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0178/2025 - Violence suffered by elderly people deprived of liberty in the light of Social Ecological Theory
Violência sofrida por idosos privados de liberdade à luz da Teoria Social Ecológica

Author:

• Raquel Alves de Oliveira - Oliveira, RA - <raquelalvesgw@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0136-1276

Co-author(s):

• Rodrigo Lopes de Paula Souza - Souza, RLP - <rodrigolopessouza70@gmail.com>
ORCID: http://orcid.org/0000-0001-8634-2383
• Sabrina Freitas Nunes - Nunes, SF - <sabrina.freitas@urca.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1442-0092
• Purdenciana Ribeiro de Menezes - Menezes, PR - <dencinharibeiro@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5654-3958
• Janaína Fonseca Victor Coutinho - Coutinho, JFV - <janaina.victor@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7451-0132
• Samila Gomes Ribeiro - Ribeiro, SG - <samilagomesribeiro@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4775-5852
• Paula Renata Amorim Lessa Soares - Soares, PRAL - <paularenatal@yahoo.com.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1629-443X
• Ana Karina Bezerra Pinheiro - Pinheiro, A.K.B - <anakarinaufc@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3837-4131


Abstract:

Objective: To analyze the violence experienced by older adults in the prison system through the lens of the Social Ecological Theory. Method: This is a cross-sectional study conducted with 262 older adults deprived of liberty across all prison units in the macro-regions of the state of Ceará, Brazil. Data collection took place from May to September 2022 using instruments to assess sociodemographic and prison-related profiles, implemented through the electronic questionnaire platform LimeSurvey. The categorized variables were structured according to the dimensions of the Social Ecological Theory and were associated with the outcome of experiencing violence within the prison system. Results: The analysis revealed a statistically significant association between the outcome of experiencing violence and the following categorized variables: protection within the prison system, contracting illnesses in prison, access to prison health services, and treatment received from law enforcement officers. In other words, older adults deprived of liberty are more vulnerable to violence in prison settings under the outcomes identified and within the framework of socioecological dimensions.
Conclusion: It is concluded that the prison environment increases the likelihood of older adults experiencing violence, reinforcing the premise of Social Ecological Theory that the environment significantly influences health and disease processes.

Keywords:

Prisons; Violence; Vulnerable Populations; Aged.

Content:

Introdução
Pode-se definir o envelhecimento como um processo fisiológico de mudanças no ser humano, sendo considerado idoso um indivíduo com idade igual ou superior a 60 anos para os países em desenvolvimento. Em relatório sobre perspectivas mundiais da população realizado em 2022, a população idosa mundial irá atingir 994 milhões em 2030 e 1,6 bilhão em 2050. Em 2022, aproximadamente 10% das pessoas têm 65 anos ou mais, podendo chegar a 12% em 20301.
Destaca-se que o processo de envelhecimento acarreta alterações que podem ocasionar mudanças no estilo de vida decorrentes da perda funcional e fragilidades em determinados indivíduos. Para tanto, o cuidado à pessoa idosa deve ser realizado de forma adaptada à realidade de saúde a qual essa população está exposta2,3.
Dessa forma, é necessário promover a qualidade de vida desses indivíduos, tendo em vista que a Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) reconhecem que o desenvolvimento dos países somente será possível se todas as idades forem incluídas, sinalizando a importância de promover a saúde desse grupo populacional4. Além disso, 2021-2030 foi elencada como a Década do Envelhecimento Saudável, incentivando governos, sociedade civil e setores privados para promover ações colaborativas para melhorar a vida das pessoas idosas, suas famílias e suas respectivas comunidades, considerando as suas vulnerabilidades, independente do contexto, inclusive o ambiente prisional5.
Nesse contexto, observa-se um crescimento incessante de reclusos mais velhos nas populações prisionais a nível nacional e internacional6,7. No Brasil, a população prisional vem crescendo progressivamente, evidenciando que o país detém o terceiro maior quantitativo de detentos do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da Rússia6. Entretanto, o número de idosos privados de liberdade é pequeno, quando comparado aos jovens, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) o número de indivíduos com idade entre 45 e 60 anos representam 59.768 (9,3%) e maior de 60 anos representam 12.121 (1,89%) indivíduos no ano de 20226,8.
O crescimento exponencial de idosos em prisões no Brasil é observado mediante os dados do Relatório de Informações Penais (RELIPEN) de 2024, com um crescimento de 11.288 internos acima de 60 anos de 2005 a 2024. A expansão de idosos no sistema penal acompanha à carência de cuidados específicos, à violência estrutural e às condições arquitetônicas das unidades prisionais, frequentemente superlotadas, insalubres e propícias à disseminação de doenças, impõe relevantes implicações financeiras, operacionais e éticas à sociedade. A insuficiência de atenção à saúde dessa população vulnerável, particularmente suscetível ao adoecimento físico, cognitivo e mental, compromete a efetividade das legislações voltadas à garantia de direitos fundamentais, além de ameaçar a preservação da dignidade humana em contextos institucionalmente despreparados para acolhê-la de forma adequada8,9,10.
As necessidades de cuidados em saúde dos internos idosos crescem com aumento da prevalência de condições crônicas em saúde e declínio cognitivo, reforçando a implementação de medidas específicas de atendimento e a importância de promover intervenções e adaptações considerando essa população11,12,13.
Além das vulnerabilidades em saúde dos indivíduos idosos privados de liberdade, é válido destacar que muitos ainda sofrem com a violência dentro do sistema. Em um estudo longitudinal qualitativo que buscou compreender as experiências de idosos no sistema prisional, houve relatos de cuidados médicos, abuso e violência por parte de funcionários e de outros presos. Ainda, após a libertação, os participantes relataram sentir ansiedade e estresse relacionados às suas experiências na prisão. Esse estudo evidenciou as experiências desses indivíduos e o reflexo de mecanismos de enfrentamento e resiliência no ambiente prisional e sua correlação com aspectos psicossociais14.
Nesse contexto, baseado no pressuposto da Teoria Social Ecológica (TSE) que analisa comportamentos individuais que resultam de relações recíprocas de interações dentro e entre o ambiente social e físico do indivíduo, pode-se perceber que as características dos indivíduos, a atividade que eles realizam, bem como os papéis que desempenham estão intimamente relacionados ao meio ao qual estão inseridos e os níveis em que estão estruturados os ambientes influenciam a dinâmica do desenvolvimento humano e os processos de saúde e doença15,16. Dessa forma, analisar a violência sofrida por idosos no contexto prisional à luz da TSE torna-se relevante uma vez que pode colaborar na compreensão da influência do ambiente prisional no comportamento do indivíduo e na sua forma de lidar com as diferentes formas de violência.
Com base neste contexto, ressalta-se a importância da Enfermagem como promotora de um cuidado integral, tendo em vista que os profissionais devem atuar na promoção de um cuidado direcionado a cada indivíduo, considerando às suas vulnerabilidades nos contextos que estão inseridos e suas faixas etárias, situações de violência a formas de prevenção, refletindo, portanto, na assistência de qualidade. Além disso, o estudo poderá auxiliar na estruturação de políticas públicas para a saúde da população idosa privada de liberdade, ao contribuir para a melhoria da assistência em saúde prestada para esta, além de inspirar novas pesquisas que aprofundem temáticas relacionadas a essa população considerando o contexto de violência.
Dessa forma, objetiva-se analisar a violência sofrida por idosos no sistema prisional à luz da Teoria Social Ecológica.
Método
Tipo de Estudo
Trata-se de um estudo transversal e correlacional norteado pelo Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE), validado de acordo com o desenho de pesquisa observacional17. O estudo é um recorte de uma pesquisa multimétodos intitulada “Promoção da saúde e qualidade de vida no sistema penitenciário do Ceará” financiada pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FUNCAP que tinha como objetivo avaliar a saúde, a qualidade de vida dos policiais, da População Privada de Liberdade (PPL), bem como realizar o censo penitenciário do Ceará.
Cenário
A pesquisa foi realizada em unidades prisionais de todas as macrorregiões do Estado do Ceará com a amostra total da coleta composta por todos os indivíduos privados de liberdade do estado do Ceará, totalizando 20.637 indivíduos.
Período
A coleta de dados ocorreu de maio de 2022 a setembro de 2022.
População, amostra e critérios de seleção
Do total de 20.637 indivíduos, para este estudo, foram considerados apenas os indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos que responderam a versão do instrumento que visava levantar o perfil geral da população, totalizando 262 indivíduos. Foram excluídos os indivíduos privados de liberdade que, por algum motivo relacionado à rotina institucional, não estavam disponíveis no momento da coleta de dados ou não conseguiram responder o instrumento devido algum problema mental diagnosticado pelos psicólogos e psiquiatras da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização.
Coleta de Dados
Para a coleta de dados, contou-se com uma equipe de 50 indivíduos, dentre eles, psicólogos, psiquiatras, sociólogos, enfermeiros, estudantes da graduação e pós-graduação dos cursos de Psicologia, Enfermagem e Sociologia da Universidade Federal do Ceará e profissionais do sistema penal. A equipe responsável pela coleta de dados foi previamente treinada e fazia parte do projeto responsável pela realização do censo penitenciário do Ceará. Com isso, foram montadas estruturas nas quadras das unidades prisionais com 50 computadores, mantendo o distanciamento de dois metros entre cada coletador, respeitando o sigilo das informações fornecidas pelos participantes. Os policiais penais conduziram os internos e fizeram a segurança, durante a entrevista, afastados também a uma distância que garantisse a privacidade das respostas. Os internos foram orientados a permanecer com as mãos contidas para frente durante toda a entrevista.
Os entrevistadores participaram de treinamentos, com duração de oito horas, sobre a aplicação dos instrumentos, formas de abordagem e preenchimento correto dos dados das variáveis, além de utilizarem crachá para identificação nos períodos de coleta. Devido o sistema prisional ter uma restrição de acesso, os entrevistadores eram funcionários do próprio sistema que auxiliaram na pesquisa, sendo remanejados para as outras unidades, que não fossem seus próprios locais de trabalho.
Os coletadores se deslocavam até as unidades prisionais em dois ônibus da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (SAP). As unidades já estavam equipadas e preparadas com os computadores nos pátios no dia anterior da coleta. O tempo de coleta em cada unidade variou de acordo com a quantidade de internos.
Toda a PPL foi convidada a participar da pesquisa e para a análise direcionou-se os dados para a PPL com idade igual ou superior a 60 anos. Foi observada a aceitação de todos de acordo com os critérios de inclusão supracitados.
O instrumento de coleta de dados foi um recorte do instrumento utilizado de Lima, Santos e Aquino (2014) adaptado e validado para a coleta dos dados sociodemográficos e prisionais18. Os instrumentos foram incorporados em uma ferramenta de questionário eletrônico denominada LimeSurvey®, que é um software livre utilizado para a aplicação de questionários de pesquisa online, totalizando 162 questões.
Análise dos dados
Para análise dos dados, as variáveis foram categorizadas considerando as dimensões propostas pela Teoria Social Ecológica (1996)19 e foram associadas com o desfecho dos idosos de ter sofrido violência dentro do sistema prisional.
De acordo com essa teoria, os níveis são dispostos em forma de circunferências sobrescritas que simbolizam a correlação entre os sistemas, sobrepostos, sendo classificados como: microsistema, messossistema, exossistema e macrossistema. No nível mais interno, denominado microssistema, está o ambiente imediato do indivíduo, caracterizado por suas relações mais próximas, como com a família, o trabalho, a vizinhança próxima e a escola. No mesossistema (segundo nível), encontram-se as relações entre o primeiro nível (microssistema), as relações interpessoais. O exossistema (terceiro nível) refere-se a ambientes que afetam diretamente o desenvolvimento dos indivíduos. Por fim, o nível mais externo (macrossistema), envolve os elementos relacionados à temporalidade, como os sistemas de valores e crenças, contexto político e econômico19.
A saber, as variáveis preditoras consideradas nesta pesquisa foram as variáveis do microssistema e mesossistema: identidade de gênero, etnia, situação conjugal, orientação sexual, religião, naturalidade, ter filhos, escolaridade, ter doença crônica, ter deficiência, uso de psicotrópicos, ter trabalho anterior ao período prisional, ter transtorno mental, autoavaliação da qualidade de vida (avaliada por meio da percepção deles, não sendo aplicado uma escala específica), histórico de prisão anterior, ter ou ter tido proteção na prisão (algum tipo de associação entre os presos para fornecer proteção), ter familiar preso e receber visita do cônjuge.
As variáveis do exossistema e macrossistema elencadas foram: realizar transferência de unidade prisional, número de detentos por cela (categorizados de acordo com a resolução 09/2011 que afirma, no seu texto original, que a cela coletiva não deve exceder 8 pessoas)20, contrair doenças na unidade prisional, tempo de prisão, acesso aos serviços de saúde prisional, recebimento de orientações e testagens sobre Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) no sistema prisional, trabalhar no sistema prisional, estudar no sistema prisional e o tratamento recebido por policiais. Além disso, a variável desfecho elencada foi a violência no sistema prisional.
As análises foram realizadas no software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS)®. Quanto às associações, foram feitas por meio dos Testes Exatos de Fisher ou Qui-Quadrado, pois foram aplicados para identificar associação entre as variáveis categorizadas no microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema com o desfecho de sofrer violência no sistema prisional, adotando-se o valor de p significativo quando menor que 0.05 e um intervalo de confiança de 95%.
Aspectos Éticos
A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará e recebeu parecer favorável, sendo aprovado sob o número: 5.379.780. Os princípios éticos e legais vigentes no Brasil foram respeitados, de acordo com o Conselho Nacional de Saúde, estabelecidos na Resolução nº 466/2012.
Resultados
Quanto ao perfil da amostra do estudo, há 262 (1,26%) idosos privados de liberdade (1,26%) do total de 20.637 indivíduos privados de liberdade) distribuídos nas 19 unidades prisionais do Ceará. Com relação a identidade de gênero e a orientação sexual, maioria eram homens cisgênero 255 (97,3%) e heterossexuais 258 (98,4%). Em outros quesitos sociodemográficos, as PPL da amostra tinham mediana de idade de 64 anos, com mínimo de 60 e máximo de 85 anos. Para o desfecho do estudo, 40 (15.26%) idosos sofreram violência.
As associações correlacionadas as camadas microssistema e mesossistema foram feitas com o desfecho do histórico de violência no sistema prisional, que estão dispostas na Tabela 1 a seguir.
Tabela 1: Associação das variáveis relacionadas as camadas microssistema e mesossistema da população idosa privada de liberdade com o histórico de violência no sistema prisional. Macrorregiões do estado do Ceará, 2023.

Tab. 1

Sobre as associações com as vulnerabilidades relacionadas as camadas do microssistema e mesossistema da Tabela 1, nota-se significância estatística com a variável proteção no sistema prisional, visto que o não recebimento de proteção apresentou 3 vezes mais chance de sofrer violência no sistema prisional (p<0.000; RP=3.8; IC=1.710– 8.562).
Após os cruzamentos com as variáveis relacionadas as camadas microssistema e mesossistema, foram investigadas as relações do histórico de violência com a vulnerabilidades relacionadas as camadas do exossistema e macrossistema, demonstradas na Tabela 2 a seguir.
Tabela 2: Associação das variáveis relacionadas as camadas do exossistema e macrossistema da população idosa privada de liberdade com o histórico de violência no sistema prisional. Macrorregiões do estado do Ceará, 2023.

Tab. 2

Sobre as associações com as camadas do exossistema e macrossistema da Tabela 2, identificou-se significância estatística com a variável de contrair doenças no sistema prisional (p=0.035; RP = 2,0; IC = 1.043–4.187), na qual o histórico de violência foi mais prevalente nos idosos que contraíram doenças no sistema prisional. Além disso, com a variável acesso aos serviços de saúde prisional, visto que não ter acesso apresentou 3 vezes mais chances de sofrer violência no sistema prisional (p=0.005; RP=3.7; IC=1.710– 8.562). Além disso, também apresentou significância estatística o tratamento recebido por policiais, tendo em vista que os indivíduos insatisfeitos apresentavam 2 vezes mais chance de sofrer violência no sistema (p=0.004; RP=2.73; IC=1.430-9.739).
Discussão
A análise dos resultados possibilitou o estabelecimento de maiores chances para violência direcionada a adultos idosos no sistema prisional. As condições vivenciadas no cárcere associadas ao histórico de violência, foram representadas mediante a Teoria Social Ecológica (TSE), que externaliza a individualidade e atribui inferências ambientais no desenvolvimento humano. Nesse contexto, condições como a reduzida proteção no sistema penitenciário, inacesso aos serviços de saúde, aquisição de doenças no sistema prisional e insatisfação dos detentos com o tratamento policial, ampliam as práticas de violência para esse grupo, que compassadamente expande no sistema penitenciário.
Ao considerar especificidades sociodemográficas de idosos encarcerados, a representatividade de homens cisgênero, não brancos e de baixa escolaridade, são semelhantes aos padrões relatados na literatura. Estudo indica encarceramento de 1,4 vezes maior em idosos masculinos comparado ao público feminino, sobretudo de baixas condições socioeconômicas e não brancos21. Com relação ao perfil racial, um estudo com participantes de penitenciária masculina da África do Sul evidenciou que 75% dos reclusos são negros, o que corrobora com o perfil dos achados encontrados22.
Nesse ínterim, percebe-se que a individualidade e identidade de gênero transpassa e pode ser influenciada pelo ambiente, em que o social, econômico, cultural, familiar e o comportamento humano, interagem no desenvolvimento cognitivo, moral, emocional e ético. Manifestado pelas elevadas taxas de encarceramento de idosos e nas dinâmicas entre os grupos coexistentes no sistema prisional, em que a relação entre internos, agentes de segurança, promotores de saúde e o sistema judiciário determinam a reclusão com finalidade de ressocialização ou naturalização da violência, seja física, psicológica, sexual, institucional/social e a negligência.
No presente estudo, 15,26% de idosos da amostra relataram que sofreram violência e essa foi significativamente mais expressiva em idosos que relataram não sentir proteção no sistema por outros presos e que estavam insatisfeitos com o tratamento policial destinado a eles. Em outro estudo com o objetivo de retratar as agressões vivenciadas por internos masculinos, a porcentagem da violência sofrida foi maior, com 46,6% de idosos violados, sua maioria por roubo de bens, seguidos de violência verbal, física e sexual, cometidas majoritariamente por presos mais jovens, com posterior denúncia para oficiais penitenciários ou chefes da prisão22.
Nesse contexto, percebe-se que a violência produzirá diversos desfechos negativos na saúde dos idosos, sobretudo no que se refere à saúde mental. Corroborando tal afirmação, estudo mostra que reclusos idosos que vivenciaram agressões na prisão tinham maior chance de relatar um diagnóstico de perturbação depressiva (OR = 2,015, p<0,01), sintomas de depressão (OR = 1,455, p< 0,05) e esquizofrenia/psicose (OR = 1,724, p< 0,05). Outras implicações consideraram o gênero, com a vitimização e o isolamento/ociosidade associados ao diagnóstico de transtorno mental para homens e a violência sexual com maiores impactos mentais para as mulheres23.
Assim, torna-se necessário discutir condutas assistenciais em saúde frente às violências, sobretudo aos impactos na saúde individual e coletiva e o agravamento dos quadros clínicos ao considerar comorbidades comuns em pessoas idosas24. Os desafios para continuidade do cuidado são percebidos nos dados obtidos na presente pesquisa, em que a falta de acesso a saúde mostrou-se como uma maior chance para que os idosos sofram violência no sistema prisional. Dessa forma, considerando fragilidades no acompanhamento, negligências frente aos problemas múltiplos de saúde e enfrentamento ineficaz das comorbidades, pode-se afirmar que os idosos estão em um contexto maior de vulnerabilidade, como vítimas de um sistema prisional organizado, estruturado e construído para jovens25.
E, ainda que unidades prisionais trabalhem com programas para fortalecer o processo de saúde mesmo em ambientes ou situações adversas, ao fornecer educação sobre saúde, nutrição, atividade física, programação artística, grupos de apoio e outros serviços sociais que podem atuar na diminuição de doenças cardiometabólicas, proporcionar bem-estar e promoção da saúde, para pessoas idosas, não é uma realidade completamente exequível25.
Deste modo, há desafios para promover saúde no ambiente prisional, especialmente para a população idosa, que estão mais vulneráveis em decorrência do isolamento familiar e da exposição a contatos sociais indesejados pelo risco da vitimização por outros internos25,26. Além das comorbidades cognitivas, psicológicas e físicas, esta última, distribuída em hipertensão, problemas oculares (por exemplo, catarata), artrite, diabetes mellitus, problemas cardíacos, colesterol alto, problemas na próstata, Infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), asma e tuberculose.
Ademais, devido às limitações, sejam elas físicas, cognitivas ou mentais, requer, na maioria das vezes, rede de apoio para realização de suas atividades de vida diária, o que é inviável no sistema prisional, requerendo auxílio dos profissionais de saúde. Ideia confirmada por estudo qualitativo, em que internos geriátricos, especialmente com transtornos mentais, necessitavam 24 horas de cuidados de enfermagem. Isso, além dos efeitos mentais na saúde física, reduzindo funcionalidade e mobilidade em um ambiente pobre de acessibilidade, limitado a realização de atividades básicas diárias8.
Por outro lado, estudo sobre eventos de suicídio entre idosos em prisões alemãs, com 1.067 casos de suicídio de 2000 a 2013, revelou que o acesso a saúde dentro das unidades prisionais entre idosos masculinos foi superior ao ambiente externo, e o indivíduo com diagnóstico de perturbação mental recebeu medicações e aconselhamento/terapia em maior proporção dentro das unidades, quando comparados com o acesso à saúde fora da prisão23. Assim, essa controvérsia demonstra a necessidade maior de pesquisas que se debrucem sobre o cárcere de idosos, a fim de clarificar e guiar as condutas de profissionais de saúde e gestores do sistema prisional, uma vez que há enormes diferenças na estrutura e serviços de saúde nos diversos estados do Brasil.
E em função de singularidades estruturais, percebe-se a prevalência de doenças não transmissíveis, observada em uma revisão sistemática sobre a população prisional que pontuou que o controle e escassez de atividades físicas, dieta rica em gordura e sódio, e menores porções de frutas e vegetais, potencializa o adoecimento27. Adoecimento este, que ocasiona maior chance de sofrer violência, como visto nos achados, pois a variável contrair doenças no sistema prisional foi associada ao histórico de violência nos idosos e a maior vulnerabilidade a qual esses indivíduos estão expostos.
Em síntese, a maior chance para ocasionar violência na população privada de liberdade idosas interseccionam causas e consequências para situação de vulnerabilidade. As motivações criminológicas, a vivência da violência física, sexual, psicológica, e sobretudo social, ancorada na desassistência à saúde e suas implicações, contribuem para a institucionalização de pessoas, principalmente de idosos. E ao associar teoria socioecológica e a vivência da reclusão/exclusão, o ambiente prisional para idosos institucionalizados pode ser a única referência de mundo e pertencimento, com possibilidade de naturalização da violência pelos longos anos do cárcere.
É válido destacar que as informações do estudo foram coletadas por meio de autorrelatos, o que pode ocasionar um viés relacionado a memória e ao sistema prisional que ocasiona esse tipo de limitação. O estudo é relevante ao possibilitar analisar o contexto de vulnerabilidade dos idosos no sistema prisional considerando as situações de violência a qual estão expostos para propor intervenções direcional e efetivas para tal realidade do ambiente prisional.

Conclusão
Conclui-se que, ao analisar a maior chance de violência contra idosos no sistema prisional mediante a Teoria Social Ecológica, o comportamento humano na sua individualidade e no cenário social, produzem violência. Atestado pela chance três vezes maior de ocorrer a violência na variável falta de proteção no sistema prisional do microssistema e mesossistema. De forma similar aos elementos do exossistema e microssistema: perfil de adoecimento, da falta de acesso ao serviço de saúde e da insatisfação com o tratamento policial, que determinam duas ou três vezes mais chance de agressões dentro do sistema penal. Nisso, associar a TSE a violência no sistema prisional, direcionou mecanismos de ação frente as desigualdades constitucionais nas ações públicas de saúde e do sistema de justiça, sendo possível identificar e atuar sobre os preditores da violência.
Assim, sugere-se pesquisas que abordam a equidade em saúde dos idosos no sistema de justiça com resoluções para adequação dos serviços de saúde, assistência social e de custódia, e os decisores políticos e os agentes/policiais prisionais na garantia do respeito à dignidade humana na vivência do sistema prisional.

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Oliveira, RA, Souza, RLP, Nunes, SF, Menezes, PR, Coutinho, JFV, Ribeiro, SG, Soares, PRAL, Pinheiro, A.K.B. Violence suffered by elderly people deprived of liberty in the light of Social Ecological Theory. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2025/Jun). [Citado em 10/08/2025]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/en/articles/violence-suffered-by-elderly-people-deprived-of-liberty-in-the-light-of-social-ecological-theory/19654?id=19654



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