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0086/2024 - Análise das implicações da pandemia covid-19 na mortalidade materna no Brasil em 2020-2021
Analysis of the implications of the COVID-19 pandemic on maternal mortality in Brazil in 2020-2021

Autor:

• Viviane Torqueti Felisberto Souza - Souza, V. T. F. S. - <viviquet@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0009-0009-5868-770X

Coautor(es):

• José Mendes Ribeiro - Ribeiro, J. M. - <ribeiro@ensp.fiocruz.br, ribeirojm@globo.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0182-395X



Resumo:

Trata-se de um estudo descritivo e Ecológico que analisou o comportamento da mortalidade materna durante a pandemia de covid-19 no Brasil em 2020 e 2021, tendo como base dados o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) no DataSUS e do Portal da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS). A partir das séries históricas das Razões de Mortalidade Materna (RMM) de 1996 a 2021, identificou-se uma mediana de 56,79/100.000 nascidos vivos concentradas nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que durante a pandemia subiu para 110,25/100.000 nascidos vivos. Desses óbitos, 40,5% estiveram relacionados a covid-19 e 70% ocorreram no período puerperal, afetando mulheres solteiras, pardas e com ensino médio. A Região Sul, Centro-Oeste e o DF, elevaram mais de 400% a RMM relacionada ao coronavírus. Identificamos a uma baixa adesão vacinal contra a covid-19 nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, com enorme disparidade entre o estado de São Paulo com (268,14%) e Roraima com apenas (4,57%) de cobertura vacinal neste grupo. Concluiu-se que a pandemia gerou efeitos trágicos na saúde materna, regredindo cerca de 20 anos as RMM no Brasil, impondo desafios ainda maiores ao cumprimento da Meta ODS 3.1 para redução da mortalidade materna no País.

Palavras-chave:

mortalidade materna; COVID-19; cobertura vacinal; ODS; Brasil.

Abstract:

This is a descriptive and ecological study that analyzed the behavior of maternal mortality during the covid-19 pandemic in Brazil in 2020 and 2021, based on databoth the Mortality Information System (SIM) at DataSUS and the Network Portal National Health Data (RNDS). From the historical series of Maternal Mortality Ratios (MMR)1996 to 2021, it was identified an average of 56.79 maternal deaths per 100,000 live births, concentrated in the North, Northeast, and Midwest regions, during the pandemic an increase of MMR to 110.25/100,000 live births. Of these deaths, 40.5% were related to Covid-19 and 70% occurred during the postpartum period, affecting brown, and high-school level of education women. The South, Midwest Regions and the Federal District increased the MMR related to the coronavirus by more than 400%. We identified a low adherence to vaccination against COVID-19 was observed in the North, Northeast and Midwest regions. With noteworthy disparities between the State of São Paulo there was a (268.14%) vaccination coverage of immunized pregnant and puerperal women, while in the State of Roraima there was only a (4.57%). As a conclusion, the pandemic had tragic effects on maternal health, setting back the MMR in Brazil by about 20 years, which poses even greater challenges to achieving SDG Target 3.1 for reducing maternal mortality in the country.

Keywords:

maternal mortality; COVID-19; vaccination coverage; SDG; Brazil.

Conteúdo:

INTRODUÇÃO
A mortalidade materna é uma das mais graves violações dos direitos humanos de mulheres, evitável em cerca de 92% dos casos com uma assistência ao parto e ao nascimento de qualidade 1. Em 2019, antes do início da pandemia, dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicavam que, diariamente, cerca de 830 mulheres morriam no mundo por complicações relacionadas com gravidez, parto ou puerpério, principalmente em países em desenvolvimento 2.
Após ser declarada como Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional em fevereiro de 2020, a infecção por SARS-CoV-2 rapidamente se espalhou em decorrência da alta transmissibilidade e mortalidade em diferentes grupos populacionais e exigiu respostas governamentais imediatas 3 4.
As mutações do vírus e o surgimento das novas variantes agravaram os riscos, principalmente nos grupos com maior vulnerabilidade. Em decorrência das mudanças fisiológicas do corpo das mulheres na gestação e no parto, estas já eram consideradas um grupo de risco com alto potencial para evoluir com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), necessitando de suporte ventilatório e cuidados intensivos, além do risco de evoluir com complicações no parto e no puerpério 5 6.
Cientes da magnitude do excesso de mortalidade materna no Brasil durante a pandemia de covid-19, o objetivo deste artigo é analisar o comportamento da mortalidade materna durante a pandemia de covid-19 no Brasil em 2020 e 2021.
A letalidade da covid-19 em gestantes e puérperas no Brasil teve seu ápice em maio de 2021, onde a média móvel chegou a 47,9 óbitos por semana e atingiu, ao final de 2021, a mais de 2039 óbitos registrados 7. Inúmeros fatores relacionaram-se com essas mortes, tais como: as vulnerabilidades, as iniquidades sociais, as fragilidades na assistência prestada à saúde da mulher e os problemas do Sistema Único de Saúde (SUS) nas diferentes regiões do País, bem como o medo e a insegurança de acessar os serviços de saúde durante o auge da pandemia 8 6.
A vacinação contra a covid-19 era a única ferramenta capaz de conter os avanços da infecção, proteger a frente de trabalho e reduzir os colapsos dos serviços de saúde durante a crise sanitária. Houve um esforço global liderado pela OMS para produção de uma vacina eficaz e segura, que fosse disponibilizada de forma equitativa e igualitária para todos os países, cabendo aos governos iniciativas, investimentos e organização para oportunizar a maior campanha de vacinação da história 9.
No Brasil, a vacinação foi iniciada em janeiro de 2021 pelos grupos priorizados dos profissionais de saúde, indígenas, idosos e portadores de comorbidades. Gestantes e puérperas com comorbidades foram incluídas no calendário em março de 2021, mas, em abril, a vacinação foi suspensa por investigação de eventos adversos e retomada em julho de 2021 para todas as gestantes segundo o calendário da campanha de vacinação 10 11.
Até meados de setembro de 2021, o Brasil era responsável por 50% dos óbitos maternos por covid-19 na América Latina 12. Diferentes acordos internacionais efetuados desde a década de 1990 convergiram para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), pactuado por 193 lideranças mundiais em setembro de 2015, e dentre as metas, propõem até 2030 reduzir a mortalidade materna para 30 óbitos maternos a cada 100 mil nascidos vivos 2.
A mortalidade materna é um grave problema de saúde pública no Brasil e apresenta grandes diferenças regionais as quais foram ampliadas pela covid-19 iniciada em 2020. Com o colapso dos sistemas de saúde público e privado em todo o mundo, a alta letalidade em diferentes grupos populacionais e o excesso de mortalidade materna fizeram com que houvesse uma regressão de cerca de 20 anos de avanços na redução das Razões de Mortalidade Materna (RMM).

METODOLOGIA
Trata-se de um estudo descritivo e ecológico tendo como unidades de análises as Razões de Mortalidade Materna (RMM), os óbitos maternos causados ou associados a infecção por covid-19 ocorridos em 2020 e 2021 e a cobertura a vacinal de covid-19 em gestantes e puérperas no Brasil em 2021. O contexto é analisado segundo Unidades da Federação (UF) e eventos de política pública expressos em linha do tempo.
Foi realizada uma revisão bibliográfica por seleção intencional sobre mortalidade materna e relação com as metas do ODS 3.1 de redução da RMM global para menos de 70 mortes por 100.000 nascidos vivos até 2030, mortalidade materna por covid-19 e vacinação no Brasil. A pesquisa em bases de dados do Sistema Único de Saúde (SUS) foi realizada no Sistema de Mortalidade Materna (SIM) e no Sistema de Informação em Nascidos Vivos (SINASC) para fins de análise das séries históricas de mortalidade materna geral. As informações sobre o número de doses de vacinas aplicadas em gestantes, puérperas e Mulheres em Idade Fértil (MIF) no Brasil foram obtidas no painel Vacinômetro COVID-19 disponível no site do Departamento de Monitoramento, Avaliação e Disseminação de Dados e Informações Estratégicas em Saúde (DEMAS) 13.
Os principais desafios da coleta, organização e análise destes dados relacionaram-se a se tratar de um evento novo, à fragmentação dessas bases e à ausência de informações atualizadas.
Os dados sobre mortalidade materna foram obtidos no SIM, segundo informações de 4 de agosto de 2022 para construir as séries históricas de mortalidade materna no Brasil de 1996 a 2020 e e de 7 de setembro de 2022 para analisar a mortalidade materna por covid-19 em 2020 e 2021. Estes dados referem-se à Declaração de Óbitos Maternos (Domat) de 2021 e foram atualizados em julho de 2022. A consulta teve como variável de desfecho todos os óbitos que continham na Declaração de Óbito (DO), seja como causa terminal, antecedentes, consequencial ou causa contribuinte dos óbitos e contendo um ou mais CID-10 de uso emergencial publicado pela OMS em 10 de fevereiro de 2020 14.
Os registros do CID-10 de desfechos foram: B 34- doenças por vírus, de localização não especificada; B 34.2-Infecção por coronavírus de localização não especificada; B 97.2-Coronavírus, como causa de doenças classificadas em outros capítulos; U04- Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS); U04.9 - Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS); U 07.1-Infecção pelo novo Coronavírus (COVID-19); U 07.2COVID-19, vírus não identificado; U 08- História pessoal de COVID-19; U 08.9 -História pessoal de COVID-19, não especificada; U 09- Condição pós-COVID-19; U 09.9- Condição de saúde posterior a COVID-19, não especificada; U 10- Síndrome inflamatória multissistêmica associada a COVID-19; U 10.9- Síndrome inflamatória multissistêmica associada a COVID-19, não especificada; U 12- Vacinas COVID-19 que causam efeitos adversos no uso terapêutico; U 12.9- Vacinas COVID-19 que causam efeitos adversos no uso terapêutico, não especificado.
Para elaborar os cálculos da RMM, utilizamos os dados do Sistema de Informações Sobre Nascidos Vivos (Sinasc) com o número total de nascidos vivos retirados pelo Tabnet e multiplicado por 100 mil. Os dados para a avaliação da cobertura vacinal basearam-se no número de doses de vacina contra a covid-19 aplicadas em gestantes, puérperas e MIF no Brasil, por regiões e UF.
Devido à ausência de normas e protocolos que definissem os critérios para cálculo de cobertura vacinal na população de gestantes e puérperas em relação a vacinação covid-19, foi realizada uma revisão bibliográfica sobre os critérios adotados por diferentes fabricantes e esquemas vacinais dos imunobiológicos autorizados no Brasil.
A cobertura vacinal é definida como a proporção de doses aplicada de um imunobiológico preconizado no calendário nacional a uma população específica em um determinado espaço de tempo 15. Porém, observamos uma grande variação de critérios de cálculos tanto para o numerador, ao considerarmos vacinas multidose, quanto ao denominador em grupos específicos, como, por exemplo, gestante e puérperas.
Para calcular o numerador, a OMS preconiza, para esquemas de vacina multidose, que esse cálculo seja realizado considerando a última dose de vacina ou atribuído à cada dose (D1, D2), ou seja, estimando-se a cobertura vacinal para cada dose recebida representada em percentuais 15.
O DataSUS, para o cálculo da cobertura vacinal do imunizante tríplice bacteriana (DTP) em gestantes, utiliza como numerador o total de segunda dose somado às doses de reforço (D2 + Ref) das vacinas duplas de adultos e a tríplice bacteriana acelular (dTpa) em mulheres gestantes na faixa etária de 12 a 49 anos de idade. O denominador é a população de nascidos vivos referente ao ano estudado 16.
A Secretaria de Vigilância à Saúde do DF utilizou para o cálculo da cobertura vacinal dTpa em gestantes de 2018 a 2021 como numerador o total de doses aplicadas em MIF, considerando a presença do sub-registro do campo (gestante) no Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunização (SI-PNI). Como denominador o total de nascidos vivos no período de referência retirados do Sinasc 17.
O Ministério da Saúde (MS) considera como esquema completo da covid-19 a aplicação de duas doses (D1 e D2) das vacinas Pfizer, AstraZeneca, CoronaVac ou dose única da vacina Janssen para as pessoas não imunossuprimidas. O reforço corresponde às doses de vacina subsequentes ao esquema primário para determinados grupos 10.
Com base na revisão efetuada e devido à ausência de protocolos específicos e notas técnicas que especifiquem a cobertura vacinal, definiu-se como gestante imunizada aquela que recebeu a segunda dose de vacina somada a uma dose de reforço (D2 + Ref) e, como denominador, o total de nascidos vivos referente ao ano de 2020 segundo os dados do Sinasc, pois os dados referentes a 2021 ainda não estavam disponíveis.
Como rigor metodológico e considerando os possíveis sub-registros e falhas de identificação deste grupo prioritário, avaliamos também a cobertura vacinal em MIF de 12 a 49 anos levando em conta o número de segunda dose somada à dose de reforço (D2 + Ref) e as doses únicas. Isso deve-se à aplicação da vacina Janssen (dose única) neste público, tendo como denominador a população estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), disponível na planilha de projeção da população por sexo e idades simples para 2010/2060.
Durante a coleta de informação, observamos algumas limitações, entre elas, a incompatibilidade de faixa etária, pois o Ministério da Saúde (MS) considera MIF mulheres de 10 a 49 anos e disponibiliza em todos seus painéis esse tipo de agregação. Contudo, o painel de monitoramento da RNDS agrega as informações por faixa etárias, iniciando de 5 a 11 anos e de 12 a 17 anos, sendo incompatíveis com o DataSUS. Dessa forma, devido à inviabilidade de trabalharmos com banco de vacinação unificado da população geral, utilizamos as informações de imunização de mulheres a partir dos 12 anos.
Identificamos também, 655 registros de vacinação de dose única em gestantes e puérperas. Apesar do imunobiológico da Janssen® de dose única, ser contraindicado para esse grupo por se tratar de uma vacina de vetor viral. Esses registros foram excluídos do cálculo da cobertura vacinal.
Os bancos de dados foram organizados por número total de doses de vacinas aplicadas em cada região e UF por dois grupos: (i) faixa etária de MIF de 12 a 49 anos e (ii) gestantes e puérperas, coletados em 29 de agosto de 2022. Vale destacar que as doses de vacinas, nessa fonte, não são disponibilizadas por ano de aplicação. Assim, os cálculos de cobertura vacinal contemplam todas as doses aplicadas, desde o início da campanha de vacinação (18 de janeiro de 2021) até a data de coleta dos dados.
Os cálculos da cobertura vacinal, portanto, deram-se por meio da divisão do Total de doses de vacina (D2 + reforço) aplicadas em gestante e puérperas pelo total de nascidos vivos, multiplicados por 100. E o cálculo de MIF baseou-se no total de doses de vacina (D2 + reforço + dose única) aplicadas em MIF de 12 a 49 anos dividido pela População de MIF de 12 a 49 anos multiplicado por 100.
Todas as informações coletadas foram organizadas em planilhas da Microsoft Excel® buscando descrever a distribuição do óbito materno nas grandes regiões e UF por meio do número absoluto e percentuais de óbitos, utilizando variáveis de faixa etária, localidade do óbito e percentual das principais causas de mortes maternas (por covid-19 ou outras causas, separadas por CID-10 e número absoluto de gestantes, puérperas e MIF que foram imunizadas, doses aplicadas de vacina contra a covid-19.
Após a crítica e a validação dos dados coletados, a análise se deu por estatística descritiva (média, mediana e desvio-padrão) utilizando o software R (versão 1.4.1106) e o pacote do RComander, apresentados por tabelas e quadros.

CONTEXTO POLÍTICO DA MORTALIDADE MATERNA: AGENDA 2030 E A PANDEMIA DA COVID-19
A Agenda 2030 pactuada em 2015 é composta por 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), 169 metas e 232 indicadores econômicos, sociais e ambientais. Indicam a ambição de adoção universal e a preservação de individualidades, realidades e capacidades de desenvolvimento de cada país segundo o envolvimento de governantes e o contexto político, social e econômico 18.
No Brasil, a meta até 2030 é reduzir a RMM para, no máximo, 30 mortes por 100 mil nascidos vivos. Estudo recente 19 mostrou que, além de manterem-se estagnadas entre 1996 e 2018, quanto maior a idade, maior é o risco de morte materna decorrentes de causas diretas que afetam principalmente mulheres pretas, pardas, solteiras e com baixa escolaridade.
Com a evolução da pandemia pelo coronavírus, identificamos um excesso de mortalidade materna no Brasil por covid-19, com um aumento de 192% das RMM que em 2020 era de 10,1/100 mil nascidos vivos, passando para 30,1/100 mil nascidos vivos em 2021 7 12
Segundo a OMS 20, a vacinação é a principal ferramenta na prevenção, proteção e promoção da saúde e com relevante custo-benefício. No Brasil, o início da vacinação ocorreu em 18 de janeiro de 2021 após autorização de uso emergencial das vacinas CoronaVac (Sinovac/Butantan) e AstraZeneca (Universidade de Oxford/Fiocruz), o que só foi possível mediante a iniciativa política de institutos nacionais.
Porém, devido à lógica negacionista do governo federal ao promover o relaxamento das medidas de isolamento social e o incentivo ao uso de medicamentos sem comprovação científica observou-se um proselitismo predatório à vacinação. Isto se deu em nome de teses sobre uma suposta segurança individual e liberdade de escolha que entram em conflito com a segurança coletiva em meio a uma pandemia de elevada letalidade 21.
Todas essas condutas, juntamente com a falta de responsabilização política e jurídico-legal de instâncias do governo federal pelo conflito com as evidências científicas mobilizadas para o enfrentamento da grave crise sanitária, fizeram com que diversos governos estaduais e municipais assumissem a responsabilidade federativa. Isso levou a ações descoordenadas com imensa fragmentação 21 22.
Para Maciel et al. 23, houve uma lentidão da vacinação no País, precedida por inúmeros fatores, entre eles, os discursos pejorativos do governo federal diante das reações e dos riscos das vacinas, da falta de apoio e das interferências políticas ao retirar o protagonismo do PNI na condução da campanha de vacinação. O que permitiu o protagonismo dos estados e dos municípios, amparados pelo Congresso Nacional, por meio de políticas públicas, e da atuação do Supremo Tribunal Federal na mediação dos impasses federativos, instalando assim a abertura de uma conjuntura crítica no País, marcada por diferentes conflitos de ações e reações que caracterizaram vias institucionais alternativas e forças políticas perante a crise sanitária 24.
Neste contexto político, a vacinação foi iniciada cerca de um mês após os países da Europa. Especialistas afirmam que condutas e comportamento da Presidência da República interferiram diretamente na introdução precoce da vacinação no Brasil 6 23 24
A introdução tardia de gestantes, puérperas e mulheres com abortos e óbitos fetais até 15 dias como grupo de risco para a covid-19 só ocorreu em 15 de março de 2021 após a publicação da Nota Técnica nº 1/2021 (DAPES/SAPS/MS)7. Porém logo após essa liberação, em 14 de maio de 2021 a vacinação foi suspensa pelo MS com a notificação de um Evento Adverso pós-vacinação em uma gestante 11.
A hesitação vacinal é considerada pela OMS (1) como uma das dez principais ameaças globais. Diante de todos esses aspectos e insegurança, foi considerada relevante no grupo das gestantes e puérperas em diferentes estudos realizados no mundo. E dentre os fatores que interferem na adesão vacinal destacam-se gestantes multíparas, com baixa escolaridade (menor de 12 anos) e desempregadas 25 26.
A linha do tempo elaborada na Figura 1 resume os principais eventos manifestados em documentos na esfera federal em relação os caminhos percorridos para introduzir os imunobiológicos contra a covid-19 no Brasil. Ao analisarmos os marcos decisórios, destacamos diversas publicações em um curto espaço de tempo com diferentes orientações e controversas, frente a liberação da vacinação no grupo específico de gestantes e puérperas no pais,, que podem ter interferido na adesão vacinal por parte dessas mulheres.

Fig. 1

Resultados e Análises
Analisando a evolução da mortalidade materna afetada pela covid-19 e como esta compromete as metas do ODS 3.1, observamos que no Brasil as RMM de 1996 a 2021 apresentaram oscilações e uma grande variação durante a pandemia – de 71,97 (2020) a 110,25 óbitos maternos por 100 mil nascidos vivos (2021) Conforme o Quadro 1, as variações foram predominantes nas Regiões Norte e Nordeste.
Outras variações também foram identificadas nos anos de 1998 e 2009, apresentando uma RMM de (64,87) e (64,96) óbitos maternos por 100 mil nascidos vivos respectivamente, em que evidências associam esse aumento às epidemias de H1N1, MERS-CoV e SARS-CoV ocorrida nesses períodos 5 27.
Comparando as Grandes Regiões e o DF, identificamos que Norte e Nordeste apresentaram as maiores RMM nos últimos 25 anos, com medianas de 62,62 e 64,63 respectivamente. Em contrapartida, o Sudeste apresentou as menores RMM com mediana de 51,97. Desigualdades também evidenciadas por Motta e Moreira (2021), que ao avaliar as 450 Regiões de Saúde (CIR) do Brasil em 2019, identificou que mais de 50% das CIR com RMM superior à meta global estão localizadas nas Regiões Norte e Nordeste; e as CIR com RMM adequadas a meta brasileira estão concentradas no Sul e Sudeste.
Os dados também sugerem um aumento das RMM em todas as regiões do País e no DF, nos anos de 2020 e 2021, destaque-se que a Região Centro Oeste (DF excluído) apresenta RMM superiores às da Região Nordeste. Essas disparidades indicam o quanto essas regiões foram afetadas pelos efeitos da pandemia, onde 40,5% desses óbitos maternos estiveram relacionados com a infecção por covid-19 segundo os critérios seguidos neste artigo.
A dimensão da morte materna nas Grandes Regiões do País e no DF é apresentada no quadro 2, onde destacamos a Região Sul que em 2020 teve registrado 6,93 óbitos maternos por 100 mil nascidos vivos e em 2021 passou para 62,38 com aumento equivalente a 900%. Assim como o Centro-Oeste, que passou de 16,92 para 79,75 óbitos maternos por 100 mil nascidos vivos, com aumento de 471%. E o DF, analisado em separado do Centro-Oeste, apresentou uma RMM de 60,56/100 mil nascidos vivos, cerca de 477% maior que em 2020 que registrou RMM de 12,70 óbitos maternos por 100 mil nascidos vivos.

Quadro 1

Quadro 2

Para Souza e Amorim 5, essas altas taxas de mortalidade estão associadas à problemas relacionados com a assistência direta à mulher, como falta de recursos, qualidade do pré-natal, barreiras de acesso aos serviços públicos de saúde e violência obstétrica.
Diante da capacidade limitada do SUS, evidencias indicam que cerca de 90% dos municípios do Brasil não contavam com leitos de UTI no início da pandemia e que a maioria destes municípios se concentravam nas Regiões Norte e Nordeste 28. Segundo Francisco et al 29, tais condições pode explicar que cerca de 25,5% dos óbitos de 1º de março de 2020 a 5 de maio de 2021 foram de gestantes ou puérperas sem acesso à UTI e que 33,5% dessas não receberam suporte ventilatório invasivo.
Destacamos ainda a predominância de óbitos de puérperas, representando 71,43% dos óbitos em 2020 e 75,20% em 2021. Estes dados revelam uma mudança no perfil destes óbitos. Em maio de 2021, a taxa de letalidade era de 7,2% e correspondia prioritariamente às gestantes de 2º e 3º trimestre 7. Portanto, a vacinação no início da gestação poderia evitar tais complicações. No quadro 3, apresentamos a cobertura vacinal de MIF de 12 a 49 anos considerando o número de doses aplicadas das vacinas contra a covid-19.
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Quadro 3

Ao analisar os resultados, observamos uma cobertura vacinal relevante nas diferentes regiões do País, embora não representem uma cobertura vacinal adequada pois, sendo a população estimada desse grupo estimada em mais de 61 milhões de MIF e o esquema completo, estas mulheres precisariam receber no mínimo duas doses (D2 + Ref). O total registrado deveria atingir a cerca de 123 milhões de doses aplicadas não as 85,433,078 milhões (quadro 3). Os altos percentuais observados podem resultar das agregações dos bancos de dados que consideraram o total de doses aplicadas de vacinas, e não o número de mulheres imunizadas somados para 2021 e 2022 e exige uma investigação mais precisa da vacinação em MIF no Brasil.
Já o grupo específico de gestantes e puérperas apresentou baixos percentuais de cobertura vacinal na maioria das regiões do País. Na tabela 1, observamos uma baixa cobertura vacinal nas Regiões Norte com 31,72%, Nordeste com 55,25% e Centro-Oeste com 49,58%. Dentre as UF, destacamos Roraima (4,57%), Amapá (19,05%), Acre (24,42%), Amazonas (25,64%) Mato Grosso do Sul (26%), Tocantins (31,89), Ceará (33,09%), Alagoas (34,92%), Pará (35,40%) e Maranhão (39,15%) com as menores coberturas vacinais de gestantes e puérperas do Brasil.
Ao compararmos as regiões e UF, atribuímos as maiores coberturas vacinais às Regiões Sul com 70,12% e Sudeste com 173,52%, e entre os estados, destacamos São Paulo com 268,14%, Paraná com 86,18%, Espírito Santo com 80,84% e Minas Gerais com 79,56% das gestantes e puérperas imunizadas.
Evidências recentes, afirmam uma redução de 80% das chances de óbitos em gestantes imunizadas com esquema vacinal com duas doses de vacina contra a covid-19, se comparadas àquelas que não receberam nenhuma dose de vacina 30. Entretanto, diante dos resultados, observamos baixas coberturas na maioria das regiões do país e uma enorme discrepância, principalmente ao compararmos o estado de São Paulo com mais de 268% de cobertura vacinal e Roraima com pouco mais de 4,5% das gestantes imunizadas, e que as piores coberturas vacinais se concentram no Norte e Nordeste. Todas essas taxas, que elevam a cobertura vacinal para 99,98%, deixam claro a enorme heterogeneidade das regiões do Brasil e seus desafios.

Tab. 1

CONCLUSÃO

Concluiu-se que a pandemia gerou efeitos trágicos na saúde materna, regredindo cerca de 20 anos as RMM no Brasil, e que a demora na priorização e na liberação da vacinação nesse grupo, bem como os aspectos políticos perante as decisões governamentais, resultaram em baixas coberturas vacinais, o que impõe desafios ainda maiores ao cumprimento da Meta ODS 3.1 para redução da mortalidade materna no País
Desta forma inúmeras ações e implementações precisam ser priorizada por gestores em âmbito nacional, buscando superar as desigualdades regionais, além de: 1) priorizar as políticas sociais de saúde voltadas às MIF, visando superar a complexidade da morte materna, principalmente nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste; 2) investir nos serviços públicos de saúde para alocação e capacitação dos profissionais de saúde, buscando qualificar a assistência à saúde das mulheres durante a gestação, o parto e o puerpério; 3) fortalecer ações na APS, que visem oferecer medidas de prevenção de doenças crônicas, emergentes e reemergentes, reforçando programas existentes no âmbito do SUS; 4) promover o monitoramento adequado, por meio de SIS e de indicadores que favoreçam a tomada de decisão e que permitem ação imediata ante os riscos de morte materna, garantindo os direitos reprodutivos de mulheres independentemente da sua etnia, raça/cor e/ou condição social.

REFERÊNCIAS
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Souza, V. T. F. S., Ribeiro, J. M.. Análise das implicações da pandemia covid-19 na mortalidade materna no Brasil em 2020-2021. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/mar). [Citado em 22/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/analise-das-implicacoes-da-pandemia-covid19-na-mortalidade-materna-no-brasil-em-20202021/19134?id=19134&id=19134

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