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0392/2025 - Public health challenges in the Americas: health surveillance, disease prevention, and equitable access to health care
Desafios da saúde pública nas Américas: vigilância em saúde, prevenção de doenças e acesso equitativo à saúde

Author:

• Jarbas Barbosa da Silva Junior - Silva Jr, JB - <Jarbas Barbosa da Silva Júnior; jarbas.barbosa@saude.gov.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3078-9642

Co-author(s):

• Bruna Karla Bezerra da Cruz - Cruz, BKB - <brunacruz@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0009-0004-4669-5335


Abstract:

The interview addresses the priorities and challenges faced by public health in the current post-pandemic era, focusing on epidemiological surveillance, disease prevention, and equitable access to health care. The interviewee Jarbas Barbosa highlights key strategies for strengthening health systems, including expanding vaccination coverage, addressing regional inequalities, addressing the shortage of health professionals, and preparing for public health emergencies. Finally, Barbosa reflects on the role of international cooperation, technology, and communication in improving health policies and promoting equity among countries in the Americas in the context of climate change and its impacts on global health.

Keywords:

Public health, epidemiological surveillance, health equity, public health emergencies, global health.

Content:

Introdução
A pandemia de COVID-19 expôs vulnerabilidades históricas dos sistemas de saúde e deixou lições urgentes diante de novos desafios, como a crise climática e a disseminação de desinformação. Nesse cenário, o fortalecimento da vigilância em saúde, a prevenção de doenças e o acesso equitativo a serviços de qualidade se tornaram pautas centrais para os países das Américas. Em entrevista exclusiva, Jarbas Barbosa, diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), analisa os principais obstáculos e caminhos para que a região avance em direção a sistemas mais resilientes. Entre os temas abordados estão a importância da atenção primária à saúde, os impactos da desigualdade no atendimento, o papel das tecnologias digitais e da vigilância genômica, além das lições que ainda precisam ser aplicadas para enfrentar futuras emergências sanitárias.

Quais são os maiores desafios que os sistemas de saúde enfrentam hoje em um contexto global?
Um dos desafios mais urgentes é que muitos sistemas de saúde ainda não estão preparados para grandes emergências sanitárias. A pandemia de COVID?19 expôs vulnerabilidades significativas que se acumularam ao longo de décadas: segmentação e fragmentação dos sistemas de saúde, mecanismos de gestão e governança fracos, falta de priorização dos recursos de saúde e um modelo de atenção altamente centrado nos hospitais.
Uma segunda questão crucial é a desigualdade no acesso à atenção à saúde. Indivíduos de menor renda, comunidades indígenas e afrodescendentes e populações em áreas rurais enfrentam barreiras consideráveis para receber cuidados de saúde de qualidade. De fato, as necessidades de saúde de quase um terço da população da Região das Américas não são atendidas, muitas vezes devido a barreiras organizacionais, isto é, problemas que podemos e devemos abordar para tornar o acesso mais equitativo para todas as pessoas.
Um terceiro desafio é a escassez mundial de profissionais de saúde. Isso é crucial, sobretudo nas áreas carentes, onde essa escassez limita o alcance e a efetividade dos serviços de saúde. Estimamos que precisaremos de mais 600 mil profissionais de saúde na Região das Américas para conseguirmos recuperar os ganhos perdidos na saúde pública e retomar o rumo para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável relacionados à saúde até 2030.
As restrições financeiras também são um grande desafio. Como destacamos em um recente relatório conjunto com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL)1 sobre a necessidade de mais investimentos em saúde, muitos países estão enfrentando crises fiscais, o que levou a cortes nos programas sociais e de saúde e, assim, a um enfraquecimento da infraestrutura e da capacidade na área da saúde em um momento crítico. Embora os gastos públicos em saúde na América Latina e no Caribe tenham crescido 25% entre 2000 e 2014, ainda correspondiam a apenas 4,5% do produto interno bruto em 2020, bem abaixo da meta de 6,0% definida pela OPAS.
Neste cenário, que lições sobre a gestão de sistemas de saúde aprendidas com a pandemia ainda precisam ser colocadas em prática?
A pandemia deixou claro que sistemas de saúde resilientes e baseados na atenção primária à saúde (APS)2 são essenciais. A APS é a principal estratégia para construir sistemas fortes e acessíveis capazes de lidar com as crises e proteger as comunidades. Contudo, como comentado anteriormente, muitos sistemas de saúde continuam concentrando a prestação de cuidados nos hospitais, deixando a atenção primária com recursos insuficientes e menos preparada para responder a emergências de grande escala. Definir a meta de alocar 30% do investimento em saúde pública nos próximos anos para a APS é uma medida crucial para assegurar que todas as pessoas tenham acesso aos cuidados de que precisam.
Outra lição crucial da pandemia é a necessidade de adaptar-se, sobretudo na provisão de serviços. Com o aumento da migração induzida pelo clima, os sistemas de saúde precisarão ajustar seus serviços para populações diversas e em constante mudança, que costumam ter necessidades de saúde específicas. Será necessária uma ação intersetorial mais forte, juntamente com um enfoque holístico, para abordar os determinantes sociais da saúde e aumentar a resiliência contra futuras ameaças.
Além disso, em termos de gestão dos sistemas de saúde, a pandemia nos ensinou que precisamos de uma maior integração dos serviços de saúde em novas Redes Integradas de Serviços de Saúde, incluindo serviços de saúde pública e individuais. Com isso, os sistemas de saúde serão capazes de responder com mais rapidez e eficiência. Nesse sentido, será fundamental fortalecer as funções essenciais de saúde pública. A pandemia exerceu uma pressão extraordinária sobre os profissionais de saúde, mostrando a necessidade de investir mais na peça central dos nossos sistemas: nossa força de trabalho em saúde, formada por médicos, enfermeiros e agentes comunitários de saúde, entre outros.
Por fim, é fundamental desenvolver infraestruturas de saúde digital robustas para construir sistemas de saúde interconectados. A pandemia revelou o potencial do intercâmbio de dados e das ferramentas digitais para melhorar os tempos de resposta e a qualidade da atenção. Ainda precisamos aumentar o acesso aos recursos digitais e ampliar a infraestrutura de saúde digital, sobretudo nas áreas rurais e desassistidas. Acredito que todos esses elementos demonstram que a APS é a estratégia central a ser posta em prática para fortalecer os sistemas de saúde.

Desta forma, enquanto estratégia central, qual deve ser o papel da atenção primária3 no contexto da saúde global e da prevenção, vigilância de doenças e resposta a surtos e epidemias no contexto atual?
A atenção primária à saúde (APS) é crucial na prevenção e vigilância de doenças e na resposta a surtos e epidemias. No momento, há uma oportunidade concreta de acelerar as inovações na forma como os serviços de saúde são prestados por meio da APS. Na Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), acreditamos que fortalecer a abordagem da APS nos sistemas de saúde melhora nossa preparação para futuras emergências de saúde pública e, ao mesmo tempo, cria uma base para o desenvolvimento sustentável, equitativo e inclusivo da saúde em toda a Região.
Por exemplo, temos uma agenda ambiciosa de eliminação que visa erradicar 30 doenças e condições relacionadas. De forma realista, muitas delas poderiam ser eliminadas por meio de uma abordagem de APS centrada na comunidade que assegurasse o acesso a diagnósticos, tratamentos e vacinas diretamente nas comunidades. A Região tem várias boas práticas, com a abordagem de múltiplas doenças no âmbito das comunidades (como o atendimento centralizado em um único ponto de atenção) e experiências bem-sucedidas de integração nos serviços de atenção primária, como a iniciativa de eliminação da transmissão materno-infantil de doenças ETMI Plus e os esforços para enfrentar a coinfecção por HIV e tuberculose.
Além disso, no contexto da resposta ao HIV/aids, infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), hepatites e tuberculose, a APS tem um papel crucial. A integração dos serviços de HIV/aids, ISTs e hepatites virais à APS reduz as barreiras de acesso, possibilita uma atenção centrada na pessoa, aumenta a confidencialidade e reduz o estigma. Isso ajuda no diagnóstico precoce e na vinculação aos cuidados, melhorando a vigilância de doenças. A integração na APS também promove a retenção no tratamento e melhora os desfechos de HIV/aids e tuberculose. No caso da varíola símia (mpox), a integração dessa doença nas clínicas de IST e HIV/aids na Região das Américas acelerou sua identificação e possibilitou o acesso a diagnóstico e manejo efetivos. Se essa integração ocorresse no primeiro nível de atenção, nossa capacidade de resposta cresceria muito.
Estender a APS para oferecer uma gama mais ampla de serviços em nível local não apenas melhoraria os resultados de saúde agora, mas também nos ajudaria a atender a futuras demandas de saúde. A integração da APS a outros níveis de atenção é possível e melhoraria muito a vigilância sanitária e a detecção precoce de surtos. Quando a APS está bem conectada aos sistemas de saúde mais amplos, podemos assegurar que os recursos estarão disponíveis no nível comunitário, o que faz toda a diferença na gestão dos desafios de saúde pública. Assim, investir na APS efetivamente significa investir na saúde, na resiliência e no desenvolvimento das pessoas, equipando-nos para responder com mais eficácia, tanto agora como no futuro.

Segundo a sua visão, que avanços foram realizados, em nível regional e internacional, para estabelecer mecanismos que garantam um acesso mais equitativo a serviços, insumos básicos, medicamentos, equipamentos e vacinas em cenários pandêmicos?
A pandemia de COVID?19 demonstrou que um acesso mais equitativo a tecnologias em saúde é crucial para alcançar a segurança sanitária mundial. Na Região das Américas, os Fundos Rotativos Regionais da OPAS contribuem para assegurar acesso equitativo a vacinas e tecnologias em saúde. Além disso, desde 2023, o Fundo contra Pandemias financia investimentos essenciais voltados para os países de baixa e média renda a fim de fortalecer as capacidades de prevenção, preparação e resposta a pandemias em âmbito nacional, regional e mundial.
Os Estados Membros estão demonstrando sua responsabilidade e transparência ao fazerem avaliações externas voluntárias para verificar a situação do desenvolvimento de suas capacidades nacionais e formular planos para fechar as lacunas identificadas. O Acordo sobre Pandemias da OMS, que está sendo negociado pelos Estados Membros no contexto do Órgão de Negociação Intergovernamental, também tratará da equidade como um componente central desse acordo.
Os Estados Membros da OMS iniciaram o processo de alteração do Regulamento Sanitário Internacional4 (RSI) (2005) com base nas lições aprendidas com a pandemia de COVID?19. A aprovação do pacote de emendas ao RSI é, de fato, um passo significativo rumo à garantia do acesso equitativo durante pandemias, ao reconhecer que as ameaças à saúde não respeitam fronteiras e que a preparação é um esforço coletivo.
O RSI representa uma estrutura robusta para que todos os países, a despeito de sua situação econômica, consigam ter acesso aos recursos necessários para combater pandemias com eficácia. Entre as principais alterações, figuram: i) acrescentar os dizeres “promoverá a equidade e a solidariedade” no artigo fundamental sobre “princípios”; ii) vincular o “acesso equitativo a produtos de saúde pertinentes” à determinação de uma emergência de saúde pública de importância internacional, incluindo emergências pandêmicas; iii) frisar o papel da OMS na facilitação do acesso equitativo a “produtos de saúde pertinentes”, destacando as atividades de resposta coordenadas pela OMS como um catalisador para apoiar os Estados Partes.
Considerando que os dois elementos mais cruciais são o acesso equitativo a produtos de saúde pertinentes e o financiamento sustentável das capacidades básicas dos Estados Partes, as emendas enfatizaram o papel fundamental do “financiamento sustentável” para o desenvolvimento de capacidades, bem como o compromisso exigido pelos Estados Partes para tratar questões financeiras, estabelecendo um Mecanismo Financeiro de Coordenação, sob a autoridade da Assembleia Mundial da Saúde, vinculado ao novo Comitê dos Estados Partes para a Aplicação do Regulamento Sanitário Internacional4 (2005). Com isso, serão abordadas tanto a mobilização e a manutenção do financiamento interno quanto a otimização da acessibilidade e a complementaridade dos acordos e mecanismos de financiamento atuais pertinentes à implementação do RSI. As emendas ao RSI entrarão em vigor em setembro de 2025.

Quais seriam as consequências de continur não tendo um acesso mais equitativo? Se tivermos uma nova pandemia, o impacto para os países menos desenvolvidos seria menor ou ainda não avançamos o suficiente para inferir uma mudança de cenário nesse meio tempo?
As lições aprendidas com a pandemia de COVID?19 na Região das Américas mostram que nem todas as populações e territórios enfrentam os mesmos riscos ou têm a mesma capacidade para responder a emergências sanitárias. Portanto, é essencial formular estratégias que levem em consideração as diversas necessidades das populações, assegurando um acesso equitativo a serviços, informações, recursos e apoio psicossocial.
Devido às condições de vida ou de trabalho das populações em situação de vulnerabilidade, foi impossível para essas pessoas seguirem ou implementarem muitas das medidas básicas de saúde pública recomendadas durante a pandemia de COVID?19. Por exemplo, a falta de acesso a água segura, as condições de vida em moradias apertadas, a violência intrafamiliar - com alto impacto sobre as mulheres - e os níveis elevados de participação na economia informal, sem acesso a proteção social, foram obstáculos reais na luta para superar a pandemia na Região das Américas.
Embora muitas lições tenham sido aprendidas e algumas medidas tenham sido tomadas para fechar as lacunas identificadas, se houvesse uma nova pandemia, os avanços ainda não seriam suficientes. Portanto, convém dar mais atenção à equidade em saúde, não apenas entre os países, mas também dentro deles. Para tanto, é preciso promover o trabalho intersetorial e a participação da comunidade, com foco especial nas populações em situação de vulnerabilidade, além de fomentar a governança local e fortalecer a atenção primária à saúde, entre outras ações.
Em resposta a essa situação, em 2022 os Estados Membros da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) aprovaram a Política para a retomada do avanço rumo aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável5, com equidade, mediante ações sobre os determinantes sociais da saúde e trabalho intersetorial. Seu foco estratégico é promover o trabalho intersetorial e a participação comunitária, com atenção especial aos grupos em situação de vulnerabilidade.
Essa política promove cinco linhas de ação estratégicas: i) promover ações intersetoriais para cumprir os objetivos indivisíveis da Agenda 2030, integrando a equidade como um valor transversal; ii) reorientar políticas, planos e programas de saúde para superar barreiras de acesso à saúde e alcançar a equidade em saúde e o bem-estar; iii) fortalecer e facilitar a participação comunitária e o engajamento da sociedade civil, mediante uma abordagem intercultural para obter equidade e alcançar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 3; iv) fortalecer a governança local para alcançar o ODS 3 com equidade; e v) reforçar o monitoramento e a avaliação do avanço rumo ao cumprimento do ODS 3 em um contexto de equidade.
Nesse âmbito, cumpre observar que a OPAS está apoiando esforços importantíssimos para fortalecer a capacidade de produção local de vacinas e tecnologias em saúde nos países da Região, um elemento crucial para reduzir as iniquidades e assegurar o acesso equitativo.

Na sua opinião, quais são os principais obstáculos para a cooperação internacional em saúde global2,6? Como pensar a saúde global atualmente considerando as especificidades regionais e locais?
Os principais obstáculos para a cooperação internacional em saúde global2,6 são complexos e estão estreitamente interligados. Uma barreira significativa foram as consequências da pandemia de COVID?19, que deixou muitos países e instituições sobrecarregados e exauridos. Embora a pandemia tenha destacado o valor da ação coletiva, também revelou lacunas e disparidades na capacidade de preparação e resposta que continuam a prejudicar as relações e a abalar a confiança entre as nações.

Surgiram outros desafios, como a mudança do clima4,7, o envelhecimento da população e a ascensão da desinformação, que acrescentam novas camadas de complexidade ao trabalho na área de saúde em âmbito mundial. A mudança do clima, por exemplo, afeta tudo, desde os padrões de doenças até a infraestrutura de saúde. O envelhecimento da população gera mais demandas em termos da prestação integrada de atenção primária à saúde e cuidados de longa duração. A disseminação de informações falsas, sobretudo acerca das vacinas e das medidas de saúde pública, mina a confiança nas instituições de saúde.
Em paralelo a essas questões, enfrentamos desafios persistentes de saúde pública, como o aumento da mortalidade materna, a queda nas coberturas de vacinação e a eliminação de doenças transmissíveis, que continuam a exigir atenção e recursos urgentes. Fazer face a esses desafios contínuos e, ao mesmo tempo, responder aos novos desafios que estão surgindo exige financiamento robusto e cooperação internacional. Além disso, o declínio da assistência oficial ao desenvolvimento na área da saúde restringiu ainda mais o progresso. Em consequência, muitos países ainda não conseguem atender plenamente às necessidades atuais ou investir na preparação para futuras ameaças.
Por último, os conflitos geopolíticos e as mudanças na dinâmica de poder no mundo criam desafios significativos. As tensões políticas podem afetar a confiança, o intercâmbio de dados e a vontade de contribuir para as iniciativas mundiais de saúde. Hoje, temos de considerar a saúde global a partir de uma perspectiva que equilibre as prioridades mundiais e as realidades locais. É preciso dar ênfase à integração de ações locais com estruturas mundiais que respeitem e abordem os cenários de saúde característicos de cada região. Essa abordagem prioriza o fortalecimento dos sistemas de saúde no nível nacional, reconhecendo que sistemas robustos, baseados na atenção primária à saúde, são o alicerce de uma saúde mundial resiliente.
A Região das Américas demonstrou os desafios e os pontos fortes da colaboração regional em saúde. Como a Região foi o epicentro da pandemia de COVID?19 por muitos meses, suas profundas iniquidades saltaram para o primeiro plano. Ainda assim, a Região também é um exemplo notável de resiliência e solidariedade, onde se aproveitam os pontos fortes coletivos e o apoio mútuo para promover as metas de saúde. A solidariedade regional é um dos valores fundamentais da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Os Fundos Rotativos Regionais da OPAS, que asseguram o acesso a vacinas e medicamentos essenciais, são um claro exemplo desse valor. As conquistas na área da saúde na Região, com destaque para a eliminação de doenças, demonstram o potencial da colaboração regional para enfrentar desafios em comum.
No cenário interconectado da saúde global de hoje, é crucial manter a saúde na vanguarda dos fóruns multilaterais mundiais a fim de salientar as convergências entre a saúde e o desenvolvimento sustentável. Também é evidente a necessidade de amplificar as vozes do Sul Global nos diálogos sobre a saúde global. Quando os países têm um lugar à mesa e participam das decisões, criamos uma estrutura mais equitativa, na qual as soluções levam em conta as experiências vividas e prioridades das pessoas na linha de frente.

O senhor mencionou que as mudanças climáticas4,7 se impõem como um novo desafio. Como elas podem influenciar a emergência de novos surtos de doenças?
A mudança do clima pode influenciar consideravelmente o surgimento de novos surtos de doenças por meio de vários mecanismos importantes. Por exemplo, mudanças nos padrões de temperatura e de precipitação podem modificar os habitats de vetores de doenças, como mosquitos e carrapatos. À medida que esses organismos se adaptam a novos ambientes, podem ampliar sua distribuição geográfica, levando doenças a regiões não afetadas até então.
Temperaturas mais quentes também podem provocar mais ciclos reprodutivos e aumentar a sobrevivência dos vetores, aumentando suas populações e a probabilidade de transmissão de doenças. O número de casos de doenças transmitidas por vetores, como dengue, malária, chikungunya e oropouche, está crescendo, porque os mosquitos vetores estão se espalhando para novas áreas e altitudes devido ao aumento das temperaturas e ao prolongamento dos períodos de atividade.
A mudança do clima pode perturbar os ecossistemas existentes, acarretando mudanças nas interações entre espécies. Por exemplo, o deslocamento de animais silvestres devido a mudanças nos habitats pode levar as zoonoses mais para perto das populações humanas. Eventos climáticos mais frequentes e intensos, como inundações e furacões, podem causar danos à infraestrutura, aumentando a vulnerabilidade humana e o potencial de surtos em virtude de rupturas nos sistemas de saúde e de saneamento.
Por último, a mudança do clima pode afetar os estoques de água e de alimentos, ocasionando surtos de doenças de veiculação hídrica e doenças transmitidas pelos alimentos. Além disso, podem ser criadas condições que levam à má nutrição. Por exemplo, o número de casos de dengue na Região das Américas aumentou de 3 milhões em 2019 para 4,6 milhões em 2023, e o número de casos registrados no primeiro semestre de 2024 superou o total de 2023 (mais de 11 milhões de casos até outubro de 2024).
Entre outras ações, a OPAS está implementando a Iniciativa de Eliminação de Doenças, que busca acabar com mais de 30 doenças e condições relacionadas até 2030, e, em outubro de 2024, durante o seu 61º Conselho Diretor, os Estados Membros da OPAS aprovaram a Política para fortalecer ações do setor da saúde orientadas pela equidade relacionadas à mudança do clima e à saúde, uma nova política que visa fortalecer o setor de saúde para enfrentar a mudança do clima, com foco na equidade e nas populações em situação de vulnerabilidade, e promover a participação comunitária.
Precisamos urgentemente instar por investimentos consideráveis em estabelecimentos e redes de saúde resilientes ao clima e desenvolver a capacidade dos nossos sistemas de saúde para detectar e responder rapidamente a surtos emergentes de doenças com uma abordagem de Saúde Única. No ano passado, pela primeira vez, a saúde figurou na agenda da Conferência das Partes, ressaltando como a ação climática é crucial para o nosso bem-estar coletivo. Para nós, esse é certamente um passo positivo.

Qual deve ser o papel das organizações internacionais, como a OMS e a OPAS, na coordenação da resposta global a crises de saúde no pós-pandemia nesse cenário das emergências climáticas?
Quando os Estados Membros solicitam ou aceitam receber apoio, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), seguindo as políticas regionais de resposta a emergências endossadas por todos os Estados Membros da Região das Américas, exerce uma função central na liderança da resposta internacional a emergências de saúde na Região, fornecendo conhecimento técnico, ferramentas, procedimentos padronizados e mecanismos de coordenação, além de articular os esforços com os atores internacionais e nacionais pertinentes.
A OPAS facilita e promove uma resposta emergencial harmonizada, buscando zelar pela uniformidade entre os países e os mecanismos internacionais em termos de estratégias de resposta, comunicação de riscos e mobilização de recursos para fechar lacunas críticas, a fim de assegurar a continuidade das operações e o acesso de serviços de saúde essenciais, bem como a disponibilidade de insumos de saúde, medicamentos, vacinas, testes diagnósticos, equipamentos e sistemas de gestão de logística, entre outros. Isso é de especial relevância em países de baixa e média renda, que recebem apoio específico em áreas como vacinação, ferramentas de diagnóstico, protocolos de tratamento, fortalecimento dos sistemas de saúde e recuperação.
A OPAS mantém uma reserva estratégica regional para emergências, que tem sido a primeira fonte de apoio essencial e crítico aos países afetados por pandemias, grandes surtos, desastres súbitos e crises humanitárias. Os Fundos Rotativos Regionais da OPAS para a obtenção de vacinas e insumos e medicamentos essenciais estão devidamente implementados, proporcionando um mecanismo acelerado para que os Estados Membros obtenham acesso a contramedidas médicas cruciais de alta qualidade a um custo menor do que o encontrado no mercado internacional.
A Equipe Regional de Resposta da OPAS tem décadas de experiência na mobilização rápida de especialistas multidisciplinares para os países afetados, em estreita consulta e coordenação com as autoridades nacionais de saúde. Em sua grande maioria, esses especialistas são funcionários nacionais liberados pelos próprios países para apoiar as populações afetadas.

No cenário de desigualdades, como as tecnologias podem ajudar a melhorar a vigilância de doenças? Elas beneficiariam a vigilância em saúde em áreas de difícil acesso e junto à populações mais isoladas?
No cenário atual de saúde pública, a transformação digital, sobretudo por meio de grandes volumes de dados e inteligência artificial (IA), está revolucionando a vigilância epidemiológica, fortalecendo a capacidade de monitorar e controlar as doenças transmissíveis. Por exemplo, o uso da radiologia baseada em IA ajuda a detectar casos em grupos de alto risco, como pessoas privadas de liberdade, que apresentam as mais altas taxas de tuberculose.
Acelerar a transformação digital da saúde dentro das estruturas de modernização do governo é crucial para construir sistemas de saúde resilientes e capazes de respostas rápidas e coordenadas, mesmo em áreas remotas. As ferramentas móveis possibilitam que trabalhadores de saúde locais em áreas de difícil acesso transmitam dados de saúde em tempo real, permitindo obter informações mais rapidamente e melhorando a coordenação da resposta. Por exemplo, em países com populações afetadas pelo tracoma ocular e pela filariose linfática, os dados dos inquéritos populacionais são coletados por meio de smartphones, mesmo em áreas rurais sem acesso à internet, e os dados ficam armazenados nesses dispositivos até que possam ser transferidos para a nuvem. Essa abordagem acelera a análise dos dados para a tomada de decisões oportunas e melhora a qualidade, a tempestividade e a completude dos dados.
A IA oferece recursos sem precedentes para analisar grandes conjuntos de dados, identificando padrões e anomalias que podem prever e prevenir a propagação de doenças. Ela é vital em várias áreas cruciais da vigilância em saúde pública. Funcionando como um sistema de alerta precoce, a IA analisa diversas fontes de dados, como prontuários, dados ambientais, redes sociais e tendências de buscas, a fim de detectar automaticamente os primeiros sinais de surtos de doenças.
Durante a pandemia de COVID?19, por exemplo, as ferramentas de IA rastrearam menções de sintomas como febre e tosse, permitindo que as autoridades de saúde respondessem com uma antecedência crucial. A IA também ajuda a detectar hotspots, identificando áreas com uma incidência crescente de doenças, o que permite que as autoridades concentrem recursos em áreas de alto risco e assegura que vacinas, trabalhadores e apoio cheguem às comunidades mais necessitadas.
Ao conectar profissionais de saúde locais com especialistas para avaliações e diagnósticos remotos, as tecnologias digitais também estão promovendo atenção especializada. Por exemplo, fotografias de pessoas afetadas pelo tracoma podem ser examinadas por oftalmologistas capacitados que dão um parecer imediato e, assim, aumentam a acurácia do diagnóstico. Essas ferramentas melhoram consideravelmente a vigilância de doenças e a prestação de serviços em comunidades isoladas, como as da bacia amazônica e de áreas rurais da América Central. Graças a esses avanços, os sistemas de vigilância são mais inclusivos, responsivos e capazes de reduzir iniquidades em saúde em toda a Região das Américas.


Neste contexto, qual o papel da chamada vigilância genômica enquanto ferramenta da vigilância em saúde?
A vigilância genômica tornou-se uma ferramenta essencial para descobrir novos patógenos, monitorar seus padrões de evolução, identificar novas variantes e mutações críticas e identificar cadeias de transmissão e focos de infecção, entre outras ações. Nos últimos anos, surgiram novas tecnologias de sequenciamento genômico e bioinformática, o que permitiu uma aplicação mais ampla e tempestiva na resposta rápida a surtos e epidemias. Durante esses eventos, foram utilizados dados de vigilância genômica, associados a informações clínicas e epidemiológicas, em avaliações contínuas de risco da situação de saúde pública, no processo decisório em curso sobre medidas sociais e de saúde pública, no desenvolvimento de vacinas, tratamentos e testes de diagnóstico e na avaliação da efetividade desses produtos.
Comparando-se sequências genéticas ao longo do tempo, é possível detectar mutações que podem gerar novas variantes. Essas mutações podem afetar consideravelmente a transmissibilidade, a virulência e a eficácia das vacinas, impondo novos desafios aos sistemas de saúde pública e às contramedidas. Além disso, o monitoramento das sequências genômicas de patógenos facilita o mapeamento da disseminação geográfica de variantes específicas, a fim de avaliar rapidamente a dinâmica de um surto (como a fonte exata do surto de uma doença transmitida por alimentos, por exemplo).
No caso das bactérias, a vigilância genômica é vital para monitorar a resistência aos antimicrobianos, permitindo a detecção de genes responsáveis pela resistência a antibióticos ou outros tratamentos. Esses dados ajudam a moldar estratégias de tratamento efetivas e a orientar o desenvolvimento de novas terapias.
Com tudo isso, a vigilância genômica é absolutamente essencial para monitorar ameaças de doenças infecciosas já existentes e detectar novas ameaças com potencial para se transformar em surtos, epidemias ou pandemias. Ela oferece uma imagem dinâmica e em constante evolução dos patógenos, permitindo uma identificação mais rápida de patógenos emergentes e novas variantes, melhor monitoramento de sua propagação e decisões de saúde pública mais bem informadas. A integração de dados genômicos aos sistemas de saúde mundiais melhora a preparação, propiciando respostas mais efetivas às ameaças de doenças infecciosas à medida que elas surgem.
O impacto da infodemia8-9 e das fake news poderia ser menos danoso caso campanhas informativas e de conscientização não fossem realizadas apenas de forma pontual, durante efemérides? Para o senhor, qual o papel da comunicação e do acesso à informação de qualidade nas ações e iniciativas de saúde?
A comunicação eficaz e o acesso a informações de qualidade são fundamentais para que as ações e iniciativas de saúde surtam o efeito desejado, não apenas durante crises de saúde, e sim como uma prioridade constante nos esforços diários de saúde pública. Informações de qualidade permitem que as pessoas tomem decisões informadas, contribuem para a adoção de comportamentos mais saudáveis e fortalecem a relação de confiança entre o público e as autoridades de saúde. No dia a dia, o acesso contínuo a informações precisas em saúde empodera as comunidades, ajudando-as a entender as medidas preventivas, reconhecer sintomas e procurar atendimento oportuno. Isso tudo aumenta a resiliência geral da saúde.
A grande quantidade de informações disponíveis hoje, englobando conteúdo preciso e informações falsas, são como uma avalanche sobre a população. Essa infodemia (ou seja, o excesso de informações, tanto confiáveis quanto não confiáveis) pode tornar difícil para as pessoas distinguir o correto do enganoso, o que acaba por complicar os esforços de saúde pública. Gerir esse excesso exige mais do que campanhas pontuais; são necessárias estratégias de comunicação sustentadas e proativas que façam das informações de qualidade em saúde uma parte regular da vida das pessoas, reduzindo sua exposição às informações falsas.

Para abordar esse problema, ferramentas como os sistemas baseados em inteligência artificial (IA) são essenciais. A IA pode processar grandes conjuntos de dados, analisar tendências e gerar resumos concisos e baseados em evidências que podem ser selecionados e organizados por humanos para que o público receba informações precisas e de fácil compreensão. Com o uso da IA, as autoridades de saúde pública podem otimizar o fornecimento de informações, apresentando orientações claras e práticas que combatem as informações falsas. Com essa abordagem, os profissionais de saúde podem se concentrar em validar e contextualizar as informações, em vez de se verem sobrecarregados com o volume de dados.
Essa estratégia, usando essas ferramentas, pode agregar um valor considerável para que informações precisas sobre saúde estejam acessíveis durante o ano inteiro, reduzindo a dependência de campanhas ocasionais em dias específicos de conscientização sobre tópicos de saúde. A divulgação rotineira de informações de alta qualidade, com o apoio de ferramentas da IA para gerir o volume de informações, não apenas ajuda as pessoas a se manterem mais informadas, mas também cria resiliência coletiva contra as informações falsas. Essa abordagem prepara as sociedades para lidarem melhor com as decisões de saúde no dia a dia e com os desafios de saúde no futuro, criando uma população mais proativa e aumentando o letramento em saúde.

Referências Bibliográficas
1. Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL); Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). La prolongada crisis de los sistemas de salud en América Latina y el Caribe: tendencias, impactos y riesgos a futuro. Santiago: CEPAL; 2023.
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4. Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Climate change and health in the Americas: risks, responses and opportunities. Washington (DC): OPAS; 2020.
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6. Organização Mundial da Saúde (OMS). Relatório da OMS aponta conquistas na saúde e apela a esforço em direção aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável [Internet]. [citado 2025 set 29]. Disponível em: https://cee.fiocruz.br/?q=Relatorio-da-OMS-aponta-conquistas-%E2%80%8B%E2%80%8Bna-saude
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8. Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Infodemia e COVID-19: guia para gestores e comunicadores. Brasília (DF): OPAS Brasil; 2020.
9. Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). De la evidencia al titular: alianza inédita entre periodistas y científicos para respuesta conjunta contra la infodemia en contextos de emergencias en salud [Internet]. 2025 set 25 [citado 2025 set 29]. Disponível em: https://www.paho.org/es/noticias/25-9-2025-evidencia-al-titular-alianza-inedita-entre-periodistas-cientificos-para



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Silva Jr, JB, Cruz, BKB. Public health challenges in the Americas: health surveillance, disease prevention, and equitable access to health care. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2025/Nov). [Citado em 05/12/2025]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/en/articles/public-health-challenges-in-the-americas-health-surveillance-disease-prevention-and-equitable-access-to-health-care/19868



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