0335/2025 - Temporal and Spatial Analysis of Congenital Toxoplasmosis in Border Municipalities of Brazil: 2019 to 2023
Análise temporal e espacial da toxoplasmose congênita nos municípios de fronteira do Brasil: 2019 a 2023
Author:
• Nathália Luisa de Melo Trento - Trento, NLM - <taiatrento@hotmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7738-2436
Co-author(s):
• Gustavo Cezar Wagner Leandro - Leandro, GCW - <gustavocezarwl@gmail.com>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5014-2387
• Adriana Zilly - Zilly, A - <aazilly@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8714-8205
• Maria Aparecida Baggio - Baggio, MA - <mariabaggio@yahoo.com.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6901-461X
• Mara Cristina Ribeiro Furlan - Furlan, MCR - <mara.furlan@ufms.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3227-7074
• Ana Paula Contiero Toninato - Toninato, APC - <ana.contiero@unioeste.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7251-6423
• Neide Martins Moreira - Moreira, NM - <neidemartinsenf@yahoo.com.br; neide.moreira@unioeste.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5051-9295
Abstract:
Objective: Analyze the temporal trend and spatial distribution of the incidence of congenital toxoplasmosis in the states with international borders and the municipalities in the border strip of Brazil from 2019 to 2023. Methods: Ecological time series study using data from the Information System for Notifiable Diseases, with temporal trend assessed by the Mann-Kendall test and spatial analysis by the global and local univariate Moran's index. Results: During the analyzed period, 32,314 cases of congenital toxoplasmosis were confirmed in Brazil, with a higher incidence rate in border municipalities (3.34/1,000 live births) compared to the national level (2.99/1,000). Amapá and Mato Grosso do Sul showed significant increases in incidence rates, from 0.00 to 6.21 and 0.90 to 2.73, respectively, between 2019 and 2023. Spatial clusters were formed by 186 municipalities (I=0.392; p=0.001), with 50 presenting high incidence rates, mainly in the states of Acre, Paraná, and Rio Grande do Sul. Conclusion: Congenital toxoplasmosis is increasing in Brazil, especially in border areas, which require more control actions and prenatal care.Keywords:
Brazil; Border areas; Toxoplasma gondii; Toxoplasmosis; Incidence.Content:
A Toxoplasmose Congênita (TC) ocorre quando o feto é infectado pelo Toxoplasma gondii por meio da transmissão vertical através da placenta. A probabilidade e a gravidade da infecção vertical variam conforme a idade gestacional em que o protozoário é adquirido. Além disso, com o avanço da gestação e a consequente redução da espessura da placenta, aumenta a incidência de infecção no feto, embora a morbidade seja menor 1,2. Dito isso, a prevenção e o monitoramento da infecção por T. gondii durante a gestação, além do tratamento adequado, são de fundamental importância para evitar a infecção fetal 3-6.
A infecção vertical pode resultar em atraso no desenvolvimento, prematuridade, aborto espontâneo ou natimorto, bem como no surgimento de sérias complicações, como retinocoroidite, microcefalia, macrocefalia, hidrocefalia, calcificações cerebrais, meningoencefalite e cegueira, além de outras doenças sistêmicas que podem levar à morte devido à TC 1,7,8. A gravidade da toxoplasmose clínica em crianças brasileiras é especialmente alta, possivelmente devido às características genéticas das cepas de T. gondii predominantes no Brasil 1.
Cerca de 190.000 casos de TC ocorrem em todo o mundo, resultando em 1,2 milhões de anos de vida com incapacidade e 0,7 óbitos neonatais a cada 100 casos 9. No Brasil, as estimativas indicam que a taxa de detecção da toxoplasmose congênita é uma das mais altas do mundo, variando entre 5 e 23 casos por 10 mil nascidos vivos 1. Na Argentina, a incidência é de aproximadamente 50 casos por 10.000 nascimentos 10, enquanto no Paraguai, varia de 1 a 10 casos por 10.000 nascimentos 11. Esses dados podem variar entre países e regiões, sendo influenciados por condições socioeconômicas, hábitos higiênicos e culturais, diferentes fatores ambientais e pela presença de migrantes nessas regiões 10-12.
Nesse contexto, as regiões de fronteira, que abrigam pessoas de diferentes partes do mundo e com culturas específicas, podem influenciar a transmissão da toxoplasmose adquirida durante a gestação e, consequentemente, a transmissão vertical 4,13. A infecção adquirida ocorre por meio do consumo de água, frutas e vegetais contaminados com oocistos, além de carnes cruas ou malcozidas 14. Estudos que investigam a distribuição espacial e temporal da TC buscam aprimorar a compreensão da dinâmica da doença, prever suas consequências em diversas localidades e identificar áreas de risco 3. No entanto, são poucos os estudos que consideram essas análises.
Dessa forma, este estudo teve como objetivo analisar a distribuição temporal e espacial da taxa de incidência dos casos de TC nos estados com divisas internacionais e nos municípios da faixa de fronteira do Brasil, no período de 2019 a 2023.
Método
Desenho e período do estudo
Estudo ecológico de análises temporais e espaciais da taxa de incidência de TC em municípios brasileiros situados na faixa de fronteira, no período de 2019 a 2023. O desenvolvimento do estudo seguiu as diretrizes do instrumento Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE).
Local do estudo
O Brasil está localizado na América do Sul e ocupa uma extensão territorial de 8.510.417 km². Em 2022, sua população foi estimada em 203.080.756 indivíduos, resultando em uma densidade demográfica de 23,86 habitantes por km² 15. O território nacional é subdividido em 27 unidades federativas, das quais 11 fazem fronteira com outros países, localizadas na margem Oeste do país. Essas unidades são organizadas em três arcos geográficos: o Arco Norte, que abrange 6 estados; o Arco Central, que inclui 2 estados e o Arco Sul, composto por 3 estados. No total, existem 586 municípios na faixa de fronteira, dos quais 69 estão situados no Arco Norte, 101 no Arco Central e 416 no Arco Sul 16. Consideram-se municípios de faixa de fronteira aqueles localizados em uma área de até 150 quilômetros de largura ao longo das fronteiras terrestres do Brasil 17.
Fonte de dados
As informações referentes aos casos de TC foram coletadas em maio de 2024 no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Foram coletados os números de nascidos vivos municipais no mesmo período do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC)16.
Variáveis do estudo
Foram incluídos apenas os casos confirmados de TC por município de residência, nos 586 municípios localizados na faixa de fronteira, notificados no período de 2019 a 2023 (período disponível na plataforma DataSUS).
Cálculo da taxa de incidência
A taxa de incidência da TC foi calculada com base no número de nascidos vivos em cada município e estimada anualmente como taxa bruta por 1.000 nascidos vivos, considerando a população em risco.
Análise estatística
Para a análise da tendência temporal da taxa de incidência de TC, utilizou-se o teste de Mann-Kendall, considerando o ano de notificação como variável independente, enquanto as incidências anuais foram tratadas como variáveis dependentes. O teste de Mann-Kendall, uma ferramenta não-paramétrica amplamente utilizada para detectar tendências monotônicas em séries temporais, foi aplicado para verificar a presença de tendência significativa, sem exigir que os dados sigam uma distribuição específica. A estatística Z do teste foi calculada para indicar a direção da tendência: valores positivos de Z indicam uma tendência de aumento ao longo do tempo, enquanto valores negativos sugerem uma tendência de diminuição 18. A análise de tendência temporal foi realizada no software RStudio® (versão 4.1.2), considerando-se um nível de significância de 0,05.
Para a análise espacial, foi considerada a taxa acumulada de incidência de TC, calculada com base no número de casos ocorridos ao longo do período, dividido pelo total de nascidos vivos. Estimou-se as taxas suavizadas utilizando a técnica de suavização local Empirical Bayes, para corrigir a subnotificação e a alta variabilidade. Posteriormente, utilizou-se o Índice de Moran (Moran’s I) global univariado para a análise da autocorrelação espacial, onde valores próximos de +1 indicam autocorrelação espacial positiva (agrupamento de áreas com valores semelhantes), valores próximos de -1 indicam autocorrelação negativa (dispersão de áreas com valores contrastantes), e valores próximos de 0 indicam ausência de padrão espacial 19. A identificação de agrupamentos espaciais das taxas de incidência de toxoplasmose congênita foi realizada por meio da análise local de Moran univariada (indicadores locais de autocorrelação espacial — LISA), identificando aglomerados espaciais do tipo Alto-Alto (A-A), Baixo-Baixo (B-B), Alto-Baixo (A-B) e Baixo-Alto (B-A) 20. As análises espaciais foram feitas no software GeoDA (versão 1.22.0.4) com uma matriz de vizinhança do tipo rainha de primeira ordem, e um nível de significância de 0,05.
Aspectos éticos
A pesquisa está em conformidade com a Resolução nº 674/2022 do Conselho Nacional de Saúde. Por se tratar de dados de domínio público, com informações agregadas e sem possibilidade de identificação individual, a tramitação no Comitê de Ética em Pesquisa torna-se dispensável.
Resultados
No período de 2019 a 2023 foram confirmados um total de 32.314 casos de TC no Brasil e uma taxa de incidência total de 2,99/1.000 nascidos vivos. Nas unidades federativas que possuem fronteira, foram registrados 8.373 casos e 2,79 casos por mil nascidos vivos. Entre os 586 municípios localizados na faixa de fronteira, ocorreram 2.356 casos com uma taxa de incidência total de 3,34/1.000 nascidos vivos.
Em relação a distribuição temporal da taxa de incidência da TC (por 1.000 nascidos vivos/ano), observou-se um acréscimo anual em todos os arcos de fronteira: Norte (de 1,78 para 4,28), Central (de 1,25 para 2,65) e Sul (de 1,18 para 3,26). Similarmente, as Unidades Federativas também apresentaram aumento do indicador, com destaque para o Amapá (de 0,0 para 6,21; Z: 2,021; p<0,05) e Mato Grosso do Sul (de 0,90 para 2,73; Z: 2,205; p<0,05) com aumento significativo da tendência temporal, conforme teste de Mann-Kendall. Alguns estados apresentaram taxas de incidência superiores ao valor do arco de fronteira (Acre: de 5,10 para 9,87; arco Norte: de 1,78 para 4,28), (Mato Grosso: de 2,06 para 2,45; arco Central: de 1,25 para 2,65) e (Paraná: de 1,81 para 4,78; arco Sul: de 1,18 para 3,26) (Tabela 1).
Inserir Tabela 1
Ao analisar as taxas de incidência entre os 586 municípios de faixa de fronteira, notou-se um aumento de 43,52% de municípios com a presença de casos de TC (de 108 em 2019 para 155 em 2023) (Figura 1). Dos 183.666 nascidos vivos em 2019, 53,27% residiam em municípios com presença de casos de TC, enquanto em 2023 essa proporção aumentou para 57,26% (n=97.317) dos 169.948 nascidos vivos. Foram identificadas taxas de incidência anuais com valores extremos em Jardinópolis (SC) com 250 casos em 2019, Nova Esperança do Sudoeste (PR) com 150 em 2022 e Vila Nova do Sul (RS) com 121 em 2021. Observou-se crescimento na média das taxas de incidências anuais: 2019 (1,07 ± 3,35), 2020 (1,60 ± 5,94), 2021 (3,37 ± 10,90), 2022 (3,89 ± 11,99) e 2023 (4,23 ± 14,37).
Inserir figura 1
O Moran’s I global univariado apresentou-se positivo e significativo (I=0,392; p=0,001), indicando dependência espacial da taxa de incidência da TC nos municípios de faixa de fronteira. Na análise de Moran local univariada (LISA), identificou-se que 186 municípios localizados na faixa fronteira formaram agrupamentos espaciais, com 50 (8,50%) dos municípios com alta taxa de TC próximos de outros municípios com alta taxa de incidência (alto-alto), principalmente no Acre (Arco Norte), Paraná e Rio Grande do Sul (Arco Sul), e 126 (21,43%) municípios em cluster do tipo baixo-baixo agrupados no Arco Norte, na divisa do arco Norte e Central, e no Arco Sul (Figura 2).
Inserir Figura 2
Discussão
A toxoplasmose segue sendo uma importante preocupação de saúde pública no Brasil, sobretudo em regiões de fronteira, onde diferenças culturais e a presença de migrantes podem impactar os hábitos de higiene pessoal e alimentar 4,13. A doença pode ser contraída por vários mecanismos, incluindo alimentos e água contaminados 14. Por isso, educação em saúde e aconselhamento de gestantes, são cruciais para abordar esta doença negligenciada 21. No entanto, a falta de dados consistentes e periódicos sobre a soroprevalência por região dificulta a compreensão da importância dessa infecção e o planejamento de políticas e estratégias.
Portanto, investigar a distribuição temporal e espacial das taxas de incidência da TC nos estados e municípios de fronteira dos arcos do Brasil é essencial para a prevenção e o controle eficazes da doença, assim como para a redução das complicações para o feto e o recém-nascido.
O estudo revelou padrões temporais com aumentos significativos e sustentados na incidência nos três arcos do Brasil entre 2019 e 2023, com destaque para o arco Norte. Em contraste, a França evidenciou um declínio nas taxas de TC devido aos programas nacionais de triagem e tratamento. O número de crianças infectadas congenitamente, incluindo casos graves, reduziu de 272 em 2007 para 151 em 2018 1. No Irã, uma meta-análise estimou a incidência geral de toxoplasmose em neonatos em 0,64% até janeiro de 2018, revelando uma menor incidência em comparação ao contexto brasileiro 6.
Frente ao exposto, a análise contínua da dinâmica temporal e geográfica da incidência da TC é essencial para identificar as áreas de fronteira mais vulneráveis a essa zoonose 3. A infecção por T. gondii apresenta-se distribuída de forma heterogênea, particularmente em relação às localidades de fronteira e às populações mais vulneráveis 1. Dessa forma, a análise deste estudo revelou que alguns estados, como Acre (arco Norte), Mato Grosso (arco Central) e Paraná (arco Sul), apresentaram taxas de incidência superiores ao valor do arco de fronteira em todos os anos da série considerada, destacando a necessidade de estratégias de prevenção e controle da toxoplasmose, além de maior atenção ao pré-natal para impedir a transmissão vertical 4.
Índices elevados podem refletir uma melhoria nas notificações, assim como uma possível maior exposição ao T. gondii. Condições de saneamento, pobreza e falta de informação são fatores identificados como influenciadores da soropositividade para toxoplasmose 22. Além disso, hábitos culturais, especialmente os relacionados à alimentação, são as principais causas de infecção pelo T. gondii, variando de um país para outro e entre diferentes regiões dentro de um mesmo país 14,23. Assim, este estudo se justifica pela importância de considerar a presença de pessoas de diversas culturas a diferentes territórios, o que contribui para a exposição a infecção por T. gondii.
Devido ao fluxo migratório, as regiões de fronteira possuem características singulares nas políticas públicas. Nessas áreas, os atendimentos frequentemente são emergenciais e muitas vezes carecem de continuidade, o que dificulta a vigilância e o controle epidemiológico de doenças24, especialmente a toxoplasmose.
Os índices superiores das taxas de incidência nos municípios de faixa de fronteira, em relação aos das respectivas unidades federativas, são sustentados pela análise temporal que detectou um aumento no número de municípios com casos de TC entre 2019 e 2023. A presença de valores extremos em municípios como Jardinópolis (SC) em 2019, Nova Esperança do Sudoeste (PR) em 2022 e Vila Nova do Sul (RS) em 2021 pode ser comparada com a literatura que aponta variações geográficas significativas na incidência de TC. As diferenças locais podem ser atribuídas a surtos esporádicos, fatores ambientais e práticas regionais 1.
Não obstante, houve a identificação de clusters espaciais com 50 municípios apresentando alta taxa de TC próximos a outros municípios também com alta taxa de incidência (alto-alto), principalmente no Acre (arco Norte), Paraná e Rio Grande do Sul (arco Sul). Esses dados corroboram com os achados de um estudo que, ao buscar identificar áreas de risco para TC no Brasil entre 2019 e 2022, revelou que a região Sul apresentou o maior coeficiente de incidência, com 12,3/10.000 nascidos vivos, seguida pela Centro-Oeste (11,0/10.000). Por outro lado, as regiões Nordeste e Norte apresentaram as menores taxas de incidência, com 6,9 e 5,1/10.000, respectivamente 25. Esses achados indicam uma distribuição espacial desigual da doença, com variações regionais significativas, o que destaca a necessidade de priorizar as áreas de alto risco para ações de controle da TC, a fim de proteger as futuras crianças.
O elevado índice de incidência de TC evidenciado no arco Norte do Brasil, especificamente no estado do Acre, requer atenção especial, caracterizando-se como uma área de risco. Esse índice pode estar sendo influenciado por temperaturas elevadas e um ambiente mais chuvoso, que contribuem para a sobrevivência prolongada e maior disseminação de oocistos de T. gondii no solo 3,26. Além disso, estudos indicam uma falta de orientação durante o pré-natal sobre a prevenção da toxoplasmose, com 91,7% das gestantes na região Norte não recebendo informações durante as consultas 27. Fatores como analfabetismo, desemprego e armazenamento inadequado de água estão associados ao aumento do risco de infecção 28. Essas descobertas ressaltam a necessidade de melhorar a educação em saúde, especialmente no atendimento pré-natal e intervenções direcionadas a populações vulneráveis para combater a toxoplasmose de forma eficaz.
O alto índice de incidência de TC no Arco Sul pode ser atribuído a fatores de risco como o consumo de vegetais crus e a ingestão de água não tratada 10. O consumo de carne crua ou malcozida, especialmente carne suína e ovina e o contato direto ou indireto com fezes de felinos também pode influenciar na transmissão vertical 11,12. A prática de não ferver o leite e de comer frutas sem os devidos cuidados são fatores de risco adicionais para a infecção por T. gondii 28,29. Hábitos dessa natureza estão enraizados nas tradições culturais da região, refletindo uma questão cultural significativa. Além disso, os altos índices de TC nos arcos de fronteira podem estar ligados à presença de migrantes, que muitas vezes enfrentam dificuldades para acessar serviços de saúde, incluindo o pré-natal adequado 30.
Diante do exposto, as consultas de pré-natal realizadas de forma correta e na quantidade indicada são cruciais para a prevenção, detecção e o tratamento adequado da toxoplasmose, devendo ser acessíveis de forma equitativa, inclusive para migrantes e outros grupos em situação de vulnerabilidade. O Ministério da Saúde recomenda a realização de pelo menos seis consultas, pois é durante esses atendimentos que a mulher recebe orientações, esclarece dúvidas e toma conhecimento sobre a toxoplasmose, além de inúmeras outras questões relacionadas a gestação. Devido à alta prevalência de toxoplasmose, o Ministério da Saúde recomenda o rastreamento sorológico já no início do pré-natal, para reduzir consequências ao longo da vida visto que a evolução da toxoplasmose está diretamente ligada ao tratamento materno adequado 31.
Nesta vertente, a triagem pré-natal inclui um conjunto de exames e avaliações realizados durante a gravidez com o objetivo de monitorar a saúde da mãe e do feto, identificar possíveis complicações e determinar o risco de certas condições genéticas ou congênitas. Esse procedimento gera mais custos, porém apresenta uma efetividade mais elevada quando comparado somente com a triagem neonatal. No entanto, incluir a pesquisa de IgM anti-T. gondii na triagem neonatal favorece o custo-benefício do diagnóstico precoce, especialmente na ausência de uma triagem pré-natal bem executada 32.
De acordo com o Caderno de pré-natal de alto risco do Brasil, o rastreio sorológico da gestante suscetível deve ser realizado a cada trimestre, enquanto em gestantes imunes, não há necessidade de novas sorologias 31,33. Entretanto, apesar das recomendações do Ministério da Saúde, alguns estados da União desenvolveram protocolos baseados na prevalência local da toxoplasmose. Alguns estados de fronteira, como Rondônia, Acre, Mato Grosso do Sul e Paraná, realizam a triagem sorológica em cada trimestre gestacional. Em Santa Catarina, se a gestante apresenta suscetibilidade a infecção e risco para a primo-infecção a sorologia deve ser realizada mensalmente ou no mínimo a cada trimestre gestacional 34-36.
Contudo, no presente estudo, os índices de incidência de TC identificados em alguns estados, particularmente no Acre, permanecem altos, indicando que, além da triagem sorológica, as orientações sobre os mecanismos de prevenção e tratamento dessa zoonose devem fazer parte das consultas de pré-natal 27. Um estudo realizado entre 2021 e 2022 na cidade de Ardabil, no Irã, investigou a soroprevalência da infecção por T. gondii em mulheres grávidas. Os resultados revelaram que cerca de 77,9% das gestantes estavam suscetíveis à infecção 21.
Dessa forma, recomenda-se a implementação de programas de educação em saúde, aconselhamento para gestantes e triagem para aquelas consideradas de alto risco, visando prevenir complicações fetais 37. Neste contexto, o(a) enfermeiro(a) desempenha um papel crucial no acompanhamento pré-natal, estabelecendo uma relação de proximidade e confiança com as gestantes 29. Sua atuação abrange desde o acolhimento e orientações até a realização de exames físicos e solicitações de exames laboratoriais, visando garantir uma gestação segura 38,39.
As gestantes geralmente apresentam percepções positivas sobre o atendimento pré-natal prestado pelo(a) enfermeiro(a), com destaque para o acolhimento, a escuta ativa e o esclarecimento de dúvidas como aspectos detalhados 40. Essa abordagem humanizada e holística contribui para o bem-estar da mulher durante uma fase importante de sua vida 39.
Limitações do estudo
Entre as limitações deste estudo, destacam-se potenciais problemas relacionados à subnotificação de casos, tais como a incompletude dos dados notificados e a variabilidade na qualidade e na frequência da notificação. As taxas de incidência, detecção e transmissão vertical da toxoplasmose podem ser superior ao que foi declarado, além da limitação da série temporal disponível na plataforma DataSUS (2019-2023). Além disso, o estudo não explora variáveis ambientais (como clima e presença de animais infectados) e sociais (como acesso à saúde e condições socioeconômicas da população) que podem influenciar a distribuição da toxoplasmose congênita em áreas específicas, principalmente nas regiões de fronteira. Contudo, as políticas públicas são fundamentadas com base nos dados notificados e o presente estudo mostrou aglomerados espaciais e temporais, com subsequente identificação de clusters da incidência de TC em municípios de fronteira dos arcos do Brasil no período considerado.
Conclusão
O estudo identificou que a TC é um desafio nas regiões de fronteira do Brasil, com taxas de incidência municipal mais altas que as das unidades federativas. Entre 2019 e 2023, houve um aumento significativo na incidência, especialmente no arco Norte. Acre, Mato Grosso e Paraná apresentaram taxas consistentemente superiores à média do arco de fronteira, destacando a necessidade de estratégias de prevenção e controle e maior atenção ao pré-natal para evitar a transmissão vertical. A formação de clusters em áreas de fronteira indica a importância de investigações mais detalhadas sobre determinantes locais e de políticas públicas voltadas para essas regiões.
O estudo detectou um aumento no número de municípios com casos de TC, com valores extremos em Jardinópolis, Nova Esperança do Sudoeste e Vila Nova do Sul. Foram identificados agrupamentos significativos de altas taxas da doença, especialmente no Acre, Mato Grosso e Paraná. Isso indica a necessidade de uma abordagem coordenada e direcionada para o controle da doença, considerando as dinâmicas espaciais que influenciam sua disseminação.
A prevalência da TC é influenciada por fatores socioeconômicos e de acesso à saúde. Para reduzi-la, são necessárias campanhas de conscientização, educação nutricional e cuidados pré-natais adequados, além de rastreamento sorológico conforme recomendações do Ministério da Saúde. Abordar hábitos alimentares de risco e priorizar cuidados pré-natais em áreas de alta prevalência são essenciais para prevenir a infecção materna e a transmissão vertical.
Por fim, mais pesquisas são necessárias para entender melhor os fatores de risco nas regiões de fronteira brasileiras e avaliar a eficácia das intervenções. A combinação de prevenção, diagnóstico, tratamento e maior conscientização da população pode reduzir significativamente a carga da TC nessas áreas, contribuindo para a saúde materno-infantil no Brasil.
Contribuição dos autores:
Concepção e planejamento do estudo: NLMT, GCWL, NMM. Coleta, aná lise e interpretação dos dados: GCWL, NMM. Elaboração ou revisão do manuscrito: NLMT, GCWL, MCRF, AZ, NMM. Aprovação da versão final: NLMT, GCWL, AZ, MAB, MCRF, APC, NMM. Responsabilidade pública pelo conteúdo do artigo: NLMT, GCWL, AZ, MAB, MCRF, APC, NMM
Conflitos de interesse:
Os autores não possuem conflitos de interesse ao presente trabalho.
Referências
1. Dubey JP, Murata FHA, Cerqueira-Cézar CK, Kwok OCH, Villena I. Congenital toxoplasmosis in humans: an update of worldwide rate of congenital infections. Parasitology 2021; 148(12):1406-1416.
2. Rostami A, Riahi SM, Contopoulos-Ioannidis DG, Gamble HR, Fakhri Y, Shiadeh MN, Foroutan M, Behniafar H, Taghipour A, Maldonado YA, Mokdad AH, Gasser RB. Acute Toxoplasma infection in pregnant women worldwide: A systematic review and meta-analysis. PLoS Negl Trop Dis 2019; 14;13(10): e0007807.
3. Melo MS, Cabrera LAA, Lima SVMA, Dos Santos AD, Oliveira LMGB, de Oliveira RC, de Sousa Menezes J, de Figueiredo JA, de Moura Lane VF, de Lima Júnior FEF, da Rocha Moreira RV. Temporal trend, spatial analysis and spatiotemporal clusters of infant mortality associated with congenital toxoplasmosis in Brazil: Time series from 2000 to 2020. Trop Med Int Health 2023; 28(6):476-485.
4. Silva DL da, Peres MM, Barbosa MGR, Moreira NM. Diagnóstico da infecção pelo Toxoplasma gondii em gestantes de fronteira brasileira, Foz do Iguaçu. Cad saúde colet 2023; 31(4):e31040108.
5. Mandelbrot L, Kieffer F, Wallon M, Winer N, Massardier J, Picone O, Fuchs F, Benoist G, Meric-Garcia P, L’Ollivier C, Paris L, Piarroux R, Villena I, Peyron F. Toxoplasmose pendant la grossesse: proposition actuelle de prise en charge pratique. Gynecol Obstet Fertil 2021; 1;49(10):782–91.
6. Sarvi S, Nayeri Chegeni T, Sharif M, Montazeri M, Hosseini SA, Amouei A, Hosseininejad Z, Anvari D, Saberi R, Gohardehi S, Daryani A. Congenital toxoplasmosis among Iranian neonates: a systematic review and meta-analysis. Epidemiol Health 2019; 41: e2019021.
7. Hurt K, Kodym P, Stejskal D, Zikan M, Mojhova M, Rakovic J. Toxoplasmosis impact on prematurity and low birth weight. PLoS One 2022; 13;17(1): e0262593.
8. Khan K, Khan W. Congenital toxoplasmosis: An overview of the neurological and ocular manifestations. Parasitol Int 2018; 67(6):715–21.
9. Torgerson PR, Mastroiacovo P. The global burden of congenital toxoplasmosis: a systematic review. Bull World Health Organ 2013; 91(7):501-8.
10. Durlach R, Kaufer F, Carral L, Freuler C, Ceriotto M, Rodriguez M, Freilij H, Altcheh J, Vazquez L, Corazza R, Dalla Fontana M, Arienti H, Sturba E, Gonzalez Ayala S, Cecchini E, Salomon C, Nadal M, Gutierrez N, Guarnera E. Argentine Consensus of Congenital Toxoplasmosis. Medicina. B Aires 2008; 68(1):75-87.
11. Acosta de Hetter ME, Ocampo Fernández L, González Vatteone C, Arévalo de Guillen Y, Aria Zaya L, Rojas Segovia A, Bernal Vera C, Acosta de Hetter ME. Prevalencia de baja avidez de Inmunoglobulina G anti Toxoplasma gondii y comportamiento de riesgo para toxoplasmosis en embarazada. Rev Nac Itauguá. 2023; 15(2):014-028.
12. Wang W, Gong QL, Li MH, Wei XY, Chen Y, Jiang J, Ni HB, Lyu C, Wang CR. The prevalence of Toxoplasma gondii in sheep in China: A systematic review and meta-analysis. Res Vet Sci 2021; 138:19-29.
13. Moro JC, Moreira NM. Clinico-epidemiological and sociodemographic profile of HIV/AIDS patients who are co-infected with Toxoplasma gondii in the border region of Brazil. An Acad Bras Cienc. 2020; 20;92(4):e20200293.
14. Hasan MF, Harun AB, Hossain D, Bristi SZT, Uddin AHMM, Karim MR. Toxoplasmosis in animals and humans: a neglected zoonotic disease in Bangladesh. J Parasit Dis 2024; 48(2):189-200.
15. Instituto brasileiro de geografia e estatistica. IBGE. População [Internet]. 2022 [cited 2024 Aug 11]. Available from: https://censo2022.ibge.gov.br/panorama/?utm_source=ibge&utm_medium=home&utm_campaign=portal.
16. Ministério da Saúde. Informações de Saúde (TABNET) – DATASUS [Internet]. 2024 [cited 2024 Jun 04]. Available from: https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude-tabnet/.
17. Instituto brasileiro de geografia e estatística. IBGE. Áreas dos municípios [Internet]. 2024 [cited 2024 Aug 11]. Available from: https : //www.ibge.g.br /g/orga-do -territórios/estr-Terri/157-ar-dos -m.ht.
18. Mann, HB. Teste não paramétrico contra tendência. Econometrica 1945; 13, 245-259.
19. Honfei, L, Calder CA, Cressie N. Beyond Moran’s I: Testing for Spatial Dependence Based on the Spatial Autoregressive Model. Geogr Anal 2007; 39(4):357–75.
20. Anselin, L. Local Indicators of Spatial Association-LISA. Geogr Anal 1995; 27(2):95-115.
21. Sadegi Hariri S, Heidari Z, Habibzadeh S, Shahbazzadegan S. Seroprevalence of Toxoplasma gondii among Pregnant Women in Ardabil, Iran (2021-2022). Iran J Parasitol 2023; 18(1):93-99.
22. Strang AGGF, Ferrari RG, do Rosário DK, Nishi L, Evangelista FF, Santana PL, de Souza AH, Mantelo FM, Guilherme ALF. The congenital toxoplasmosis burden in Brazil: Systematic review and meta-analysis. Acta Trop 2020; 211:105608.
23. Dhombres F, Friszer S, Maurice P, Gonzales M, Kieffer F, Garel C, Jouannic JM. Prognosis of Fetal Parenchymal Cerebral Lesions without Ventriculomegaly in Congenital Toxoplasmosis Infection. Fetal Diagn Ther 2017; 41(1):8-14.
24. Aikes S, Rizzotto MLF. A saúde em região de fronteira: o que dizem os documentos do Mercosul e Unasul. Saúde Soc 2020; 29(2):180196.
25. Melo MS, Freitas LRS de, Lima-Júnior FEF, Vargas A, Pereira J dos S, Brito-Júnior P de A, Oliveira RC, Menzes JS, Borghesan TC, Figueiredo JA, Moreira RVR, Cruz AM, Ribeiro A, Raiol T, Lima SVMA, Bezerra-Santos M, Santos AD, Ribeiro CJN, Vasconcelos VV. Spatial pattern of congenital toxoplasmosis incidence and its relationship with vulnerability and national health indicators in Brazil. Spat Spatiotemporal Epidemiol 2024; 51:100693.
26. Ramos RCF, Palmer JPS, Dib LV, Lobão LF, Pinheiro JL, Santos CR, Uchôa CMA, Bastos OMP, Silva-Junior HP, Fonseca ABM, Amendoeira MRR, Barbosa AS. Soropositividade e fatores de risco associados à infecção por Toxoplasma gondii em pacientes atendidos no Laboratório Municipal de Oriximiná, estado do Pará, Brasil. Rev Pan-Amaz Saude 2021; 12: e202100476.
27. Dias A de CL, Camacho ENPR, Guedes Ísis M, Rabelo PKT, Matos DC, Cunha NF, da Silva SVR, de Morais LA. Educação em saúde como ferramenta no pré-natal: a informação de gestantes sobre prevenção da toxoplasmose congênita. CLCS 2024; 17(2):1-19.
28. Mareze M, Benitez ADN, Brandão APD, Pinto-Ferreira F, Miura AC, Martins FDC, Caldart ET, Biondo AW, Freire RL, Mitsuka-Breganó R, Navarro IT. Socioeconomic vulnerability associated to Toxoplasma gondii exposure in southern Brazil. PLoS One 2019;14(2): e0212375.
29. Wehbe K, Pencole L, Lhuaire M, Sibiude J, Mandelbrot L, Villena I, Picone O. Hygiene measures as primary prevention of toxoplasmosis during pregnancy: A systematic review. J Gynecol Obstet Hum Reprod 2022; 51(3):102300.
30. Organização Pan-Americana de Saúde – OPAS. Acesso à saúde para mulheres migrantes continua sendo um desafio nas Américas. [Internet]. 2019. [cited 2025 Ago 31]; Available from: https://www.paho.org/pt/noticias/11-3-2019-acesso-saude-para-mulheres-migrantes-continua-sendo-um-desafio-nas-americas?utm_source=chatgpt.com
31. Brasil. Manual de gestação de alto risco. Ministério da saúde [Internet]. 2022 [cited 2024 Ago 22]; Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_gestacao_alto_risco.pdf.
32. Conitec. Ampliação do uso do teste do pezinho para a detecção da toxoplasmose congênita [Internet]. 2020 [cited 2024 Aug 11]. Available from: https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/consultas/relatorios/2020/sociedade/resoc185_teste_pezinho_toxoplasmose.pdf
33. Brasil. Atenção ao pré-natal de baixo risco. Cadernos de Atenção Básica, n° 32. Ministério da saúde [Internet]. 2012 [cited 2024 Ago 22]; Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_32_prenatal.pdf.
34. Brasil. Vigilância da toxoplasmose congênita e gestacional – Protocolo de notificação e investigação. In: Transmissíveis DdVdD. Ministério da saúde [Internet]. 2018 [cited 2024 Ago 22]; Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/protocolo_notificacao_investigacao_toxoplasmose_gestacional_congenita.pdf.
35. Evangelista FF, Mantelo FM, Lima KK, Marchioro AA, Beletini LF, Souza AH, Santana PL, Riedo CO, Higa LT, Guilherme ALF. Prospective evalution of pregnant women with suspected acute toxoplasmosis treated in a reference prenatal care clinic at a university teaching hospital in Southern Brazil. Rev Inst Med Trop Sao Paulo 2020; 62:e46.
36. Governo de Santa Catarina. Manual técnico de orientações sobre o manejo da Toxoplasmose [Internet]. 2022 [cited 2024 Ago 15] Available from: https://dive.sc.gov.br/phocadownload/doencas-agravos/Toxoplasmose/Publica%C3%A7%C3%B5es/Manual-Toxoplasmose-Agosto-2022-2.pdf
37. Paschoal ATP, Correa Bernardes J, Luciano Nadal A, Vilas Boas JS, Dos Santos Silva AC, Cabral Monica T, Teles Caldart E, Pinto-Ferreira F, Dario Capobiango J, Navarro IT, Mitsuka-Breganó R. Evaluation of implementation of the primary, secondary and tertiary prevention measures of the Surveillance Program of Gestational and Congenital Toxoplasmosis in the city of Londrina-PR. Transbound Emerg Dis 2022; 69(3):1449-1457.
38. Falavina LP, Lentsck MH, Mathias TAF. Trend and spatial distribution of infectious diseases in pregnant women in the state of Paraná-Brazil. Rev Lat Am Enfermagem 2019; 27:e3160.
39. Nascimento ARD, Menezes JL. O papel do enfermeiro no pré-natal de risco habitual. REASE 2024; 10(5):5631-48.
40. Afonso JA, Kellem K, Jones KM. Percepção das gestantes frente ao pré-natal prestado pelo enfermeiro. RBPeCS 2015; 2(1):22–6.


