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0251/2025 - Health Councils and Pharmaceutical Services: challenges and perspectives for social control in Brazil
Conselhos de saúde e Assistência Farmacêutica: desafios e perspectivas para o controle social no Brasil

Author:

• Fernanda Manzini - Manzini, F - <manzinifer@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3047-4632

Co-author(s):

• Luísa Arueira Chaves - Chaves, LA - <luisa.arueira@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/ 0000-0002-9597-3651
• Vinícius André Boff - Boff, VA - <boffvinicius@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0145-2629
• Dalmare Anderson Bezerra de Oliveira Falcão e Sá - Sá, DABOF - <dalmare.anderson@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0009-0001-5212-9215
• Maria Eufrásia de Oliveira Lima - Lima, MEO - <ziziaoliveira@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0846-8156
• Silvana Nair Leite - Leite, SN - <silvana.nair@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5258-9684


Abstract:

The National Policy of Pharmaceutical Services (PNAF) originated from social control, making its role in monitoring and addressing issues related to this policy essential. In this context, this article aims to identify and analyze how the Pharmaceutical Services (AF) has been addressed and discussed in the Brazilian health councils from 2019 to 2021. For that, a documentary analysis was made, using both quantitative and qualitative approaches, to documents from all the states (including the Federal District) and municipal councils in the Brazilian capitals. A total of 806 excerpts referencing the PNAF were identified, of which 186 excerpts were included in the thematic analysis. These excerpts were organized into eight analytical categories, indicating that while AF is a present topic in the councils and gained prominence and qualification during the COVID-19 pandemic, there are still gaps in the discussion, particularly regarding service organization. The development of appropriate tools for monitoring and evaluating the PNAF, ongoing training for council members, and investment in dedicated committees are highlighted as key elements for advancing the role of social control at all health organization levels.

Keywords:

Community Participation; Social Control, Formal; Pharmaceutical Services.

Content:

INTRODUÇÃO
Após um longo período de governos autoritários e cerceamento da participação política na sociedade brasileira, a participação popular foi instituída como uma das diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) na Constituição Federal de 1988. A Lei nº 8142/1990 estabelece as diretrizes para a participação comunitária na gestão no SUS, indicando as Conferências e os Conselhos de Saúde como instâncias de participação social. Os conselhos de saúde são órgãos deliberativos, presentes em todas as esferas de governo, com a função de atuar na definição, na execução, no acompanhamento e na fiscalização das políticas de saúde nas esferas competentes 1.
A participação popular deve fomentar a corresponsabilização entre o Estado e a sociedade civil na gestão das políticas públicas, permitindo a incorporação de demandas sociais expressas por diversos sujeitos coletivos 2, na busca pela promoção da equidade e da integralidade na atenção à saúde. No entanto, alguns estudos apontam fragilidades na influência dos conselhos e das conferências nas políticas públicas 3–6. É necessário compreender as dinâmicas desses espaços colegiados para identificar os desafios que dificultam o pleno exercício do controle social e, assim, formular estratégias que auxiliem na superação desses obstáculos e potencializar a ação do controle social 2,3,7,8.
Mesmo com esses desafios, o Brasil é referência mundial em participação social na área da saúde. Na 77ª Assembleia Mundial da Saúde, foi aprovada uma resolução que estabelece a participação social nos sistemas de saúde 9, com expressiva participação do governo brasileiro e do Conselho Nacional de Saúde (CNS) na proposição e aprovação do texto. Entre outros pontos, a resolução destaca que os países devem assegurar que a participação social influencie a tomada de decisões transparentes nas políticas de saúde.
A origem da Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF) está intimamente relacionada ao controle social. A 9ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1992, aprovou em seu relatório a realização de uma Conferência de Medicamentos e Assistência Farmacêutica, que teria por objetivo discutir e apresentar uma proposta de uma política nacional de Assistência Farmacêutica integrada aos princípios do SUS e em conformidade com a Política Nacional de Medicamentos (PNM). A mesma recomendação foi aprovada na 10ª e na 11ª Conferência Nacional de Saúde, realizadas em 1996 e em 2000, respectivamente. Contudo, somente em 2003 foi convocada a 1ª Conferência Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica. A Conferência foi realizada em setembro de 2003, após as etapas municipais e estaduais, e suas deliberações foram a base para a aprovação da Resolução CNS nº 338/2004 que aprovou a PNAF 10. A PNAF é a primeira política pública instituída pelo controle social, com a promulgação pelo CNS 11.
Essa política, que celebra 20 anos em 2024, é uma política norteadora, que demanda um conjunto de ações intersetoriais para efetivar o direito de acesso aos medicamentos e seu uso adequado 10. Em um cenário de organização capitalista da produção e distribuição de produtos da saúde, que gera inúmeras distorções e irracionalidades nos padrões de acesso a medicamentos, como patentes, preços exorbitantes, dependência tecnológica do país e descontinuação da produção de certos medicamentos11, o controle social é crucial para fomentar estratégias de desenvolvimento nacional do setor, identificar problemas no acesso aos medicamentos, propor melhorias nos serviços e assegurar o acesso contínuo e de qualidade aos serviços farmacêuticos. O controle social, para exercer sua função, precisa se apropriar dessas temáticas, internalizar tais debates, monitorar constantemente a realidade vivida pela população, os rumos e os investimentos das políticas públicas, para garantir que os interesses da saúde pública prevaleçam, assegurando o acesso justo e equitativo aos medicamentos pela população.
A pandemia de COVID-19 (2019 a 2022) reforçou a importância da participação popular na defesa dos sistemas de saúde e da ciência na orientação das políticas públicas 12. Evidenciou, também, a importância do acesso e produção nacional de tecnologias em saúde, como medicamentos e vacinas. Neste contexto, surge o Projeto Integra 13, uma parceria entre CNS, Instituto Escola Nacional dos Farmacêuticos e Fundação Oswaldo Cruz, com apoio da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), com o objetivo de fortalecimento da participação e engajamento social na temática e a promoção da integração das políticas e práticas de saúde com controle social.
Este estudo nasce no conjunto das ações desenvolvidas pelo Projeto Integra e tem por objetivo identificar e analisar como a assistência farmacêutica foi pautada e discutida nos conselhos de saúde do Brasil, entre os anos de 2019 a 2021, com o intuito subsidiar o desenvolvimento de estratégias para fortalecer e ampliar a participação social no âmbito da PNAF.

METODOLOGIA
Este é um estudo de análise documental, descritivo e com abordagem quantitativa e qualitativa, que abrangeu documentos publicados por conselhos estaduais de saúde e conselhos municipais das capitais brasileiras entre 2019 e 2021. A coleta de dados ocorreu entre julho e novembro de 2021, nos sites e redes sociais oficiais dos conselhos de saúde e foi conduzida por 10 pesquisadores capacitados com conhecimento em controle social. Quando sites e redes sociais oficiais não eram encontrados, os pesquisadores contataram a assessoria do conselho por meio dos canais fornecidos pelo CNS. Se esse contato não fosse eficaz, buscava-se contato direto com a mesa diretora ou conselheiros parceiros. Apenas após esgotar essas tentativas, considerou-se perda de amostra.
A coleta de dados foi feita por meio de formulários online no Google Forms para categorização e extração. Na primeira etapa, um formulário foi utilizado para extrair dados sobre o acesso aos documentos e a dinâmica de funcionamento dos conselhos. As perguntas abordavam a identificação do conselho, canais oficiais de comunicação, existência e características de comissões específicas, regularidade e composição dessas comissões, localização de documentos (atas, resoluções, recomendações, moções) e documentos da última conferência de saúde.
Na segunda etapa, um novo formulário foi utilizado para catalogar e anexar os documentos encontrados, de forma sistematizada, coletando as seguintes informações: identificação do conselho, política identificada (PNAF, Política Nacional de Vigilância em Saúde ou Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde), título e data do documento, tipo de documento (ata, moção, parecer, relatório, plano de saúde, resolução, recomendação, outros), homologação pela gestão, quantidade de páginas e forma de acesso (meio oficial ou contato com a secretaria executiva/conselheiros).
Após identificar os documentos, foi aplicado um terceiro formulário para examinar o conteúdo dos documentos e organizá-los por trechos, segundo palavras-chave específicas, definidas por um grupo de especialistas. Foram utilizadas as palavras-chave: assistência farmacêutica, farmacêutico, farmácia, medicamentos, remédio, medicação, incorporação de tecnologia, inovação, insumo, material médico-hospitalar, pesquisa e desenvolvimento. Dos trechos relacionados à PNAF, foram selecionados, para análise temática, apenas trechos referentes a atas e que continham conteúdos sobre a Assistência Farmacêutica como ponto de pauta específico. Documentos que tratavam do tema apenas na seção de informes, sem levar ao debate do tema, foram excluídos.
Na pesquisa qualitativa, a reflexividade é central, envolvendo autorreflexão crítica em todas as fases do estudo para reconhecer influências pessoais, sociais e culturais. Isso promove uma análise mais consciente, ética e transparente, enriquecendo a interpretação dos dados e a discussão sobre a participação social nos conselhos de saúde 14. Dois pesquisadores revisaram repetidamente os trechos selecionados para obter uma compreensão holística dos dados, tanto manifestos quanto latentes, conforme proposto por Pope, Ziebland e Mays 15. A esses trechos foram atribuídos códigos preliminares e extraídas informações sobre o nome do ponto de pauta, resumo da discussão descrita na ata, encaminhamentos descritos e o que foi aprovado pelo pleno referente ao ponto de pauta analisado. Após essa análise preliminar, foi realizada uma compilação e elaboradas categorias analíticas (análise indutiva) para facilitar a análise e organização dos dados.
Destaca-se que os pesquisadores que realizaram a análise qualitativa são experientes em assuntos relacionados à Assistência Farmacêutica e controle social, tendo vivências teóricas e práticas nesses temas. A análise qualitativa foi realizada em diversas etapas e os pesquisadores se encontravam e discutiam frequentemente ao longo do processo, debatendo códigos, inclusões e exclusões de trechos. Entre cada etapa, os trechos analisados foram compartilhados entre os pesquisadores, de forma que um pudesse revisar a análise prévia do outro pesquisador. Esses aspectos visam harmonizar a análise e aprimorar sua qualidade.
Conforme a Resolução CNS nº 510/2016, a pesquisa não precisou ser registrada nem avaliada pelo comitê de ética em pesquisa (CEP) (sistema CEP/CONEP), uma vez que utilizou informações de domínio público.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A pesquisa conseguiu recuperar os documentos de interesse de 24 conselhos estaduais e de 17 conselhos municipais das capitais brasileiras. Os meios de comunicação mais utilizados para a obtenção dos documentos foram sites, e-mail, Facebook e telefone. Ressalta-se que 85,7% dos documentos localizados estavam disponíveis sem intermediários, ou seja, em acesso livre digital. Os demais foram obtidos com o auxílio da estrutura organizativa do conselho (13,7%), principalmente por meio da secretaria executiva, ou com o apoio de conselheiros de saúde (0,6%). Embora o acesso a materiais públicos tenha sido elevado, a indisponibilidade de todos os documentos compromete os princípios de transparência na gestão pública.
A pesquisa resultou num total de 2.559 documentos, alcançando 21.166 páginas, sendo o tipo de documento mais frequente as resoluções (39%) e atas de reunião de pleno (35%). Destaca-se que 41,7% dos documentos pesquisados foram homologados, por meio de portarias (8,2%) ou em diário oficial (33,5%) e que em 53% dos conselhos pesquisados não foi possível localizar as deliberações da última conferência de saúde.
Esses documentos foram categorizados em 2.046 trechos abrangendo temáticas relacionadas à PNAF, à Política de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde (C&TI) e à Política de Vigilância em Saúde, por vezes abrangendo mais de uma política. Desses, 806 trechos se referiam à PNAF de forma isolada ou em conjunto com as demais políticas, sendo o tipo de documento mais frequente: ata de plenário (65,6%), outros (15,5%), resoluções (11,2%), documento da última conferência em saúde (5,9%), recomendações (1,5%) e moções (0,4%). Nesta pesquisa serão analisados os trechos das atas de plenário, para melhor compreender como se deu a dinâmica da discussão do assunto no conselho.

Estruturas dos conselhos - comissões assessoras
As comissões assessoram a mesa diretora e o Plenário do Conselho, oferecendo subsídios para a deliberação sobre a formulação e controle das políticas públicas de saúde. Dos 41 conselhos analisados, 5 têm uma comissão específica de Assistência Farmacêutica, 8 possuem uma comissão específica de Vigilância em Saúde e 1 conta com uma comissão específica de C&TI. Além disso, 2 conselhos têm comissões unificadas que tratam tanto de Assistência Farmacêutica quanto de Vigilância em Saúde. No entanto, essas políticas também são abordadas em outras comissões já existentes na estrutura dos conselhos, como foi identificado em 6 conselhos no caso da Assistência Farmacêutica, em 7 no caso da Vigilância em Saúde e em 4 no caso da C&TI.

Análise temática dos documentos dos conselhos estaduais e municipais de saúde relacionados à Assistência Farmacêutica
Dos 529 trechos de atas referentes à PNAF, 186 foram analisados. As demais foram excluídas por não serem pontos de pauta, não tratarem de Assistência Farmacêutica especificamente ou, com menor frequência, pela impossibilidade de localizar o documento fonte completo. Desses trechos incluídos na análise, 78 eram de 2019, 76 de 2020 e 34 de 2021. Após a compilação, 8 categorias analíticas foram definidas, com cada trecho sendo atribuído a apenas uma categoria, de acordo com o assunto predominante. O Quadro 1 mostra a categorização desses trechos extraídos dos documentos dos conselhos estaduais e municipais de saúde relacionados à Assistência Farmacêutica.
[quadro 1]
As categorias com maior número de trechos nas atas foram organização dos serviços e acesso a medicamentos e insumos na pandemia de COVID-19 (24,2% dos trechos), aquisição e desabastecimento de medicamentos e insumos (18,3%), financiamento e instrumentos de gestão do SUS (17,7%) e acesso a medicamentos e insumos no SUS (15,6%) (Quadro 1). Esses dados indicam que a Assistência Farmacêutica é um tema recorrente nas discussões dos conselhos de saúde, evidenciando o papel do controle social no acompanhamento e desenvolvimento da PNAF.
[quadro 2]
Parte da pesquisa foi realizada durante a pandemia de COVID-19, e foi possível acompanhar como os conselhos atuaram neste período que, mesmo com a suspensão ou redução das reuniões presenciais, adaptaram-se para o uso de tecnologias digitais, que se tornaram ferramentas essenciais para a continuidade das atividades dos conselhos16. A pandemia trouxe o tema da Assistência Farmacêutica e da ciência e tecnologia à tona, e temas como aquisição e produção de insumos farmacêuticos ativos (IFA), a soberania nacional na produção de vacinas e medicamentos e o papel da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) estiveram presentes nas plenárias. Assim como o CNS, os conselhos estaduais e municipais estudados estiveram muito ativos na defesa da ciência e do SUS, posicionando-se contra o uso de medicamentos sem evidências, reforçando o papel do controle social no enfrentamento da maior crise sanitária vivenciada até o momento16.
Outra questão que merece destaque é o reconhecimento das farmácias comerciais como espaços de prestação de serviços na pandemia com a realização de testes rápidos de COVID-19 e aplicação de vacinas, e a necessidade de interligar estes serviços com a rede de saúde para promover cuidado e vigilância em saúde (Quadro 2). Com isso, reconhece-se a necessidade de oferta de equipamentos de proteção individual (EPI) e priorização de vacinas para esses trabalhadores.
Os questionamentos relacionados ao acesso a medicamentos, especialmente o desabastecimento, predominam nas discussões, evidenciando que muitas pautas emergem em resposta a problemas enfrentados no dia a dia dos serviços de saúde, depois de o problema já estar instalado. O desabastecimento, reconhecido como um problema de saúde pública global, impacta significativamente o cuidado à saúde da população 17. Dada sua natureza multifatorial 18, é fundamental que o debate nos conselhos de saúde aprofunde a discussão sobre estratégias de enfrentamento, destacando tanto as ações já adotadas quanto as que devem ser implementadas pela gestão. Contudo, a análise das atas revela uma tendência de o problema ser apenas apresentado pelos conselheiros, com a gestão informando estar atuando para resolvê-lo, sem aprofundar a discussão ou propor encaminhamentos concretos que impactem não apenas na situação em pauta, mas na reorganização da Assistência Farmacêutica e em proposições inovadoras.
É fundamental compreender o medicamento como parte integrante do processo de cuidado em saúde, e não de forma isolada. A análise das atas revela a necessidade de uma melhor organização dos serviços farmacêuticos e da presença de farmacêuticos nos serviços de saúde, incluindo a oferta de serviços clínicos. No entanto, essa pauta ainda é pouco abordada e demanda maior qualificação para seu fortalecimento.
Outro tema muito debatido da Assistência Farmacêutica são aspectos relacionados ao seu financiamento, especialmente na forma de discussões de apresentações sobre Relatórios de Gestão, Relatório Quadrimestral, entre outros instrumentos de gestão. O acompanhamento e a aprovação da prestação de contas são funções essenciais do controle social. Em 2019, os medicamentos representaram cerca de 10% do orçamento total do saúde 19, destacando a relevância desse item nas despesas de saúde. No entanto, a forma como a prestação de contas é realizada atualmente não evidencia os detalhes necessários da área, conforme evidenciado em um dos trechos analisados, onde a conselheira do CE20 pondera “da forma que o dado está apresentado não ajuda a avaliar a dimensão da assistência farmacêutica”. Muitas vezes, são apresentados apenas os valores totais investidos, sem discriminar formas de aquisição, preços pagos, valores destinados à judicialização, a origem dos recursos (próprios ou de outras esferas), ou mesmo a modalidade de compra (com ou sem licitação, consórcio). Como essa rubrica movimenta um montante significativo de recursos, principalmente destinados à compra de medicamentos e insumos diretamente no mercado farmacêutico privado, é crucial aprimorar o monitoramento do uso dos recursos.
Os recursos destinados à Assistência Farmacêutica no SUS, principalmente para a compra de medicamentos, têm sido insuficientes para atender à crescente demanda, especialmente nos municípios 20. Somente conhecendo a real necessidade de financiamento, o controle social poderá se engajar de maneira eficaz na solicitação de ampliação de recursos e na sua melhor utilização. Portanto, é fundamental aprimorar a prestação de contas da assistência farmacêutica nos conselhos de saúde, com a adoção de ferramentas e estruturas específicas que facilitem a compreensão por parte dos conselheiros, permitindo um monitoramento mais eficaz e participativo e a proposição de novas formas de financiamento e aquisição.
É importante destacar os trechos que revelaram discussões sobre a terceirização da gestão dos serviços de saúde, incluindo os serviços farmacêuticos, principalmente por Organizações Sociais da Saúde (OSS). Em relação a Assistência Farmacêutica, os conselheiros comentaram a preocupação nos procedimentos para a aquisição e gestão dos medicamentos por essas organizações. A expansão das OSS na gestão de unidades de saúde não é recente e tem se expandido por todo o Brasil e estudos demonstram grandes aportes financeiros para essa prestação de serviços 21. Porém, ainda são necessárias pesquisas que apontem os efeitos dessa contratualização na gestão dos medicamentos e na prestação de serviços farmacêuticos no SUS.
Chama atenção a identificação de algumas discussões sobre incorporação de medicamentos não padronizados no SUS. Em um dos casos, chega por um conselheiro a solicitação de incorporação do medicamento Spinraza® (nusinersena) no tratamento de pacientes com Atrofia Muscular Espinhal e este solicita em plenária uma resposta dos gestores. No entanto, é importante ressaltar que os conselhos de saúde não são os espaços adequados para tratar esta demanda, uma vez que existem instâncias específicas no SUS, como a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) e as Comissões de Farmácia e Terapêutica dos estados e municípios, que são responsáveis por definir o regramento sobre a incorporação de novos medicamentos e por fazer análises técnicas específicas para recomendar ou não a incorporação de medicamentos 22.
Uma das maneiras apontadas de melhor encaminhamento do tema da Assistência Farmacêutica é a existência de Comissões assessoras. Como identificado na pesquisa, ainda não poucos os conselhos que possuem comissão instituída, seja ela exclusiva do tema ou o discutido em outras comissões já existentes. A Comissão Intersetorial de Ciência, Tecnologia e Assistência Farmacêutica (CICTAF) do Conselho Nacional de Saúde recomenda que todos os conselhos, em especial os conselhos estaduais ou das capitais, tenham uma comissão que trate do tema. Nas atas analisadas, a existência da comissão no conselho indica uma discussão mais qualificada e mais propositiva sobre a assistência farmacêutica.
Reforçando a relevância da relação entre a Assistência Farmacêutica e o controle social, Barros e colaboradores23, em análise dos dados da Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos, destacam que o acesso completo a medicamentos foi mais frequente, entre outros fatores, quando os responsáveis pela assistência farmacêutica relataram participar regularmente das reuniões do Conselho Municipal de Saúde. A análise das atas evidencia um maior aprofundamento da temática quando os coordenadores da assistência farmacêutica participam das reuniões.
A inclusão da temática na pauta não vem necessariamente de uma pauta específica da Assistência Farmacêutica, mas surge de outras demandas como, por exemplo, em discussões sobre a política de Saúde da Mulher, com os apontamentos sobre acesso a preservativos, a dispositivos intra-uterinos e implantes, ou na discussão dos serviços destinados a população idosa e a preocupação da garantia do acesso a medicamentos para esta população. Essas situações ressaltam o caráter intersetorial da PNAF.
Este estudo aponta a relevância da atuação do controle social no âmbito da Assistência Farmacêutica. Contudo, embora a temática esteja presente nas discussões, os documentos analisados indicam que os encaminhamentos das demandas são escassos, geralmente se limitando a uma resposta da gestão a solicitações de conselheiros. Autores apontam os desafios dos conselhos no papel de proposição e acompanhamento das políticas públicas, e a necessidade de rever a dinâmica estabelecida nos conselhos para colocar as políticas públicas na centralidade das discussões, não agindo para atender a interesses específicos 8.
É fundamental que os conselheiros compreendam o tema, incluindo seus métodos e terminologias, especialmente em áreas complexas como assistência farmacêutica e ciência e tecnologia 24. Isso pode ser um desafio para aqueles que não possuem formação na área da saúde. Por isso, recomenda-se que a educação permanente dos conselheiros seja contínua, considerando as especificidades e atualizações dessas áreas, além do fato de que os conselhos passam por eleições periódicas, o que resulta na renovação dos seus membros. A criação de uma comissão ou grupo de trabalho pode ser uma estratégia importante para aprofundar as discussões e melhorar os encaminhamentos sobre o tema.
Destacam-se algumas iniciativas voltadas para o desenvolvimento de ações de educação permanente no âmbito da Política Nacional de Educação Permanente para o Controle Social no SUS. A Comissão Intersetorial de Educação Permanente para o Controle Social do SUS (CIEPCSS), vinculada ao CNS, tem desenvolvido o projeto Participa + em parceria com o Centro de Educação e Assessoramento Popular (CEAP), com o objetivo de qualificar a participação de conselheiros de saúde e lideranças sociais no SUS 16.
Com ênfase no fortalecimento da participação popular na Assistência Farmacêutica, destaca-se a atuação da CICTAF do CNS e o Projeto Integra. Criado em 2021, o Projeto Integra visa criar e fortalecer uma rede intersetorial e integrada de lideranças para atuar colaborativamente em defesa do desenvolvimento da ciência, das políticas públicas, da soberania nacional e do controle social da saúde 13. Em 2024, o projeto publicou o livro “Direito à assistência farmacêutica: protagonismo do controle social - diretrizes para ação dos conselhos de saúde” 25, que apresenta diretrizes práticas para fortalecer a participação social na defesa dessa política essencial para a população brasileira.
Considerando os eixos estratégicos da PNAF, pode-se dizer que a pauta dos serviços farmacêuticos e sua organização na rede de atenção à saúde é pouco debatida nos conselhos, tornando as discussões mais restritas aos aspectos logísticos do medicamentos e, portanto, voltada ao produto e não aos serviços. Temas voltados ao uso racional de medicamentos, C&TI e desenvolvimento de tecnologias, embora apareceram, ficaram limitadas ao período da pandemia de COVID-19. Por fim, temas relacionados às Práticas Integrativas e Complementares, como plantas medicinais e fitoterápicos, foram os que menos surgiram na análise dos documentos dos conselhos.
Embora a pesquisa seja abrangente, seus resultados devem ser interpretados com cautela, pois os dados se referem exclusivamente a discussões ocorridas no âmbito estadual e municipal, respeitando as competências e especificidades desses entes federativos. Além disso, por ser uma pesquisa de cunho qualitativo, a análise se limita aos documentos obtidos no período estudado, sem possibilidade de inferências para outros períodos. Outro ponto importante é que foram analisados apenas os conselhos municipais das capitais, o que torna inadequado generalizar esses achados para outros municípios.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a participação social nos sistemas de saúde, o Brasil demonstra pioneirismo no tema e esta pesquisa evidencia as relações com a PNAF, demonstrando que o tema da Assistência Farmacêutica é relevante e frequentemente pautado pelos conselhos estaduais e municipais das capitais brasileiras, ainda quando não apresentado de forma explícita pelos pontos de pauta, demonstrando seu caráter intersetorial.
No período da pandemia, esse tema se tornou ainda mais aparente, apresentando inclusive discussões qualificadas sobre dependência da produção externa de medicamentos e vacinas e denúncias de uso de medicamentos sem evidência científica, reforçando o papel do controle social no enfrentamento da crise 12.
No entanto, na maioria das vezes o tema restringe-se a pautas voltadas para o medicamento e pouco aos serviços farmacêuticos. Discussões sobre a qualidade do uso dos medicamentos, seu financiamento, metas e indicadores aparecem nos debates de forma contundente, no entanto, ainda percebem-se poucos encaminhamentos e deliberações.
As pesquisas sobre este tema são limitadas na literatura, o que ressalta a importância dos achados deste estudo. Os resultados indicam que os conselhos de saúde estão sensibilizados e mobilizados sobre a pauta da assistência farmacêutica e têm contribuído para o desenvolvimento da Assistência Farmacêutica nos estados e municípios. O desenvolvimento de ferramentas adequadas para o monitoramento e avaliação da PNAF, a constante formação dos conselheiros para a temática e o investimento em comissões dedicadas à pauta são elementos fundamentais apontados pela análise das produções dos conselhos nos últimos anos para o avanço da atuação do controle social sobre a PNAF em todos os níveis de gestão.

AGRADECIMENTOS:
Agradecemos aos pesquisadores envolvidos na coleta de dados e às secretarias executivas e conselheiros de saúde que gentilmente cederam as informações necessárias para a realização deste estudo.

Referências
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