently, serving as the foundation for the establishment of the Family Health Program (PSF), currently known as the Family Health Strategy (ESF), consolidated as the main model of primary care within the Unified Health System (SUS). Carlile Lavor, a public health physician who served as Secretary of Health of the State of Ceará in 1987, was responsible for the creation of the Health Agents, and came to be popularly and affectionately known as the “father of the ACS.” In an interview granted to researcher Anya Vieira-Meyer, Lavor reflects on the historical trajectory and contemporary challenges of Community Health Agents (ACS) in Brazil.Keywords:
Community Health Agent, Public Health, InterviewContent:
Adicionalmente, Carlile foi professor da Universidade de Brasília (1969-1978); secretário municipal de saúde de Iguatu-CE (1989-1991), quando ajudou a criar o Conselho Estadual de Secretarias Municipais de Saúde do Ceará (COSEMS-CE), sendo seu primeiro presidente, e também vice-presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS); prefeito do município de Jucás (1993-1996), consultor do UNICEF em Angola (2007-2008) e, posteriormente do Ministério da Saúde daquele país (2014), contribuindo com o programa angolano de agentes de desenvolvimento comunitário e sanitário (ADECOS). Entre 2008 e 2014 e, novamente, entre 2017 e 2022, coordenou a implantação da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Ceará.
Em entrevista concedida à pesquisadora Anya Vieira-Meyer, Carlile compartilha reflexões sobre a trajetória histórica e os desafios contemporâneos dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) no Brasil.
Anya Vieira-Meyer: Dr Carlile, em 2024, a ESF comemorou 30 anos de existência. Um dos profissionais da ESF que mais diferencia a Atenção Primária à Saúde brasileira é o ACS. Gostaria que nos contasse sobre o processo de criação dos agentes de saúde (AS) em 1987 no Ceará.
Podemos dividir a criação dos AS em três fases: a 1ª fase foi a preparação do auxiliar de saúde no Projeto Planaltina da Universidade de Brasília (1974-1978); a 2ª fase, foi a adaptação do auxiliar de saúde para as condições do sertão nordestino, na região de Iguatu-Ceará (1979-1986); e a 3ª fase, a preparação para aplicação em larga escala do AS, com a formulação do projeto de universalização da atenção à saúde para todos os cearenses (1986-1987).
Vários fatores favoráveis possibilitaram esta construção. A campanha pelas eleições diretas e a eleição de Tancredo Neves trouxeram o clima que estimulou a preparação do Congresso Cearense de Saúde (CCS), em 1985, unindo associações, sindicatos e conselhos profissionais. A VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS), em 1986, definiu o novo sistema de saúde desejado para o Brasil.
Em junho de 1986, desencadeou-se a campanha para eleição do governo do Ceará. O candidato Tasso Jereissati abraçou as ideias defendidas no CCS e na VIII CNS, quando se iniciou a preparação do projeto de universalização da atenção à saúde para todos os cearenses, já mencionado. Logo após a vitória eleitoral, o desenho do projeto foi continuado, bem definido e acordado entre os profissionais e o governador eleito: saúde para todas as mães e crianças cearenses como objetivo central, dentro do espírito de sistema universal de atenção à saúde. A mortalidade materna e infantil era vergonhosa, e havia um consenso internacional sobre as medidas de menor custo para reduzi-la, desde a Conferência de Alma Ata, e o custo era compatível com os parcos recursos do Estado.
A experiência que havíamos acumulado em Planaltina-DF e na Região de Iguatu-CE, convenceu os profissionais e o governador a adotarmos o AS. A equipe que coordenou a preparação do Projeto, desde a campanha eleitoral, assumiu a SESA-CE. Uma equipe de pediatras apoiou a preparação e execução do Projeto de atenção à criança.
Em 1987 o estado do Ceará confrontou-se com uma forte seca. Para enfrentar esta calamidade, o governo federal enviou 200 mil bolsas mensais de meio salário-mínimo (SM), as quais o governador transformou em 100 mil bolsas de um SM. Tradicionalmente, este recurso era utilizado para contratar homens para realizar trabalhos braçais no período da estiagem, garantindo renda para as famílias atingidas pela seca. Contudo, naquele ano, parte das bolsas foi para os AS.
Em setembro daquele ano, os 128 municípios mais atingidos pela seca contavam com 6.000 mulheres em condição de pobreza, que dedicavam seu dia ao trabalho de AS, recebendo um SM mensal: visitavam suas vizinhas, 100 famílias em média, para identificar as gestantes e as conduzirem ao pré-natal, assim como levá-las para realizarem o parto na maternidade - 30% das crianças da área rural ainda nasciam em casa, em condições precárias.
A assistente social sanitarista Míria Lavor, minha esposa, que participara da formação do auxiliar de saúde em Planaltina-DF, e coordenara a sua evolução no sertão cearense, formou uma equipe de 8 profissionais na SESA-CE, que dirigiu toda a implantação do trabalho dos AS no Ceará.
Com o final, em 1988, dos recursos emergenciais do governo federal para seca, a equipe formada na SESA-CE reinicia uma nova implantação, gradual, das AS, desta vez bem institucionalizada, e financiada com recursos próprios da Secretaria. O número de AS chegou a 3.433 em 102 municípios em 1990.
AS passam a ser formadas e supervisionadas por enfermeiros selecionados e financiados pelos municípios (espécie de contrapartida), em média, 32 agentes por enfermeiro. Foi implantado treinamento mais robusto, baseado na experiência dos auxiliares de saúde de Planaltina e da sua nova versão, desenvolvida no sertão cearense.
Anya Vieira-Meyer: Na sua opinião, qual foi o diferencial dos Agentes de Saúde do Ceará? Como a efetividade deste profissional de saúde foi avaliada?
Agentes comunitários de saúde foram utilizados em muitos países da Ásia, da África e da América. Os novos AS do Ceará tinham diferenciais importantes. Em 1º lugar, estavam integrados em um projeto de saúde de Estado, que se desenvolveu durante 20 anos (1987-2006), com três governadores diferentes. O projeto definiu claramente a prioridade para a saúde das mães e das crianças, e adotou a atenção primária à saúde, seguindo a recomendação da Conferência de Alma Ata.
Em 2º lugar, o objetivo do trabalho do agente era muito claro, melhorar a saúde da mãe e de seus filhos, e evitar a sua morte. As medidas preventivas eram muito simples, padronizadas internacionalmente, e incluíam identificar as gestantes precocemente e seguir o calendário das suas consultas pré-natais, realizar o parto assistido em uma Unidade de Saúde, apoiar a mãe para o aleitamento materno exclusivo durante os primeiros meses da criança, acompanhar o calendário das vacinas das crianças, observando a curva de crescimento do seu peso.
Em 3º lugar, as AS eram treinadas e estimuladas a desenvolver a sua inteligência e capacidade de iniciativa, seguindo o método desenvolvido no Projeto Planaltina. Eram avaliadas mensalmente pela enfermeira supervisora, que examinava, com as agentes, as cópias dos cartões de todas as crianças de zero a dois anos e das gestantes da área. Era um momento de aprendizagem para a agente e para a enfermeira, que procuravam resolver os problemas encontrados: gestante faltosa ao pré-natal, dificuldade para o aleitamento materno, falta à vacinação, recuperação da criança desnutrida, uso do soro oral na diarreia, e dificuldade da mãe para o tratamento precoce da criança doente. Também identificavam todos os nascimentos e óbitos das crianças.
Em 4º lugar, a implantação das AS do Ceará ocorria paralelamente com o desenvolvimento do novo Sistema de Saúde. Em muitos países, os agentes comunitários de saúde eram implantados onde não havia profissionais de saúde devidamente qualificados. Por fim, mais do que a escolaridade, a solidariedade e o espírito de iniciativa eram muito valorizados na seleção das agentes, sendo especialmente fortalecidos na sua formação inicial e nas avaliações mensais.
Com o intuito de aferir a efetividade das agentes, no primeiro ano de implantação no Ceará, em 1987, os professores César Víctora e Fernando Barros, da Universidade de Pelotas-RS, indicados pelo UNICEF, realizaram a primeira Pesquisa de Saúde Materno-Infantil do Ceará (PESMIC), quando 8.000 famílias foram visitadas, entrevistando mães, e examinando crianças de 0 a 4 anos. Três anos depois, eles repetiram a pesquisa e os resultados evidenciaram um avanço importante no acesso das gestantes ao pré-natal, na redução da desnutrição das crianças, na melhoria do aleitamento materno, no uso do soro oral, na vacinação das crianças, e na redução da mortalidade infantil [1]. Também em 1990, a professora Maria Cecília Minayo e Ennio Svitone compararam a saúde das crianças cearenses dos municípios com agentes, com aqueles que ainda não os haviam implantado [2]. Este estudo evidenciou aspectos que possibilitaram os resultados positivos do AS, como o reconhecimento da comunidade e o foco em ações específicas. Uma terceira informação sobre a efetividade das agentes veio do Relatório da Vacinação do Ministério da Saúde de 1990, afirmando o progresso da vacinação das crianças cearenses em 1989, que atingiram coberturas superiores a região nordeste e ao país em 1990 [3].
Importante frisar o interesse e o reconhecimento internacional da experiência cearense com os agentes de saúde. A professora Judith Tendler, do Masssachussets Institute of Technology (MIT), trouxe sete orientandos de mestrado e doutorado para fazerem suas pesquisas no Ceará em 1992. O resultado destes estudos rendeu publicações acadêmicas como “Why fewer bells toll in Ceará: success of community health worker program in Ceará, Brazil” [4] (Porque menos sinos dobram no Ceará: sucesso do programa do ACS), tese de mestrado da socióloga Sara Beth Freedheim, que caminhou com as AS em visitas domiciliares em sete municípios, entrevistou enfermeiros, médicos, prefeitos e o governador Tasso. A professora Tendler publicou o livro pela Johns Hopkins University “Good Government in the Tropics”, traduzido pela Escola Nacional de Administração Pública como “Bom Governo nos Trópicos” [5]. As pesquisadoras se admiraram com algumas características das AS: a solidariedade e a dedicação às famílias que acompanhavam, e a capacidade de iniciativa para resolverem os problemas que encontravam. Não seguiam protocolos, buscavam soluções. Ao contrário da literatura internacional, que descrevia os funcionários públicos interessados apenas no salário, encontraram uma pessoa com escolaridade mínima, recebendo um SM, que chegava às casas, banhava as crianças, cortava os seus cabelos, as unhas, preparava o soro oral, enquanto orientava a mãe ocupada na cozinha!
O Estado do Ceará foi agraciado, em 1993, com o prêmio Maurice Pate do UNICEF, devido à vertiginosa queda da mortalidade infantil. Pela primeira vez, o prêmio foi dedicado a um trabalho da América Latina, entre todas as iniciativas voltadas à saúde da criança no mundo, o prêmio foi direcionado ao governo e ao povo do Ceará [6].
Anya Vieira-Meyer: E como se deu a expansão das AS para outras regiões do país?
Com os dados de efetividade das AS sobre a saúde da população materno-infantil, o ministro Alceni Guerra decidiu financiar, em 1991, a extensão do trabalho desenvolvido pelas AS do Ceará a todos os estados nordestinos, que passaram a ser chamados de agentes comunitários de saúde (ACS). Nasce então o Programa dos Agentes Comunitários de Saúde (PACS) no nordeste brasileiro [7]. Para esta ampliação, o grupo que coordenava o trabalho na SESA-CE viajou a todos os estados da região para apoiar o início da sua implantação. Os ACS também iniciaram sua atuação nas populações ribeirinhas dos rios Solimões e Amazonas, tendo como foco controlar a epidemia de cólera advinda do Peru. Profissionais do Ceará também apoiaram esta implementação na região Norte. O PACS foi um grande sucesso e teve impacto positivo na saúde da população nordestina, principalmente a mais vulnerável. O modelo de supervisão do ACS pelo enfermeiro garantia a qualidade da atenção, e aprendizado contínuo dos ACS e enfermeiros. O Programa Saúde da Família (PSF), que incorporou os ACS à sua equipe mínima, ampliou este modelo de Atenção Primária de Saúde a todo o território nacional [8].
Anya Vieira-Meyer: O senhor já mencionou algumas vezes a experiência de Planaltina, seria possível falar um pouco sobre esta experiência e como ela se relaciona com a criação dos ACS? Outras experiências inspiraram a criação dos agentes de saúde?
Com as lições da Unidade Integrada de Saúde de Sobradinho (UISS), referência em formação clínica integral, vinculada à criação do curso de Medicina da Universidade de Brasília (UnB) em 1966, se desenvolveu o Programa Integrado de Saúde Comunitária de Planaltina (PISCP), cidade satélite do DF [9]. Planaltina possuía a maior área rural do DF e uma população extremamente vulnerável. O programa reunia a UnB, as secretarias de saúde e de serviço social do DF, com o apoio do FUNRURAL e da Fundação Kellogg. Coordenado pelo Professor Frederico Simões Barbosa, contou com outros docentes da UnB. Foram fundamentais para o projeto o Centro de Desenvolvimento Social de Planaltina, da Secretaria de Serviço Social do DF, dirigido pela Míria Lavor e a Unidade de Saúde de Planaltina, da secretaria de saúde do DF.
À época, como docente da UnB, eu identificava as necessidades em saúde e as metodologias que poderiam ser utilizadas, do ponto de vista comunitário, para melhorar a saúde da população, principalmente das crianças. Ficou claro que o foco deveria ser vacinação, estímulo ao aleitamento materno, higiene, acompanhamento no pré-natal e na puericultura, e tratamento precoce das doenças. Assim, a ideia dos auxiliares de saúde, como educadores populares, se fortaleceu. A expertise da Míria, que compreendia como chegar às casas e dialogar com a população, foi vital para o PISCP.
O programa funcionou durante cinco anos (1974-1978). No 1º ano, foi definida a utilização do auxiliar de saúde na comunidade, espécie de projeto piloto dos ACS. Os dois primeiros anos foram voltados à preparação do projeto, alinhando as necessidades da população com as atividades a serem desenvolvidas pelos auxiliares, primariamente vinculadas a ações de educação e engajamento comunitário. Para isso, foi pensada uma metodologia detalhada para o processo de seleção e treinamento dos auxiliares.
No 3º ano foi realizada a seleção dos auxiliares e a sua formação durante seis meses. Cerca de 30 auxiliares de saúde foram selecionados na comunidade. As atividades na comunidade iniciaram no 3º ano, em que, supervisionados pelo serviço social, cada auxiliar acompanhava cerca de 50 famílias na dispersa área rural, e 600 famílias na área urbana.
Dois grandes diferenciais do auxiliar de saúde de Planaltina foram a definição do seu objetivo principal para a atenção à mãe e a criança, devido à alta morbidade e mortalidade das crianças naquele território, e a metodologia de sua seleção e formação. Esta metodologia foi desenvolvida essencialmente pela equipe do Serviço Social, integrando seus conhecimentos com os ensinamentos da Dinâmica de Grupo, desenvolvida pelo Lauro Oliveira Lima, divulgador dos ensinamentos de Jean Piaget, e as lições de Paulo Freire.
Com a percepção da Universidade de que o programa de Planaltina não estava alinhado ao tipo de medicina prevalente no país, hospitalocêntrico e baseado em especialidades médicas, o programa foi desativado. Todavia, durante este programa se estabeleceram as ideias fundamentais do futuro ACS.
Neste contexto, é importante frisar que a fortaleza do SUS e da ESF é ter sua origem nos mais diversos territórios, fazendo com que muitos, de forma correta, se sintam partícipes na sua construção. Assim, é necessário enfatizar a existência e a importância de distintas iniciativas que ocorreram no país, como a experiência do Centro de Saúde-Escola Murialdo da cidade de Porto Alegre, a do Vale do Jequitinhonha e de Montes Claros em Minas Gerais, a da Unidade Integrada de Saúde de Sobradinho no Distrito Federal, e do Instituto de Medicina Preventiva da Universidade Federal do Ceará, entre outras.
Anya Vieira-Meyer: E a experiência no sertão cearense, na Região de Iguatu? Quando este processo se iniciou no Ceará?
No final de 1978, com o nosso retorno ao Ceará, por conta do concurso para sanitaristas da SESA-CE, a Míria e eu fomos trabalhar na região de Iguatu, centro-sul do Estado, a 400 km de Fortaleza. Passamos a residir em nossa cidade natal, Jucás, parte da região de 14 municípios. Adaptamos em Jucás, de 1979 a 1986, o auxiliar de saúde experimentado em Planaltina, para as condições de vulnerabilidade mais graves da população sertaneja: muito mais pobre, grande parte analfabeta, e com grande dificuldade de acesso à água e aos alimentos [10].
Foi um aprendizado muito importante para a criação do AS, conhecer de perto a vida no sertão pobre daquela época, a calamidade nos anos de seca, como em 1983. A mortalidade infantil, que geralmente era muito alta, vista como normal, se agravava com a fome e a água de má qualidade na seca. O sarampo, a coqueluche, as diarreias e as infecções respiratórias e de pele se juntavam à desnutrição, aumentando a sua letalidade. A escolaridade era diminuta. A necessidade de um agente que levasse um mínimo de conhecimentos de saúde a cada família, que havíamos identificado em Sobradinho, era mais gritante.
Anya Vieira-Meyer: Muitas transformações ocorreram em nossa sociedade e em nosso sistema de saúde nas últimas décadas. Em sua opinião, como você enxerga o papel do ACS na atual conjuntura e quais são os principais desafios para a ESF e ACS na atualidade?
As ideias centrais do ACS atual ainda são de 1987, antes da Constituição de 1988 e do SUS. A sociedade está muito diferente daquela época. A população está mais urbanizada, maior renda média, a escolaridade aumentou, muitos vão à universidade, e a esperança de vida cresceu, principalmente pela redução da mortalidade infantil. O SUS existe, tem muitos resultados a mostrar, mas o Brasil continua muito desigual. Vinte milhões de famílias brasileiras têm necessidade de uma bolsa para uma cesta básica de alimentos, sendo a insegurança alimentar uma realidade para muitos. A escola ainda não lhes trouxe a cidadania. Não alcançaram os conhecimentos essenciais para a saúde, por isto continua a necessidade de um ACS como há quatro décadas.
Os ACS foram capazes de mobilizar a maioria das famílias para a elevação do nível de saúde das crianças, para o aleitamento materno e a redução da desnutrição infantil, para a puericultura e as vacinas, e para o planejamento familiar dos casais, temas que pareciam de difícil abordagem. Os ACS foram preparados especialmente para aquelas tarefas, e necessitam completar este trabalho.
Hoje os ACS estão mais escolarizados, contam com o celular para facilitar o acompanhamento das famílias, dispõem do Curso Técnico do ACS, muitos concluíram a graduação universitária, alguns com mestrado e doutorado. Conhecem as famílias, podem observá-las no seu conjunto, a criança em toda a sua infância, e a adolescência, acompanhar o seu desenvolvimento junto à família, à escola e à comunidade. É um capítulo novo para a formação dos ACS atuais, que não se sentem preparados para apoiarem a prevenção da gravidez da adolescente, do abandono escolar, do abuso do álcool e de outras substâncias psicoativas, da insegurança alimentar, do envelhecimento populacional, do desenvolvimento infantil e da violência urbana [11,12].
Os enfermeiros foram capazes de formar os primeiros ACS. As equipes atuais da saúde da família estão enriquecidas com outros profissionais, capazes de oferecer o apoio necessário à formação e ao trabalho conjunto com os ACS no enfrentamento dos novos desafios, como os supracitados. O trabalho no território e a mobilização social sempre foram a base da labuta do ACS e essenciais para a melhoria dos indicadores de saúde da população. Os desafios se modificaram e multiplicaram, mas a base territorial e a relação com a comunidade continuam sendo a maior característica e fortaleza dos ACS.
Referência
1. Victora, C, Fernando, CB. A saúde das crianças cearenses: um estudo de 8.000 famílias. Fortaleza; 1990 Apr.
2. Minayo, MC, D’Elia, JC, Svitone, E. Programa Agentes de Saúde do Ceará: Estudo de Caso. Fortaleza,CE: Unicef; 1990 Sept.
3. Brasil. Cobertura vacinal de rotina Brasil - 1989. Brasilia, DF; 1990 July.
4. Freedheim, Sara Beth. Why fewer bells toll in Ceará?: success of a community health worker program in Ceará, Brazil. Dissertação Mestrado, Massachusetts Institute of Technology-MIT. 1993. Available: https://dspace.mit.edu/handle/1721.1/66355
5. Tendler J. Good government in the tropics. Johns Hopkins paperback edition. Baltimore: Johns Hopkins Univ. Press; 1998.
6. Silva, AC. Viva Criança: Os caminhos da sobrevivência infantil do Ceará. 1st ed. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha; 1999.
7. De Barros DF, Barbieri AR, Ivo ML, Da Silva MDG. O contexto da formação dos agentes comunitários de saúde no Brasil. Texto Contexto - Enferm. 2010;19: 78–84. doi:10.1590/S0104-07072010000100009
8. Brasil. Memórias da Saúde da Família no Brasil. 1a ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2010.
9. Barbosa, FS. Programa integrado de Saúde Comunitária. Uma história de caso. Planaltina, DF; 1981.
10. Santana JP de, Castro JL. Os sanitaristas de Jucás e o agente de saúde: entrevista com Antonio Carlile Holanda Lavor e Miria Campos Lavor. Una; 2016.
11. Almeida JFD, Peres MFT, Fonseca TL. O território e as implicações da violência urbana no processo de trabalho dos agentes comunitários de saúde em uma unidade básica. Saúde E Soc. 2019;28: 207–221. doi:10.1590/s0104-12902019170543
12. Vieira-Meyer APGF, Morais APP, Santos HPGD, Yousafzai AK, Campelo ILB, Guimarães JMX. Violence in the neighborhood and mental health of community health workers in a Brazilian metropolis. Cad Saude Publica. 2023;38: e00022122. doi:10.1590/0102-311XEN022122


