0180/2025 - Pesticides and colonialism
Agrotóxicos e colonialismo
Author:
• Sonia Corina Hess - Hess, SC - <soniahess@gmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6137-5445
Co-author(s):
• Lia Giraldo da Silva Augusto - Augusto, LGS - <lgiraldo@uol.com.br; giraldo@cpqam.fiocruz.br> +ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2771-7592
Abstract:
Não se aplica.Content:
Larissa Mies Bombardi é professora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, vive na Europa e desenvolve pesquisas no Instituto de Recherche pour le Développement (IRD) em Paris, França, sob o Programme National d’Accuelil em Urgence des Scientifiques et des Artistes em Exil (PAUSE). É especialista no tema do uso de agrotóxicos e autora de três livros: Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Europeia1, publicado em 2017; Geografia da assimetria: o ciclo vicioso de pesticidas e colonialismo na relação comercial entre Mercosul e União Europeia, de 20212; e Agrotóxicos e colonialismo químico, publicado em 2023 pela editora Elefante3.
Neste livro mais recente, publicado em 2023, a autora compila dados que expõem a gravidade do problema representado pelo uso massivo de agrotóxicos para a saúde humana e para o meio ambiente. “A expressão colonialismo químico ajuda a desnudar “o que” e “em que” tem se desdobrado esse movimento do capital: as indústrias sediadas em países centrais do sistema econômico internacional vendem agrotóxicos proibidos em seus países sede ou, como no caso europeu, no bloco da União Europeia (UE). Os países aos quais se destinam esses venenos se inserem na economia mundial de forma subalterna, denominados de sul global (notadamente América Latina, África e Sudeste Asiático)”.3
Enquanto na UE, 269 ingredientes ativos de agrotóxicos estão proibidos, no Brasil, na Argentina, no Uruguai e no Paraguai esse número mal alcança 30 substâncias banidas. Entre 2018 e 2019, a UE exportou para o Mercosul mais de 6,84 mil toneladas de agrotóxicos proibidos em seu território. O Brasil é um dos principais destinos de agrotóxicos proibidos na Europa. Entre os dez mais vendidos, cinco deles estão lá banidos. São eles: mancozebe, atrazina, acefato, clorotalonil e clorpirifós.3
Outra questão que ilustra essa iniquidade global. No Brasil, os limites de resíduos de agrotóxicos permitidos na água potável e nos alimentos ultrapassam notavelmente aqueles permitidos na UE. Por exemplo, o tebuconazol, inseticida proibido na Europa, além de ser permitido no território brasileiro, o limite de resíduo autorizado na água potável é de 180 µg/L, o que significa 1.800 vezes maior do que o limite estabelecido na UE, que é de 0.1 µg/L. O clorotalonil, fungicida também lá proibido desde 2019, no Brasil o limite máximo de resíduos permitido para alface (6 mg/Kg) é 600 vezes maior na Europa (0,01 mg/Kg) considerando a mesma cultura.3
No texto é abordada a assimetria nas transações comerciais de agrotóxicos. Entre os países de economia central (principalmente União Europeia, Estados Unidos e China) e aqueles do sul global, há uma perversa relação de transferência de risco para a saúde e o meio ambiente.3-6
A autora descreve que as empresas Syngenta (China), Bayer, Basf (Alemanha), Corteva, FMC (EUA) e UPL (Índia) detiveram em 2020 cerca de 80% do valor total da comercialização de agrotóxicos no planeta. Além disso, Bayer, Corteva e Syngenta também controlavam mais de 80% do mercado mundial de sementes.3
Brasil e Argentina figuram entre os dois maiores mercados consumidores de agrotóxicos do mundo, tendo comercializado em 2021, respectivamente, 719 mil e 457 mil toneladas de agrotóxicos, seguidos por Estados Unidos, com 257 mil toneladas, e China, com 244 mil toneladas.3
No Brasil, mais de 90% da soja é transgênica, cultivada em 358 mil quilômetros quadrados, sendo que 74,8% das sementes de soja transgênicas permitidas no Brasil são tolerantes a herbicidas, o mesmo ocorrendo para o milho e o algodão cultivados no país. Como consequência, soja, milho e algodão, juntos, são o destino de 80% dos agrotóxicos aplicados no Brasil, e os cultivos de soja, sozinhos, receberam 57% dos agrotóxicos vendidos no país em 2021.3
Do total, 90% dos agrotóxicos comercializados no Brasil são aplicados em cinco culturas agrícolas: soja, milho, algodão, pasto e cana-de-açúcar, commodities que têm sido cultivadas em áreas crescentes.3
As referidas commodities passaram a ocupar o espaço da produção de arroz, feijão e mandioca, culturas agrícolas consideradas pilares da alimentação brasileira, cujas áreas cultivadas têm reduzido ano a ano: a área com mandioca diminuiu 38% entre 1990 e 2019 (de 1,975 milhão de hectares a 1,213 milhão de hectares); a área cultivada com feijão diminuiu 47% naquele mesmo período (de 5,034 milhões de hectares a 2,769 milhões de hectares); e a de arroz, 58% (de 4,158 milhões de hectares a 1,727 milhões de hectares).3,7
Houve grande incremento das áreas cultivadas com as commodities soja, milho e cana-de-açúcar, que em 1990 ocupavam, respectivamente, 11,5, 12 e 4 milhões de hectares e no ano de 2019 passaram a ocupar, respectivamente, 36, 18 e 10 milhões de hectares.3,7
Esse aumento da produção de commodities vem impactando especialmente o Cerrado, que já teve 49% da sua área total desmatada (110 milhões de hectares), principalmente devido ao avanço das monoculturas de soja e de cana-de-açúcar. Isso é particularmente preocupante ao considerar-se que o Cerrado abriga as nascentes de nove das doze bacias hidrográficas nacionais, como a dos rios São Francisco, Paraná, Araguaia e Parnaíba.3
Entre 2010 e 2019 houve nitidamente um aumento do uso de agrotóxicos nos limites da Amazônia. A intensificação no uso de agrotóxicos se deslocou em direção ao norte, sendo que nos estados do Maranhão, Tocantins, Mato Grosso, Rondônia e Acre houve um aumento de pelo menos 10% no número de estabelecimentos rurais que utilizam agrotóxicos.3
A agricultura, nos moldes praticados atualmente, se subordina ao capital da indústria química, ao setor financeiro e comercial. A produção agrícola tem deixado de se configurar como produção de alimentos e tem se configurado em um instrumento de reprodução de commodities de exportação com intensa expropriação da natureza e da saúde. Por isso, a fome tem aumentado em escala global, apesar “do discurso da necessidade dos agroquímicos para alimentar a população do planeta”.3
Paradoxalmente, apesar do avanço do desmatamento e da ocupação das áreas florestais por cultivos de soja e criação de gado, no Brasil a insegurança alimentar aumentou significativamente nos últimos anos, e a fome mais do que dobrou entre 2013 e 2020. Ou seja, a fome continua em um país que está entre os maiores produtores agrícolas do mundo. E pior, a fome severa é maior na zona rural (12% da população) do que mesmo na zona urbana (9% da população), que hoje sofre até de obesidade pelo alto consumo de ultraprocessados, outro grave problema decorrente.3
A autora destaca a violência no campo, que tem o Brasil no topo do ranking mundial, com 342 assassinatos de defensores de direitos socioambientais registrados entre 2012 e 2021. Outros seis países da América Latina estão entre os dez onde foram registrados os maiores números de assassinatos daqueles ativistas, no mesmo período: Colômbia (322), México (154), Honduras (117), Guatemala (80), Nicarágua (57) e Peru (51).3
No Brasil, além das agressões, ameaças, expulsões, expropriações e assassinatos contra indígenas e camponeses, as ações violentas têm incorporado a pulverização aérea de agrotóxicos como arma, sendo que na Uniao Europeia a pulverização aérea de agrotóxicos está proibida desde 2009.3,8
Não por acaso, entre 2010 e 2019 o número de pessoas intoxicadas por agrotóxicos mais do que dobrou no país: 2.300 casos registrados em 2010 e 5.189 em 2019. Ou seja, além da violência tradicional, agora foi incorporada a violência química nos conflitos do campo.3
Entre 2010 e 2019, 3.754 crianças brasileiras entre 0 e 14 anos de idade foram contaminadas por agrotóxicos e, entre elas, 542 eram bebês de 0 a 12 meses de idade. Naquele mesmo período, 300 gestantes foram intoxicadas por essas substâncias. Considerando a subnotificação, possivelmente houve 15 mil mulheres grávidas intoxicadas com agrotóxicos, um atentado à vida das crianças ainda no útero.3
As regiões Centro-Oeste e Sul do Brasil (que lideram a produção de soja e de milho no país) têm o maior número de casos registrados de intoxicação de seres humanos por agrotóxicos por meio de pulverização aérea. Entre 2013 e 2021 foram registrados mais de 160 episódios do tipo na região Centro-Oeste e quase 100, no Sul.3,4
Foram registrados 223 casos de populações camponesas e indígenas atingidas (propositalmente ou não) por pulverização aérea de agrotóxicos entre 2010 e 2019. Proporcionalmente, os indígenas são os que mais sofrem, sobretudo as etnias localizadas em Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul onde, naquele período, foram registrados, respectivamente, 52, 23 e 19 casos de intoxicação.3,8
O livro contém mapas da evolução temporal do desmatamento, da expansão da agropecuária e do uso de agrotóxicos no Brasil, disponíveis pelo acesso a um portal da internet.3
A autora conclui que “não apenas o problema da fome persiste como, além de famintos, estamos envenenados, com nossos ecossistemas igualmente contaminados” e que “produção agrícola deixou de ser sinônimo de produção de alimentos, e a saída está na reforma agrária e na agroecologia”.3
Referências
1. Bombardi, L. M. Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Europeia. São Paulo: FFLCH-USP, 2017.
2. Bombardi, L. M. Geography of asymmetry: the vicious cycle of pesticides and colonialism in the commercial relationship between Mercosur and the European Union. Bruxelas: The Left in the European Parliament, 2021.
3. Bombardi, L. M. Agrotóxicos e colonialismo químico. São Paulo: Elefante, 2023. 108p.
4. Augusto, L. G. S.; Kuhn, M. F.; Lucchese, G.; Quitério, L. A. D., organizadores. Dossiê danos dos agrotóxicos na saúde reprodutiva: conhecer e agir em defesa da vida. Rio de Janeiro: ABRASCO/ENSP, 2024. 397 p.
5. Hess, S. C.; Bombardi, L. M.; Nodari, R. O.; Soares, M. R.; Meirelles, L. C.; Mua, C. T. B.; Augusto, L. G. S. Agrotóxicos no Brasil: cenários de políticas sinistras. Rev ANPEGE 2024; 20, 1-29.
6. Hess, S. C.; Nodari, R. O. Sobre os agrotóxicos com uso autorizado no Brasil. In: Mua, C. T. B.; Melgarejo, L., organizadores. Agrotóxicos: impactos sobre a saúde e o equilíbrio ecossistêmico. Londrina: Troth, 2023. p. 27-55.
7. Hess, S. C.; Nodari, R. O.; Soares, M. R.; Lima, F. A. N. S. E.; Pignati, W. A. Cenário agrícola brasileiro: monoculturas e silvicultura, agrotóxicos e incidência de câncer, suicídio e anomalias congênitas. In: Costa, A. A. S.; Bel, H. D.; Roccon, P. C.; Pignati, W. A., organizadores. Ambiente, saúde e agrotóxicos: desafios e perspectivas na defesa da saúde humana, ambiental e do(a) trabalhador(a). São Carlos: Pedro & João Editores, 2023. p. 149-176.
8. Bittencourt, N. A., organizadora. Agrotóxicos e violações de direitos humanos no Brasil: denúncias, fiscalização e acesso à justiça. Curitiba: Terra de Direitos, 2022.
Neste livro mais recente, publicado em 2023, a autora compila dados que expõem a gravidade do problema representado pelo uso massivo de agrotóxicos para a saúde humana e para o meio ambiente. “A expressão colonialismo químico ajuda a desnudar “o que” e “em que” tem se desdobrado esse movimento do capital: as indústrias sediadas em países centrais do sistema econômico internacional vendem agrotóxicos proibidos em seus países sede ou, como no caso europeu, no bloco da União Europeia (UE). Os países aos quais se destinam esses venenos se inserem na economia mundial de forma subalterna, denominados de sul global (notadamente América Latina, África e Sudeste Asiático)”.3
Enquanto na UE, 269 ingredientes ativos de agrotóxicos estão proibidos, no Brasil, na Argentina, no Uruguai e no Paraguai esse número mal alcança 30 substâncias banidas. Entre 2018 e 2019, a UE exportou para o Mercosul mais de 6,84 mil toneladas de agrotóxicos proibidos em seu território. O Brasil é um dos principais destinos de agrotóxicos proibidos na Europa. Entre os dez mais vendidos, cinco deles estão lá banidos. São eles: mancozebe, atrazina, acefato, clorotalonil e clorpirifós.3
Outra questão que ilustra essa iniquidade global. No Brasil, os limites de resíduos de agrotóxicos permitidos na água potável e nos alimentos ultrapassam notavelmente aqueles permitidos na UE. Por exemplo, o tebuconazol, inseticida proibido na Europa, além de ser permitido no território brasileiro, o limite de resíduo autorizado na água potável é de 180 µg/L, o que significa 1.800 vezes maior do que o limite estabelecido na UE, que é de 0.1 µg/L. O clorotalonil, fungicida também lá proibido desde 2019, no Brasil o limite máximo de resíduos permitido para alface (6 mg/Kg) é 600 vezes maior na Europa (0,01 mg/Kg) considerando a mesma cultura.3
No texto é abordada a assimetria nas transações comerciais de agrotóxicos. Entre os países de economia central (principalmente União Europeia, Estados Unidos e China) e aqueles do sul global, há uma perversa relação de transferência de risco para a saúde e o meio ambiente.3-6
A autora descreve que as empresas Syngenta (China), Bayer, Basf (Alemanha), Corteva, FMC (EUA) e UPL (Índia) detiveram em 2020 cerca de 80% do valor total da comercialização de agrotóxicos no planeta. Além disso, Bayer, Corteva e Syngenta também controlavam mais de 80% do mercado mundial de sementes.3
Brasil e Argentina figuram entre os dois maiores mercados consumidores de agrotóxicos do mundo, tendo comercializado em 2021, respectivamente, 719 mil e 457 mil toneladas de agrotóxicos, seguidos por Estados Unidos, com 257 mil toneladas, e China, com 244 mil toneladas.3
No Brasil, mais de 90% da soja é transgênica, cultivada em 358 mil quilômetros quadrados, sendo que 74,8% das sementes de soja transgênicas permitidas no Brasil são tolerantes a herbicidas, o mesmo ocorrendo para o milho e o algodão cultivados no país. Como consequência, soja, milho e algodão, juntos, são o destino de 80% dos agrotóxicos aplicados no Brasil, e os cultivos de soja, sozinhos, receberam 57% dos agrotóxicos vendidos no país em 2021.3
Do total, 90% dos agrotóxicos comercializados no Brasil são aplicados em cinco culturas agrícolas: soja, milho, algodão, pasto e cana-de-açúcar, commodities que têm sido cultivadas em áreas crescentes.3
As referidas commodities passaram a ocupar o espaço da produção de arroz, feijão e mandioca, culturas agrícolas consideradas pilares da alimentação brasileira, cujas áreas cultivadas têm reduzido ano a ano: a área com mandioca diminuiu 38% entre 1990 e 2019 (de 1,975 milhão de hectares a 1,213 milhão de hectares); a área cultivada com feijão diminuiu 47% naquele mesmo período (de 5,034 milhões de hectares a 2,769 milhões de hectares); e a de arroz, 58% (de 4,158 milhões de hectares a 1,727 milhões de hectares).3,7
Houve grande incremento das áreas cultivadas com as commodities soja, milho e cana-de-açúcar, que em 1990 ocupavam, respectivamente, 11,5, 12 e 4 milhões de hectares e no ano de 2019 passaram a ocupar, respectivamente, 36, 18 e 10 milhões de hectares.3,7
Esse aumento da produção de commodities vem impactando especialmente o Cerrado, que já teve 49% da sua área total desmatada (110 milhões de hectares), principalmente devido ao avanço das monoculturas de soja e de cana-de-açúcar. Isso é particularmente preocupante ao considerar-se que o Cerrado abriga as nascentes de nove das doze bacias hidrográficas nacionais, como a dos rios São Francisco, Paraná, Araguaia e Parnaíba.3
Entre 2010 e 2019 houve nitidamente um aumento do uso de agrotóxicos nos limites da Amazônia. A intensificação no uso de agrotóxicos se deslocou em direção ao norte, sendo que nos estados do Maranhão, Tocantins, Mato Grosso, Rondônia e Acre houve um aumento de pelo menos 10% no número de estabelecimentos rurais que utilizam agrotóxicos.3
A agricultura, nos moldes praticados atualmente, se subordina ao capital da indústria química, ao setor financeiro e comercial. A produção agrícola tem deixado de se configurar como produção de alimentos e tem se configurado em um instrumento de reprodução de commodities de exportação com intensa expropriação da natureza e da saúde. Por isso, a fome tem aumentado em escala global, apesar “do discurso da necessidade dos agroquímicos para alimentar a população do planeta”.3
Paradoxalmente, apesar do avanço do desmatamento e da ocupação das áreas florestais por cultivos de soja e criação de gado, no Brasil a insegurança alimentar aumentou significativamente nos últimos anos, e a fome mais do que dobrou entre 2013 e 2020. Ou seja, a fome continua em um país que está entre os maiores produtores agrícolas do mundo. E pior, a fome severa é maior na zona rural (12% da população) do que mesmo na zona urbana (9% da população), que hoje sofre até de obesidade pelo alto consumo de ultraprocessados, outro grave problema decorrente.3
A autora destaca a violência no campo, que tem o Brasil no topo do ranking mundial, com 342 assassinatos de defensores de direitos socioambientais registrados entre 2012 e 2021. Outros seis países da América Latina estão entre os dez onde foram registrados os maiores números de assassinatos daqueles ativistas, no mesmo período: Colômbia (322), México (154), Honduras (117), Guatemala (80), Nicarágua (57) e Peru (51).3
No Brasil, além das agressões, ameaças, expulsões, expropriações e assassinatos contra indígenas e camponeses, as ações violentas têm incorporado a pulverização aérea de agrotóxicos como arma, sendo que na Uniao Europeia a pulverização aérea de agrotóxicos está proibida desde 2009.3,8
Não por acaso, entre 2010 e 2019 o número de pessoas intoxicadas por agrotóxicos mais do que dobrou no país: 2.300 casos registrados em 2010 e 5.189 em 2019. Ou seja, além da violência tradicional, agora foi incorporada a violência química nos conflitos do campo.3
Entre 2010 e 2019, 3.754 crianças brasileiras entre 0 e 14 anos de idade foram contaminadas por agrotóxicos e, entre elas, 542 eram bebês de 0 a 12 meses de idade. Naquele mesmo período, 300 gestantes foram intoxicadas por essas substâncias. Considerando a subnotificação, possivelmente houve 15 mil mulheres grávidas intoxicadas com agrotóxicos, um atentado à vida das crianças ainda no útero.3
As regiões Centro-Oeste e Sul do Brasil (que lideram a produção de soja e de milho no país) têm o maior número de casos registrados de intoxicação de seres humanos por agrotóxicos por meio de pulverização aérea. Entre 2013 e 2021 foram registrados mais de 160 episódios do tipo na região Centro-Oeste e quase 100, no Sul.3,4
Foram registrados 223 casos de populações camponesas e indígenas atingidas (propositalmente ou não) por pulverização aérea de agrotóxicos entre 2010 e 2019. Proporcionalmente, os indígenas são os que mais sofrem, sobretudo as etnias localizadas em Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul onde, naquele período, foram registrados, respectivamente, 52, 23 e 19 casos de intoxicação.3,8
O livro contém mapas da evolução temporal do desmatamento, da expansão da agropecuária e do uso de agrotóxicos no Brasil, disponíveis pelo acesso a um portal da internet.3
A autora conclui que “não apenas o problema da fome persiste como, além de famintos, estamos envenenados, com nossos ecossistemas igualmente contaminados” e que “produção agrícola deixou de ser sinônimo de produção de alimentos, e a saída está na reforma agrária e na agroecologia”.3
Referências
1. Bombardi, L. M. Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Europeia. São Paulo: FFLCH-USP, 2017.
2. Bombardi, L. M. Geography of asymmetry: the vicious cycle of pesticides and colonialism in the commercial relationship between Mercosur and the European Union. Bruxelas: The Left in the European Parliament, 2021.
3. Bombardi, L. M. Agrotóxicos e colonialismo químico. São Paulo: Elefante, 2023. 108p.
4. Augusto, L. G. S.; Kuhn, M. F.; Lucchese, G.; Quitério, L. A. D., organizadores. Dossiê danos dos agrotóxicos na saúde reprodutiva: conhecer e agir em defesa da vida. Rio de Janeiro: ABRASCO/ENSP, 2024. 397 p.
5. Hess, S. C.; Bombardi, L. M.; Nodari, R. O.; Soares, M. R.; Meirelles, L. C.; Mua, C. T. B.; Augusto, L. G. S. Agrotóxicos no Brasil: cenários de políticas sinistras. Rev ANPEGE 2024; 20, 1-29.
6. Hess, S. C.; Nodari, R. O. Sobre os agrotóxicos com uso autorizado no Brasil. In: Mua, C. T. B.; Melgarejo, L., organizadores. Agrotóxicos: impactos sobre a saúde e o equilíbrio ecossistêmico. Londrina: Troth, 2023. p. 27-55.
7. Hess, S. C.; Nodari, R. O.; Soares, M. R.; Lima, F. A. N. S. E.; Pignati, W. A. Cenário agrícola brasileiro: monoculturas e silvicultura, agrotóxicos e incidência de câncer, suicídio e anomalias congênitas. In: Costa, A. A. S.; Bel, H. D.; Roccon, P. C.; Pignati, W. A., organizadores. Ambiente, saúde e agrotóxicos: desafios e perspectivas na defesa da saúde humana, ambiental e do(a) trabalhador(a). São Carlos: Pedro & João Editores, 2023. p. 149-176.
8. Bittencourt, N. A., organizadora. Agrotóxicos e violações de direitos humanos no Brasil: denúncias, fiscalização e acesso à justiça. Curitiba: Terra de Direitos, 2022.