0217/2007 - AVALIAÇÃO DO USUÁRIO SOBRE O ATENDIMENTO OFTALMOLÓGICO OFERECIDO PELO SUS NUM CENTRO URBANO NO SUL DO BRASIL
The user’s evaluation of the ophthalmologic service offered by SUS (Unique System Of Health) in an urban center in the South of Brazil
Autor:
• Luciane Eloisa Brandt Benazzi - Benazzi, LEB - Bento Gonçalves, RS - Universidade Luterana do Brasil - <lubenazzi@terra.com.br>Área Temática:
Não CategorizadoResumo:
A avaliação do usuário é um importante componente da qualidade dos serviços em saúde. O objetivo deste estudo foi avaliar a satisfação do usuário quanto ao atendimento oftalmológico prestado por um serviço credenciado do SUS num centro urbano do Sul do Brasil. Trata-se de um estudo transversal, onde se aplicou questionário sobre o perfil socioeconômico e demográfico do usuário, questões relacionadas à qualidade do atendimento e sugestões e/ou reclamações referentes ao atendimento e ao serviço. Calculou-se a amostra no programa EPINFO versão 6.0, tendo como base 1200 atendimentos mensais, totalizando 355 usuários. Os resultados mostraram que 77,1% dos usuários estavam satisfeitos com o atendimento médico. Entretanto, 75,4% apontaram deficiências relacionadas ao tempo de espera no local, à duração da consulta e na relação interpessoal com médico e atendentes. Verificou-se que 36,3% consideraram o serviço oftalmológico oferecido pelo SUS como péssimo e regular. Desta forma, é fundamental repensar as práticas profissionais e intervir sobre a forma de organização deste serviço, visando seu aperfeiçoamento e satisfação do usuário.Palavras-chave: Avaliação, Oftalmologia, Sistema Único de Saúde, Usuário
Abstract:
The user's evaluation is an important component of the quality of the services in health. The goal of the present study was to evaluate the user's satisfaction with the ophthalmologic service rendered by an accredited service of The Unique Health System (SUS) in an urban center of the South of Brazil. It is a traverse study in which a questionnaire was applied about the user's socioeconomic and demographic profile, questions related to the quality of the service and suggestions and/or complaints regarding to the attendance and the service. The sample was calculated in the program EPINFO version 6.0, it had as its base 1200 monthly services, in a total of 355 users. The results showed that 77,1% of the users were satisfied with the medical service. However, 75,4% pointed deficiencies related to the time they had to wait in the place, to the duration of the consultation and in the interpersonal relationship with doctor and other attendants. It was verified that 36,3% considered the ophthalmologic service offered by SUS as terrible and regular. This way, it is fundamental to rethink the professional practices and to intervene on the form of organization of this service, seeking its improvement and the user's satisfaction.Key-words: Evaluation, Ophthalmology, Unique System of Health, User
Conteúdo:
De acordo com Pisco1, avaliar é diagnosticar e mudar uma realidade a fim de intervir e aperfeiçoá-la, tornando-se um instrumento de mudança para que os serviços de saúde cumpram padrões mínimos de qualidade e que atendam às reais necessidades da população2.
Nesta perspectiva, a avaliação está intrinsecamente relacionada à percepção, à subjetividade do usuário, onde “um novo olhar”, mais detalhado e criterioso, voltado para a satisfação, deve ser acompanhado e assimilado pelos profissionais da saúde. Para isto, de acordo com Turris3, é necessário utilizar diferentes lentes teóricas para entender a satisfação do paciente, considerando distintos valores, crenças e visões de mundo. Registrar a satisfação ou insatisfação dos usuários de um serviço de saúde torna-se um indicador importante, o qual revela os aspectos que precisam ser melhorados, gerando, desta forma, aprimoramento institucional e profissional.
Segundo Esperidião e Trad4, a satisfação pode refletir em diferentes objetivos de pesquisa, como a avaliação da qualidade ou o conhecimento da percepção do usuário, estando relacionada a eventos médicos e não médicos, devendo ser valorizada como parte dos estudos das relações interpessoais no âmbito dos serviços de saúde e como instrumentos de controle social.
O Ministério da Saúde5, em 2006, lançou a Pesquisa Nacional de Avaliação da Satisfação dos Usuários do SUS, nos diferentes níveis de atendimento, tendo como objeto de estudo a satisfação e a percepção do usuário como um dos componentes da avaliação do sistema. Desta forma, propiciou ao usuário a oportunidade de opinar sobre as políticas de saúde e avaliar o atendimento recebido, destacando os pontos críticos do sistema, a fim de que os gestores possam sanar os problemas encontrados.
Tendo em vista que na literatura científica encontra-se um número reduzido de estudos referentes à satisfação do usuário do serviço oftalmológico oferecido pelo SUS6,7,8 e por instituições particulares9,10,11,12, o objetivo deste trabalho foi avaliar o atendimento oftalmológico pelo SUS prestado num centro urbano no Sul do Brasil, detectando, assim, as necessidades e prioridades para melhorar a qualidade do serviço, sob a ótica do usuário.
Material e Métodos
Área de estudo e população alvo
O município de Canoas localiza-se na região Sul do Brasil, no Estado do Rio Grande do Sul, distante 12 km da capital Porto Alegre e é constituído somente por zona urbana. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)13 a estimativa para 2006 é de 333.322 habitantes, sendo o município mais populoso da Região Metropolitana.
O município conta, até o presente momento, com um Centro de Atendimento Especializado em Oftalmologia que oferece atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), embora o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde do DATASUS14, atualizado em setembro de 2006, apresente três estabelecimentos credenciados. Este Centro conta com oito (8) profissionais médicos especializados (oftalmologistas) para atender a demanda.
A população alvo deste estudo formou-se por usuários do SUS dos serviços oftalmológicos, neste município.
Tipo de estudo, amostra e amostragem
O estudo caracteriza-se por ser transversal. O cálculo do tamanho amostral foi determinado através do programa Epi Info, versão 6.0, após a realização da média aritmética mensal de 1200 atendimentos, com base nas informações adquiridas no próprio estabelecimento, estimando uma prevalência de 50% de satisfação. O nível de confiança foi de 95%, com margem de erro de 5%, estimando-se uma amostra de 291 indivíduos. Considerando uma possível perda de 20% foram selecionados 355 usuários. A amostragem foi realizada por meio de sorteio das pessoas que buscaram atendimento no serviço em dias e horas alternados, possibilitando contemplar o expediente dos diferentes médicos. Houve recusa de 1,4% da amostra em participar (n=5) e 1,4% não responderam a segunda etapa do questionário (n=5).
Coleta de dados
Para a obtenção das informações dos usuários, utilizou-se questionário estruturado, com perguntas abertas e fechadas, desenvolvido para os fins do estudo, o qual foi aplicado por um entrevistador treinado, no local de atendimento, no período de abril a agosto de 2006.
Para assegurar a confiabilidade, credibilidade e compreensão, realizou-se um estudo piloto no próprio estabelecimento, sendo que os dados obtidos não fizeram parte da amostra.
Os questionários foram aplicados em duas etapas. Inicialmente abordaram-se questões referentes ao perfil socioeconômico e demográfico, seguido de questões relacionadas à resolutividade e à qualidade do atendimento, sendo que, ao término, proporcionou-se ao usuário apresentar sugestões e/ou reclamações referentes ao atendimento e ao serviço.
Processamento e Análise dos dados
O processamento dos dados foi efetuado através de dupla digitação, utilizando-se o programa Epi Data 3.1 e a análise estatística foi realizada no programa Statistical Package for Social Sciences - SPSS® for Windows, versão 10.0. As diversas variáveis foram analisadas, inicialmente, descritivamente; posteriormente, verificou-se a associação entre as variáveis mediante o teste do Qui-Quadrado, adotando-se o nível de significância de 5% (p ≤ 0,05).
Ética da pesquisa
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Luterana do Brasil, bem como autorizado pelo Departamento de Vigilância Sanitária de Canoas - RS. Todos os participantes concordaram integralmente em responder o questionário, tendo sido garantido o anonimato, bem como assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. No caso dos participantes menores de 18 anos, os pais ou responsáveis responderam o questionário e assinaram o consentimento.
Resultados
Perfil dos usuários
A população estudada foi composta por 355 usuários, onde a maioria pertencia ao sexo feminino (67%). A idade variou de 9 a 86 anos, com média de 49,01 anos (DP=16,604), predominando a cor da pele branca (79,7%). Relativo ao estado civil constatou-se que 57,2% eram casados ou viviam maritalmente. Verificou-se que a renda média mensal familiar foi de R$ 784,00 (DP= 565,65). Quanto à escolaridade, 58,9% estudaram até 7 anos completos.
Como motivo principal de consulta, 43,4% relataram não enxergar bem e quanto à média de tempo que haviam percebido o problema, a mesma foi de 444 dias (DP=514,27).
Atendimento e Satisfação
As informações referentes à satisfação dos usuários com o serviço encontram-se na Tabela 1, na qual destaca-se que a amostra avaliada apresentou um índice de insatisfação com o atendimento médico de 22,8%, tendo como principais causas desse resultado o fato da consulta ter sido muito rápida; a falta de atenção e de diálogo; a não explicação do atual problema e a dúvida quanto ao diagnóstico devido ao tempo da consulta. Observou-se que 16% não indicariam o serviço para outras pessoas e 36,3% consideraram o serviço oftalmológico oferecido pelo SUS como péssimo e regular.
A conduta médica, de acordo com a percepção dos usuários, e a satisfação com o atendimento médico podem ser visualizadas na Tabela 2 onde, com exceção das variáveis referentes a perguntas sobre o atual problema e sobre outros problemas de saúde, as demais apresentaram diferença estatisticamente significante (p=0,000). Ressalta-se o percentual de usuários que relataram que o médico não se interessou pelo atual problema (66,9%) e que o médico não perguntou sobre outros problemas de saúde (92,9%).
No que se refere ao tempo destinado à consulta oftalmológica, 53,1% dos usuários informaram que a consulta durou menos de 5 minutos, sendo este tempo considerado muito rápido pelos respondentes.
A Tabela 3 apresenta as principais variáveis que influenciaram a satisfação dos usuários no que tange ao atendimento médico, onde observa-se que ter sido atendido no dia marcado (p=0,037); sempre consultar com oftalmologista pelo SUS (p=0,005); ter sido bem recebido na recepção (p=0,002); confiar no médico (p=0,000); maior tempo de duração da consulta (p=0,001) e a expectativa do atendimento ter sido contemplada (p=0,000) estavam associadas à satisfação do atendimento. Ressalta-se que o fato dos usuários terem permanecido no local por um longo período para serem atendidos não influenciou na satisfação do atendimento médico.
Com relação às principais variáveis que influenciaram a opinião geral sobre o serviço oftalmológico oferecido pelo SUS, as mesmas podem ser visualizadas na Tabela 4, sendo que as variáveis que demonstraram diferenças estatisticamente significantes foram: sempre consultar com oftalmologista pelo SUS (p=0,015); ter sido bem recebido na recepção (p=0,001); confiar no médico (p=0,000); duração da consulta (p=0,000) e a expectativa do atendimento ter sido contemplada (p=0,000).
Sugestões e reclamações
Dos 350 respondentes, 264 (75,4%) emitiram sugestões e/ou reclamações referentes ao serviço e ao atendimento. As principais sugestões e queixas dos usuários estão direcionadas para a falta de organização e agilidade na recepção; espera demasiada para ser atendido; necessidade de melhorar a relação interpessoal, tanto com o médico quanto com os atendentes; priorizar atendimento aos idosos; disponibilizar copos descartáveis; aumentar o número de cadeiras; preocupar-se mais com a limpeza dos ambientes, em especial dos banheiros; existência de painéis eletrônicos de chamada e, principalmente, atender na hora marcada.
Discussão
Inicialmente, deve-se considerar que este estudo é transversal, apresentando limitações inerentes a este tipo de pesquisa. Deste modo, a observação do desfecho e dos fatores de exposição foi realizada num mesmo momento, sendo este tipo de estudo inadequado para testar hipóteses causais.
Além disso, a mensuração da satisfação do usuário de um serviço de saúde torna-se complexa uma vez que reflete opinião, percepção e subjetividade, bem como depende de sua expectativa. Todavia, os resultados encontrados podem fornecer subsídios para o melhoramento deste serviço, onde o usuário é o elemento central, impulsionando mudanças necessárias à dinâmica organizacional.
Esperidião e Trad15, relatam que, para alguns autores, as pesquisas realizadas no domicílio estão mais relacionadas com os resultados do atendimento, referindo-se ao desfecho clínico, bem como apresentam a vantagem de que com o passar do tempo o indivíduo tende a se tornar mais crítico, recordando-se de momentos desagradáveis. Tendo em vista o objetivo deste estudo, que era avaliar a qualidade do atendimento e do serviço, o mesmo ocorreu no próprio local. Nesta acepção, pesquisas realizadas logo após a consulta, na unidade de saúde, buscam resgatar a experiência concreta do usuário no serviço, evitando viés de memória15, assim como costumam estar associadas a aspectos da relação médico-paciente16.
De acordo com Dachs17, a idade, o gênero e a origem racial são variáveis demográficas que podem caracterizar a distribuição de saúde numa determinada população. A idade é a característica pessoal mais associada à ocorrência de doenças18, sendo que a partir dos 50 anos aumenta o risco de desenvolvimento de doenças oculares e sistêmicas11, ratificando a média encontrada neste estudo (49 anos). No que tange ao sexo, observou-se o predomínio de mulheres (67%), o que se assemelha aos demais estudos7,8,11,12,19,20 da área oftalmológica, assim como corrobora com estudos21,22 realizados sobre o perfil dos usuários dos serviços de saúde, no Brasil, onde as mulheres são as que mais procuraram atendimento. Cabe destacar que no Rio Grande do Sul e no município estudado a população feminina é maior em relação à masculina (4 e 5%, respectivamente)13. Além disso, Ventura e Brandt12 relatam que geralmente as atividades cotidianas das mulheres requerem uma exigência melhor da coordenação viso-motora, o que poderá explicar essa maior freqüência na procura por atendimento oftalmológico.
No que se refere à cor de pele, verificou-se um baixo percentual de pessoas de cor parda ou negra (20,3%), bem como não houve diferença estatisticamente significativa ao relacionar esta variável com a satisfação do atendimento médico e do serviço. Assim sendo, não verificou-se desigualdade no atendimento oferecido pelo serviço aos diferentes grupos raciais, diferentemente da afirmação de Lopes23, a qual relata que os serviços de saúde não têm assegurado aos negros o mesmo nível e qualidade de atenção apresentado aos brancos. Contudo, há um aspecto que se deve considerar, ou seja, o mecanismo, muitas vezes, utilizado pelo usuário para a não percepção ou aceitação de atitudes negativas dos profissionais da área da saúde. Enquanto estes simulam atendimento igualitário, os usuários fingem não perceber atitudes discriminatórias23.
Relativo à escolaridade, os achados corroboram com outros estudos20,24, confirmando a predominância de pacientes de baixa escolaridade no grupo de usuários do SUS. Porém, diferencia-se dos resultados encontrados por Hercos e Berezosvly7, os quais constataram o predomínio do nível médio.
A indicação do serviço para outras pessoas pode ser considerada como outro parâmetro da qualidade. Verificou-se, neste estudo, que 16% dos usuários não indicariam o serviço em questão, indicando somente para quem não tivesse condições financeiras. Este fato demonstra que, ainda que o SUS tenha sido concebido para abarcar toda a população, independente das condições socioeconômicas, gera a impressão de que a política pública de saúde está dirigida para a classe social menos favorecida.
Outra questão relevante é que a coleta de dados realizada no local do serviço não impediu que o usuário criticasse ou sugerisse melhorias e apontasse as deficiências deste serviço. Desta forma, queixas e reivindicações são condutas do usuário possivelmente indicativas de defeitos na organização da atenção ou na relação usuário/profissional25, confirmando os resultados encontrados. Assim sendo, ressalta-se que 77,1% demonstraram satisfação com o atendimento e que 75,4% propuseram sugestões de melhorias ou reclamaram sobre o serviço prestado, o que revela a necessidade da participação da população na gestão do sistema, bem como indica certo sentido de direito na busca por melhorias neste serviço.
A participação ativa, autônoma e representativa da população é de extrema importância quando se concebe a construção do SUS também como um processo de aprendizado e de conquista da cidadania e independência26.