EN PT

Artigos

0344/2024 - Análise espacial da incidência de câncer de mama em mulheres no Brasil no biênio 2018 – 2019 e indicadores relacionados
Spatial analysis of the incidence of breast cancer in women in Brazil in the biennium 2018 – 2019 and related indicators

Autor:

• Elisabeth Dias Winter Salimena - Salimena, E.D.W - <esalimena@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0009-0008-2591-0971

Coautor(es):

• Natália Santana Paiva - Paiva, N.S - <natalia_uff@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0541-4686

• Juliana Lustosa Torres - Torres, J.L - <jlt.fisioufmg@hotmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3687-897X



Resumo:

Objetivo: Analisar a distribuição espacial da incidência de câncer de mama no Brasil e sua correlação a indicadores comportamentais, sociodemográficos/cobertura e controle do câncer de mama no biênio 2018/2019. Métodos: Estudo ecológico de base territorial com dados de mulheres por estados brasileiros e Distrito Federal. A variável dependente foi a incidência padronizada de câncer de mama. A dependência espacial baseou-se nos Índices de Moran global e local. Resultados: A incidência padronizada de câncer de mama foi de 51,3 por 100 mil mulheres/ano. O Índice de Moran local mostrou correlação espacial positiva (valores>0) entre incidência e índice de envelhecimento [l=0,63; p-valor=0,001], Índice de Desenvolvimento Humano [l=0,53; p-valor=0,008], plano de saúde [l=0,57; p-valor=0,002] e rastreamento [l=0,58; p-valor=0,002]. Verificou-se correlação negativa (valores

Palavras-chave:

Neoplasias da Mama; Saúde da Mulher; Incidência; Análise Espacial; Estudos Ecológicos.

Abstract:

Objective: To analyze the spatial distribution of breast cancer incidence in Brazil and its correlation with behavioral, sociodemographic/coverage, and breast cancer control indicators in 2018/2019. Methods: This ecological study with territorial base utilized data on women across Brazilian states and the Federal District. The dependent variable was the standardized breast cancer incidence. Spatial dependence was based on the global and local Moran Indices. Results: The standardized breast cancer incidence was 51.3 per 100,000 women/year. Local Moran Indices revealed a positive spatial correlation (values>0) between incidence and the aging index (I=0.63; p=0.001), Human Development Index (I=0.53; p=0.008), health plan coverage (I=0.57; p=0.002), and screening rates (I=0.58; p=0.002). Negative correlations (values

Keywords:

Breast Neoplasms; Women’s Health; Incidence; Spatial Analysis; Ecological Studies.

Conteúdo:

INTRODUÇÃO
O Brasil está vivenciando uma transição epidemiológica, caracterizada por uma mudança de uma carga predominantemente de doenças infecciosas para uma predominância de doenças crônicas,1 como os cânceres, seja devido ao acúmulo de fatores de risco ou devido ao aumento da expectativa de vida e à urbanização.2 Entre as mulheres, o câncer de mama – excetuando-se o câncer de pele do tipo não melanoma – é o tipo o câncer mais frequente em 154 dos 185 países analisados, incluindo o Brasil.3 Dados para o triênio 2023 a 2025 apontam uma taxa de incidência de 66,5 casos por 100.000 mulheres no Brasil,4 representando 30,1% da carga de cânceres entre as mulheres.
Apesar dos esforços para qualificar e capacitar dos profissionais da saúde no Brasil,5 a incidência de câncer de mama ainda é crescente nos últimos anos. Dados brasileiros mostraram aumento da incidência de câncer de mama em Goiânia,6 Barretos7 e Campinas,8 que pode ser devido ao aumento da prevalência de fatores de risco.4 Na região Sul, o aumento da incidência na faixa etária mais jovem tem sido atribuído à mutação na linha germinativa TP53 p.R337H.9 No entanto, a cobertura de rastreamento2,10 e o acesso ao diagnóstico11 são fatores cruciais para o aumento da incidência de câncer de mama, já que ela é maior em locais com maior desenvolvimento socioeconômico,12 de maneira oposta ao que ocorre para a mortalidade por câncer de mama.13
Disparidades regionais relativas à mortalidade por câncer de mama são evidentes em várias localidades do Brasil.11,13-17 O país é marcado por desigualdades socioeconômicas, uma vasta extensão territorial e uma distribuição irregular de serviços de saúde.11 Entretanto, poucos estudos avaliaram a distribuição espacial da incidência de câncer de mama, que é um importante indicador para a organização dos serviços de saúde.15,18 Enquanto a mortalidade é um importante indicador para os serviços de tratamento ao câncer, a incidência aponta para o acesso ao diagnóstico, seja na atenção primária à saúde ou em serviços especializados. Apenas um estudo avaliou diretamente a incidência, mas se restringiu aos municípios de São Paulo e Barretos, evidenciando uma maior incidência de 2001 a 2017 nos distritos com maiores índices socioeconômicos.15
No que tange ao diagnóstico tardio de câncer de mama (estádios III ou IV) de 2011 a 2015, foi encontrada uma correlação negativa com a densidade de ginecologistas, de médicos generalistas e de mamógrafos.18 Outros estudos sobre o acesso à mamografia de rastreamento mostraram que este é menor nas regiões Norte e Centro-Oeste e parte da região Nordeste, principalmente em localidades com menores índices de desenvolvimento humano (IDH),19 maiores índices de Gini e que apresentam maior número de mamógrafos e de radiologistas.20
Assim, o objetivo deste estudo foi analisar a distribuição espacial da taxa de incidência de câncer de mama em mulheres e sua correlação com indicadores comportamentais, sociodemográficos, de cobertura e controle relativos ao câncer de mama nos estados brasileiros e Distrito Federal (DF) no biênio 2018 - 2019. Espera-se que os resultados deste estudo possam guiar a distribuição dos serviços de saúde no território brasileiro, diminuindo os vazios assistenciais relativos ao câncer de mama.

MÉTODO
Trata-se de um estudo ecológico de base territorial, transversal, cujas unidades de análise foram os 26 estados brasileiros e o DF, no biênio 2018-2019.
Foram coletadas informações acerca das estimativas referentes ao câncer de mama em mulheres, do Instituto Nacional de Câncer (INCA) dos anos de 2018 e 2019, que correspondeu ao biênio completo mais recente à época da pesquisa. Tais estimativas foram escolhidas em detrimento a dados do Painel-Oncologia do DATASUS uma vez que esse sistema se encontra em diferentes estágios de implantação em cada estado brasileiro. A metodologia das estimativas do INCA é análoga à utilizada pelo Globocan, resultando em estimativas muito semelhantes. Por exemplo, para o ano de 2022, a Globocan estimou uma incidência padronizada de 63,1 por 100.000 mulheres no Brasil3, enquanto que o INCA estimou 61,6 casos por 100.000 mulheres para cada ano do triênio 2020-2022.
As estimativas são realizadas através do programa Depreed, em que é utilizado um modelo de predição no tempo linear para estimar o número de casos novos e de taxas bruta e ajustada por estados e DF. Quando há ausência de informações, as estimativas são realizadas utilizando-se a razão de incidência/mortalidade (I/M). Todos os valores absolutos estimados são arredondados para dez ou múltiplos de dez.4
Para o presente estudo, foram incluídos dados referentes a todas as faixas etárias, uma vez que a incidência de câncer de mama vem aumentando em faixas etárias mais jovens9 e em idades avançadas6 que ficam fora da faixa etária de rastreamento. Deste modo, a variável dependente correspondeu à incidência padronizada de câncer de mama feminina, considerando-se a incidência por 100.000 mulheres/ano. A população utilizada para a padronização foi a população padrão mundial, proposta por Segi-Doll.21
Foram analisados os seguintes indicadores, definidos e calculados conforme descrito no Quadro 1:
[Quadro 1 aqui]
Para o indicador déficit de mamografias necessárias ao ano, foram utilizados os critérios e parâmetros assistenciais para o planejamento e programação de ações e serviços de saúde no âmbito do SUS.22
Em relação às análises dos dados, inicialmente, as incidências bruta e padronizada do câncer de mama para cada estado e DF foram descritas através de mapas. Em seguida, para cada indicador, calcularam-se médias e desvios padrões, mediana e intervalos interquartis, e valores mínimos e máximos. Para a avaliação da dependência espacial das taxas padronizadas de incidência de câncer de mama foram utilizados os Índices de Moran Global e Local (do inglês, Local Indicator of Spatial Association – LISA), considerando-se uma significância estatística de 5%. Como foram utilizadas 27 unidades espaciais, o que pode caracterizar um pequeno número de unidades espaciais, verificou-se a adequação do uso do Índice de Moran Global e Índice de Moran Global Modificado.23 O método de simulação de Monte Carlo foi utilizado para identificar clusters de incidência de câncer de mama nos estados e DF.
O Índice de Moran Global avalia a relação de interdependência espacial entre toda área de estudo (estados e DF) e a expressa por meio de um valor único, denominado “I” (variando entre -1 e +1).24 Esta medida é similar à correlação de Pearson, mas em versão espacial. Deste modo, se houver uma correlação positiva (valores de I>0), a maioria dos estados e DF apresentará uma correlação direta entre o indicador avaliado e a incidência de câncer de mama. Por outro lado, se houver uma correlação negativa (valores de I<0), a maioria dos estados e DF apresentará uma correlação inversa. Valores de I=0 indicam ausência de correlação.24
Já o Índice de Moran Local identifica a relação existente entre uma determinada área e a sua vizinhança, a partir de uma distância predefinida, por intermédio da covariância existente entre elas. Assim, cada ponto representativo da área (estados e DF) assume uma significação própria. A interpretação para os valores de “I” é a mesma feita para o Índice de Moran global. Adicionalmente, diferentes combinações para as correlações, formando clusters nas áreas em que foram observadas tais correlações.
Correlações positivas (I>0) podem ser do tipo “Alto-Alto” ou “Baixo-Baixo”, nas quais o primeiro indica a variação do indicador e o segundo indica a variação da incidência.16 Por exemplo, cluster “Alto-Alto” para o indicador Índice de Envelhecimento indica que a medida que aumenta este indicador, aumenta a incidência do câncer de mama na(s) área(s) assinaladas no mapa. Correlações negativas (I<0) podem ser do tipo “Alto-Baixo” ou “Baixo-Alto”.24 Por exemplo, cluster “Alto-Baixo” para o indicador de proporção de mulheres sendentárias indica que a medida que aumenta este indicador, diminui a incidência do câncer de mama na(s) área(s) assinaladas no mapa. As áreas em branco nos mapas referem-se às áreas nas quais não foram observadas correlações significativas. Todas as análises foram realizadas no software R, versão 2017.
Por se tratar de dados públicos, não foi necessário a aprovação por Comitê de Ética e Pesquisa, conforme Resolução 510, de 7 de abril de 2016.
RESULTADOS
No biênio 2018-2019, no Brasil, ocorreram 59.700 novos casos de câncer de mama, para cada ano, em mulheres. No geral, a incidência bruta de câncer mama foi de 56,3 por 100 mil mulheres/ano e a incidência padronizada foi de 51,3 por 100 mil mulheres/ano. As incidências por estados e DF podem ser visualizadas na Figura 1. Todos os estados da região Sul, Rio de Janeiro, São Paulo e DF apresentaram as maiores incidências brutas (Figura 1A). Como a incidência bruta não é útil a fim de comparações, após a padronização por idade, as incidências foram suavizadas nos estados das Regiões Sul e Sudeste. Deste modo, os estados dessas regiões, exceto Minas Gerais, e juntamente com os estados de Mato Grosso do Sul, Sergipe, Pernambuco e DF apresentaram as maiores incidências padronizadas (valores ? 50 por 100 mil mulheres/ano) (Figura 1B).
[Figura 1 aqui]
A Tabela 1 mostra a análise descritiva da incidência de câncer de mama e das variáveis independentes no Brasil. A média da incidência padronizada foi de 42,82 (±15,09). Em relação aos indicadores comportamentais, observou-se que quase metade da população feminina brasileira encontrava-se sedentária, apresentando uma proporção média de 49,18% (±4,31). Dentre os indicadores sociodemográficos e de cobertura, destacou-se o Índice de Envelhecimento elevado (74,48 ± 26,95). Em relação aos indicadores relativos ao controle do câncer de mama, observou-se, em média, uma cobertura de rastreamento na população alvo de 22,75% (± 11,89) e um déficit médio de 66,01% (± 13,38) de mamografias/ano.
[Tabela 2 aqui]
No Brasil, encontrou-se um Índice de Moran global significativo (I=0,61; p-valor<0,001), indicando uma correlação espacial positiva entre a incidência padronizada de câncer de mama nos estados e DF e todos os indicadores analisados. Isso indica que, no geral, há um aumento da incidência de câncer de mama a medida que se aumenta os indicadores analisados. Como o Índice de Moran global teve poder estatístico para detectar diferenças e apresentou a mesma interpretação do resultado do Índice de Moran global modificado (I=0,25, p-valor<0,05), manteve-se a utilização do Índice de Moran global. A Tabela 2 mostra os valores para cada um dos indicadores avaliados. Os resultados mostraram a existência de correlação espacial para todos os indicadores analisados, individualmente. Correlações mais fortes foram observadas para os indicadores sociodemográficos e de corbertura (valores de I entre 0,61 e 0,63, p-valor<0,001). Por outro lado, a correlação mais fraca foi observada para o indicador comportamental de proporção de mulheres sedentárias (I=0,25; p-valor=0,022).
[Tabela 2 aqui]
A Figura 2 mostra os mapas referentes aos resultados dos Índices de Moran locais para cada estado e DF, indicador e incidência de câncer de mama. Para o indicador comportamental, houve uma correlação espacial moderada e negativa com a proporção de mulheres sedentárias (I = - 0,45; p-valor=0,02), formando cluster no Rio de Janeiro, Minas Gerais e Goiás de alta incidência e baixa proporção de mulheres sedentárias (A). Para os indicadores sociodemográficos e de cobertura, houve uma correlação espacial moderada positiva entre a incidência de câncer de mama e índice de envelhecimento (I = 0,63; p-valor=0,001) e cobertura por plano de saúde (I = 0,57; p-valor=0,002). Todos apresentaram formação de cluster em estados da região Norte (com padrão de baixa incidência e baixo índice de envelhecimento (B) e cobertura por plano de saúde (D)). Ainda, encontrou-se um cluster de alta incidência e alta cobertura por plano de saúde em estados da região Sudeste. Correlações moderadas também foram encontradas para IDH (positiva; I = 0,53; p-valor=0,008) (C).
[Figura 2 aqui]
Para os indicadores relativos as ações de controle do câncer de mama, houve uma correlação espacial moderada e positiva entre indicência de câncer de mama e a cobertura de rastreamento em mulheres de 50-69 anos (E) (I = 0,58; p-valor =0,002) e o déficit de mamografia/ano (F) (I = - 0,56; p-valor=0,004). Observou-se apenas a formação de cluster isolados nos estados do Pará (baixa incidência e baixa cobertura de rastreamento em mulheres de 50-69 anos e alto déficit de mamografias/ano), Rio de Janeiroe Santa Catarina (em ambos, alta incidência e alta cobertura de rastreamento em mulheres de 50-69 anos e baixo déficit de mamografias/ano) (Figura 2).
DISCUSSÃO
Os resultados mostraram que houve correlaç?o espacial global moderada e significativa para a incidência de câncer de mama em mulheres no Brasil. Houve uma correlação espacial positiva entre a incidência de câncer de mama e indicadores sociodemográficos e de cobertura e indicadores relativos ao controle do câncer de mama. Correlação espacial negativa foi encontrada também para indicadores comportamentais e indicadores relativos ao controle do câncer de mama. Estes resultados sinalizam desigualdades regionais, mostrando que as barreiras de acesso aos serviços de saúde e as estratégias governamentais também são importantes variáveis para a incidência de câncer de mama.18
Considerando-se indicadores comportamentais, em relação à proporção de mulheres sedentárias, encontrou-se uma correlação moderada e negativa, com formação de clusters (“Alto-Baixo”) nos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Goiás. Embora fosse esperado uma correlação positiva com a proporção de mulheres sedentárias, já que, a nível individual, o tempo de atividade física diminui a chance de câncer de mama em 56% entre mulheres brasileiras,25 a nível agregado este resultado não foi obtido.
A principal hipótese para explicar este resultado são as diferenças na definição de sedentarismo de estudo para estudo. Uma revisão sistemática brasileira demonstrou que dentre os 32 estudos sobre sedentarismo, 26 utilizaram formas diferentes de operacionalização desta variável, dificultando a comparação de resultados de diferentes estudos.26 No presente estudo, considerou-se apenas atividades físicas moderadas ou vigorosas, excluindo-se caminhadas, por exemplo, que é uma atividade frequente entre pessoas idosas. Isso pode ter sobre-estimado o sedentarismo em estados com maiores índices de envelhecimento.
Outra possibilidade é que o presente estudo não considerou o ajuste das análises por outras condições socioeconômicas para além do IDH. Segundo o estudo do Programa das Nações Unidas (PNUD), a prática de atividade física no Brasil tem correlação positiva com o IDH, um indicador socioeconômico, e é rotina de pequena parte da população. As mulheres negras, com pouca escolaridade e menor remuneração estão entre os grupos que menos praticam atividades físicas.27 No presente estudo, as maiores proporções de sedentarismo foram encontradas nas regiões Norte e Nordeste, com padrão oposto ao encontrado para IDH e cobertura por plano de saúde.
Apesar dessa correlação inversa, a promoção da prática de atividade física é uma política importante para a diminuição da carga de doenças crônicas no país e é um dos eixos prioritários da Política Nacional de Promoção da Saúde.28 Estima-se que, no Brasil, 80% do gasto federal com todos os tipos de câncer atribuíveis ao excesso de peso, equivalente a R$24 milhões, são devido aos cânceres de mama, endometrial e colo-retal.29 Portanto, a expansão das políticas públicas voltadas para a prática da atividade física devem continuar sendo implantadas.
Considerando o índice de envelhecimento, os resultados obtidos mostraram uma correlação espacial moderada e positiva com a incidência de câncer de mama, com formação de clusters nos estados da região Norte (“Baixo-Baixo”). Esses resultados corroboram com a literatura, que demonstra a idade avançada como o fator de risco não modificável mais importante para o câncer de mama.30 O acúmulo de exposições ao longo da vida e as próprias alterações biológicas com o envelhecimento aumentam esse risco.30
No Brasil, um estudo de incidência e desfechos do câncer de mama em mulheres jovens indica que a incidência na faixa etária abaixo de 40 anos vem aumentando nos últimos anos, apresentando, também, diagnóstico tardio e menor sobrevida.31 Segundo as projeções populacionais do IBGE, a região Norte tem o menor índice de envelhecimento do país, com uma média para o biênio 2018-2019 de 20,6 em contraste com a região Sul, que possui uma média para o biênio 2018-2019 de 53,8.
Considerando o IDH e a cobertura por plano de saúde, foi encontrada uma correlação espacial moderada e positiva, com formação de clusters “Alto-Alto” nas regiões Sul e Sudeste. Em ambas, observa-se que as regiões com melhores condições socioeconômicas relativas a essas variáveis têm as maiores incidências de câncer de mama, corroborrando estudos anteriores.15,18 O IDH tem correlaç?o positiva e forte com o número de mamografias realizadas na populaç?o alvo no Brasil32 e com a cobertura de mamografia de rastreamento.19 Ainda, estudo de coorte com dados de 2016 a 2018 de 23 cidades brasileiras, mostrou que mulheres cobertas por plano de saúde apresentam uma maior probabilidade de diagnóstico de câncer de mama.33 Esses resultados reforçam o diagnóstico mais precoce de câncer de mama entre aquelas com plano de saúde, devido a quebra das barreiras de acesso a consultas médicas e realizaç?o de mamografias facilitando o diagnóstico e tratamento do câncer de mama.
Entre os indicadores relativos as ações de controle do câncer de mama, encontrou-se uma correlação espacial moderada e positiva da incidência de câncer de mama com a cobertura de rastreamento em mulheres de 50-69 anos e moderada e negativa com o déficit de mamografias/ano. Ainda, há uma cobertura de rastreamento bem abaixo dos 70% recomendados pelo Ministério da Saúde34 em todos os estados brasileiros, sendo as piores coberturas vistas em estados da região Norte e Centro-Oeste19,20 e as melhores em São Paulo e Paraná. Resultados semelhantes são vistos para o déficit de mamografia, piores em estados da região Norte e Centro-Oeste. No Brasil, o déficit médio foi de 66,0%.
Estes resultados reforçam a importância da disponibilidade do aparelho de mamografia, que permanece com uma distribuição desigual no país.35 Dos 2.803 mamógrafos disponíveis no SUS em 2019, a maioria era concentrada na região Sudeste, nas cidades de São Paulo e Belo Horizonte, somando 94 aparelhos.35 Considerando-se o número de mamógrafos por habitante, observa-se a presença de vazios na provisão dos equipamentos nas regiões Norte, Centro-Oeste, Nordeste, bem como no Norte de Minas Gerais,35 compatíveis com regiões com menor cobertura de rastreamento19,20 e maior proporção de diagnósticos tardios18. No Brasil, 80% dos diagnósticos de câncer de mama ocorrem em estádios avançados, e diagnósticos em estádio III são quase 50% mais frequentes entre mulheres sem cobertura por plano de saúde.33 Assim, o acesso à mamografia, principal exame de detecção precoce, não é igualitário entre as mulheres brasileiras.
Estudos de base populacional apontam que maior nível de escolaridade e renda, residir em área urbana e nas regiões mais desenvolvidas do país são fatores relacionados à maior realização do exame mamográfico.36 Neste sentido, esforços relativos ao diagnóstico essencial e oportuno, planos nacionais de combate ao câncer de mama e cobertura universal por serviços públicos tornam-se fundamentais para a diminuição da carga de câncer de mama no Brasil.
Este estudo apresenta pontos fortes e limitações. Como destaque, aponta-se o uso de técnicas de análise espacial para mapear aincidência padronizada de câncer de mama entre as mulheres nos estados e DF e compreender as desigualdades, contribuindo para nortear as políticas públicas de promoção de saúde, prevenção e detecção precoce.
Dentre as limitações, destacam-se, primeiramente, a possibilidade de viés inerente a todos os estudos ecológicos, conhecida como falácia ecológica, já que as associações observadas a nível agregado podem não refletir as mesmas associações a nível individual. Em segundo lugar, foram utilizados dados secundários do Sistema de Informações Ambulatorias (SIA/SUS) para os indicadores relativos ao controle do câncer de mama, os quais estão sujeitos a vieses de informação e diferentes taxas de subnotificação por estado, o que pode explicar, parcialmente, a amplitude de valores mínimos e máximos observados nesses indicadores.
Para minimizar esse tipo de viés na variável dependente, utilizou-se estimativas de incidência de câncer de mama do INCA, que utiliza metodologia semelhante à Globocan e é amplamente utilizadas em saúde pública, tanto em pesquisas científicas, quanto na vigilância em saúde pelos gestores, ao invés de dados do Painel-Oncologia. Ainda, utilizou-se a população mundial para a padronização por idade, o que não leva em consideração os diferentes padrões por sexo que podem existir entre diferentes países. Por fim, as unidades de análises foram os estados e o DF, o que não considera diferenças entre cidades e microrregiões dentro de um mesmo estado, especialmente em estados com grande extensão territorial, o que pode dificultar o acesso físico a serviços especializados de câncer.
Os indicadores comportamentais, sociodemográficos e de cobertura e relativos ao controle do câncer de mama têm uma correlação direta nas taxas padronizadas de incidência de câncer. Apesar da correlação encontrada para indicadores comportamentais, a maior incidência do câncer de mama parece estar mais fortemente relacionada aos indicadores sociodemográficos e de cobertura, como o índice de envelhecimento, IDH e cobertura de plano de saúde. Mesmo com os avanços das ações de saúde relacionadas ao câncer de mama no Brasil, ainda persistem desigualdades regionais e sociais, sendo necessário a implementação de programas eficazes para aumentar a cobertura e adesão ao rastreamento na população alvo e diminuição de barreiras para o diagnóstico. Esforços relativos ao diagnóstico essencial e oportuno, planos nacionais de combate ao câncer de mama e cobertura universal por serviços públicos são fundamentais.

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
Salimena EW, Paiva NS e Torres JL contribuíram na concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos resultados, redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e são responsáveis por todos os seus aspectos, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

CONFLITOS DE INTERESSE
Os autores declararam não possuir conflitos de interesse




REFERÊNCIAS

1. Marinho FM, Soliz P, Gawryszewski V, Gerger A. Epidemiological transition in the Americas: changes and inequalities. Lancet. 2013 jun 17;381: S89.
2. Cecilio AP, Takakura ET, Jumes JJ, Santos JW, HerreraAC, Victorino VJ, Panis C. Breast cancer in Brazil: Epidemiology and treatment challenges. Breast Cancer (Dov Med Press). 2015 jan 29;7:43–49.
3. World Health Organization. International Agency for Research on Cancer. Lastest global cancer data: Cancer burden rises to 18.1 million new cases and 9.6 million cancer deaths in 2018. Geneva, 2018.
4. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Estimativa 2023: incidência de câncer no Brasil / Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. – Rio de Janeiro: INCA, 2022.
5. Leite CVP, Porsani MM, Plácido MVF, Nunes DR, Ferreira CLC. Prevention of breast cancer through primary health care training. Mastology. 2019 dez 27; 29(3): 125-130.
6. Rahal RMS, Rocha ME, Freitas-Junior R, Correa RS, Rodrigues D, Martins E, Soares LR, Oliveira JC. Trends in the incidence of breast cancer following the radiological accident in Goiânia: A 25-year analysis. Asian Pac J Cancer Prev. 2019;20(12):3811–6.
7. Costa AM, Hashim D, Fregnani JHTG, Weiderpass E. Overall survival and time trends in breast and cervical cancer incidence and mortality in the Regional Health District (RHD) of Barretos, São Paulo, Brazil. BMC Cancer. 2018 nov 7;18(1):1079.
8. Ferreira MC, Vale DB, Barros MBA. Incidência e mortalidade por câncer de mama e do colo do útero em um município brasileiro. Rev Saúde Pública. 2021;55:67.
9. Giacomazzi J, Graudenz MS, Osorio CABT, Koehler-Santos P, Palmero EI, Zogonel-Oliveira M, Michelli RAD, Scapulatempo Neto C, Fernandes GC, Achatz MIW, Marthel-Planche G, Soares FA, Caleffi M, Goldim JR, Hainaut P, Camey AS, Ashton-Prolla P. Prevalence of the TP53 p. R337H Mutation in Breast Cancer Patients in Brazil. PLoS One. 2014; 9(6): e99893.
10. Açucena Vieira Alves S, Weller M. Breast cancer risk perception and mammography screening behavior of women in Northeast Brazil. Womens Health Rep (New Rochelle). 2020 jun 2;1(1):150–8.
11. Rocha-Brischiliari SC, Andrade L, Nihei OK, Brischiliari A, Hortelan MS, Carvalho MDB, et al. Spatial distribution of breast cancer mortality: Socioeconomic disparities and access to treatment in the state of Parana, Brazil. PLoS One. 2018; 13(10): e0205253.
12. Ferlay J, Colombet M, Soerjomataram I, Mathers C, Parkin DM, Piñeros M, et al. Global and regional estimates of the incidence and mortality for 38 cancers: GLOBOCAN 2018. International Agency for Research on Cancer. World Health Organization; 2018.
13. Bermudi PMM, Pellini ACG, Rebolledo EAS, Diniz CSG, Aguiar BSD, Ribeiro AG, Failla MA, Baquero OS, Chiaravalloti-Neto F. Spatial pattern of mortality from breast and cervical cancer in the city of São Paulo. Revista de Saúde Pública. 2020; 54:142.
14. Bello M, Andrade C. Spatial analysis in mortality rate for female creast câncer in Rio de Janeiro, Brazil. Breast. 2011; 20(suppl4): s43.
15. Ribeiro AG, Ferlay J, Piñeros M, Latorre MRDO, Fregnani JHTG, Bray F. Geographic variations in cancer incidence and mortality in the State of Sao Paulo, Brazil 2001-17. Cancer Epidemiol. 2023 85:102403.
16. Alves MR, Galvão ND, Souza RAG, Andrade ACS, Oliveira JCS, Souza BSN, et al. Spatial and temporal distribution of cancer mortality in a Brazilian Legal Amazon State between 2000 and 2015. Rev Bras Epidemiol 2021; 24 (suppl 1): e210009.
17. Modesto VC, Evangelista FM, Soares MR, Alves MR, Neves MAB, Corrêa MLM, et al. Cancer mortality in the State of Mato Grosso from 2000 to 2015: temporal trend and regional differences. Rev Bras Epidemiol 2022; 25 (suppl 1): e220005.
18. Oliveira NPD, Cancela MC, Martins LFL, Souza DLB. Spatial distribution of advanced stage diagnosis and mortality of breast cancer: Socioeconomic and health service offer inequalities in Brazil. PLoS One. 2021; 16(2): e0246333.
19. Bezerra HS, Melo TFV, Barbosa JV, Feitosa EELC, Sousa LCM. Evaluation of access to mammographies in Brazil and socioeconomic indicators: a space study. Rev Gaucha Enfermagem. 2018; 39: e20180014.
20. Nogueira MC, Fayer VA, Corrêa CSL, Guerra MR, Stavola B, dos-Santos-Silva I, et al. Inequities in access to mammographic screening in Brazil. Cad Saúde Pública. 2019; 35(6): e00099817.
21. Doll R. Progress Against Cancer: An epidemiologic assessment AM J. Epidemiol USA 1991 out; 134: 675-88.
22. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Regulação, Avaliação e Controle de Sistemas. Critérios e Parâmetros para o Planejamento e Programação de Ações e Serviços de Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília. Ministério da Saúde, 2017. Disponível em https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-informacao/gestao-do-sus/programacao-regulacao-controle-e-financiamento-da-mac/programacao-assistencial/arquivos/caderno-1-criterios-e-parametros-assistenciais-1-revisao.pdf Acesso em 31 janeiro 2024.
23. Aswi A, Cramb S, Duncan E, Mengersen K. Detecting spatial autocorrelation for a small number of áreas: a practical example. J Phys: Conf Ser. 2021; 1899: 012098.
24. Luzardo AJR, Castañeda Filho RM, Rubim IB. Análise espacial exploratória com o emprego do índice de Moran. GEOgraphia, Niterói – RJ. 2017; 19:40.
25. Gomes MLB, Pinto SS, Domingues MR. Physical Activity and Breast Cancer: A Case-Control Study in Southern Brazil. Nutr Cancer. 2022; 74(1): 149-157.
26. Hallal PC, Dumith S de C, Bastos JP, Reichert FF, Siqueira FV, Azevedo MR. Evolução da pesquisa epidemiológica em atividade física no Brasil: revisão sistemática. Rev Saude Publica. 2007;41(3):453–60.
27. Relatório de Desenvolvimento Humano Nacional - Movimento é Vida: Atividades Físicas e Esportivas para Todas as Pessoas. Brasília: PNUD; 2017.
28. Malta DC, Reis AACD, Jaime PC, Morais Neto OL, Silva MMA, Akerman M. O SUS e a Política Nacional de Promoção da Saúde: perspectiva resultados, avanços e desafios em tempos de crise. Cien Saude Colet. 2018 jun;23(6):1799–809.
29. Da Silva RCF, Bahia LR, da Rosa MQM, Malhão TA, Mendonça EP, Rosa RS, Araújo DV, Moreira LGM, Schilithz AOC, Melo MELD. Costs of cancer attributable to excess body weight in the Brazilian public health system in 2018. PLoS ONE. 2021 mar 11;16(3): e0247983.
30. Rocha AFBM, Freitas-Junior R, Soares LR, Ferreira GLR. Breast cancer screening and diagnosis in older women in Brazil: why it is time to reconsider the recommendations. Front Public Health. 2023 ago 2; 11: 1232668.
31. Orlandini LF, Antonio MVN, Espreafico Junior CR, Bosquesi PL, Poli-Neto OB, de Andrade JM, dos Reis FJC, Tiezzi DG. Epidemiological Analyses Reveal a High Incidence of Breast Cancer in Young Women in Brazil. Journal of Global Oncology, 2021 jan; 7:81–88.
32. Sadovsky ADIS, Poton WL, Reis-Santos B, Barcelos MJB, Silva ICM. Índice de Desenvolvimento Humano e prevenção secundária de câncer de mama e colo do útero: um estudo ecológico. Cad. Saúde Pública. 2015 jul; 31(7):1539–1550.
33. Rosa DD, Bines J, Werutsky G, Barrios CH, Cronemberger E, Queiroz GS, de Lima VCC, Freitas-Júnior R, Couto JO, Emerenciano K, Resende H, Crocamo S, Reinert T, Van Eyil B, Nerón Y, Dybal V, Lazaretti N, Costamilan RC, de Andrade DAP, Mathias C, Vacaro GZ, Borges G, Morelle A, Caleffi M, Sampaio Filho C, Mano MS, Zaffaroni F, de Jesus RG, Simon SD. The impact of sociodemographic factors and health insurance coverage in the diagnosis and clinicopathological characteristics of breast cancer in Brazil: AMAZONA III study (GBECAM 0115). Breast Cancer Res Treat. 2020 out; 183(3): 749-757.
34. Ministério da Saúde. Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011- 2022. Brasília: Ministério da Saúde; 2011. Disponível em https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/svsa/doencas-cronicas-nao-transmissiveis-dcnt/09-plano-de-dant-2022_2030.pdf. Acesso em 18 Março 2024.
35. Amaral P, Luz L, Cardoso F, Freitas R. Distribuição espacial de equipamentos de mamografia no Brasil. Rev Bras Estud Urbanos Reg. 2017; 18(2): 326-341.
36. Barbosa YC, Oliveira AGC, Rabêlo PPC, Silva FS, Santos AM. Factors associated with lack of mammography: National health survey. Rev Bras Epidemiol. 2019; 22: e190069.



Outros idiomas:







Como

Citar

Salimena, E.D.W, Paiva, N.S, Torres, J.L. Análise espacial da incidência de câncer de mama em mulheres no Brasil no biênio 2018 – 2019 e indicadores relacionados. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2024/Out). [Citado em 18/10/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/analise-espacial-da-incidencia-de-cancer-de-mama-em-mulheres-no-brasil-no-bienio-2018-2019-e-indicadores-relacionados/19392?id=19392&id=19392

Últimos

Artigos



Realização



Patrocínio