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Artigos

0340/2023 - Associação entre exposição ocupacional a agrotóxicos e ototoxicidade em agricultores do Pontal do Paranapanema-SP.
Association between occupational pesticide exposure and ototoxicity in farmers of Pontal do Paranapanema-SP.

Autor:

• Meire Aparecida Judai - Judai, M. A. - <meijudai@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7305-3101

Coautor(es):

• Jamile Silveira Tomiazzi Simões - Simões, J. S. T. - <jamile.tomiazzi@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9024-1080

• Ana Paula Alves Favareto - Favareto, A. P. A. - <anafavareto@unoeste.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8634-9198

• Patricia Alexandra Antunes - Antunes, P. A. - <antunes@unoeste.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2173-9712



Resumo:

O objetivo do estudo foi avaliar os efeitos ototóxicos e saúde geral de agricultores expostos a agrotóxicos na região do Pontal do Paranapanema-SP. Participantes de ambos os sexos com idade entre 18-40, 40-60 e >60 anos, foram alocados em dois grupos: Grupo Não Exposto (GNE) e Grupo Ocupacionalmente Exposto (GOE). Foram avaliados questionário de exposição e saúde, meatoscopia, audiometria tonal liminar, logoaudiometria e imitanciometria. Cipermetrina, clorpirifós e glifosato foram os agrotóxicos mais notificados. Os tempos de exposição relatados em maior frequência foram 0-10, 31-40 e 51-60 anos. Cefaleia, distúrbios visuais e da coluna vertebral foram as queixas mais detectadas, além de hipertensão e distúrbios gástricos e renais. Apenas 35 (18-40) e 30% (40-60) dos GOE apresentaram boa percepção auditiva. Tontura rotatória, infecção de ouvido, zumbido e otalgia foram relatados. Houve aumento de limiares auditivos na frequência convencional e alta em GOE, em quase todas as frequências e idades, além de alteração do reflexo estapediano. Concluiu-se que a exposição ocupacional a agrotóxicos tem potencial ototóxico e pode prejudicar a saúde geral. Ações de saúde que visem a prevenção em agricultores da região do Pontal do Paranapanema são prioritárias.

Palavras-chave:

Agrotóxicos, Saúde ambiental, Perda Auditiva, Equipamento de Proteção Individual

Abstract:

The aim of study was evaluate ototoxic effects and on general health in farmers exposed to pesticides in the Pontal do Paranapanema region, SP, Brazil. Participants of both sexes with ages of 18-40, 40-60 and >60 years were allocated into the two groups: Non-Exposed Group (NEG) and Occupationally Exposed Group (OEG). Questionnaire of exposure and health, meatoscopy, pure tone audiometry, logoaudiometry, high-frequency thresholds, and immittance testing were performed. Cypermethrin, chlorpyrifos and glyphosate were the most pesticides reported. The exposure times related in more frequency in respective age ranges were: 0-10, 31-40 and 51-60 years. Headache, vision and spinal disorders were complaints more detected, in addition hypertension and gastric and renal disorders. Only 35 (18-40) and 30% (40-60) of OEG had good auditory perception. Rotation dizziness, ear infection, tinnitus and otalgia were reported. There was increase in auditory thresholds in conventional and high frequency in OEG, in almost all frequencies and ages evaluated, in addition alteration of stapedial reflex. In conclusion, occupational pesticide exposure has ototoxic potential and can impairs general health. Preventive health actions for farmers in the Pontal do Paranapanema region are a priority.

Keywords:

Pesticides, Environmental Health, Hearing Impairment, Personal Protective Equipment.

Conteúdo:

INTRODUÇÃO
Os agrotóxicos são substâncias e formulações que contêm um ou mais ingredientes ativos destinados a destruir ou impedir a ação de organismos nocivos ou indesejáveis. Agrotóxico, portanto, é toda substância utilizada para minimizar o efeito de pragas. Estes compostos são apresentados sob forma de pós, emulsões e soluções diferentes, com ação potencialmente tóxica tanto na exposição aguda, quanto crônica. Na sua formulação incluem princípio ativo (componentes do agrotóxico), ingredientes inertes (relacionados a características de dosagem e aplicação), coadjuvantes (de acordo com as propriedades físico-químicas do ingrediente ativo) e aditivos (corantes, repelentes, eméticos, entre outros)1. O uso desses agentes tem se tornado indispensável e de grande importância na produção agrícola, especialmente com as crescentes demandas globais por alimentos, associadas às projeções de aumento populacional2. O Brasil destaca-se neste cenário, como o principal produtor agrícola mundial3.
A maior parte dos agrotóxicos utilizados atinge o solo e as águas, principalmente pela deriva na aplicação, controle de ervas daninhas, lavagem das folhas tratadas, lixiviação, erosão, aplicação direta em águas para controles de vetores de doenças, resíduos de embalagens vazias, lavagens de equipamentos de aplicação e efluentes de indústrias de praguicidas4.
As pessoas mais expostas aos perigos da contaminação pelos agrotóxicos são aquelas que têm contato direto no campo, como aplicadores, preparadores de caldas e responsáveis por depósitos, ou contato indireto, ao realizar capinas, roçadas, colheitas etc. Este segundo grupo é o de maior risco, uma vez que o intervalo de reentrada nas lavouras não costuma ser respeitado, além dos trabalhadores não usarem equipamento de proteção individual. Além disso, a população geral que consome a água e alimentos contaminados também representam populações de risco de toxicidade5. Assim, contitui-se um probelma de saúde pública e uma preocupação tanto em relação à população em geral, quanto a trabalhadores rurais6.
Várias doenças evidenciam o quadro alarmante com relação à utilização precariamente controlada dos agrotóxicos. Entre elas estão os problemas pulmonares, dérmicos, cânceres, alterações visuais e auditivas5,7. A audição de moradores dos entornos de áreas de agricultura e de trabalhadores rurais expostos aos agrotóxicos, seja na manipulação e preparação ou na aplicação, pode sofrer grandes danos8,9.
Os profissionais de saúde, por sua vez, enfrentam no Brasil uma enorme dificuldade para diagnosticar, registrar e até mesmo encaminhar pacientes intoxicados por agrotóxicos. Sabe-se que o número de registros é muito menor do que o número real de intoxicações. A Organização Mundial da Saúde reconhece que, para cada caso registrado de intoxicação pelos praguicidas, há 50 não notificados5.
Sena, Vargas e Oliveira10 relatam que além das implicações sobre a saúde geral e a qualidade de vida dos agricultores expostos, os produtos químicos presentes no processo produtivo podem ser nocivos à audição. Assim, a perda auditiva pode representar um sinal precoce de intoxicação pelos agrotóxicos. Com a grande utilização destes compostos e falta de um sistema de vigilância sanitária que acompanhe a audição dos trabalhadores periodicamente, torna-se difícil prever qual o tipo específico de agrotóxico que pode causar dano auditivo. Sabe-se, no entanto, que grande parte desses produtos apresenta potencial neurotóxico, podendo afetar diferentes porções do sistema nervoso central e periférico11.
A perda auditiva pode ser de rápida instalação ou insidiosa e a gravidade depende da quantidade, tempo de exposição e interação com o ototóxico. Pode ocorrer durante a exposição ou meses depois, ocorrendo de forma irreversível. Há evidência de que a exposição crônica aos agrotóxicos induz dano auditivo periférico e central8. Foi observada uma incidência mais elevada de resultados anormais em testes de audiometria tonal entre trabalhadores rurais expostos a agrotóxicos, com uma correlação com o sintoma de zumbido. Notavelmente, os limiares auditivos nas faixas de 4 a 8?kHz mostraram-se mais elevados em comparação com outras frequências, com a frequência de 4 kHz demonstrando a maior magnitude de alteração8.
Segundo Pignati et al.12, o estado de São Paulo possui 8.136.504 hectares de área plantada dos cultivos analisados, com predominância do cultivo de cana-de-açucar (66%), milho (10%), soja (9%) e cítricos (5%) e um consumo de 61.797.269 litros de agrotóxicos. O recorte territorial a qual a população estudada pertence é a região do Pontal do Paranapanema no oeste do Estado de São Paulo, que ocupa uma área de 18.392,16 km2 e apresenta uma população estimada em 620.95313. Esta região apresenta uma característica econômica importante de contraste com o restante do Estado de São Paulo, sendo considerada uma das regiões mais pobres do estado14 e caracterizada pela produção rural e presença de assentamentos rurais15. Estudos anteriores com trabalhadores rurais da região identificaram potencial ototóxico e genotóxico relacionado à exposição a agrotóxicos combinda ao tabagismo16,17. Assim, o presente estudo objetivou analisar a associação entre exposição ocupacional a agrotóxicos e impactos sobre a saúde geral e auditiva em agricultores da região do Pontal do Paranapanema-SP.

MÉTODO
Área de estudo
O recorte territorial compreendeu a região do Pontal do Paranapanema, uma das regiões menos desenvolvidas e de relevante vulnerabilidade social do estado de São Paulo/Brasil, caracterizada pela produção rural e presença de assentamentos rurais15. Nesta região, os participantes do estudo eram dos seguintes município de residência: Álvares Machado, Euclides da Cunha Paulista, Marabá Paulista, Mirante do Paranapanema, Presidente Prudente, Presidente Venceslau, Rosana, Regente Feijó, Sandovalina, e Teodoro Sampaio.
População do estudo
A população do estudo foi recrutada pelo Centro de Referência em Saúde do Trabalhador, Presidente Prudente-SP, Brasil (CEREST/PP). O estudo observacional, prospectivo e transversal foi aprovado pelo Comitê Nacional de Ética em Pesquisa (protocolo CAAE nº 21193113.5.0000.5515).
A amostra populacional foi composta por 119 participantes, de ambos os sexos, maiores de 18 anos. Os critérios de exclusão foram participantes que apresentavam deficiência auditiva genética pré e perinatal, com diagnóstico prévio e histórico de exposição a ruído.
Os participantes foram divididos em dois grupos:
- Grupo Não Exposto (grupo controle - GNE): composto por 35 indivíduos saudáveis, residentes na zona urbana de Presidente Prudente e municípios vizinhos não expostos a agrotóxicos ou outros agentes nocivos ao sistema auditivo.
- Grupo Ocupacionalmente Exposto (GOE): composto por 84 adultos, residentes em assentamentos rurais que desenvolvem agricultura familiar na região, expostos a agrotóxicos por contato direto (aplicação manual, manipulação, plantio e colheita) e indireto (moradores de áreas onde os agrotóxicos são aplicada – exposição paraocupacional).
Os grupos controle e expostos ocupacionalmente a agrotóxicos foram subdivididos em três faixas etárias: 18 a 40, 40 a 60 e acima de 60 anos, considerando a diminuição dos limiares auditivos esperada com o processo de envelhecimento, que ocorre a partir dos 40 anos, e se acentua a partir dos 60, denominada presbiacusia18.

Amostragem e coleta de dados
Inicialmente, os pesquisadores visitaram assentamentos nas seis cidades envolvidas no estudo. Em parceria com o CEREST/PP e interlocutores da saúde do trabalhador, foi realizada uma reunião com os assentados, para informações sobre agrotóxicos, possíveis danos à saúde e sobre o estudo. Após a palestra, os participantes receberam esclarecimentos, orientações e foram convidados a participar do estudo. A amostra do grupo Exposto foi feita por quota intencional com inclusão voluntária dentre todos os presentes às reuniões que aceitaram participar e não apresentavam critérios de exclusão. Não houve busca posterior para incluir, contabilizar ou avaliar as pessoas não voluntárias. Inicialmente, 101 indivíduos aceitaram participar do grupo Exposto, mas 17 foram excluídos por apresentarem história de exposição ao ruído anterior, uma vez que a exposição ao ruído era um dos critérios de exclusão do estudo.
Foi aplicado aos participantes um questionário contendo questões fechadas sobre histórico de exposição a agrotóxicos, saúde geral e auditiva, com base no Protocolo de Avaliação de Trabalhadores Expostos a Ruído e Produtos Químicos do CEREST-PP, protocolo desenvolvido pelo centro, com adaptação. As principais questões abordadas foram: “Trabalha ou trabalhou em ambiente ruidoso?”, “Trabalha ou trabalhou com agrotóxicos? (qual(is), por quanto tempo?)”, “Sente ou sentia algum mal estar após o trabalho?”, “Utiliza ou utilizou E.P.I.?”, “Alguma pessoa na família com problemas de audição?”, “Alguma doença crônica ou grave (qual)?”, “Apresenta irritabilidade?”, “Toma algum medicamento?”, “Acha que ouve bem?”, “Quando houve surgimento da perda auditiva”, “Tem otalgia (dor no ouvido)?”, “Tem presença de zumbido?”, “Qual a natureza do zumbido (contínuo ou pulsátil?”, “O zumbido pode ser descrito como agudo ou grave?”, “Tem sensação de tontura rotatória?”
Previamente ao início da aplicação do questionário, os sujeitos da pesquisa receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para conhecimento e assinatura. Nos casos de concordância em participar, o questionário foi aplicado e os procedimentos realizados, deixando os participantes livres para desistir de participar da pesquisa a qualquer momento, sem nenhum custo de participação.
Os participantes tiveram sua audição avaliada por meio dos seguintes procedimentos:
- Inspeção do conduto auditivo externo: realizada por Otoscópio Mark II 2.5v - OPALINE MD, com o objetivo de verificar as condições para realização dos exames de audiometria tonal e imitanciometria. Caso houvesse algum impedimento para a realização das avaliações audiológicas, como acúmulo de cerúmen obstrutivo, corpo estranho ou perfuração da membrana timpânica, os participantes eram encaminhados ao serviço de otorrinolaringologia para avaliação clínica e conduta de cada caso, antes da realização da audiometria tonal liminar e imitanciometria.
- Audiometria tonal: avaliação dos limiares auditivos por via aérea e óssea, visando verificar o mínimo de tom puro identificado pelo participante, abrangendo as frequências de 250 a 8.000 KHz (frequências convencionais) e de 9.000 a 16.000 KHz (frequências altas). A audiometria foi realizada com audiômetro Interacoustics 2 canais AC 40, fones audiométricos TDH39 (via aérea) e B71 condutor ósseo (via óssea) nas frequências convencionais. Fone de ouvido R-80 KOSS com correção do nível de audição de acordo com os padrões EN60645-4/ANSI S3.6, específico para avaliações em altas frequências.
- Audiometria Vocal: realizada com o objetivo de determinar o menor Limiar de Recepção de Fala (através de uma lista de palavras dissílabas, foneticamente balanceadas) e o Índice Percentual de Reconhecimento de Fala (porcentagem de acertos através de uma lista de 25 palavras monossilábicas, foneticamente balanceadas).
- Imitanciometria: Este procedimento foi realizado com o Imitanciômetro Interacoustics AT 235XP, para determinar as condições da orelha média, verificar a mobilidade da cadeia tímpano-ossicular e a ação do reflexo do músculo estapédico, em ipsi e contralateral.
As avaliações audiológicas foram realizadas dentro de uma cabine acústica (ALS - A-150) medidas: 1,50 X 1,50 X 2,00, com isolamento acústico nas frequências de 125 a 16000Hz.

Análise de dados
Os resultados das avaliações audiológicas foram interpretados por audiogramas, considerando os limiares tonais puros, apresentados pela intensidade sonora medida em decibel (dB) por frequência, medida em Hertz (Hz). As frequências verificadas foram: 250, 500, 1000, 2000, 3000, 4000, 6000 e 8000Hz (convencional) e 9000, 10000, 11200, 12500, 14000 e 16000Hz (alta frequência). As frequências foram classificadas em graves (250 e 500KHz), médias (1.000 e 2.000KHz), agudas (3.000 a 8.000KHz), altas (9.000 a 16.000KHz).
As frequências altas foram estudadas devido à sensibilidade de identificar ototoxicidade, conforme demonstrado nos estudos de Hoshino et. al.19 e Delecrode et. al.8. Além disso, a avaliação de altas frequências permite a identificação precoce de alterações auditivas antes que ocorra perda auditiva na faixa de frequências convencionalmente avaliada20.
O grau da perda auditiva foi avaliado de acordo com Lloyd e Kaplan21 e o tipo de perda auditiva e a configuração da curva audiométrica foram classificados de acordo com Silman e Silverman22.
As respostas obtidas pelos questionários foram analisadas por meio de estatística descritiva. O teste de Wilcoxon foi utilizado para comparar os limiares auditivos entre as orelhas direita e esquerda. Devido à semelhança observada entre as orelhas direita e esquerda, foram considerados apenas os resultados de cada participante (média das duas orelhas). As análises estatísticas dos limiares tonais foram realizadas por meio do teste de Mann-Whitney para comparar as médias entre os grupos de estudo. Relatos de doenças e audição foram analisados pelo teste exato de Fisher. Para analisar as configurações das curvas audiométricas nas frequências convencionais e altas, classificação das perdas auditivas, curvas timpanométricas e reflexos estapedianos, foi utilizado o teste G. As diferenças foram consideradas significativas quando p < 0,05. As análises estatísticas foram realizadas pelo programa Bioestat 5.3.
Após o diagnóstico e análise dos dados, os participantes receberam esclarecimentos, orientações sobre danos aos agrotóxicos, exposição, uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e atendimento auditivo e encaminhamento, quando necessário, para avaliação por outros profissionais de saúde.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
O Pontal do Paranapanema é uma das regiões de maior concentração de assentamentos rurais no estado de São Paulo, motivo pelo qual foi escolhido para a realização desse estudo15. Em consequência dos assentamentos, há predominância de atividades agronômicas nas cidades de Euclides da Cunha Paulista, Marabá Paulista, Mirante do Paranapanema, Rosana, Sandovalina e Teodoro Sampaio24. Portanto a população estudada é constituída de famílias assentadas, caracterizadas pela agricultura familiar, como a principal atividade econômica.
Destacaram-se com o maior número de participantes expostos a agrotóxico, as cidades de Sandovalina (29,76% da população total exposta) e Mirante do Paranapanema (17,85%). Podendo-se justificar o ocorrido em função do fato de Sandovalina apresentar um crescimento maior de áreas plantadas e Mirante do Paranapanema estar entre as duas cidades com maior presença de assentamentos rurais.
A tabela 1 mostra a distribuição dos participantes dos dois grupos de estudo em cada faixa etária considerada. A média de idade dos participantes do GNE e GOE foi de 47,53 e 52,59 anos, respectivamente. O tempo de exposição é um fator preponderante para a caracterização da população estudada e do ambiente no qual a ação do homem tende a repercutir no ecossistema local. Em GOE, os tempos de exposição a agrotóxicos relatados em maior frequência nas respectivas faixas etárias foram: 0-10 (47%), 31-40 (30%) e 51-60 (50%) anos (Tabela 1). Além disso, a minoria dos trabalhadores (18-40: 29%, 40-60: 14% e >60: 29%) relatou o uso de EPI em cada faixa etária.
Foram relatados 17 agrotóxicos de diferentes classes químicas e classificações toxicológicas (Tabela 2). Dos agrotóxicos relatados, 64,70% apresentam potencial neurotóxico, o que pode afetar a audição, equilíbrio, tronco cerebral e via auditivas centrais11. Os inseticidas organosfosforados são conhecidos por apresentarem como mecanismo de ação tóxica a inibição da enzima acetilcolinesterase, o que leva à hiperexcitabilidade neuronal e consequentemente neurotoxicidade25.
Cipermetrina (inseticida piretróide moderadamente perigoso), clorpirifós (inseticida organofosforado moderadamente perigoso) e glifosato (herbicida levemente perigoso) foram os mais frequentes (Tabela 2). Segundo a Lei nº 7.80226, os agrotóxicos devem conter nas suas embalagens informações sobre os perigos à saúde, com frases e símbolos de perigos padronizados para informar o grau de toxicidade do produto. Importante ressaltar que os participantes do estudo relataram exposição a vários compostos no decorrer de sua vida laboral, constituindo valor somativo e não excludente dos compostos relatados. Outro ponto a ser destacado é que os agrotóxicos têm uma variedade de agentes químicos e várias formas de classificação7.
Em função da classe toxicológica dos compostos relatados, é possível prever que os usuários tenham efeitos crônicos negativos na saúde de uma maneira geral e possivelmente na saúde auditiva. Importante destacar que a intoxicação aguda é facilmente detectada, pois apresenta sintomas específicos. Entretanto a intoxicação crônica causa sintomas tardios, em doses baixas e contínuas e podem causar danos irreversíveis à saúde27.
A Tabela 3 apresenta as principais notificações de doenças da população estudada em todas as faixas etárias. Em todas as faixas etárias, houve aumento do percentual de participantes do GOE em relação ao GNE, que relataram sentir mal-estar após o trabalho e irritabilidade. O mal-estar relatado pode estar associado à intoxicação subaguda, possivelmente por exposições persistentes e desprotegidas do trabalhador rural27. Já a irritabilidade tem sido associada à perda auditiva, uma vez que pode ser um dos sintomas não-auditivos de perdas auditivas28.
Presença de pelo menos uma doença crônica e uso de medicação contínua foi maior em GOE nas faixas etárias de 18-40 e 40-60 anos (Tabela 3). Os medicamentos relatados coincidem com as queixas de doenças. A utilização dos medicamentos é influenciada pela estrutura demográfica, fatores socioeconômicos, comportamentais e culturais, perfil de morbidade, características do mercado farmacêutico e das políticas governamentais dirigidas ao setor29. Eles são meios apropriados para o monitoramento do estado de saúde e do desempenho dos sistemas de saúde.
No que se refere ao estado geral de saúde, cefaléia, distúrbios visuais e da coluna vertebral foram as queixas mais detectadas, além de hipertensão e distúrbios gástricos e renais (Tabela 3). No grupo de 18-40 anos, a porcentagem de dor de cabeça, visão, distúrbios da coluna vertebral, distúrbios gástricos e hipertensão aumentou no GOE em comparação com o GNE. Em contraste, apenas a alteração de visão foi aumentada em participantes com 40-60 anos no GOE. No grupo > 60 anos, não houve diferença significativa em nenhuma queixa relatada. Nesta faixa etária, as queixas podem estar relacionadas com o avanço da idade e o histórico laboral de inadequações ergonômicas do ambiente.
Existem várias etiologias para perdas auditivas. O uso de algumas substâncias ototóxicas provocam perturbações transitórias ou definitivas das funções auditiva e vestibular. A observação do comportamento auditivo e das queixas do paciente registradas durante a entrevista inicial em fonoaudiologia, possibilita uma previsão do resultado de seu exame audiométrico30. Com relação à percepção auditiva, apenas 35% (18-40) e 30% (40-60) do GOE apresentaram boa percepção auditiva em comparação com 100% do GNE (p < 0,05), sendo que a perda auditiva foi percebida gradativamente (Tabela 3). A exposição aos agrotóxicos geralmente provoca perdas auditivas de surgimento gradual. Diversos agentes tóxicos podem afetar o sistema auditivo. A forma aguda de intoxicação (neurite tóxica) se caracteriza pelo aparecimento súbito de zumbido, vertigem e diminuição da audição, permitindo estabelecer sem dificuldade uma relação entre causa e efeito. Na forma crônica, a sintomatologia é insidiosa e lentamente progressiva, o que dificulta o diagnóstico causal18.
Tontura de rotação, infecção de ouvido, zumbido e otalgia também foram identificados neste estudo (Tabela 3). A tontura rotatória pode estar relacionado às doenças do envelhecimento, entretanto, pode ser um sintoma subclínico como consequência da exposição aguda ou crônica a agrotóxicos19. Chari e Limb31 indicaram que o zumbido bilateral pode estar relacionado à perda auditiva induzida por agentes químicos.
A análise inicial de comparação dos limiares auditivos mostrou semelhança entre as orelhas direita e esquerda (p > 0,05). Assim, a subdivisão das orelhas não foi considerada para as comparações entre GNE e GOE. Houve aumento dos limiares auditivos na frequência convencional e alta na GOE, em quase todas as frequências e idades avaliadas. No entanto, as maiores alterações foram observadas em alta frequência (Tabela 4). Pode-se associar essa alteração dos limiares tonais nas frequências altas a alterações da estrutura da orelha interna, especialmente da cóclea, onde estão localizadas as células ciliadas32. Com a exposição aos compostos químicos, essas células ciliadas podem sofrer degenerações, o que pode alterar o encaminhamento do som para o nervo vestíbulo coclear, dificultando a condução de impulsos nervosos ao cérebro33,34.
Pelos resultados obtidos dos limiares tonais em função de cada frequência, revela-se que em frequências isoladas, os valores dos limiares auditivos crescem significantemente com o aumento da faixa etária. Existe uma interação significante entre os fatores faixa etária e aumento dos limiares auditivos em frequências altas isoladas. Estas análises foram realizadas para observar se há uma diferença significante entre os limiares auditivos das 3 faixas etárias em estudo, havendo perda de limiar mais significativa entre as faixas etárias de 40 a 60 e acima de 60 anos.
O decréscimo da audição é bastante comum e se inicia entre 40 e 50 anos de idade e continua pelo resto da vida35. A idade provoca um aumento gradual nos limiares auditivos, sendo que a frequência de 4000 Hz parece ser a mais afetada, caracterizando a presbiacusia. A presbiacusia é caracterizada principalmente pelas lesões histopatológicas na orelha interna e nervo coclear; do ponto de vista funcional pela deficiência auditiva sensório-neural. Tem início a partir da quinta década de vida e é atualmente considerada a causa mais comum de perda auditiva no adulto. Portanto, o desencadear do processo degenerativo do sistema auditivo é mais precoce que o conceito de idoso18.
As frequências aguda e alta foram aumentadas no GOE quando comparado ao GNE, em todos as faixas etárias (Figura 1). Os valores dos limiares auditivos crescem significantemente a medida que a frequência é aumenta. Existe uma interação significativa entre os fatores do GNE e o GOE. Levando-se em consideração que muitos agrotóxicos relatados são neurotóxicos, fica difícil identificar o tipo de composto específico associado à perda auditiva, especialmente devido às misturas utilizadas no decorrer dos anos. Cabe ressaltar que a alteração auditiva por exposição a agrotóxicos pode apresentar-se como manifestação precoce de intoxicações36,37.
A perda auditiva por exposição a agrotóxico pode ser de rápida instalação ou insidiosa e a gravidade depende da quantidade, tempo de exposição e interação com o ototóxico. Pode ocorrer durante o episódio de exposição ou meses depois, apresentando-se de forma irreversível. Normalmente é uma perda bilateral simétrica, podendo ser em alguns casos unilateral e assimétrica. O quadro vestibular, embora muitas vezes concomitante, pode aparecer precocemente e mais intenso que o auditivo38 (KÓS, 2012).
Houve diminuição do percentual de participantes do GOE com audição normal no grupo > 60 anos; e foram observadas perdas auditivas leves (25%), moderadas (25%) ou severas (4%) e neurossensoriais (46%) ou mistas (8%) (Tabela 5). Delecrode et. al.8 relatam que a configuração da perda auditiva provocada por substâncias químicas industriais, tais como, pelos defensivos agrícolas, pode ser muito semelhante àquela observada em drogas ototóxicas como aminoglicosídeos e cisplatina, bem como aquela relacionada ao ruído. Os descritores, em geral, dessas desordens são muito semelhantes: perda auditiva neurossensorial para frequências de 3000 a 6000 Hz, do tipo neurossensorial, bilateral, com lesão principalmente em células ciliadas cocleares, sendo a alteração bilateral, simétrica e irreversível.
Os tipos de configuração das curvas audiométricas foram semelhantes entre os grupos nas frequências convencionais. No entanto, a incidência da curva horizontal em alta frequência foi diferente no GOE em todas as faixas etárias. Além disso, a curva descendente leve e a descendente acentuada foram alteradas apenas nos participantes do GOE com mais de 60 anos. As curvas audiométricas mais obtidas no GOE podem associar-se ao tempo de exposição juntamente com o processo de envelhecimento.
Houve diminuição da incidência da curva timpanométrica tipo A na GOE em comparação com a GNE (40-60 anos). A curva imitanciométrica mais observada foi a curva A, que demonstra mobilidade normal do sistema tímpano-ossicular. Entretanto, em GOC foram encontradas as curvas Ar e Ad. A curva tipo Ar que se caracterizou como a segunda de maior ocorrência, indica baixa mobilidade do sistema tímpano-ossicular, enquanto que a curva Ad indica hiper-mobilidade do sistema tímpano-ossicular. Dessa forma, é possível que ocorram mudanças na captação das emissões otoacústicas, devido às variações na admitância do sistema, podendo ser esta baixa ou alta39. Alguns indivíduos, mesmo possuindo audição dentro dos padrões e não reportando problemas auditivos, exibem curvas timpanométricas modificadas (como os tipos Ad ou Ar). Essas alterações podem, em algumas situações, afetar a detecção das emissões otoacústicas39. Considerando que a impedância acústica é a resistência que opõe a orelha média à penetração sonora, isto se dá por intermédio da quantidade de energia sonora que é absorvida e refletida pelo tímpano. Quanto mais flácida está a membrana timpânica, maior energia é absorvida, e quanto mais rígida, maior energia é refletida40. A curva Ar indica rigidez de cadeia ossicular e/ou membrana timpânica.
O reflexo estapediano estava diminuído na GOE (40-60 e > 60 anos). A ausência desse reflexo pode indicar paralisia do nervo do músculo do estribo e perda auditiva neurossensorial nas condições de registro. As modificações na característica de contração do músculo podem ser também relacionadas à alteração da orelha média, doenças cocleares ou lesões de nervo facial40.
Apenas os participantes do GOE (> 60 anos) apresentaram dificuldade leve e moderada (13%) para reconhecer a fala. Não foi possível identificar dificuldades de reconhecimento de fala, uma vez que para avaliar o IPRF, utiliza-se a média tritonal, das frequências 500, 1.000 e 2.000Hz; e as frequências mais acometidas pela exposição a agrotóxicos são as frequências agudas. Muitas vezes, a intoxicação ocupacional e ambiental é lenta e silenciosa. Essas populações podem não sentir dificuldades auditivas que possam ser demonstradas em um audiograma, porém, no seu cotidiano, perdem a qualidade sonora de uma boa compreensão de fala, podendo apresentar dificuldades na comunicação com o meio social em que vivem38. Cabe ressaltar que o fato de não encontrarmos alteração no IPRF, mesmo com limiares alterados, pode indicar lesão coclear, sem comprometimento retrococlear41.
Pelos resultados obtidos dos questionários aplicados e das avaliações audiológicas realizadas é possível evidenciar que as perdas auditivas podem estar associadas a exposição aos agrotóxicos, concordando com estudo de Tomiazzi et al.17. Uma vez que há uma potencialização das perdas de limiares auditivos no GOE, intensificada pela idade do indivíduo e consequentemente pelo tempo de exposição, caracterizando assim uma toxicidade crônica. Por meio das análises audiométricas, foi possível identificar que o GOE apresenta perda de limiares maiores em todas as frequências, quando comparado ao GNE. E estas diferenças, são claramente evidenciadas em faixa etária acima de 40 anos e em frequências altas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente estudo, observou-se ototoxicidade e prejuízos à saúde geral da população da região do Pontal do Paranapanema-SP exposta ocupacionalmente a agrotóxicos, com possíveis danos ao sistema auditivo, decorrentes do tempo de exposição e da idade, com características de toxicidade crônica.
Ações emergenciais de saúde que visem a prevenção e diagnóstico de toxicidade de agrotóxicos em agricultores desta são prioritárias. A avaliação auditiva mostrou-se essencial, principalmente no pequeno agricultor, por ser preditiva e indicar perdas auditivas ototóxicas evitáveis. Os dados obtidos podem subsidiar instituições competentes para implementar programas preventivos de exposição a agrotóxicos em trabalhadores agrícolas e suas famílias. Além disso, os resultados deste estudo possibilitaram a elaboração de uma cartilha explicativa com orientações aos trabalhadores rurais do Pontal do Paranapanema, especialmente sobre a importância do uso dos EPIs, como ferramenta inicial para minimizar os efeitos da exposição.
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Judai, M. A., Simões, J. S. T., Favareto, A. P. A., Antunes, P. A.. Associação entre exposição ocupacional a agrotóxicos e ototoxicidade em agricultores do Pontal do Paranapanema-SP.. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2023/nov). [Citado em 23/12/2024]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/associacao-entre-exposicao-ocupacional-a-agrotoxicos-e-ototoxicidade-em-agricultores-do-pontal-do-paranapanemasp/18966?id=18966&id=18966

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