EN PT


0201/2025 - Impact of dependence and abandonment of daily activities on the quality of life of elderly people: a population-based study
Impacto da dependência e abandono das atividades diárias na qualidade de vida de pessoas idosas: um estudo de base populacional

Author:

• Marylane Viana Veloso - Veloso, MV - <marylaneveloso@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7132-7882

Co-author(s):

• Neuciani Ferreira da Silva Sousa - Sousa, NFS - <neuciani@yahoo.com.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7694-0811
• Lhaís de Paula Barbosa Medina - Medina, LPB - <lhaisdepaula@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7033-9809
• Margareth Guimarães Lima - Lima, MG - <mglima@unicamp.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6996-0745
• Marilisa Berti de Azevedo Barros - Barros, MBA - <marilisa@unicamp.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3974-195X


Abstract:

The objective of this study was to analyze the impact of the degree of functional dependence on basic activities (BADL) and instrumental activities (IADL), and the abandonment of advanced activities of daily living (AADL) on the health-related quality of life (HRQoL) of elderly people. This is a cross-sectional study conducted with data from a sample of 979 people aged 60 years or older, interviewed in the population-based Health Survey carried out in the city of Campinas/SP in 2014 and 2015. HRQoL was assessed using the scales and components of the "Short-Form 36 items (SF-36)" questionnaire. The differences in the SF-36 scores, according to the degree of dependence to perform one or more BADLs and IADLs and to stop performing one or two or more AADLs, were analyzed using multiple linear regression models. Significant declines in the SF-36 scores were already observed in individuals who stopped performing just one AADL (β= -5.88 on the "pain" scale and β= -4.65 on the vitality scale). The negative impact on HRQoL was accentuated, with the increase in the degree of functional dependence, reaching the greatest declines in the scores in individuals with total dependence on one or more ADLs, in which they reached β= -69.77 in physical aspects and β= -62.06 in emotional aspects. Avoiding or postponing the abandonment of AADL and partial or total dependence on IADLs and ADLs is essential to preserve the HRQoL of older people.

Keywords:

Activities of Daily Living. Functional Dependence. Elderly. Quality of life.

Content:

INTRODUÇÃO
As previsões apontam que, em 2050, uma em cada seis pessoas do mundo terá mais de 65 anos (16%) e o número daquelas com 80 anos ou mais será de 426 milhões, que é o triplo do número atual. A expectativa de vida ao nascer da população mundial, que era de 64,2 anos em 1990, deverá atingir 77,1 anos em 2050, segundo estimativa da Organização das Nações Unidas.1 Apesar das amplas diferenças entre as regiões do mundo, esse incremento nos anos de vida resulta em uma velhice cada vez mais longa.1
Projeções demográficas brasileiras apontam para um aumento de 51,6% na proporção de pessoas com 60 anos ou mais de idade, entre 2022 e 2050, cujo percentual no conjunto da população crescerá de 15,1% para 28,4%. Neste mesmo período, a expectativa de vida no Brasil, que foi de 77,2 em 2022, é estimado que virá a atingir 80,6 anos em 2050.2 Este cenário emerge como uma questão fundamental para as políticas e serviços de saúde 2,3 e impõe o desafio de garantir que este crescente segmento populacional viva a maior parte da velhice com independência e autonomia. Porque, com o avanço do processo de envelhecimento é comum ocorrer perdas no potencial cognitivo, alterações sensoriais e aumento dos níveis de fragilidade, disfuncionalidade, multimorbidades e inatividade, implicando em consideráveis prejuízos na qualidade de vida.4
A qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS), refere-se aos impactos que as doenças e problemas de saúde, com as limitações que os acompanham, provocam sobre vários aspectos da condição de vida.5 A QVRS tem característica multidimensional e pode ser avaliada por meio de questionários específicos, construídos para avaliar o impacto de determinado evento de saúde, ou por questionários genéricos, que são mais abrangentes, como o The Medical Outcomes Study Short Form-36 (SF-36), um dos instrumentos mais utilizados para medir o estado de saúde e a QVRS.6
Uma das condições para a presença de melhor qualidade de vida da pessoa idosa é a capacidade de viver sem a dependência de terceiros para os cuidados diários. Nesse sentido, a capacidade funcional é mensurada conforme o grau de independência para realizar diferentes atividades de vida diária organizadas conforme o nível de complexidade em: atividades básicas de vida diária (ABVD), instrumentais de vida diária (AIVD) e atividades avançadas de vida diária (AAVD).7
Publicações que analisaram o impacto ou associação da dependência funcional com a qualidade de vida tendem a focar em algum tipo específico de dependência funcionar: ABVD, 8-11AIVD, 12 ou AAVD,13-15 ou analisaram de forma conjunta, as ABVD e as AIVD.16-26 Contudo, nenhum estudo analisou a associação da QVRS com a dependência na realização das ABVD, as AIVD conjuntamente com o abandono das AAVD.
Considerando que no processo de envelhecimento, as limitações tendem a ampliar-se, desde a limitação de participar em atividades avançadas da vida diária até a incapacidade de realizar AIVD e ABVD, e que o efeito destas situações na QVRS devem diferir com o tipo de atividade comprometida e o grau do comprometimento, este estudo teve por objetivo analisar a magnitude dos prejuízos provocados pela situação de abandono de AAVD e de dependência parcial e total em ABVD e em AIVD, nos domínios e componentes da QVRS avaliados com o SF-36, em pessoas com 60 anos ou mais, não institucionalizadas, residentes no município de Campinas, São Paulo.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal, de base populacional, desenvolvido com dados do Inquérito de Saúde do Município de Campinas/SP (ISACamp), realizado em 2014 e 2015. O inquérito coletou informações de pessoas com idade igual ou superior a 10 anos, não institucionalizadas, residentes em domicílios particulares permanentes da área urbana do município.
A amostra foi probabilística, estratificada (considerando os cinco Distritos de Saúde do município) e foi tomada por conglomerados em dois estágios. No primeiro estágio, foram sorteados 70 setores censitários e, no segundo estágio, foram sorteados domicílios nos setores previamente amostrados. O processo amostral definiu também 3 domínios de idade para serem estudados: adolescentes (10 a 19 anos), adultos (20 a 59 anos) e pessoas idosas (60 anos e mais). O tamanho da amostra foi definido para permitir estimar uma proporção de 0,5, com nível de significância de 95%, erro amostral de 4 a 5 pontos percentuais e considerando um efeito do delineamento de 2, resultando nos tamanhos amostrais de 1000 para adolescentes, 1400 para adultos e 1000 para a faixa de 60 anos ou mais.
O número de domicílios sorteados para cada domínio de idade foi de 3119, 1029 e 3157, para adolescentes, adultos e pessoas idosas, respectivamente, já levando em conta uma taxa de não resposta de 20%, com base em inquéritos prévios. No presente estudo, foram analisados os dados apenas do domínio de idade de 60 anos ou mais. Das 1.168 pessoas idosas moradoras nos domicílios sorteados para realizar a pesquisa com este domínio de idade, 16,2% não foram entrevistadas por recusa ou outros tipos de perda, resultando em uma amostra de 986 indivíduos.
A coleta das informações do ISACamp 2014/15 foi realizada com o uso de tablets por entrevistadores treinados e supervisionados. O questionário do ISACamp é muito abrangente, incluindo informações sobre estado de saúde e morbidades, comportamentos relacionados à saúde, uso de serviços de saúde e condições socioeconômicas. As entrevistas foram feitas nos domicílios diretamente com as pessoas selecionadas, e foram feitas com todos os moradores do domicílio que fossem do domínio de idade para o qual o domicílio havia sido sorteado. 27
Neste estudo, três conjuntos de questões foram analisados. Um deles é constituído pelos 36 itens do instrumento SF-36 que avaliam, pela percepção e relato das pessoas, o impacto da presença de doenças discriminadas em físicas e mentais, nas suas atividades cotidianas e na sua qualidade de vida. As perguntas do instrumento referem-se às condições presentes nas últimas quatro semanas. Trata-se de instrumento validado no Brasil 28 e que é amplamente utilizado.
O outro conjunto é constituído por questões que avaliam a capacidade funcional em relação às atividades básicas, instrumentais e avançadas da vida diária; e o terceiro conjunto de questões inclui as variáveis demográficas e socioeconômicas.
As variáveis dependentes foram os escores das oito escalas (capacidade funcional, aspectos físicos, dor, saúde geral, vitalidade, aspectos emocionais, aspectos sociais e saúde mental) e os dois componentes do SF-36. Um dos componentes sumariza as medidas relacionadas à saúde física (CSF) e o outro, as medidas de saúde mental (CSM). O CSF é composto pelos domínios de capacidade funcional, aspectos físicos e dor, e o CSM é constituído pelos aspectos emocionais, sociais e saúde mental. Os domínios da vitalidade e da saúde geral fazem parte de ambos os componentes. 6
A pontuação dos escores do SF-36 varia de 0 (pior QVRS) a 100 pontos (melhor QVRS). Os componentes foram padronizados com base na população total de Campinas, e apresentados em z-escores, com uma média de 50 e desvio padrão de 10. Os escores foram calculados e os componentes foram padronizados conforme a metodologia recomendada. 6
As variáveis independentes analisadas neste estudo foram:
- Dependência funcional para realizar as ABVD que incluiu a análise das seguintes atividades: tomar banho, vestir-se, usar o sanitário, deitar-se e levantar-se, e alimentar-se. Essa variável foi categorizada em: sem dependência (indivíduos sem necessidade de ajuda em nenhuma das atividades); dependência parcial (necessidade de ajuda apenas parcial para realizar uma ou mais atividades e sem dependência total em nenhuma delas); e dependência total (necessidade de auxílio total para realizar uma ou mais ABVD).
- Dependência funcional nas AIVD que incluiu as seguintes atividades: usar o telefone, usar transporte, fazer compras; preparar a própria refeição, realizar tarefas domésticas, controlar o uso dos medicamentos e cuidar das finanças. A variável foi categorizada em: sem dependência (indivíduos sem necessidade de ajuda em nenhuma das atividades); dependência parcial (necessidade de ajuda parcial para realizar uma ou mais atividades e sem dependência total em nenhuma delas); e dependência total (necessidade de auxílio total para realizar uma ou mais das atividades). A análise da presença de dependência funcional em AIVD foi feita nas pessoas que não apresentavam dependência nas ABVD.
- Deixar de realizar as AAVD - a varável foi analisada pelas seguintes questões: se faz trabalho voluntário ou faz parte de alguma associação ou grupo; se costuma fazer contato por carta, telefone ou e-mail; se participa de atividades culturais ou sociais; se utiliza a internet; se costuma fazer viagens; e se dirige automóvel. A variável foi categorizada em: deixou de fazer uma AAVD; deixou de fazer duas ou mais AAVD; e não deixou de realizar nenhuma AAVD. Só foi considerado deixar de fazer atividade a pessoa que costumava realizar aquela atividade e não aqueles que nunca a realizavam. A análise do deixar de realizar alguma AAVD foi feita nas pessoas que não apresentavam dependências nas ABVD e AIVD.
- Variáveis sociodemográficas: sexo, idade e renda familiar mensal per capita (RFPC) em salários-mínimos.
Foram estimadas as médias e erros padrão dos escores de cada um dos oito domínios e dos dois componentes do SF-36, separadamente, para cada um dos seguintes segmentos de pessoas idosas: os que não deixaram de realizar AAVD, os que deixaram de realizar uma AAVD, os que deixaram de realizar duas ou mais AAVD, aqueles que não tinham dependência nas AIVD, os que apresentavam dependência parcial em uma ou mais AIVD, os que apresentavam dependência total em uma ou mais AIVD, o segmento sem dependência nas ABVD, com dependência parcial em uma ou mais ABVD e os que apresentavam dependência total em uma ou mais ABVD. As diferenças das médias entre esses segmentos foram testadas por meio de modelos de regressão linear múltipla com inclusão das variáveis: sexo, idade e renda familiar mensal per capita, para ajuste de confundimento.
As análises foram desenvolvidas utilizando o módulo survey do software Stata 14.0 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos) que permite incorporar as ponderações decorrentes do desenho amostral complexo.
A realização do inquérito foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o parecer nº 409.714, emitido em 30 de setembro de 2013. E a aprovação do presente estudo foi obtida por meio do parecer n° 3.734.746, de 29/11/2019 (Plataforma Brasil, CAAE nº 24785519.0.0000.5404).
RESULTADOS
Da amostra de 986 idosos entrevistados, 7 não responderam as questões relacionadas às atividades da vida diária, de forma que a amostra analisada neste estudo foi de 979 indivíduos. Das pessoas idosas analisadas 57,6% eram do sexo feminino, 56,3% estavam na faixa etária entre 60 e 69 anos de idade e 15,4% com 80 anos e mais; 36,0% tinham renda familiar per capita maior que 2 salários-mínimos e 27,4% inferior a 1 salário-mínimo; 45,2% apresentavam duas ou três doenças e 27,4% relataram 4 doenças ou mais. (dados não apresentados em tabela).
Em comparação às pessoas que não deixaram de realizar as AAVD, aquelas que deixaram de fazer uma AAVD, tiveram declínio significativo dos escores nos domínios de dor (?= -5,88) e vitalidade (?= -4,65) e naquelas que deixaram de fazer duas ou mais AAVD, o declínio foi significativo nos aspectos físicos (?= -6,73), nos aspectos sociais (?= -6,64) e na saúde mental (?= -5,44), como mostrado na Tabela 1.
Comparados aos indivíduos sem dependência nas AIVD, aqueles com dependência parcial em uma ou mais AIVD apresentaram declínios significativos em todos os domínios do SF-36, sendo os maiores declínios observados nos domínios de capacidade funcional (?= -16,04), aspectos físicos (?= -11,45) e dor (?= -10,49). Nas pessoas idosas com dependência total em alguma AIVD, os escores se reduziram ainda mais, e os maiores declínios foram observados nos domínios de capacidade funcional (?= -31,55), aspectos físicos (?= -26,56) e aspectos emocionais (?= -18,53) (Tabela 2).
Constatou-se, nos indivíduos com dependência parcial em uma ou mais ABVD, que os escores de todos os domínios do SF-36 mostraram-se significativamente menores em comparação aos que não apresentaram dependência nestas atividades, e que os declínios foram ainda mais acentuados na presença de dependência total em uma ou mais ABVD. Nestes, as médias de escores com valores extremamente baixos foram observados nos domínios dos aspectos físicos (?= -69,77), dos aspectos emocionais (?= -62,06), capacidade funcional (?= -57,76) e aspectos sociais (?= -51,91) (Tabela 3).
Na tabela 4 são apresentados os escores dos componentes físico e mental do SF-36 e as associações desses escores, segundo as condições de dependência funcional em relação às ABVD e AIVD e deixar de fazer AAVD. A situação de deixar de fazer duas ou mais AAVD levou a declínio significativo do componente mental (?= -2,31) e do componente físico (?= -2,04). Os declínios dos escores dos dois componentes, físico e mental, aumentaram progressivamente com a presença de dependência: parcial em AIVD, total em AIVD, parcial em ABVD e atingiram os declínios máximos na presença de dependência total em uma ou mais ABVD: no componente físico (?= -17,89) e no componente mental (?= -15,71).

DISCUSSÃO
Os resultados do estudo revelaram o importante comprometimento da QVRS dos idosos quando da presença de dependência funcional nas atividades da vida diária. Mostraram inclusive que o deixar de fazer alguma AAVD já mostra o comprometimento em dois domínios da QV e que o deixar de fazer duas ou mais AAVD já se associam ao comprometimento de 3 domínios e dos dois componentes (mental e físico) do SF-36. Todos os domínios e os dois componentes estão com seus escores significativamente reduzidos na presença de dependência em AIVD e ABVD e que a magnitude do declínio aumenta quando a pessoa idosa passa da situação de dependência parcial para a de dependência total.
Segundo a literatura revisada, este é o primeiro estudo de base populacional realizado no Brasil a analisar a associação entre o grau de dependência funcional nas ABVD e AIVD, avaliado pela necessidade de ajuda parcial ou total em alguma das atividades dessas escalas, na QVRS de pessoas idosas, utilizando o instrumento SF-36. O primeiro também em analisar, conjuntamente os impactos das dependências em ABVD e AIVD e do abandono de AAVD na QVRS.
A correlação negativa entre dependência ou dificuldade de realizar as ABVD com a QVRS também tem sido evidenciada em outros estudos de base populacional, indicando que, quanto maior o grau de dependência, menor a QVRS.4-5, 13, 29 Embora os instrumentos utilizados para medir a qualidade de vida e os critérios para definir o grau ou nível de dependência funcional, sejam diferentes entre os estudos, os resultados registraram pior qualidade de vida entre os indivíduos com maiores restrições na realização do autocuidado e na mobilidade.
Esse achado reforça a importância da promoção dos processos de reabilitação funcional da pessoa idosa que busquem evitar a dependência total na realização de atividades básicas, uma condição em que a pessoa idosa necessita de assistência na realização das atividades de autocuidado e, provavelmente, poderá desencadear maior sentimento de impotência, que implica em menor QVRS, evidenciado no componente mental.25, 30
Em relação à associação das AIVD com a QVRS, este estudo verificou que os indivíduos com dependência parcial em alguma dessas atividades apresentaram prejuízos em todos os domínios, assim como aqueles com dependência total em ao menos uma AIVD, que apresentaram declínios ainda maiores. Os prejuízos na vida particular e social da pessoa idosa associados à dependência nas AIVD impactam negativamente na qualidade de vida, sobretudo, quando existem doenças crônicas associadas. 31
Segundo Yazawa e colaboradores, 32 a dependência funcional requer maior emprego de cuidadores, recursos e energia física, muitas vezes, por parte de familiares que alteram suas rotinas para dedicar-se ao exercício do cuidado à pessoa dependente. Assim, manter-se ativo na realização das AIVD reflete a capacidade da pessoa idosa em relacionar-se, e interagir socialmente com seus vínculos afetivos. Essa condição possibilita um envelhecimento saudável e melhor qualidade de vida. Outros estudos também encontraram uma relação inversa entre o grau de dependência nas AIVD e a qualidade de vida. 9,19,33
Para desempenhar as AIVD são necessárias habilidades físico-cognitivas, 24 que possibilitem a autonomia, atenção e disposição física suficientes para manutenção da independência funcional na realização das atividades diárias. No entanto, estimular a realização/manutenção dessas atividades é particularmente desafiador, quando as condições de saúde das pessoas idosas estão fragilizadas, quer seja pelas comorbidades descontroladas ou pelas condições sociais vulnerabilizadas. Nessa perspectiva, as intervenções voltadas para promoção do bem-estar, controle das comorbidades e a redução de danos (quedas, acidentes domésticos e urbanos etc.) auxiliam na redução da dependência funcional e impactam na percepção sobre a qualidade de vida.32-35
Os resultados do presente estudo mostraram que deixar de realizar uma das AAVD já se associava a declínio em dois domínios do SF-36 e prejuízos ainda maiores nos que haviam deixado de fazer duas ou mais dessas atividades. Esses resultados corroboram com a literatura consultada. 13, 30
Ainda que deixar de realizar as AAVD possa resultar de um ajuste no processo adaptativo dos indivíduos no decurso do envelhecer, favorecendo um melhor desempenho nas atividades prioritárias, não se ignora que, a depender do contexto sociocultural, a privação dessas atividades e o sentimento de perda, podem acentuar o risco de deterioração do estado cognitivo, de isolamento social e de problemas emocionais ou psicológicos.30 O efeito constatado do deixar de fazer as AAVD na saúde mental da pessoa idosa, expõe a demanda por suportes familiares, amigos e profissionais de saúde para o apoio necessário e para a introdução de outras atividades que reduzam a sensação de perda.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo trouxe resultados importantes e inéditos que permitiram identificar o avanço do prejuízo da qualidade vida que se inicia ao deixar de realizar uma AAVD e progride com o surgimento de dependência parcial e total nas AIVD e se aprofunda com as dependências parcial e total nas ABVD. Outra qualidade importante do estudo é que tanto a situação de dependência, quanto da qualidade de vida foram avaliadas por instrumentos que obtém a informação da própria pessoa, segundo suas percepções e sentimentos. O estudo apresenta, entretanto, limitações que precisam ser consideradas.
Uma das limitações do estudo está relacionada ao seu desenho transversal, que não permite estabelecer a sequência de eventos e as relações de causalidade. Contudo, as dependências funcionais vão ocorrendo ao longo da vida e a avaliação da QVRS refere-se às condições presentes nas 4 semanas prévias à entrevista. Ademais, grande parte das questões do SF-36 indaga sobre o impacto da presença de doenças, discriminadas em físicas e mentais, nas atividades diárias e na qualidade de vida dos indivíduos. Considera-se ainda, a possibilidade de viés de informação, pois os dados foram obtidos por meio de entrevistas sem confirmação dos achados em registros médicos.
Os achados deste estudo reforçam a necessidade da atenção integral que os serviços e os profissionais de saúde precisam oferecer às pessoas idosas. A abordagem de saúde dessa população requer dos profissionais de saúde, conhecimentos especializados e adoção de medidas assistenciais, que envolvam a avaliação multidimensional da saúde, para identificação precoce do declínio funcional, estratificação de risco e elaboração de projetos terapêuticos que visem melhorar a capacidade funcional e a qualidade de vida, integradas a uma rede de assistência especializada. É necessário aos profissionais de saúde que não ignorem pequenas alterações no desenvolvimento das AVD, que podem desencadear declínios funcionais irreversíveis, aumentando, em ordem progressiva, a percepção negativa sobre a qualidade de vida.
Os resultados reforçam a necessidade de estratégias políticas e assistenciais que ajudem a postergar a dependência funcional e o abandono de atividades avançadas, com o objetivo de assegurar, por mais tempo, uma melhor qualidade de vida para as pessoas idosas.

FINANCIAMENTO
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo nº 2012/23324-3; Ministério da Saúde/Secretaria de Vigilância em Saúde/Secretaria Municipal de Saúde de Campinas, com apoio financeiro adicional à pesquisa nº 02-P-28749/2013.
REFERÊNCIAS
1. United Nations. World population prospects 2019: Highlights [Internet]; 2019 [cited 2024 Mar 05]. Available from: https://population.un.org/wpp/Publications/Files/WPP2019_Highlights.pdf

2. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Portal do IBGE. Rio de Janeiro: IBGE; 2024. Available from: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/0000000243.pdf

3. Brasil Centro Internacional de Longevidade (ILC). Envelhecimento ativo: Um Marco Político em Resposta à Revolução da Longevidade. Rio de Janeiro: ILC; 2015.

4. Batista IB, Mota AT, Blanco AL, Marinho J da S, Guimarães MSA, Ribeiro AQ, et al. Quality of life of older adults in Family Health Strategy: a cross-sectional study. Sao Paulo Med J [Internet]. 2024;142(1): e 2022445. Available from: https://doi.org/10.1590/1516-3180.2022.0445.

5. Deng Y, Zhang K, Zhu J, Hu X, Liao R. Healthy aging, early screening, and interventions for frailty in the elderly. Biosci Trends. 2023, Sep 15;17(4):252-261. doi: 10.5582/bst.2023.01204

6.Ware JE, Snow KK, Kosinski M, Gandek B. SF-36 health survey: manual and interpretation guide. Boston, Mass.: Health Institute; New England Medical Center; 1993.

7. Sánchez-Rodríguez MA, Zacarías-Flores M, Correa-Muñoz E, Mendoza-Núñez VM. Advanced Activities of Daily Living in Community-Dwelling Older Adults: A Cross-Sectional Study of the Mexican Health and Aging Study (MHAS 2018). Healthcare (Basel). 2023, Jul 24;11(14):2107. doi: 10.3390/healthcare11142107

8. Billet MC, Campanharo CRV, Lopes MCBT, Batista REA, Belasco AGS, Okuno MFP. Functional capacity and quality of life of hospitalized octogenarians. Rev Bras Enferm. 2019 Nov;72(Suppl 2):43-8. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0781.

9. Lyu W, Wolinsky FD. The Onset of ADL Difficulties and Changes in Health-Related Quality of Life. Health Qual Life Outcomes. 2017 Nov;15(1):217. doi: 10.1186/s12955-017-0792-8.

10. Pinkas J, Gujski M, Humeniuk E, Raczkiewicz D, Bejga P, Owoc A, et al. State of Health and Quality of Life of Women at Advanced Age. Med Sci Monit. 2016 Sep; 22:3095-105. doi: 10.12659/msm.900572.

11. Mota LE, Nunes MGC, Barbosa TCM, Goulart J, Oliveira-Cortez A, Lanza FM, et al. Capacidade funcional e qualidade de vida de adultos e idosos com feridas crônicas. Medicina (Ribeirão Preto) [Internet]. 2023; 56(4):e-208108. Disponível em: https://revistas.usp.br/rmrp/article/view/208108.

12. Blanco-Reina E, Valdellós J, Ocaña-Riola R, García-Merino MR, Aguilar-Cano L, Ariza-Zafra G, et al. Factors Associated with Health-Related Quality of Life in Community-Dwelling Older Adults: A Multinomial Logistic Analysis. J Clin Med. 2019 Nov;8(11):1810. doi: 10.3390/jcm8111810.

13. Oliveira NGN, Bolina AF, Haas VJ, Tavares DM dos S. Exploring the effect of the structural model of active aging on the self-assessment of quality of life among older people: A cross-sectional and analytical study. Sao Paulo Med J [Internet]. 2024;142(2):e2022609. Available from: https://doi.org/10.1590/1516-3180.2022.0609.

14. Neri AL, Borim FSA, Fontes AP, Rabello DF, Cachioni M, Batistoni SST, et al. Factors associated with perceived quality of life in older adults: ELSI-Brazil. Rev Saúde Pública. 2018 Jan;52(2):1-10. doi: 10.11606/S1518-8787.2018052000613.

15. Oliveira BC, Barbosa NM, Lima MSCM, Guerra HS, Neves CM, Avelar JB. Avaliação da qualidade de vida em idosos da comunidade. Rev Bras Promoç Saúde. 2017 Jul;30(3):1-10. doi: 10.5020/18061230.2017.5879

16. Cabral VS, Oliveira NGN, Ikegami EM, Oliveira NN, Tavares DMS. Uso da modelagem de equações estruturais na compreensão da incapacidade funcional de idosos com catarata autorreferida. Acta Fisiátr. 2023;30(3):146-154. Doi: 10.11606/issn.23170190.v30i3202132

17. Oliveria DV, Peres PM, Moreira CR, Pereira DA, Silva NA, Silva SE, Júnior JRA. Qualidade de vida e capacidade funcional de idosos fisicamente ativos: possíveis relações. Revista de Atenção à Saúde, São Caetano do Sul,SP, 2022; 20(71): 3-11. Disponível em: DOI: https://doi.org/10.13037/2359-4330.8138

18. Ribeiro KT. Fatores associados à qualidade de vida relacionada à saúde de idosos residentes no município de São Paulo - Estudo SABE: Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2011.

19. Boström L, Chiatti C, Thordardottir B, Ekstam L, Malmgren Fänge A. Health-Related Quality of Life among People Applying for Housing Adaptations: Associated Factors. Int J Environ Res Public Health. 2018 Sep;15(10):2130. doi: 10.3390/ijerph15102130.

20. George PP, Heng BH, Wong LY, Ng CW. Determinants of health-related quality of life among community dwelling elderly. Ann Acad Med Singap. 2014 Jan;43(1):3-10. Available form: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24557459/.

21. Kim GM, Hong MS, Noh W. Factors affecting the health-related quality of life in community-dwelling elderly people. Public Health Nurs. 2018 Nov;35(6):482-489. doi: 10.1111/phn.12530.

22. Kuo YF, Raji MA, Peek MK, Goodwin JS. Health-related social disengagement in elderly diabetic patients: association with subsequent disability and survival. Diabetes Care. 2004 Jul;27(7):1630-7. doi: 10.2337/diacare.27.7.1630.

23. Palgi Y, Shrira A, Zaslavsky O. Quality of life attenuates age-related decline in functional status of older adults. Qual Life Res. 2015 Aug;24(8):1835-43. doi: 10.1007/s11136-015-0918-6.

24. Beltz S, Gloystein S, Litschko T, Laag S, van den Berg N. Multivariate analysis of independent determinants of ADL/IADL and quality of life in the elderly. BMC Geriatr. 2022 Nov;22(1):894. doi: 10.1186/s12877-022-03621-3.

25. Tavares DMS, Dias FA. Capacidade funcional, morbidades e qualidade de vida de idosos. Texto contexto - enferm. 2012 Mar;21(1):112-20. doi: 10.1590/S0104-07072012000100013.

26. Cruz KCT. Qualidade de vida relacionada a saúde dos idosos do estudo - SABE. Estudo SABE. Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento [tese]. Campinas: UNICAMP; 2012.

27. Alves MCGP, Escuder MML, Claro RM, Silva NN. Selection within households in health surveys. Rev Saúde Pública. 2014 Set;48(1):86-93. doi: 10.1590/S0034-8910.2014048004540.

28. Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos W, Meinão I, Quaresma MR. Tradução para a língua portuguesa e validação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF-36). Rev bras reumatol, 1999 Mai/Jun; 39(3): 143-50

29. Costa AF, Lopes MCBT, Campanharo CRV, Belasco AGS, Okuno MFP, Batista REA. Capacidade funcional e qualidade de vida de pessoas idosas internadas no serviço de emergência. Rev. esc. enferm. USP. 2020 Dec;54(1):1-10. doi: 10.1590/S1980-220X2019021203651.

30. Sousa ÁAD, Martins AMEBL, Silveira MF, Coutinho WLM, Freitas DA, Vasconcelos EL, et al. Qualidade de vida e incapacidade funcional entre idosos cadastrados na estratégia de saúde da família. ABCS Health Sci. 2018 May;43(1). doi: 10.7322/abcshs. v43i1.986.

31. Corvaisier M, Brangier A, Annweiler C, Spiesser-Robelet L. Preventable or potentially inappropriate psychotropics and adverse health outcomes in older adults: systematic review and meta-analysis. J Nutr Health Aging. 2024 Apr;28(4):100187. doi: 10.1016/j.jnha.2024.100187.

32. Francisco PMSB, Assumpção D, Borim FSA, Yassuda MS, Neri AL. Risco de mortalidade por todas as causas e sua relação com estado de saúde em uma coorte de idosos residentes na comunidade: Estudo FIBRA. Ciênc. Saúde Coletiva. 2021 Dec;26(12):6153-64. doi: 10.1590/1413-812320212612.32922020.

33. Yazawa MM, Ottaviani AC, Silva ALS, Inouye K, Brito TRP, Santos-Orlandi AA. Qualidade de vida e apoio social de pessoas idosas cuidadoras e receptoras de cuidado em alta vulnerabilidade social. Rev. bras. geriatr. gerontol. 2023 Dec;26:e230032. doi: 10.1590/1981-22562023026. 230032.pt.

34. Campolina AG. Impacto da doença crônica na qualidade de vida de idosos da comunidade em São Paulo. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2009/fev). Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/impacto-da-doenca-cronica-na-qualidade-de-vida-de-idosos-da-comunidade-em-sao-paulo/3260

35. Vaish K, Patra S, Chhabra P. Functional disability among elderly: A community-based cross-sectional study. J Family Med Prim Care. 2020 Jan;9(1):253-258. doi: 10.4103/jfmpc.jfmpc_728_19.





Other languages:







How to

Cite

Veloso, MV, Sousa, NFS, Medina, LPB, Lima, MG, Barros, MBA. Impact of dependence and abandonment of daily activities on the quality of life of elderly people: a population-based study. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2025/Jun). [Citado em 28/07/2025]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/en/articles/impact-of-dependence-and-abandonment-of-daily-activities-on-the-quality-of-life-of-elderly-people-a-populationbased-study/19677?id=19677



Execution



Sponsors