0384/2024 - JOB DISSATISFACTION IN FAMILY HEALTH TEAM IN SELECTED MUNICIPALITIES OF SANTA CATARINA: A QUALITATIVE STUDY
INSATISFAÇÃO NO TRABALHO DAS EQUIPES DE SAÚDE DA FAMÍLIA EM MUNICÍPIOS SELECIONADOS DE SANTA CATARINA: UMA ABORDAGEM QUALITATIVA
Author:
• Jacks Soratto - Soratto, J. - <jacks@unesc.net>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1339-7268
Co-author(s):
• Bruna Possamai Pagnan - Pagnan, B.P - <brunapagnan@hotmail.com.br>ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9241-9914
• Gastão Wagner de Souza Campos - Campos, G.W.S - <gcampos@unicamp.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5195-0215
• Samuel Spiegelberg Zuge - Zuge, S.S - <samuel.zuge@unochapeco.edu.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0420-9122
• Denise Elvira Pires de Pires - Pires, D.E.P - <piresdp@yahoo.com.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1754-0922
• Cristiane Damiani Tomasi - Tomasi, C.D - <cdtomasi@unesc.net>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1813-765X
• Cleidiane Aparecida de Quadra - Quadra, C.A - <cleidianequadra@unesc.net>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0117-7919
• Luciane Bisognin Ceretta - Ceretta, L.B - <lucianeceretta@unesc.net>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2682-5567
Abstract:
This study aims to identify the factors influencing dissatisfaction among healthcare professionals working in Family Health Teams in ed municipalities in the state of Santa Catarina, Brazil. It is a qualitative study conducted with 64 professionals16 Family Health Teams in the cities of Criciúma, Joinville, Blumenau, Lages, and Chapecó in the state of Santa Catarina, Brazil. The data collection was carried out through semi-structured interviewsMarch to December 2020 with 64 healthcare professionals. The data were analyzed using thematic content analysis, with the assistance of the software ATLAS.ti 22. The results indicated three groups: workload overload and people management difficulties (54%); salaries considered inadequate and labor rights infringements (29.8%); structural and logistical difficulties for healthcare assistance (16.2%). Factors highlighted included understaffed teams, inadequate professional valuation, disorganization in people management, low pay, disrespect for labor rights, deficits in financial resources, materials, and physical structure. The working conditions and the way healthcare are delivered contributed to the dissatisfaction of Family Health Team professionals.Keywords:
Health Centers; Primary Health Care; Health professionals; Worker\'s health; Job satisfaction.Content:
A Atenção Primária à Saúde (APS) é o primeiro nível de cuidado dentro dos sistemas de saúde, destina-se a responder às necessidades de saúde mais comuns de uma população1, e trata-se de uma das formas mais equitativas e eficientes de organizar um sistema de saúde2. O número de equipes de Saúde da Família (eSF) expandiu-se significativamente nos últimos 20 anos3. Segundo dados extraídos do e-Gestor, a Atenção Básica, no Brasil, até dezembro de 2020, contava com aproximadamente, 43.286 eSF, com uma cobertura de 133.710.730 pessoas, totalizando 63,6% da população brasileira. Por sua vez, o estado de Santa Catarina tinha aproximadamente 1.782 eSF com cobertura de 78,2% da população, ou seja, 7.252.502 catarinenses em 2020 4.
No Brasil, a APS tem nas eSF sua principal estratégia, além de outros serviços, que conjuntamente devem garantir o acesso conforme as necessidades da população, garantindo a integralidade, longitudinalidade e o exercício da coordenação do cuidado1,2. No entanto, a expansão da cobertura e funcionamento da APS enfrenta barreiras associadas a fatores como escassez de médicos, restrições orçamentárias e cobertura populacional insuficiente. Além disso, a diversidade na qualidade da atenção à saúde é um dos entraves para ampliar a resolutividade3.
Neste cenário de produção do cuidado, as eSF possuem uma composição multiprofissional, o que potencializa a qualidade e resolutividade da atenção à saúde. Esses profissionais lidam com situações diversas no seu processo de trabalho, para garantir resolutividade e efetividade da APS 5.
A satisfação do(a) trabalhador(a) possui uma dimensão subjetiva, cultural, regional, conjuntural e da própria formação. No âmbito das eSF está ligada, também, ao ambiente laboral, organização do trabalho, aspectos trabalhistas e ao reconhecimento pelo trabalho desenvolvido6.
A satisfação é usada com frequência na avaliação em saúde, na administração privada e de mercado, se busca uma adequação do produto ao desejo e expectativa do cliente. Na saúde pública é usada como estratégia para subsidiar a gestão, planejamento, garantia de acesso e para reorientar a organização dos serviços e práticas dos profissionais da equipe7. Não obstante, na saúde pública, é necessário cautela ao se adotar a satisfação como padrão de referência avaliativa. Nas eSF, em especial, costuma haver tensão quanto ao atendimento da demanda, tendo em vista a cultura da medicalização, consumismo, estilos danosos de vida, de modo que os (as) trabalhador(as) de saúde atuam com tensionamentos contínuos entre as necessidades de usuários, seus princípios, exigências profissionais e da gestão.
Ambientes de trabalho pouco enriquecidos, são situações potencializadoras de insatisfação quando os trabalhadores não podem, ou não, conseguem exercer uma tarefa e sentir prazer no trabalho, seja por questões subjetivas ou por imposições do modelo organizacional8.
Há também muitos impasses e desafios para consolidação e efetividade do apoio matricial e de outras estratégias colaborativas na APS. Estes impasses envolvem questões estruturais, excesso de demanda, desafios subjetivos, de comunicação culturais, epistemológicos e políticos9.
Para além disso, a falta de recursos materiais está ligada a insatisfação, e proporciona influência no aumento das cargas no trabalho10. Outro aspecto inerente a insatisfação do trabalhador(a) da APS envolve as dificuldades de autonomia para tomar decisões clínicas, associadas ao aumento nos níveis de estresse, trabalho excessivo e principalmente aos baixos salários8.
Somado a essas dificuldades, que foram mencionadas em contexto macro8,9,10, estudos aprofundados de cenários específicos são escassos, bem como, não se encontrou na literatura estudo com dimensão estadual com relatos de trabalhadores(as) de todas as regiões geográficas do estado de Santa Catarina. Pesquisas desta natureza contribuem para entendimento dos elementos gerais loco-regionais e para maior compreensão do fenômeno no micro espaço de atuação.
Diante do exposto, o presente estudo objetivou identificar os elementos que influenciam na insatisfação dos(das) trabalhadores(as) de saúde que atuam nas equipes de Saúde da Família em municípios selecionados do estado de Santa Catarina, Brasil.
MÉTODO
Tipo de estudo
Trata-se de um estudo multicêntrico vinculado ao edital Universal do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) processo número 436568/2018-7 que procurou identificar os elementos de satisfação e insatisfação dos profissionais das equipes de saúde da Família, porém, neste estudo foi contemplado somente os aspectos relacionados a insatisfação. Consiste em uma pesquisa com característica exploratória de abordagem qualitativa11 que respeitou os critérios para coerência metodológica contidos no Consolidated Criteria for Qualitative Research Reports (COREQ)12.
Local do estudo
Os locais do estudo foram as principais cidades de cada região geográfica do estado de Santa Catarina, escolhidas levando em conta os seguintes critérios: cidades com destaque econômico e na rede de serviços de saúde; representação geográfica, ou seja, um município por mesorregião do estado de Santa Catarina; e municípios próximos dos colaboradores da pesquisa que poderiam auxiliar na obtenção da carta de anuência local. Neste sentido, as cidades escolhidas foram: Criciúma, Joinville, Blumenau, Lages e Chapecó. A mesorregião da grande Florianópolis não participou, pois devido a pandemia não foi autorizada a coleta de dados.
Participaram do estudo 16 ESFs, com os seguintes critérios de inclusão: ESF que segundo a avaliação no último ciclo (3º) do Programa Nacional de Melhorias do Acesso e da Qualidade de APS (PMAQ-AB) realizado no ano de 2019, alcançaram classificação avaliativa acima da média e muito acima da média; e que também apresentavam a equipe mínima completa no período da coleta de dados. Os critérios de exclusão foram as UBS que possuíam equipes mistas (eSF e equipes que atuam no modelo tradicional da biomedicina).
A seleção das eSF participantes da pesquisa foi realizada de maneira aleatória, por aplicação web de sorteio, disponível no endereço digital https://sorteador.com.br/sorteio-de-nomes, a partir da nomeação de todas as eSF elegíveis dos respectivos municípios. Foram sorteadas quatro equipes por município, sendo que uma dessas era reserva ou opcional, para caso tivesse alguma eSF com impossibilidade de participar da coleta. Quando nas três eSF investigadas os dados coletados não fossem suficientes, era incluída a quarta equipe sorteada.
Participantes do estudo
A seleção dos participantes foi por conveniência a partir da definição do local do estudo, o pesquisador ao chegar na eSF, se apresentava e perguntava ao(a) trabalhador(a) se havia interesse em participar da pesquisa. Participaram do estudo 64 trabalhadores(as) de saúde de nível técnico e superior. Esse número foi definido a partir dos critérios de saturação de dados utilizados em pesquisa qualitativa, ou seja, quando as respostas das questões explanadas pelos entrevistados somam pouco substancialmente, ou, não agregam nada de novo13.Destaca-se que a saturação foi obtida por município, de modo que algumas cidades tiveram mais e outras menos entrevistados.
No tocante, ao perfil dos participantes houve um predomínio de trabalhadores(as) na cidade de Joinville (25%), predominando o sexo feminino (87,5%); já a faixa etária predominante foi entre 40 e 44 anos (18,8%) e a especialização como nível de escolaridade máxima foi frequente em 50% dos participantes. A categoria profissional de maior representatividade foi a enfermagem (65,6%). O tipo de contrato que prevaleceu foi o concurso público (82,8%), e que não possuem outro emprego (75%). Quanto a jornada de trabalho na eSF a maioria trabalhava 40 horas semanais (95,3%), com e tempo de experiência entre um e quatro anos de trabalho na equipe (46,9%) (Tabela 1).
Tabela 1 – Perfil dos participantes do estudo (n=64) nos municípios selecionados de Santa Catarina, Brasil, 2020.
Coleta de dados
O processo de coleta dos dados foi realizado por dois pesquisadores, um masculino enfermeiro e um feminino fisioterapeuta, ambos cisgênero. Os entrevistadores foram qualificados, em duas oficinas formativas de duas horas cada, pelo coordenador do estudo. Os entrevistadores não trabalhavam no local da coleta de dados, mas possuíam experiência em estudos qualitativos, sendo que os dois tiveram iniciação cientifica na graduação, um titulou-se mestre em educação e a outra está finalizando o mestrado em enfermagem e Atenção Primária à Saúde.
A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista semiestruturada, composta por questões fechadas sobre o perfil dos participantes e abertas sobre satisfação e insatisfação dos trabalhadores(as) da saúde, contemplando a composição da equipe, motivação, relações, organização, e condições de trabalho. Antes da realização da entrevista foram realizados três testes para o melhoramento do instrumento, avaliados pelos pesquisadores e o coordenador do estudo.
Foi estabelecido contato com as coordenações da atenção básica de cada município, informando os dias que os pesquisadores estariam disponíveis para coleta, posteriormente foi feito contato com a gerência da eSF que indicou o melhor dia e horários para visita na UBS.
As entrevistas foram realizadas individualmente, e gravadas no celular, de modo presencial entre os meses de março a dezembro do ano de 2020, foi utilizado espaço reservado dentro das unidades de saúde, sem interferir no fluxo e organização dos serviços, e tiveram como tempo médio de aplicação 28 minutos.
De todos os (as) trabalhadores(as) abordados somente quatro optaram em não participar da entrevista, sendo que três trabalhadores justificaram que não tinham tempo e um não referiu o motivo. A realização das entrevistas respeitou as medidas de biossegurança sugeridas pela Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina. Durante as entrevistas foram realizadas notas em um diário de campo, para registro de pausas, eventuais desconfortos e situações que chamaram a atenção dos pesquisadores. Essas notas serviram para auxiliar na transcrição não sendo utilizadas para fim analítico.
Análise de dados
Os dados foram analisados segundo análise temática de conteúdo dividida em três fases: pré-análise; exploração do material e tratamento dos resultados; inferência e interpretação dos resultados, com suporte do software ATLAS.ti 2214.
Na pré-análise foram transcritas as entrevistas em um programa de edição de texto Microsoft Word, sendo realizada posteriormente a leitura do material, a fim de realizar as correções ortográficas, linguísticas e gramaticais. Após a organização das transcrições, cada entrevista foi enviada ao participante por e-mail para ratificação e validação textual.
Na etapa da exploração do material e tratamento dos resultados obtidos, as informações foram lidas exaustivamente, sendo selecionados trechos de citações significativas relacionadas ao objeto investigado, afim de serem criados códigos, ou seja, uma representação sintética do trecho de citação selecionado. Os códigos foram aglutinados em grupos de códigos ou categorias de acordo com proximidade temática.
Por fim, na etapa de inferência e interpretação, foi realizado um refinamento com renomeação e mesclagem dos trechos de citações, códigos e grupo de códigos, objetivando maior compreensão do fenômeno e organização das categorias temáticas.
Os trechos de entrevistas selecionados para representação das categorias consideraram códigos com citações de participantes nas diversas eSF e ou códigos com menor frequência, mas que tiveram significativa identificação com a temática. Os resultados relacionaram as categorias, códigos e trechos mais significativos. Os resultados foram expressos utilizando trechos mais significativos que representassem os códigos, além do detalhamento da frequência de aparecimento e sua relação com a categoria (Tabela 2).
Para análise foram consideradas ainda, as contribuições teóricas sobre processo de trabalho em saúde, em especial a contribuição de Christophe Dejours e os preceitos teóricos de Frederick Herzberg, que aborda a situação de motivação e satisfação das pessoas.
Aspectos éticos
Os aspectos éticos nesta pesquisa foram respeitados e o estudo foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), via plataforma Brasil, sob parecer no 3.675.401/2019.
Os entrevistadores antes da coleta de dados detalharam o objetivo e as razões da pesquisa de modo que cada participante, que concordou em participar do estudo, assinou um termo de consentimento.
A garantida do anonimato foi respeitada por meio de um código alfa numérico identificando letra P de participante, logo em seguida o número cardinal que identifica o documento e por último a letra que tipifica a profissão sendo: M para Médico(a), E para Enfermeiro(a), TE para Técnico em Enfermagem, D para Dentista e TSB para Técnico em Saúde Bucal.
Os áudios da gravação foram excluídos após a transcrições que foram salvas em hard drive externo que se encontra de posse do coordenador do estudo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O processo de identificação dos elementos geradores de insatisfação das eSF gerou 278 trechos de citações, 26 códigos e três categorias temáticas, a saber: Dimensionamento inadequado e desvalorização do(a) trabalhador(a); déficit no reconhecimento salarial e prejuízos de direitos trabalhistas; e dificuldades estruturais e logísticas para assistência à saúde (Tabela 2).
Tabela 2 – Número de trechos de citações, de acordo com códigos e categorias temáticas relacionadas à insatisfação das equipes de Saúde da Família dos municípios selecionados de Santa Catarina, Brasil, 2020.
Dentre todos os elementos que proporcionam insatisfação dos(das) trabalhadores(as) das eSF, no cenário e período estudado, os de maior representatividade foram: aumento significativo do trabalho e subdimensionamento das eSF (n=58; 20,9%); baixo reconhecimento salarial (n=43; 15,5%); desvalorização do trabalho realizado (n=28; 10,1%); e a carência de recursos financeiros e ou materiais para realização da assistência à saúde (n=24; 8,6%).
Dimensionamento inadequado e desvalorização do(a) trabalhador(a)
O dimensionamento inadequado de pessoal está refletido nas falas dos participantes que enfatizaram a falta de trabalhadores(as) nas equipes, e tendo como desdobramento uma sobrecarga de trabalho. Os participantes evidenciam a sobrecarga em função da falta de trabalhadores(as) suficientes para atender as demandas da população, não conseguindo concluir suas tarefas, e reforçam a importância de um número maior de trabalhadores(as) integrando as equipes.
A insatisfação é que [...] às vezes a gente está num momento de falta de funcionários e aí você não consegue fazer o teu trabalho como você gostaria. Às vezes você não tem tempo hábil para tu estar desenvolvendo. Essa é a parte mais ruim, que na maioria das vezes tu deixa de conseguir fazer mais por causa disso, porque talvez o médico não está na unidade, ou está de férias, ou teu colega falta e tu tem que cobrir dois setores, então acho que a maior dificuldade ainda é essa. (P16TE)
Como a gente é somente uma equipe, tem dois técnicos de enfermagem, acho que às vezes ficam um pouco sobrecarregados, às vezes tem umas áreas aqui que não são cobertas, porque eles não dão conta. Por mais que seja só uma equipe, às vezes faltam algumas pessoas para compor. (P39M)
É possível inferir que a sobrecarga de trabalho evidenciada nas falas tem origem em um dimensionamento inadequado da força de trabalho da APS, impactando no comprometimento da qualidade do cuidado ofertado à população. Em um estudo sobre a efetivação dos princípios doutrinários do Sistema Único de Saúde (SUS), foi possível observar o comprometimento do princípio da universalidade, que ocorreu em decorrência da oferta inadequada ou ineficiente de recursos humanos, leitos e serviços, contribuindo para uma desordem entre as necessidades dos usuários e o que era ofertado para atender às suas necessidades de saúde15.
A sobrecarga de trabalho pode estar relacionada às condições que o(a) trabalhador(a) é exposto e as dificuldades que são encontradas na rotina de trabalho, que se relaciona ao desenvolvimento da exaustão emocional, que por sua vez afeta a qualidade do cuidado16, influenciam a produtividade, o desempenho, absenteísmo do(a) trabalhador(a), rotatividade, cidadania organizacional, saúde e bem-estar, satisfação na vida e satisfação dos usuários17.
Um estudo realizado em cinco regiões do Brasil destaca que o excesso de demanda e a falta de trabalhadores(as), além da sobrecarga de atividades, geram aumento das cargas psíquicas e fisiológicas do trabalhador18. A extensão dos efeitos do dimensionamento inadequado, vai além da sobrecarga de trabalho, uma vez que além de comprometer a qualidade da assistência à saúde dos usuários, tem implicações também na vida pessoal dos trabalhadores. O trabalho em saúde é predominantemente subjetivo, não pertence ao mundo visível. Assim, as pressões que acontecem, fruto do ato do trabalho, geram desgastes, envelhecimento e doenças somáticas19,20.
Quando há uma intensificação das tarefas e a quantidade de profissionais é insuficiente, os trabalhadores são forçados a atuar em um ritmo que vai além de suas capacidades, por sua vez percebem que não conseguem atender todas as demandas, isso gera condições propicias para a insatisfação. Isso pode resultar em desgaste mental e físico, afetando a saúde do trabalhador. Diante desse sofrimento, os trabalhadores podem desenvolver estratégias defensivas, para proteger-se psiquicamente, como a negação da importância de certos aspectos do trabalho ou a adoção de uma postura mais mecânica diante das tarefas19.
As equipes reduzidas não resultam apenas de um dimensionamento inadequado, visto como uma falha, mas sim de uma lógica de gestão deliberada, estruturada em modelos que visam à intensificação do trabalho. Nesse contexto, trata-se de um modelo de gestão planejado para extrair o máximo de produtividade com o mínimo de trabalhadores. O subdimensionamento da força de trabalho, portanto, surge como um mecanismo intencional utilizado para sustentar e reforçar essa estrutura.
O dimensionamento da força de trabalho na APS é um desafio para a gestão dos serviços de saúde, para que seja adequado é necessário superar a desigualdade na distribuição de profissionais nas regiões brasileiras21-23.
A implementação de ações voltadas a supervisões focadas no aspecto emocional do o(a) trabalhador(a) e no compartilhamento de experiências com os demais trabalhadores(as), são métodos capazes de ajudá-los(as) a lidar com situações de sobrecarga de trabalho17. Contudo, há uma escassez de estratégias voltadas ao enfrentamento do aumento considerável das demandas de trabalho, o que dificulta a implementação de medidas capazes de oferecer suporte e de reduzir as sobrecargas vivenciadas na rotina de trabalho, o que pode levar a insatisfação.
Os(as) trabalhadores(as) ainda relatam como aspectos de insatisfação no trabalho a falta de folgas, acúmulo de trabalho para além do período de trabalho, e que devido a isso, o tempo de lazer ou de estar com a família acaba sendo comprometido.
Eu não ganho nenhum tipo de folga, se eu fizer receitas fora do horário, nem se eu chegar e sair antes. Parece que você tem que viver exclusivamente do trabalho, se eu tiver qualquer problema pessoal, eu não tenho como resolver, eu não tenho uma folga. Aí nas campanhas de vacina, eu não sou chamada. Eu não tenho nem a possibilidade de ganhar folga. (P22M)
Muitas vezes eu deixei de estar com meus filhos ou com meu marido, para poder terminar o serviço que eu deveria estar fazendo nas minhas 40 horas semanais. Então acabou interferindo. Acabei vendo que não estava valendo a pena. (P27TE)
Quando um(a) trabalhador(a) dedica diversas horas do dia na realização de uma tarefa para a qual não atinge a meta ou sua finalização, este sente-se frustrado e estressado, com indisposição para cuidar da saúde, sensação de improdutividade e cansaço crônico. Todos estes sentimentos podem repercutir e influenciar negativamente, na disposição para a família e nas relações sociais do(a) trabalhador(a)24.
Ao levar o trabalho das eSF para a conclusão em ambiente domiciliar, reforça-se a transcendentalidade do trabalho, que supera os lócus instituição e confirma que trabalho não é apenas a realização da atividade, é, também, uma forma de relação, de engajar sua subjetividade25. Neste sentido, o excesso de trabalho pode resultar em consequências negativas para o(a) trabalhador(a) da saúde, colaborando para maior pressão no trabalho26 e aumento de negligências no ambiente laboral, com repercussão na qualidade da assistência prestada pelo profissional, no aumento do desgaste físico e prejuízo social dos trabalhadores(as) da saúde27.
O cenário da APS enfrenta grandes desafios: equipe subdimensionada e sobrecarga de trabalho que comprometem o atendimento; desorganização na gestão de pessoas e carga horária excessiva que afetam a qualidade dos serviços; rigidez no cumprimento de horários e a rotatividade da equipe que geram desgaste. Aliadas a isso, as demandas extras contribuem com a diminuição do tempo para o lazer, e levam ao desvio de função que são preocupações adicionais, com as quais a ESF enquanto, organização laboral precisa estabelecer políticas e estratégias que propiciem um cenário de resolução desses problemas.
O pouco reconhecimento, a baixa valorização e a ausência de incentivo formativo foi apontado como um gerador de insatisfação, fazendo com que trabalhadores(as) percam o desejo pelo trabalho e de melhorar a assistência prestada.
Às vezes, até mesmo uma coisa que eu noto, que a gente não tem é um elogio da coordenação: “Há o teu trabalho está muito bem feito” “Parabéns” “Continue assim”, “você está fazendo tudo certo”, nem isso. Às vezes, reconhecido nem só financeiro, mas também aquele reconhecimento que está fazendo o teu trabalho. (P22E)
A valorização do trabalho é de extrema importância para um agir motivado, e deve acolher os esforços, as dúvidas, as decepções e os desânimos dos(das) trabalhadores(as). O valorizar não consiste em somente enaltecer a produção da tarefa eficaz, inclui reconhecer o(a) trabalhador(a) como um ser humano, com habilidades e contribuições singulares nas ações que o pratica.
A análise da psicodinâmica do reconhecimento no trabalho, debate sobre esse ponto e defende a importância de ter o trabalho validado pelo outro, como algo útil, bem executado, trazendo contribuições valorosas para o bem estar do trabalhador, conferindo ao sujeito validado, status, e ainda alega que o reconhecimento dos pares tem impacto sobre a identidade do trabalhador e gera um senso de pertencimento ao grupo, ao coletivo profissional, é por meio do reconhecimento que sofrimentos inerentes ao labor podem ser transformadas em prazer no trabalho28. Quando o gestor(a) deixa de reconhecer o trabalho realizado, ignora o fato de que, no ambiente laboral, particularmente aquele composto por diversas opções formativas, o indivíduo nutre um sentimento de predileção pela atividade profissional que desempenha e está afetivamente conectado ao seu trabalho. Esse vínculo emocional ocorre porque o trabalho reflete suas capacidades e objetivos pessoais, o que frequentemente supera a importância do próprio ambiente de trabalho29.
O reconhecimento do trabalho, por sua vez, é uma reivindicação em geral indissociável do comprometimento subjetivo, representando, em alguns casos, uma oportunidade para a construção da identidade do(a) trabalhador(a) e da promoção da saúde mental28. O sentir valorizado e ter reconhecimento pelo o que se pratica, é evidenciado pelos trabalhadores(ras) como um sentimento de aceitação e aprovação no ambiente de trabalho, sendo vital para a saúde do trabalhador26 e também para manter a motivação e a satisfação. Sentir-se valorizado e reconhecido pelo trabalho realizado é percebido pelos trabalhadores como um sentimento de aceitação e aprovação no ambiente profissional30, sendo essencial para a saúde do trabalhador.
Falta à gente ficar mais ciente dos fluxos, principalmente, porque toda hora muda eu vou recebendo todos os e-mails, eu faço uma pasta, mas assim, quando eu recebo alguma coisa eu não tenho segurança de encaminhar, conforme aquele fluxo que eu recebi a três meses atrás. Porque eu acho que já mudou, então eu sempre tenho que ligar para aquele setor e perguntar: é assim ainda? (P20E)
No cenário da eSF, torna-se necessário trabalhadores(as) preparados, com competências específicas, para que possam ofertar assistência às demandas dos usuários desse serviço. Mudanças de fluxos constantes, geram maior necessidade do(a) trabalhador(a) adaptar-se aos mesmos, e acabam interferindo no processo de cuidar. Essas mudanças de fluxos e a necessidade de uma constante adaptação de quem executa o trabalho, representa o trabalho real, que é frequentemente sobrecarregado por incidentes, falhas, contraordens hierárquicas, demandas diversas e diferentes, descumprimento de compromissos28. Essas perdas de eficiência na prestação de serviço são fatores de insatisfação pois geram o sentimento de incapacidade de realizar bem o trabalho ao qual se propôs, gerando a sensação de que suas habilidades, não são adequadas afetando o sentimento de autorrealização.
As mudanças rotineiras nos processos exigem um o maior comprometimento dos gestores em oportunizar a qualificação, de forma que possibilite a qualidade da assistência prestada e o aperfeiçoamento do(a) trabalhador(a) das eSF31,32. Há necessidade do processo de legitimação da política de Educação Permanente em Saúde nos contextos da APS, com vistas à melhoria da qualidade da gestão e da atenção à saúde32. Nesse sentido, a formação permanente surge com uma estratégia a fim de auxiliar nessas necessidades específicas individuais ou coletivas dos(as) trabalhadores(as) de saúde. É também, um importante processo no desenvolvimento da própria concepção de equipe e de vínculo dos trabalhadores(as) com a população, característica que embasa todo o trabalho da atenção básica31.
Nesse estudo ficam evidenciados nos relatos a realidade dos cenários de trabalho na APS de Santa Catarina, com equipes de trabalho incompletas, sobrecarga de trabalho, sentimento de desvalorização e fluxos poucos estabelecidos. Esse conjunto de efeitos do dimensionamento inadequado de trabalhadores(as) compromete de forma direta o cuidado na APS e fere os princípios doutrinários do SUS. É válido inferir que os efeitos do dimensionamento inadequado se estendem para além dos limites das equipes de saúde. Desse modo, pode-se considerar efeitos proximais: atingindo diretamente as equipes de saúde; intermediários: usuários do serviço de saúde e seus familiares e distais: familiares dos trabalhadores(as) de saúde.
Déficit no reconhecimento salarial e prejuízos de direitos trabalhistas
A política de remuneração heterogênea, muitas vezes insatisfatória para a saúde dos trabalhadores(as) da saúde; problemas com concessão de insalubridade, planos de cargos e salários não satisfatórios, prejuízos nas garantias dos direitos trabalhistas, oportunizam desigualdades que afetam a motivação e qualidade da assistência prestada pelos trabalhadores(as). Associado a isso as disparidades entre estatutários e celetistas oportunizam tensões internas materializada pela recorrência de contratos temporários que aumentam a instabilidade.
A valorização salarial dos(as) trabalhadores(as) de saúde continua ainda sendo um grande desafio tomada as especificidades da realidade de cada município, tendo em vista os diferentes formatos de contratação ou vínculos trabalhistas33. O descontentamento com a remuneração e a desvalorização do(a) trabalhador(a) são aspectos que podem impactar na prestação do cuidado no âmbito da APS. Os trechos a seguir ilustram essa subcategoria:
[...] eu entrei e gostei da saúde pública. Eu penso em continuar na saúde pública, mas talvez não em Joinville, por busca de melhoria de salário. Já foi feita reunião com os superiores para melhoria de salário, mas eles falaram que não vai melhorar, porque se a gente não quer, tem gente que quer. (P33D)
Em todos os trabalhos envolvem riscos e falta de insalubridade, e o salário te perde as forças de você vir, marcar uma consulta demora demais por ter pouca gente na equipe, você precisa de visita, mas é só um técnico para uma equipe enorme, isso deixa a desejar, falta de mais profissionais trabalhando, falta de insalubridade para te animar, um salário um pouco melhor, o próprio vale, falta incentivo, deixa a gente desamparada e insatisfeita. (P36TE)
Percebe-se há existência de conflito entre oferta e demanda no mercado de trabalho dos profissionais que integram a APS, enquanto muitos locais faltam profissionais, no trecho mencionado existem suficiência. Essa abundância de profissionais de saúde dispostos a trabalhar nas condições oferecidas impedem ou dificultam politicas e aumentos salariais, mesmo quando há profissionais buscando melhores remunerações.
À medida que o(a) trabalhador(a) se sente desvalorizado, há uma diminuição na dedicação para o trabalho, o que pode implicar na desmotivação a se capacitar e buscar formação complementar34. Assim, percebe-se que ao abordar questões salariais e prejuízos de direitos trabalhistas na saúde, é necessário considerar não apenas o impacto individual nos profissionais de saúde, mas também o impacto coletivo na qualidade da assistência prestada à população.
Permanecer muito tempo em uma função é importante para criar vínculo com as pessoas melhorias das relações com a equipe, desenvolve habilidades de cooperação20. O trecho expresso pelo P33D demonstra que a insatisfação gerada por políticas salariais ineficientes pode resultar, na busca de outros ambientes que satisfaçam.
As estratégias de melhorias salariais pela gestão, pode influenciar no desempenho do do(a) trabalhador(a), na qualidade de vida do profissional dentro e fora das equipes de saúde e na permanência ou abandono da profissão27. Frente a isso, o plano de cargos, carreira e salários (PCCS) é considerado um instrumento gerencial importante, para o desenvolvimento gerencial dos serviços de saúde e mostra-se como aspecto fundamental para motivação dos profissionais de saúde, contribuindo para valorização, fixação e perspectiva de carreira35. E também se apresenta como uma importante ferramenta para impedir a insatisfação no trabalho, como abordado na teoria dos dois fatores.
Para estruturação de planos de cargos e salários é necessário considerar o planejamento e a pactuação das metas; processo de avaliação de desempenho; convergência com a política de educação permanente; a valorização do trabalho em equipe; e a inserção de todos os profissionais que trabalham na saúde36.
A falta de oportunidades de crescimento dentro de uma organização, acaba desmotivando o do(a) trabalhador(a) para as suas atividades laborais, uma vez que é desprovido de inspiração para o trabalho. Para isso, os profissionais necessitam buscar uma constante redescoberta e reinvenção do seu trabalho, de fazer do trabalho não só uma ferramenta para o salário, mas de garantias para o alcance de direitos sociais28.
A carreira na saúde pública é pautada antes mesmo da constituição do SUS, e durante a construção dos preceitos normativos e regulamentares também foram sinalizados aspectos que objetivam um melhoramento da carreia do(a) trabalhador(a), não obstante, sem um avanço uniforme no território Brasileiro que se materialize em uma política de valorização salarial dos profissionais de saúde. Na perspectiva da saúde coletiva, as desigualdades salariais e a falta de reconhecimento do trabalho não afetam apenas, os(as) trabalhadores(as) de saúde individualmente, mas também influenciam diretamente na motivação, o engajamento e, consequentemente, a qualidade dos serviços de saúde oferecidos à comunidade. Portanto, é fundamental abordar essas questões, não apenas como problemas individuais, mas como questões estruturais, que demandam ações coletivas e políticas públicas eficazes.
A ausência de reconhecimento ainda pode amplificar o sofrimento do(a) trabalhador(a)19. Se a organização do trabalho (gestão, supervisores) não reconhece a sobrecarga e o esforço dos(as) trabalhadores(as), isso aumenta o desgaste. O reconhecimento é uma peça-chave para manter a saúde mental, e a falta dele pode gerar uma sensação de desvalorização e invisibilidade do sofrimento20,25.
Superar esses problemas exige comprometimento da gestão para uma política de valorização dos profissionais de saúde e que não apenas beneficiem individualmente esses profissionais, mas que também contribuam para a melhoria do sistema de saúde como um todo. A implementação de planos de cargos, carreiras e salários adequados, a promoção de condições de trabalho dignas e o estímulo à formação contínua dos profissionais são aspectos fundamentais para garantir uma assistência de qualidade e equitativa para toda a população, bem como minimizar aspectos insatisfatórios.
Dificuldades estruturais e institucionais para assistência à saúde
A estrutura das UBS somado a garantia de insumos e materiais, ainda se apresenta heterogênea no contexto brasileiro, com pouca sinalização externa e interna, riscos estruturais e de acessibilidade, uso de casas adaptadas, muitas sem condições necessárias para o funcionamento, rudimentares e com capacidade restrita para assistência à saúde37 e com inúmeras dificuldades de acessibilidade. Os trechos a seguir representam essa subcategoria
Há falta de insumos ou materiais no meu dia a dia que me impossibilita de fazerem tudo o que eu necessito realizar aqui. (P38D)
O atendimento seria melhor, a parte física, se fosse maior, ajudaria a fazer os grupos, aqui não podemos fazer os grupos, isso é mais ou menos uma insatisfação. (P53E)
Um dos principais objetivos da gestão voltada a eSF é a existência de condições mínimas para execução dos serviços. Para que as intervenções realizadas pela equipe sejam conforme a PNAB estabelece, tem-se a necessidade da garantia de elementos essenciais como a existência de estrutura física adequada e materiais e insumos.
As eSF enfrentam limitações importantes em termos de materiais, medicamentos e demais recursos necessários para a prática diária de suas atividades, por consequência, o sentimento de frustração é aumentado entre os profissionais que por vezes não conseguem ou tem que pensar em soluções paliativas para lidarem com situações cotidianas, afetando negativamente a qualidade do atendimento e a refletindo na insatisfação no trabalho.
Além de comprometer questões como a de privacidade e dignidades dos pacientes, uma estrutura física inadequada traz limitações ao próprio trabalho dos profissionais de saúde, a exemplo como destacado no trecho, a inviabilidade da realização de atividades em grupo, são necessárias para um atendimento alinhado com as perspectivas de promoção da saúde e prevenção de agravos, além de não atender os preceitos da ambiência do SUS.
Ademais, evidencia-se que a falta de manutenção em equipamentos utilizados também é fonte de insatisfação entre os profissionais, uma vez que, equipamentos defeituosos e obsoletos também reduzem a eficiência do trabalho trazendo barreiras para a execução do trabalho da forma como é prescrito.
As UBS possuem estruturas adequadas na maioria dos municípios que apresentam melhores Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e menor cobertura das eSF38. Porém, ressalta-se que os elementos estruturais são aspectos potenciais para insatisfação profissional, seja em cidades maiores e municípios de pequeno porte27,39.
A ausência de materiais intervém na oferta de forma correta dos serviços, desenvolvendo prejuízos aos usuários, e até mesmo interrupção da assistência em saúde, gerando insatisfação também aos profissionais de saúde39,40.
Assim, destaca-se que as diferenças entre o trabalho prescrito e o trabalho real fazem parte do fazer diário dos profissionais da eSF. Mesmo que se tenha uma gestão institucional por vezes organizada, os profissionais de saúde são obrigados a conviver com situações inesperadas que colocam em confronto aquilo que é para ser feito e aquilo que de fato pode ser feito, ou seja, o trabalho prescrito e o trabalho real25,28. Por sua vez, essa autogestão do trabalho real é uma forma de lidar com aquilo que causa desconforto e pode colaborar para que o trabalho seja menos insatisfatório.
As eSF são coordenadora da prestação do cuidado na APS, para isso é necessário garantir que essas equipes tenham os recursos e condições necessárias para o desenvolvimento do trabalho em saúde e da sua capacidade de resolubilidade. Maior financiamento e avaliações regulares da infraestrutura equipamentos e priorizar a alocação de recursos para áreas mais necessitadas.
Os municípios contemplados são territórios muito diferentes, complexos, e com necessidades em saúde diversas, porém o estudo não objetivou a realização detalhada das análises loco-regionais de cada município estudado, logo espera-se o desenvolvimento de novos estudos que contemplem esta perspectiva.
Dentre as limitações do estudo, evidencia-se que a COVID-19 dificultou o tempo para coleta dos dados, bem como a interação durante a entrevista. As máscaras, a proteção física de acrílico e a distância entre entrevistador e entrevistado podem ter colaborado negativamente para obtenção das informações.
Necessário considerar ainda que no período da coleta de dados houve mudança na política de financiamento da APS para o Previne Brasil, que limita a universalidade, aumenta as distorções no financiamento e induz a focalização de ações, e que por sua vez, pode ter impactado nos relatos de insatisfação profissionais41.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A insatisfação, na concepção dos profissionais que atuam em eSF nas regiões Sul, Norte, Oeste, Vale do Itajaí e Planalto Serrano, do estado de Santa Catarina, vincula-se às condições de trabalho as quais influenciam a dinâmica do modo de pensar e produzir saúde em seus micros espaços de atuação.
O dimensionamento e as dificuldades na gestão em saúde, associado a problemas salariais, prejuízos de direitos trabalhistas com consequente desvalorização do(a) trabalhador(a), e por fim, as dificuldades estruturais, aglutinam os motivos de insatisfação das equipes. Essa situação gera um impacto não favorável à saúde dos profissionais e à prestação da assistência à saúde, com consequente prejuízo à garantia da integralidade do cuidado à saúde.
Sugere-se um processo de colaboração entre os entes federados, gestores, e equipes de forma a integrar todos os atores envolvidos no tocante ao melhoramento das políticas de valorização do(a) trabalhador(a) e da garantia de mínimas condições para funcionamento dos serviços de saúde. O fortalecimento dos núcleos de educação permanente e humanização pode ser uma alternativa para enfretamento dos problemas encontrados nesta investigação, no sentido de oportunizar um processo de trabalho mais satisfatório aos profissionais de saúde e qualificado aos usuários.
Agradecimentos
Agradecimentos Claudio Alex Sipriano e Julia Grassel que colaboraram com o processo de coleta de dados.
Financiamento
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. referente as Chamada MCTIC/CNPq Nº 28/2018 - Universal/Faixa A, processo número 436568/2018-7 e Chamada CNPq Nº 4/2021 - Bolsas de Produtividade em Pesquisa – PQ, processo: 304795/2021-6
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