0077/2025 - Modeling the COVID-19 vaccination process using the FRAM Method
Modelando o processo de vacinação da COVID-19 utilizando o Método FRAM
Author:
• Arlindo Souza Amaral Neto - Amaral Neto, A.S - <arlindoneto@ufrj.br>ORCID: 0000-0002-9692-3568
Co-author(s):
• Nathália Miranda do Nascimento - Nascimento, N.M - <nathalia_miranda@ufrj.br>ORCID: 0000-0002-8477-1587
• Alessandra Barrias Loureiro - Loureiro, A.B - <alessandrabarrias@gmail.com>
ORCID: 0000-0002-5974-7120
• Mônica Ferreira da Silva - Silva, M.F - <mfsilvamail@gmail.com>
ORCID: 0000-0003-0951-6612
• Claudia Araújo - Araújo, C. - <claraujo@coppead.ufrj.br>
ORCID: 0000-0003-0290-4807
• Maria del Pilar Anto Rubio - Rubio, M.P.A - <maria.anto@epg.usil.pe>
ORCID: 0000-0003-1024-4124
• Sildenir Alves Ribeiro - Ribeiro, S.A - <sildenir.ribeiro@cefet-rj.br>
ORCID: 0000-0003-4808-1009
Abstract:
Vaccination is a crucial process in a primary care unit and extremely important for society. This study sought to map and analyze the COVID-19 vaccination process using conceptsResilience Engineering, to identify possible sources of failure and recommend improvements. A case study was carried out in a Primary Health Care unit, and data was collected through semi-structured interviews in a cross-sectional study. The vaccination process was analyzed and modeled using the functional resonance analysis method (FRAM), which provided a greater understanding of the procedural flow and the identification of the system's main functions and points of variability. The results pointed out the couplings between functions that can generate high variability, which made it possible to engineer improvements in the system's resilience by proposing countermeasures for the situations identified as bottlenecks.Keywords:
FRAM. Vaccination. Covid-19. Health System Resilience. Primary Health Care.Content:
A pandemia causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) representou um desafio global para os sistemas de saúde1–3. Embora o Brasil tenha uma importante rede pública de saúde, a pandemia por COVID-19 provocou um aumento significativo no número de internações, o que pressionou a reorganização do Sistema Único de Saúde (SUS)4,5. As atividades de vacinação para COVID-19 representaram uma atividade extraordinária nas rotinas de vacinação já existentes no Programa Nacional de Imunização (PNI)6.
No Brasil, o SUS conta com o Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunização (SI-PNI), cujo propósito principal e? planejar a tomada de decisões frente às atividades de vacinação7–9. O SI-PNI é uma inovação tecnológica importante na gestão das operações de imunização, mas seu uso continua sendo um desafio7,9. Apesar dos seus inúmeros benefícios para os serviços de atenção a? saúde, de acordo com Silva et al.9, “alguns desafios são observados quanto a? sua operacionalização, integralidade e qualidade dos dados coletados (duplicidade e sub-registro)”. Soma-se a estas questões a sobrecarga de trabalho imposta às equipes de saúde pela pandemia e as diferentes dificuldades enfrentadas para o registro adequado das informações, que vão desde a ausência de equipamentos e de treinamento para as equipes até a priorização do atendimento ao paciente em relação ao registro, dada a elevação do número habitual de atendimentos1,10–12.
Pesquisas anteriores identificaram falhas no processo de vacinação quanto à disponibilidade e à qualidade dos dados de vacinação contra a COVID-19 no Brasil1,10,12. Segundo dados apresentados na nota técnica ‘Transparência da Vacinação’12, 74% dos quesitos, relativos ao processo de vacinação contra COVID-19, apresentaram problemas: seja incompletude (37%), ausência completa (30%) ou inconsistência (7%) das informações. Nesse sentido, é importante conhecer as nuances do uso do SI-PNI e como ele é utilizado nas salas de vacinação das unidades de Atenção Primária a? Saúde (APS) durante o processo de vacinação.
Além disso, os Sistemas de Informação em Saúde (SIS) costumam refletir a complexidade da própria assistência à saúde. Segundo Ferreira et al.13, as “atividades na área da saúde em geral são frequentemente caracterizadas como sistemas sociotécnicos complexos, apresentando interações não lineares entre seres humanos e artefatos tecnológicos ou organizacionais”. Portanto, visando a identificação e gestão de riscos, a engenharia de resiliência se mostra uma boa abordagem para lidar com os fenômenos da variabilidade e seus impactos em sistemas sociotécnicos complexos14–16, uma vez que garantir o registro adequado da imunização no cartão de vacinação do usuário e nos sistemas de informação é um dos dez passos divulgados pelo Ministério da Saúde para os trabalhadores da APS, a fim de garantir a ampliação das coberturas vacinais nas unidades17.
A resiliência dos sistemas de saúde é a capacidade de adaptação que estes sistemas apresentam a fim de atender os serviços de saúde de forma ininterrupta com segurança e qualidade. Esta habilidade deve ser desenvolvida continuamente e não apenas quando ocorre um evento extraordinário, como a pandemia de COVID-1918,19. Nesta pesquisa, o momento crítico da pandemia foi utilizado para modelar e analisar o processo de vacinação, buscando suas variabilidades e expondo oportunidades de melhoria.
Em função do exposto, este trabalho tem como objetivo mapear e analisar os principais pontos de variabilidade do processo de vacinação da COVID-19 a partir de conceitos da Engenharia de Resiliência14,19. O estudo de caso foi adotado como estratégia de pesquisa. Foram realizadas observações numa sala de vacinação de uma unidade da APS e entrevistas com os membros da equipe responsável. A partir dos dados coletados, o processo de registro e aplicação de vacinas foi modelado usando o Método de Análise de Ressonância Funcional (FRAM), que é uma ferramenta eficaz para identificar e compreender as principais causas de propagação de falhas em sistemas sociotécnicos, a partir do acoplamento de variabilidades entre funções15,20.
2 Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações
Os SIS são ferramentas de coleta e processamento de dados que transformam dados e informações em conhecimento. A coleta de dados de imunização embasa decisões e ações importantes para a gestão em saúde21–24. O PNI, criado em 1973, reúne as informações sobre a vacinação de todo país, sendo responsável pela política nacional de vacinação e pelo plano nacional de operacionalização da vacinação contra a COVID-1925.
O SI-PNI, implantado em 2010, registra de forma individual informações sobre cada pessoa vacinada, de acordo com a faixa etária, as doses de vacina aplicadas e calcula a cobertura vacinal23.
O processo de imunização durante a COVID-19 vem sendo monitorado e acompanhado através dos registros realizados no SI-PNI, facilitando o planejamento e controle dos imunobiológicos distribuídos. O registro pode ser realizado em ‘tempo real’ on-line ou posterior à vacinação, como acontece nas salas de vacinação não informatizadas, sem conectividade com a internet ou na vacinação extramuros, fora da sala de vacinação, como exemplo, em domicílio25.
É definido como erro de registro de imunização, os erros de digitação e as doses aplicadas fora do protocolo vacinal vigente ou imunológico divergente, estas classificadas assim como erro de imunização26.
3 Functional Resonance Analysis Method (FRAM)
O FRAM é apontado como um método de análise que reflete a Engenharia de Resiliência e o pensamento da Safety II e busca compreender como o trabalho se ajusta às situações ‘inesperadas’ e quais podem ser as consequências – tanto positivas como negativas – de tais ajustamentos27,28. O objetivo de uma análise FRAM28 é descrever ou representar como um sistema deve funcionar para atingir seus objetivos (ou seja, o trabalho diário) e compreender como a possível variabilidade de funções (sozinhas ou em combinação) pode afetar como isso acontece.
Embora o FRAM tenha sido inicialmente aplicado em análise de acidentes, hoje ele é empregado como ferramenta de modelagem em uma ampla gama de domínios, incluindo a saúde29–33.
4 Materiais e métodos
O estudo foi dividido em duas etapas: (i) mapear e analisar o processo de vacinação da COVID-19, e; (ii) modelagem FRAM.
4.1 Etapa 1: Mapear e analisar o processo de vacinação da COVID-19
Para mapear o fenômeno utilizou-se uma abordagem qualitativa transversal, que envolveu a adoção do estudo de caso como estratégia de pesquisa, pois se trata de “uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro do seu contexto atual, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos”34.
Para analisar a segurança do registro dos dados durante o processo de vacinação, foi selecionada, por conveniência, uma unidade da APS localizada na zona norte do Rio de Janeiro, devido a duas características principais: (i) a possibilidade de acesso e disponibilidade dos funcionários para colaboração na execução da pesquisa e (ii) o interesse das lideranças da organização por contribuir com a pesquisa, após a apresentação de pesquisas já realizadas e dos propósitos desta pesquisa.
A unidade de análise considerou todos os profissionais que atuam diretamente no processo de aplicação de vacinas e registro de imunização referente às atividades de vacinação da COVID-19 da unidade da APS. A equipe era formada por 01 Enfermeiro e 01 Técnico de Enfermagem. Todos os profissionais selecionados consentiram expressamente com a participação na pesquisa.
A coleta dos dados e das notas de campo foi realizada por meio de entrevistas presenciais e individuais com os profissionais, para identificar potenciais variabilidades do sistema. As entrevistas foram semiestruturadas e seguiram o questionário presente no Apêndice I, composto por questões sociodemográficas e técnicas, que versam sobre o mapeamento funcional e a contextualização de utilização do sistema SI-PNI. Cada entrevista teve duração de 2 horas, aproximadamente, sem necessidade de repetições e gravação de material audiovisual.
Este estudo foi realizado na capital do Rio de Janeiro durante o mês de novembro de 2021, período de aplicação da primeira dose da vacina contra a COVID-19 para pessoas a partir de 12 anos, e aplicação da dose de reforço para os seguintes casos: pessoas com 59 anos ou mais; pacientes com alto grau de imunossupressão (12 anos ou mais); profissionais e trabalhadores da saúde que tomaram a 2ª dose até 31/05/21; e pessoas a partir de 18 anos que tomaram a 2ª dose há mais de 5 meses3.
4.2 Etapa 2: Modelagem FRAM
Para a modelagem do processo de vacinação, utilizou-se o FRAM27. O modelo FRAM visa analisar como a variabilidade nas saídas de funções podem ser combinadas para prevenir sua ressonância, o que pode levar a resultados indesejados35. Hollnagel27 recomenda que o propósito da análise seja definido previamente à aplicação do FRAM, uma vez que a modelagem pode ser relativa à investigação de acidentes (olhando para eventos passados, análise retrospectiva) ou relativa à avaliação de segurança (olhando para eventos futuros, análise prospectiva).
O FRAM é fundamentado em quatro princípios ou suposições sobre como as coisas acontecem 27,28
O princípio da equivalência (de sucessos e fracassos): tanto fracasso como sucesso são equivalentes, pois ambos têm a mesma origem, ou seja, as causas do funcionamento adequado ou inadequado.
1. O princípio dos ajustes aproximados: as pessoas ajustam constantemente suas atividades para adaptá-las ao ambiente que se encontram (considerando recursos, demandas, oportunidades, conflitos e interrupções), a fim de que as ações correspondam com as condições estabelecidas.
2. Princípio dos fenômenos emergentes: dificilmente a variabilidade sozinha será grande o suficiente para causar uma falha ou acidente, mas a variabilidade em múltiplas funções pode se combinar de maneiras imprevistas e causar efeitos desproporcionais e não lineares.
3. Princípio de ressonância funcional: nos casos em que o princípio causa-efeito (causalidade) não pode ser explicado, a ressonância funcional pode ser usada para descrever e explicar interações e resultados não lineares.
Uma vez que o propósito da investigação foi definido, passou-se à aplicação do FRAM, que consiste em quatro etapas27,28, quais sejam:
• A primeira etapa consiste em identificar e descrever as funções importantes do sistema e caracterizar cada função usando seis características básicas (chamadas aspectos) (figura 1): Input (entradas), Output (saídas), Preconditions (pré-condições), Resources (recursos), Time (tempo) e Control (controle). Juntas, as funções constituem um modelo FRAM.
• A segunda etapa consiste em caracterizar a variabilidade potencial para cada função singular no modelo FRAM, assim como a possível variabilidade real em uma ou mais implementações do modelo.
• A terceira etapa é a identificação da ressonância funcional. Consiste em determinar a possibilidade de ressonância funcional com base nas dependências/acoplamentos entre funções, dada a sua variabilidade potencial e real. O objetivo desta etapa é determinar as maneiras possíveis pelas quais a variabilidade de uma função pode se espalhar no sistema e como ela pode se combinar com a variabilidade de outras funções.
• A quarta etapa consiste em desenvolver recomendações/contramedidas sobre como monitorar e influenciar a variabilidade, seja atenuando a variabilidade que pode levar a resultados indesejáveis, seja aumentando a variabilidade que pode levar a resultados desejados.
Figura 1 - Aspectos de uma função ou atividade de um modelo FRAM
Fig.1
5 Resultados e discussão
5.1 Modelagem com FRAM do ambiente estudado: uma unidade de Atenção Primária à Saúde
O processo de vacinação compreende a organização e funcionamento da sala de vacinação, conservação dos imunobiológicos, e os procedimentos para o preparo e administração da vacina. Os técnicos de enfermagem são alocados na sala de imunização e supervisionados por um Enfermeiro Responsável (ER).
O funcionamento da sala de vacinas inicia-se com a abertura da mesma pela ER. Os técnicos de enfermagem, antes de proceder à vacinação propriamente dita, devem higienizar as mãos, verificar a temperatura da câmara fria, fazer o inventário e registrar as informações relevantes no livro de ordem e ocorrências. Posteriormente, devem-se preparar as caixas térmicas para que atinjam temperatura entre 2°C e 8°C, e então transferir as vacinas mais usadas para dentro delas.
Após a preparação da sala, o técnico de enfermagem deve acolher o paciente e iniciar o atendimento. Deve-se solicitar a documentação (CPF ou Cartão Nacional de Saúde (CNS) e Cartão ou Caderneta de vacinação), realizar o registro (nome do paciente, data de nascimento e imunobiológico) da dose aplicada da vacina que deverá ser nominal/individualizado e no sistema SI-PNI, fazer também o lançamento no livro de controle, além de preencher o comprovante de vacinação. Toda escuta do paciente, preparação e aplicação da vacina deve ser feita pelo profissional técnico de enfermagem. Finalizando o processo, entrega-se o comprovante e o paciente é liberado.
5.2 Passo 1 – Identificação das funções essenciais
Para melhor compreender o fenômeno estudado, foram realizadas entrevistas com os profissionais da unidade da APS selecionada, sendo 01 ER e 01 Técnico de Enfermagem. O primeiro respondente tem 28 anos, possui curso técnico em enfermagem e nível superior completo em Enfermagem, atua na APS há 6 meses, mas está há 2 meses na sala de vacinação como ER. O segundo respondente tem 33 anos, possui curso técnico em enfermagem e atua na APS há 3 meses, mesmo tempo de atuação na sala de vacinação.
A equipe de profissionais analisou o cenário e resumiu as principais atividades realizadas durante todo o processo de vacinação, do acolhimento do paciente à sua liberação, após a aplicação da vacina. Com base nas respostas, foi possível identificar as principais funções e características do processo de vacinação.
As perguntas que foram feitas se concentram nas rotinas diárias, em vez de sucessos e fracassos específicos. As questões do questionário direcionadas aos aspectos das funções foram baseadas nos trabalhos já aceitos na literatura relacionada20 28 36. Já as questões direcionadas aos aspectos do sistema foram adotadas do trabalho de Ferreira et al.7. O questionário utilizado encontra-se no Apêndice I.
Após a coleta de dados, foi elaborado o modelo geral do processo de vacinação contendo a variabilidade potencial das funções. Foi utilizado o FRAM Model Visualiser (FMV) , versão 2.2.0, conforme apresentado na figura 2 abaixo. O Apêndice II traz as representações textuais das funções mapeadas.
Figura 2 - Modelo geral do processo de vacinação, criado no FMV v.2.2.0
Fig.2
A figura 2 apresenta o modelo FRAM considerando o seguinte cenário: sala de vacinação, turno da manhã, vacinação da primeira dose da vacina contra COVID-19 na população geral, paciente adulto sem alergia, sem comorbidades, não gestantes, puérperas ou lactantes. Este é um cenário típico na área de maior volume de pacientes, conforme os dados apresentados no Plano Municipal de Imunização3. Foram identificadas 21 funções no processo, todas elas do tipo humana, das quais 1 (uma) é realizada pelo ER, representada pela cor cinza no modelo, e as demais estão sob responsabilidade do técnico de enfermagem, sendo representadas pela cor branca.
Na construção do modelo FRAM, a representação gráfica de cada função é feita por um hexágono, e o princípio básico da ferramenta é que cada entrada (Input, Pré-condição, Recurso, Controle, Tempo) – ou seja, os aspectos de entrada – para uma função é uma Saída de outra função28. As entradas de uma função são representadas por cada aspecto de entrada circulado em negrito e/ou por todas as linhas que chegam no hexágono por meio dos aspectos I (Input), P (Pré-condição), R (Recurso), C (Controle), T (Tempo). As saídas são representadas pelo aspecto de saída O (Output), circulado em negrito e/ou pelas das linhas que saem dele.
5.3 Passo 2 – Identificação da variabilidade
Hollnagel et al.28 recomendam a descrição da variabilidade da saída das funções de forma simplificada, em termos de Tempo (timing) e Precisão (precision). Deste modo, em termos de Tempo (timing), uma Saída (output) pode ocorrer muito cedo (too early), a tempo (on time), muito tarde (too late) ou não ocorre (omission (not at all)). Em termos de Precisão (precision), uma Saída (output) pode ser precisa (precise), aceitável (acceptable) ou imprecisa (imprecise).
As funções de maior variabilidade potencial foram sinalizadas por uma onda senoidal na representação do modelo (figura 2). Na tabela 1 são listadas as funções que compõem o modelo FRAM, suas saídas e variabilidade potencial.
Tabela 1 - Funções do sistema
Tab.1
Em resumo, das 21 funções, 11 apresentam variabilidade real em tempo e/ou precisão. As 11 funções identificadas com variabilidade em sua Saída (output) foram:
5.4 Passo 3 – Identificação da Ressonância Funcional
A base do FRAM é a descrição das funções que compõem uma atividade ou um processo, porém a relação entre as funções não é descrita diretamente, mas indiretamente através das relações definidas pelos aspectos das funções. O termo técnico comum para tais relações é acoplamento28. O FRAM pode mostrar como as funções estão acopladas e quais são as fontes potenciais de maior variabilidade, além de determinar quais funções podem ser afetadas em uma determinada situação37. Por exemplo, na figura 2, as funções
A análise do número de aspectos se dá seguindo passo a passo os acoplamentos potenciais entre as funções28. Para tanto, os aspectos são organizados em dois grupos, que podem ser a montante ou a jusante, também identificados como grupo upstream e grupo downstream, respectivamente20. Com base no mapeamento das funções na seção anterior, a tabela 2 sinaliza os acoplamentos existentes entre as funções, através dos números de acoplamentos (NAC) das funções. Para isso, todos os aspectos a montante e a jusante de cada função são somados. O grupo NAC ‘a montante’ é composto pelos aspectos da entrada, recurso, controle, pré-condição e tempo. O grupo NAC ‘a jusante’ é formado pelas saídas.
Tabela 2 - Funções e números de acoplamentos (NAC)
Tab.2
Segundo Hollnagel et al.28 e Volken e Rosário20 quanto maior o número de aspectos a montante maior o potencial homeostático da função, ou seja, maior é a capacidade da função de receber insumos com variabilidades inesperadas e, dada a sua capacidade de resiliência, evitar que desvios se propaguem no processo. Desta forma, as funções
5.5 Passo 4 – Contramedidas propostas
Após a aplicação do FRAM foi possível identificar algumas contramedidas que visam garantir um maior controle das situações de variabilidade identificadas, de modo a monitorar, mitigar e, até mesmo, impedir os impactos negativos que possam ocorrer.
Estas contramedidas foram agrupadas em contramedidas de cunho humano, tecnológico e organizacional:
1) Contramedidas de cunho humano:
a) Ampliação da quantidade de profissionais dedicados ao processo de vacinação. Os profissionais entrevistados realçaram a importância de, no mínimo, dois profissionais na sala de vacinação e que as atividades sejam divididas de modo a garantir que o registro das informações no sistema ocorra durante o atendimento, em 100% dos casos. Essa ação visa reduzir a possibilidade de erros no desempenho de funções como
b) Ampliação das atividades do Enfermeiro Responsável com a implementação de uma rotina de monitoramento constante dos registros efetuados pela equipe de vacinação e de conscientização da equipe sobre a importância do uso do sistema. Essa ação visa reduzir a possibilidade de erros no desempenho de funções como
c) Realizar o correto preenchimento dos campos do sistema SI-PNI, em especial os dados sobre as perdas dos imunobiológicos. Essa ação visa reduzir a possibilidade de erros no desempenho de funções como
2) Contramedidas de cunho tecnológico:
a) O arquivo permanente, com carta?o-controle, deverá ser substituído pelo SI-PNI. A substituição possibilitará melhor gerência dos dados e ampliação do monitoramento das atividades. É altamente recomendável que sejam eliminados os registros paralelos e se adote uma solução unificada e integrada. Essa ação visa reduzir a possibilidade de erros no desempenho de funções como
b) Unidades de vacinação sem conexão à Internet podem adotar um sistema de registro em rede local e posteriormente realizar a sincronização dos seus registros para o servidor central do SUS. É interessante que a sincronização não ultrapasse o prazo máximo de 48 horas, de modo a garantir que os dados sejam disponibilizados a nível nacional. Essa ação visa reduzir a possibilidade de erros no desempenho de funções como
3) Contramedidas de cunho organizacional:
a) O investimento em uma infraestrutura de tecnologia com alta disponibilidade pode mitigar os atuais problemas de acesso enfrentados pela unidade. Os instrumentos de coleta de dados (computadores, tablets, celulares etc.) utilizados para alimentação dos sistemas de informação devem estar disponibilizados em quantidades adequadas à equipe responsável pelo processo de vacinação, como apontado pelos profissionais ao longo das entrevistas. Essa ação visa reduzir a possibilidade de erros no desempenho de funções como
A criação de uma base de dados integrada e fidedigna ao processo de vacinação pode facilitar a detecção de casos em que o sistema pode vir a ser sobrecarregado. Como exemplos, podem-se mencionar a identificação da necessidade de aquisição de novas doses de algum imunizante; efeitos colaterais dos imunizantes na população local; e melhor organização e planejamento de campanhas de vacinação.
Apesar das contramedidas apresentadas, Walker et al.38 afirmam que para que um sistema sociotécnico se mantenha equilibrado é necessário investir em inovação e competências, que os atores estejam de acordo a respeito de que direção tomar e que se tenha acesso a insumos, recursos financeiros e infraestrutura.
Sistemas sociotécnicos complexos, como um ambiente de uma unidade de atenção primária à saúde, possuem particularidades que exigem uma abordagem robusta para solução dos seus problemas. Os modelos FRAM têm sido amplamente utilizados na representação da variabilidade que afeta as funções dos sistemas sociotécnicos complexos da saúde15,18,19.
Os resultados deste estudo estão em consonância com os achados de pesquisas anteriores13,29, e indicam que a aplicação do modelo FRAM em sistemas de saúde pode ajudar a identificar fontes de variabilidade que contribuem para a ocorrência de ressonância funcional. Dessa forma, o modelo FRAM aprimora a compreensão do problema a partir da análise das variabilidades. Esta análise, juntamente com a implementação de ações corretivas, pode ajudar a reduzir as ressonâncias e ampliar a resiliência do sistema.
6 Conclusões
A vacinação é um processo crucial em uma unidade de atenção básica e de extrema importância para a sociedade. Este estudo buscou entender como o FRAM pode auxiliar na redução dos erros de registro na sala de vacinação contra a COVID-19. O método foi utilizado para modelagem e análise do processo de vacinação, buscando melhorar sua resiliência.
O modelo foi aplicado em um estudo de caso real para analisar a segurança do registro dos dados durante o processo de vacinação. A partir do modelo instanciado foi possível identificar potenciais fontes de erros de registro na sala de vacinação contra a COVID-19. Isto proporcionou uma maior compreensão do domínio e a identificação das principais funções e pontos de variabilidade do sistema. Um ponto positivo do FRAM está na facilidade de aplicação do método, que exige basicamente uma boa compreensão de como o trabalho é executado, não demandando mais tempo do que o aceitável ou uma quantidade inviável de envolvidos.
Os resultados apontaram os acoplamentos de funções que podem gerar alta variabilidade e contramedidas de contorno foram propostas. A aplicação do FRAM proporcionou aos participantes do estudo uma visão didática do processo avaliado, facilitando identificar divergências entre o trabalho como realizado e o trabalho como imaginado. Também foi possível identificar que, para a campanha nacional de vacinação contra a COVID-19, o registro da dose aplicada é nominal/individualizado e esta é a atividade mais crucial do processo.
A pesquisa expõe sua relevância e originalidade ao propor um desenho explicativo do fluxo das informações sobre a vacinação da COVID-19, o qual poderá servir como roteiro para gestão de eventos similares no futuro e como base para melhorias da resiliência do processo de vacinação.
O desenvolvimento futuro da pesquisa está na integração de aspectos tecnológicos e organizacionais, além dos humanos, de modo que seja possível sua aplicação em outras situações ou ambientes de cuidado da saúde.
7 Nota dos Autores
NMN (fem), ASAN (masc), ABL (fem) e MFS (fem) contribuíram com a concepção e delineamento do estudo, interpretação dos resultados, modelagem FRAM, redação do manuscrito. CA (fem), MPAR (fem) e SAR (masc) fizeram a revisão crítica do texto com ênfase no roteiro de entrevista. NMN, ASAN e ABL conduziram as entrevistas. Todos os autores fazem parte do grupo HumânITas , liderado por MFS, e leram e aprovaram a versão final do artigo.
8 Agradecimentos
Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), à Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, à Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
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